Ilha das Bruxas - Gênero, cidade e ocupação feminina

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ILHA DAS BRUXAS gênero, cidade e ocupação feminina


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universidade federeal de santa catarina arquitetura e urbanismo trabalho de conclusão de curso júlia miola silva professor orientador rodrigo gonçalves

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“Fala a Estória popular ilhoa que mulheres bruxas, chefes de bandos comunitários bruxólicos, se reúnem, de tempos em tempos, em lugares ermos, “pra mo’ de” tratarem da organização e continuação da vida fictícia de suas sinas diabólicas através dos séculos e também pra prestarem obediência ao seu chefe inferneiro, o foguista, o fogoso e gostosão ex-anjo Lúcifer.” Franklin Cascaes. Fantástico da Ilha de Santa Catarina. Conto: Congresso Bruxólico (p.31-41). P. 40.


Esse trabalho se propõe a estabelecer uma reflexão acerca da mulher e dos espaços de Florianópolis (SC), sob a perspectiva das personagens mais emblemáticas do folclore da cidade: as bruxas. Essa temática surgiu como um ponto de partida de investigação e pretende-se torná-la ferramenta para entender possíveis analogias e semelhanças entre história, imaginário popular, marginalização de corpos, misoginia e o que tudo isso tem relacionado à cidade de Florianópolis.




À Thay, por ter sido minha irmã de alma. À Cris, pelo coração gigante que me recebe sempre. À Cami, pela força que me inspira. Ao Di, Tefo, Ju, Bruno, Arthur, Juskow, Eliza, Lia, por terem colorido esse caminho comigo. A todas as outras amigas e amigos da graduação que, por sorte minha, são tantos que não caberia listar aqui. Ao Gonça, pela liberdade e horizontalidade ao me orientar nesse trabalho. Às professoras Soraya e Marina, por ajudarem imensamente no processo. Ao Coletivo Urbanas, por ter representado uma virada crucial na minha formação e cruzar meu caminho com o de mulheres extraordinárias. Às Judites, pela amizade que atravessa tempos. À Had, Deva, Nadir, Muts, Math e Thi que me acompanharam nas minhas descobertas do mundo e de mim mesma. À Ste, pela companhia que me aquece e ilumina. À minha terapeuta, por me ajudar a olhar pra vida com mais nitidez e leveza. Ao meu irmão, que é meu parceiro de vida e o cara mais legal do mundo. Ao Juni, meu tio e padrinho, que me dá imensa alegria e suporte em tudo. Ao meu pai que me ensina tanto e, desde o começo, possibilitou que esse caminho fosse trilhado. À minha mãe, que, mesmo não estando mais presente em corpo, me acompanha na minha força, nos meus traços, na minha voz e no meu ser mulher. Muito obrigada, de coração.


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origem 13 gĂŞnero 17 bruxas 23 reflexos 29 grito 59 ecos 83 raĂ­zes 87

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0.


origem


///motivações

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A escolha da abordagem para o meu trabalho de conclusão de curso não foi um processo pontual, realizado do dia para noite, às vésperas de seu início. Há pelo menos 3 anos, venho cada vez mais me interessando, estudando, aprendendo sobre gênero e feminismo, bem como me reconstruindo pessoalmente em passo constante. Este é um período relativamente curto, o que ainda me proporciona muitas descobertas e desafios, me fazendo crescer dia após dia. Acredito que esse crescimento, no meu caso, só foi possível através de minhas vivências. Ainda que sem saber, desde criança vivi a desigualdade de gênero de perto. Questionava os brinquedos e vestimentas “de menina” que me eram apresentados, meus papéis nas brincadeiras e até minha própria sexualidade desde muito cedo. Entretanto, me entender conscientemente como uma mulher feminista foi um processo que começou desde que perdi minha mãe, aos 17 anos de idade, momento em que passei a sentir alguns dos maiores reflexos da desigualdade de gênero, me tornando a única mulher dentro da minha casa. Além disso, entender aos poucos minha sexualidade e assumir um relacionamento amoroso com outra mulher, aos 20 anos de idade, foram movimentos que me demandaram e demandam constantemente um olhar atento para as questões sociais ligadas ao tema. Em meio a esses e outros processos, cursar Arquitetura e Urbanismo passou a fazer muito mais sentido para mim. Minha percepção da cidade, dos espaços e sociedade ficaram mais claras sob a perspectiva de gênero. Foi aí que, juntamente a algumas colegas de curso que viveram experiências semelhantes às minhas, participei da criação do coletivo feminista do curso: o Coletivo Urbanas.

