O Fazedor de Velhos - Rodrigo Lacerda

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O professor venceu: a May umi voltou para a França, eu fiquei. No dia infeliz, fomos levá-la ao aeroporto. Até ele chorou, na hora da última despedida. Prometemos um ao outro manter contato diário, por carta, telefone, e-mail, pombo-correio, icq, msn, transmissão de pensamento, sinais de fumaça, sei lá. Num primeiro momento, achei que o vazio dentro de mim iria explodir, por um palito de fósforo, como uma nuvem de gás presa num depósito abandonado. O professor nunca havia morado sequer na mesma cidade que ela, e portanto talvez não estranhasse demais sua ausência. Contudo, ele dizia, agora era diferente. Desde a morte da avó da May umi, sentia-se mais responsável, mais ligado à afilhada. E acrescentou: – Minha saúde já não é a mesma. Tenho medo de nunca mais vê-la. Quando ele disse aquilo, desconversei. Disse que estava exagerando. Depois, sem outra opção, eu e ele voltamos ao trabalho. O roto e o esfarrapado. Fui em frente com meus perfis de personagens. Se não servissem para nada, pelo menos distraíam a cabeça. E o professor seguiu com suas leituras, ainda menos lógicas que as minhas. Só Deus sabia (se é que Ele sabia) onde a nossa pesquisa acabava... Mas o trabalho era uma rota de fuga da ausência. Eu e a May umi cumprimos nossa promessa. Todos os dias alimentávamos a saudade, essa dor deliciosa, e pelo menos uma vez por semana nos falávamos ao telefone. No amor, porém, nada substitui a proximidade física. Sofríamos do mesmo jeito. Apenas uma coisa boa aquela separação provocou. Entre mim e o professor, a tristeza comum foi criando um clima bem mais amistoso. Ele já não era grosso comigo, nem tão esquisito. E nunca mais me chamou de “senhor”. Se não dá para dizer que conversávamos como amigos, de igual para igual – visto que ele era um sábio e eu, uma “bolotinha fecal” –, digo que pelo menos conversávamos como mestre e discípulo, dois seres complementares. Falávamos sobre tudo. E, claro, falávamos sobre a May umi e sobre o amor. Para minha surpresa, o professor falava muito, e muito bem, sobre o assunto. Onde aquele solteirão aprendera tanto a respeito; com a mulher do cemitério? Ao longo daqueles meses, me ouvindo falar do que sentia pela May umi, e ao confirmar o quanto era sincero este sentimento, o velho Nabuco também abriu seu coração. Me falou das histórias da sua infância, da amizade com os pais da May umi, do casamento dos dois, da morte na estrada. Me contou como era a avó que a tinha criado. Lembrou dela criança. E, feito quem não quer nada, contou como a May umi o apelidara de Fazedor de Velhos. Foi no escritório, à noite (eu já não tinha horários certos na casa; às vezes até dormia lá), que isso aconteceu: – Ela estava aborrecida, na festa de um primo mais velho. Devia ter uns sete anos, e todos os convidados, meninas e meninos, tinham uns quatro anos a mais. Por isso a esnobavam um pouco. Então chegou perto de mim e perguntou:


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O Fazedor de Velhos - Rodrigo Lacerda by Juliano Barboza Jr. - Issuu