Fixe Malaike - o cotidiano de brasileiros em Angola

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Fixe Malaike - O cotidiano dos brasileiros em Angola

3. Um império brasileiro

engenheiro, direito a ter a família em Luanda, mas acha que não é o momento. Dos seus quatro anos de Odebrecht, os últimos dois e meio que passou em Angola elevaram seu padrão de vida. Com o salário que ganha, paga a faculdade de Nutrição da esposa e o Colégio Marista para a filha, na opinião dele o melhor de Patos de Minas, cidade onde as duas moram. Em Luanda os filhos de estrangeiros geralmente estudam na Escola Portuguesa ou na Escola Americana, que custam em média US$ 19 mil por ano. Com a economia de manter a família no Brasil, o que sobra dá para investir em imóveis em sua própria cidade e aplicar na bolsa de valores. Às vezes a esposa liga chorando e diz que estão perdendo momentos que nunca mais vão voltar, Waner não está vendo a filha de sete anos crescer e, no futuro, vão olhar para trás e se dar conta de que o dinheiro não compensou essa ausência. O engenheiro não discorda, mas acha que ainda não é hora de voltar, nem sabe quando vai ser. Evita dizer que o dinheiro é o fator preponderante e usa sempre o discurso do desafio, a importância disso na carreira. A gerência do Programa Águas de Luanda da Odebrecht, projeto no qual Waner trabalha, fica no município de Viana. Nas paredes há vários retratos de José Eduardo dos Santos. Negam o boato de que o presidente de Angola tenha ações dentro da empresa. Mas este parece só um detalhe, independente disso, foram obras da empreiteira brasileira quase tudo no bairro de Talatona, condomínios, pavimentação das ruas, rede de água de inteira responsabilidade deles. A gerência fica dentro da Zona Econômica Especial (ZEE), que está sendo construída pela empresa em uma área de oito mil hectares, destinada à instalação de pelo menos 80 indústrias que deverão contribuir para a independência econômica de Angola. Estão previstas empresas de alimentação e bebidas, manufatura de produtos agrícolas, vestuário e calçado, indústrias têxteis, químicas, farmacêuticas, metal-mecânicas. A montadora chinesa Nissan é a primeira a se instalar e terá um prazo de 28 anos para atuar no país, que podem ser prorrogados ou a fábrica passará para mãos do governo.

A entrada da ZEE é controlada de uma cabine amarela de metal, onde só cabe uma pessoa. Para entrar ou sair basta que baixem uma corrente, que fica atravessada a meio metro do chão. Quem cuida da portaria é um tropa, como são chamados popularmente os policiais angolanos, já que muitos faziam parte da tropa nos tempos de guerra. No fim do expediente de sábado, Waner repete o caminho de volta para casa de todo dia. Mas dessa vez, o tropa levanta a corrente e não o deixa passar. O engenheiro eletricista se irrita. Só quer ir para casa, por que o tropa tem que impedi-lo? Sua tentativa de argumentar é interpretada como desacato à autoridade. Situações como essa não são raras entre policiais e motoristas, principalmente quando estes são estrangeiros. Waner acha que o tropa só está à espera de alguns kwazas de gasosa (propina) para liberá-lo, mas ele insiste em ter razão e fica detido ali no posto de Viana. Minutos depois, com a troca de telefonemas entre superiores da Odebrecht e da polícia, ele vai embora. Em dezembro de 2010, Waner vai embarcar no voo da alegria - como é chamado o avião fretado para os funcionários da Odebrecht no final do ano. Ele chegou a Luanda em novembro de 2008, e não passou os últimos dois Natais com a família. A cada período de renovação de visto, ou ao fim de um projeto, as pessoas são mandadas de volta. A empresa também tem como política evitar que os funcionários fiquem mais de cinco anos em um país. Com a crise econômica houve um grande êxodo de brasileiros. A Odebrecht que chegou a ter 12 mil, em 2010 está só com 1200. A responsável pelas relações institucionais da Odebrecht em Angola, Letícia Korndorfer, diz que o principal motivo para muitos voltarem não foi a queda de preço do petróleo de US$ 147 em julho de 2008 para US$ 42 em janeiro de 2009 e a falta de pagamento por parte do governo angolano. Ela argumenta que Angola teve um boom com o fim da guerra e a empresa teve muitos projetos requisitados pelo governo e que agora já não são tantos e o número de brasileiros pode ser reduzido, até porque

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