O Coletivo vem desde 2016 estudando e debatendo gênero na sociedade, na arquitetura, no urbanismo e na academia. Além disso, passou a acolher e agregar meninas de diversas etapas do curso, criando laços fortes e poderosos. Essa experiência ajudou ainda mais a esclarecer minha visão de que Arquitetura e Urbanismo estão ligados a gênero de maneira intrínseca e que essa ligação ainda é extremamente inexplorada no campo, demonstrando urgência de debate e atuação. E foi, também, nos primeiros dias em que tive contato com esse grupo, a temática das bruxas surgiu, em uma roda de conversa sobre gênero. Discutir a representação das bruxas, imagens tão emblemáticas do folclore de Florianópolis, como sujeitas que foram estereotipadas e temidas por subverterem várias regras impostas às mulheres e ocuparem o espaço público de maneira desviante, foi elucidante e instigador. As representações pictóricas e os contos bruxólicos de Franklin Cascaes, os quais cresci estudando na escola, foram ressignificados por mim naquele momento. A temática me tocou de maneira imediata e definitiva. No processo de entendimento de todas essas questões, me deparei com uma autorreflexão profunda acerca do meu compromisso, enquanto feminista e futura arquiteta, para com a cidade - que além de ser o instrumento principal da profissão, é o cenário onde os gêneros atuam, se relacionam, se diferem e, assim, de alguma forma condicionam o espaço. E é nessa reflexão ao longo desses anos, somada à curiosidade de estudar uma temática como a das bruxas, que está minha intenção de trabalhar com gênero e cidade no meu TCC.

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1.


gĂŞnero


///gênero

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Vivemos numa sociedade que obedece modelos hierárquicos que decorrem de processos históricos, econômicos e políticos. Essas hierarquias existem e coexistem de várias maneiras, como produto do capitalismo - sistema ao qual cabe a manutenção de relações de poder entre as classes, mas também entre raças e entre gêneros. Além de vivermos dentro de um sistema capitalista, vivemos em uma sociedade patriarcal, isto é, um sistema onde os homens se encontram majoritariamente no poder político, econômico e social, tal qual uma família onde o pai é o provedor e “chefe” de sua mulher e de seus filhos - daí o termo “patriarcado”. Segundo Joan Scott (1988), “(...) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos(...)”. Isto é, de forma resumida, quando alguém nasce biologicamente fêmea, se é designada como mulher; quando nasce biologicamente macho, se é designado como homem. É importante frisar que essa lógica dicotômica que categoriza as pessoas não é imutável e absoluta. Há pessoas, denominadas transgêneros, que não se identificam com essas designações (uma vez que elas são imposições) e, em linhas gerais, se portam socialmente de acordo com os padrões comportamentais e/ou fenotípicos do gênero oposto. Essa parcela de indivíduas e indivíduos também está sujeita a esse sistema de hierarquia entre gêneros. Essa diferenciação de gêneros não é apenas uma divisão de nomenclatura, pois carrega consigo uma série de padrões comportamentais impostos às indivíduas e aos indivíduos desde antes de seu nascimento e condiciona lugares, físicos ou não, que estes ocupam. Estes padrões são os chamados papéis de gênero. Desde a descoberta do sexo biológico das crianças, são pré-definidos seus gostos, interesses, modos, vestimentas, etc. Espera-se que homens sejam viris, fortes, poderosos, líderes, ágeis, enérgicos; e às mulheres cabe a delicadeza, o cuidado, a vaidade, a sutileza, a submissão; Características que, portanto, são condicionantes do comportamento e lugar dos sujeitos e sujeitas1. Simone de Beauvoir discorre sobre este aspecto quando afirma: “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico,

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Uso, neste trabalho, o termo sujeita, contrapondo a não-existência do termo nos dicionários da língua portuguesa, no intuito não só de pensar na língua num sentido menos automático - e machista -, mas também reforçar a ideia “do sujeito” ao qual me refiro: a mulher.

psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro.” (BEAUVOIR, 1970, Vol. 2, p.9) Esses papéis estabelecem de maneira clara uma hierarquia: o homem dominante e a mulher dominada. Joan explica essa relação quando coloca que o gênero “(...) é uma forma primária de dar significado às relações de poder.” (SCOTT, 1988). É dessa dicotomia “dominante x dominada” que surge a desigualdade entre os gêneros; estando intrínseca, portanto, na dinâmica das relações sociais. Dito isso, entende-se também que não é apenas a questão gêneros que assumem uma posição desigual na sociedade; existe uma série de questões hierárquicas que a permeiam. É fundamental, então, considerarmos o fato de que há diversos tipos de sujeitos e sujeitas, atravessadas por contextos diferentes e que, por esse motivo, ocupam de maneira diferente as cidades. Questões como raça, classe social, idade, condições motoras, condições psicológicas, e gênero definem essa diferença de ocupação. Entender que o “ser mulher” e ocupar essa posição de submissão na hierarquia de gêneros também engloba todas essas outras condicionantes, é fundamental. Judith Butler explana esse assunto: “Se alguém ‘é’ uma mulher, isso certamente não é tudo o que esse alguém é​; o termo não logra ser exaustivo, não porque os traços predefinidos de gênero da ‘pessoa’ transcendam a parafernália específica de seu gênero, mas porque o gênero nem sempre se constitui de maneira coerente ou consistente nos diferentes contextos históricos, e porque o gênero estabelece interseções com modalidades raciais, classistas, étnicas, sexuais e regionais de identidade discursivamente constituídas. Resulta que se tornou impossível separar a noção de ‘gênero’ das interseções política e culturais em que invariavelmente ela é produzida e mantida.” (BUTLER, 2003, p. 20) Cada uma dessas questões e a possível combinação delas, é determinante para que cada mulher experiencie as relações sociais de maneira diferente. Portanto, não é possível pensar em gênero dissociado de todas intersecções que a ele se inserem.


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///gênero e cidade

Mesmo entendendo que gênero não é uma categoria de análise social dissociada de outras, é possível concluir que a vivência das mulheres nas cidades de maneira geral está diretamente ligada a ele. A cidade, assim como diversas outras esferas, é pensada aos moldes de um sujeito padrão: o homem. Camila Abad em seu trabalho “No (an)Seio de novas apropriações: as mulheresmães, você e a UFSC” reflete que: “É ao homem que pertence o mundo e é o homem que organiza o mundo. De acordo Beauvoir (1970), a mulher encontra-se então na posição do Outro, daquilo que não é o centro do pensamento político​​e​s​ ocial​​de​​um​​modo​​geral.” (ABAD, 2018). Isso interfere, entre outros âmbitos, portanto, na criação e no uso dos espaços em suas diversas escalas. A cidade, como cenário e ao mesmo tempo produto de relações hierárquicas comandadas pelo sujeito homem, branco e de classe média (o sujeito padrão), reflete as desigualdades entre os gêneros causadas pelo mesmo. A arquiteta e urbanista Zaida Muxi reforça a ideia dos papéis desiguais de gênero, numa relação entre espaço público e privado:

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“A construção dos gêneros articula-se de acordo com as hierarquias que a estrutura patriarcal traz consigo, e os papéis de gênero são uma definição sociocultural sobre aquilo que é apropriado para cada sexo. A cada papel corresponde um espaço: a casa e a cidade. Nessa organização excludente, o sujeito público é o homem, o sujeito do discurso da história que o converte o parcial em universal.” (MUXI, 2014, p.197). Entende-se que é ele, o sujeito público, que estabelece os parâmetros que configuram o espaço urbano e a arquitetura, definindo as cidades. Lia Antunes, em seu artigo “A Arquitetura nunca mais será a mesma” (2015) critica a tentativa de generalização de vivências entre homens e mulheres na construção das cidades: “No mundo ocidental, a subordinação cultural e social do feminino definese, na produção do espaço público, mais por tudo aquilo que se nega do que por aquilo que se diz. São as atividades dos homens, as suas hierarquias, prioridades e necessidades, que organizam a casa e planeiam a cidade

em conformidade com os tempos e movimentos da masculinidade. A organização espacial tem necessariamente de refletir a representação das relações de género, revelando os privilégios e a autoridade masculinos como algo natural. Por conseguinte, é essencial uma desconstrução das visões da cidade – não é um espaço neutro e sem história – na qual está subjacente uma conceção atemporal e deslocalizada que pretende criar categorias universais de validação. Essa ideia implica uma falta de perceção das diferentes identidades e das diferenças entre elas, ao mesmo tempo que aposta na globalização e na totalidade, valores profundamente masculinos e típicos da racionalidade moderna.” (ANTUNES, 2015, p.15, grifo meu) Podemos entender, deste modo, que a produção de espaços na lógica do sujeito padrão assume uma universalização do uso e dos usuários, fato este que claramente não contempla total ou parcialmente outros sujeitos - e todos os corpos de gênero feminino ficam fora deste âmbito. As cidades pós-modernas ocidentais são o reflexo desta lógica de produção dos espaços. De acordo com Muxi (2014), elas retomam o pensamento moderno de cidade, onde prevalece um raciocínio funcionalista, que não só setoriza a cidade de acordo com suas funções, mas também prioriza trajetos entre zonas de trabalho e residenciais, predominando as vias de tráfego de carros e mantendo não integrados outros serviços. Atualmente, com o avanço das demandas capitalistas, as mulheres também precisam assumir o trabalho produtivo. A “mulher ideal” passa a ser não só a que cuida eficientemente do lar, como a que também gera renda. Isso as confere uma dupla jornada de trabalho: o produtivo e o reprodutivo (que envolve os cuidados domésticos e familiares) - sendo que este último não é remunerado. As mulheres ocupam sim o espaço público atualmente, mas não da mesma forma que os homens, uma vez que de maneira geral a elas cabem os cuidados do lar, cujas demandas incluem levar os filhos na escola, no hospital ou ir às compras de mantimentos para casa, por exemplo. Portanto, a distância entre serviços, a precariedade de infraestrutura urbana, a mobilidade que prioriza o carro e os trajetos “obrigatórios” (ou seja, os trajetos trabalho/ casa), dificulta a vivência da mulher nas cidades.


Zaida Muxi (2014), ao refletir sobre uma desejável mudança nessa desigualdade, pontua que: “Enquanto existirem duas esferas de trabalho - um trabalho remunerado, reconhecido e visível, e outro não remunerado, não reconhecido e invisível -, não se poderá falar de uma nova ordem simbólica. O sistema hierárquico patriarcal se baseia na divisão injusta de tarefas, independentemente do sexo que assuma cada papel de gênero (embora atualmente seja o gênero feminino que continua a ser desempenhado majoritariamente por mulheres, tal como demonstram as estatísticas mundiais). As mulheres trabalham mais horas e ganham menos, pois a maior parte dessas horas é dedicada às invisíveis tarefas da família, sem as quais não há produção. Portanto, um desafio para uma cidade mais justa e solidária é a corresponsabilidade social nessas tarefas imprescindíveis, e, para tanto, um planejamento urbano de proximidade também é imprescindível.” (MUXI, 2014, p.210) Outros fatores como segurança urbana também devem ser postos em pauta quando se trata de gênero na cidade. As mulheres estão mais vulneráveis a violências no espaço público, no contexto machista em que vivemos. De assédios verbais a violência física, as mulheres cotidianamente passam por hostilidades na cidade. Desse modo, espaços subutilizados, pouco iluminados, sem circulação significativa de pessoas, entre outros fatores, potencializam essa vulnerabilidade. Fica claro, então, que a experiência de cidade da mulher contrasta relevante e negativamente com a do homem. Muxi ainda afirma que: “Em grande parte, a cidade é planejada para um homem (papel de gênero, não de sexo) de média idade, em plenas condições físicas, com um trabalho estável e bem remunerado que lhe permite ter carro privado e com uma esposa que o aguarda em casa com tudo feito e preparado.” (MUXI, 2014, p.207-208)

No intuito de tornar os espaços mais igualitários, portanto, é necessário pensá-los sob a perspectiva do gênero - onde a experiência da mulher é o fator a ser levado em conta no planejamento urbano e na arquitetura. Uso misto do solo, que permite a proximidade de variados serviços às residências e movimentação constante de pessoas; infraestrutura apropriada de vias, ruas e iluminação; espaços de lazer adequados para todas as faixas etárias e integração entre residências, são algumas das medidas que podem ser tomadas a fim de concretizar uma maior igualdade entre os gêneros nas cidades.

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2.


bruxas


///de onde vem a bruxa?

Originalmente, o “conceito” de bruxa surgiu paralelamente à transição da Europa feudal para a Europa capitalista, num período em que as relações de trabalho, de hierarquias, de territórios e, também, as de gênero se ressignificaram. Em sua obra Calibã e a Bruxa (2017), a filósofa e ativista italiana Silvia Federici fala dessa mudança das relações de gênero como uma consequência (até então nunca reconhecida em bibliografias) do que Karl Marx define como “acumulação primitiva” do capitalismo. Segundo a autora, é no processo de acumulação de capital e serviços que o corpo feminino passa a ser encarado exclusivamente como ferramenta de reprodução e manutenção deste sistema. “(...)Este processo demandou a transformação do corpo em uma máquina de trabalho e a sujeição das mulheres para reprodução da força de trabalho. Principalmente, exigiu a destruição do poder das mulheres, que, tanto na Europa como na América, foi alcançada por meio do extermínio das “bruxas”;”

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(FEDERICI, 2017, p.119) As mulheres passaram a ser cada vez mais tolhidas, não só no trabalho, onde começam a ocupar exclusivamente o posto do trabalho reprodutivo (que passa a não ter mais remuneração), como também dos espaços, ficando limitadas à casa, ao espaço privado. É nesse contexto que a imagem da “mulher domesticada, feminina e pura” surge, conferindo às sujeitas padrões comportamentais, sexuais, familiares e laborais bem específicos. Além disso, a Igreja Católica atuou paralelamente no estabelecimento dessas novas relações entre gêneros. É importante entender que esse processo não foi implementado pacificamente mas sim sob uma forte onda de violência, repressão e perseguição daquelas que ousaram não cumprir tais padrões. Mulheres que compartilhavam entre si conhecimento sobre a natureza, curandeiras, mulheres que saíam às ruas (sobretudo à noite), que se locomoviam pela cidade, que se encontravam com outras mulheres, que praticavam rituais que não os católicos etc., passaram a ser vistas como ameaça ao sistema e consequentemente foram perseguidas e castigadas, sob o julgamento de serem “bruxas”.

“(...) a caça às bruxas destruiu todo um universo de práticas femininas, de relações coletivas e de sistemas de conhecimento que haviam sido a base do poder das mulheres na Europa pré-capitalista, assim como a condição necessária para sua resistência na luta contra o feudalismo.” (FEDERICI, 2017, p.205) Foram séculos de perseguição e castigos a essas mulheres até que suas práticas, crenças e relações fossem tão enfraquecidas, fragmentadas e destruídas. Assim, a ideia de “bruxaria” passou a não ser mais uma ameaça ao sistema.


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///bruxas da ilha

Florianópolis é apelidada como “Ilha da Magia”, codinome carinhoso que remete ao folclore da cidade o qual é repleto de lendas a respeito da existência de seres mitológicos no lugar. Dentre fantasmas, boitatás e lobisomens, uma das mais expressivas personagens das histórias manezinhas, senão a mais expressiva, é a bruxa. A bruxa está presente nas histórias contadas pelos nativos de Florianópolis desde sua colonização açoriana, que teve início por volta do ano de 1748. Acredita-se, dessa maneira, que a ideia da mulher bruxa foi trazida pelo povo das ilhas de Açores, já que a Europa nesta época ainda vivia no contexto do final da Inquisição. Como parte do imaginário popular da cidade, as “Bruxas da Ilha”, como são conhecidas, estiveram presentes nas narrativas, passadas de geração em geração, de diversas comunidades tradicionais de Florianópolis. Os contos narram essas mulheres como responsáveis por muitos dos males de origem desconhecida que assolavam as comunidades: desde invasões de propriedades até a morte de crianças enfermas.

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A antropóloga Sônia Maluf, em seu livro Encontros Noturnos - bruxas e bruxarias na Lagoa da Conceição (1992), coletou diversos relatos sobre bruxas na comunidade do Canto da Lagoa no fim da década de 1980 e início de 1990. Neles, é possível reconhecer algumas das principais características narrativas das bruxas de Florianópolis. “1) “Antes tinha muita bruxa que andava por ai. Depois que o sol baixava, elas viravam bruxas e se encontravam… Entravam dentro das casas onde tinha criança pequena, pela fechadura da porta, e atacavam crianças, chupando o céu da boca. Depois iam embora e deixavam ali a criança embruxada.” (D. Neli, 47 anos, Lagoa)” (MALUF, 1992, p.55, grifo meu) “Aqui perto de onde você mora, ali em baixo da praia, é que dizem que tinha bruxa. O seu Manoel lá do Canto tinha uns ranchos onde ele guardava a canoa dele ali na praia. Uma vez ele começou a notar que a canoa sempre amanhecia suja, com resto de areia e água no fundo. Aí ele pensou: ‘Tem alguém usando essa canoa durante a noite.’ Ele resolveu descobrir quem era

e um dia ficou escondido atrás do rancho depois que anoiteceu. Aí, ele viu três mulheres chegando. Elas entraram no rancho, tiraram toda a roupa e ficaram assim só no couro, pegaram a canoa e foram lagoa adentro. No meio da madrugada, antes do sol nascer, elas voltaram, devolveram a canoa, se vestiram de novo e foram embora. Como o homem estava ali escondido e descobriu quem eram aquelas três mulheres, elas perderam o encanto e deixaram de virar bruxas.” (Dilson, 27 anos, Canto da Lagoa)” (MALUF, 1992, p.79, grifo meu) As narrativas sobre bruxas foram perpetuadas e popularizadas na cidade através da obra de Franklin Cascaes (1908-1983), um artista e pesquisador da cultura açoriana em Florianópolis. Cascaes registrou histórias contadas pelo povo manezinho com escritos e ilustrações que, segundo Prade (2009) foram tão marcantes que foram responsáveis pela construção de um imaginário popular desvencilhado da autoria do artista. Os contos e desenhos de Franklin Cascaes retrataram as bruxas e seus feitos no cotidiano nas comunidades da cidade, como sujeitas maléficas e repletas de estereótipos. “Dedela chamava-se a mulher. Era solteirona e não tolerava qualquer gracejo enfeitado com pétalas amorosas dirigido a ela. Mascava rapé feito com folhas de fumo-brabo (...). Os dilatadores das asas do nariz não possuíam nenhum tipo de pena, mas sim uma cama de pelo tão grosso e espesso (...). Expelia a fumaça do cachimbo pelos ouvidos, narinas e boca. (...) Era uma bruxa autêntica, dentro da vida da sua comunidade bruxólica.” Trecho do conto Bruxas atacam pescador (1973) de Franklin Cascaes. Retirado do livro O Fantástico da Ilha de Santa Catarina (2012). “(...)Ela saía a pindongar pelas casas dos vizinhos e até mais longe e regressava sempre muito tarde para casa, acompanhada de desculpas defeituosas que nem o seu procedimento achavascado.” Trecho do conto A bruxa mamãe (1964) de Franklin Cascaes. Retirado do livro O Fantástico da Ilha de Santa Catarina (2012).


A figura da bruxa, dentro das narrativas estudadas, possui uma série de aspectos comuns que a define. Nota-se, nas histórias escritas por Cascaes, por exemplo, a recorrência de atitudes e de características semelhantes entre essas personagens. São mulheres (e sempre mulheres, já que não há registros consideráveis de bruxos homens nesse contexto) que possuem aparência “agressiva”, têm pêlos corporais aparentes, se vestem com roupas ditas masculinas, saem à noite sozinhas ou com outras mulheres, falam alto pelas ruas, têm comportamentos sexuais transgressores, invadem casas e ranchos de pescadores, entre outras várias características subversivas às expectativas sociais. Num contexto social em que os papéis de gênero eram bem marcados, onde o espaço privado, o trabalho reprodutivo, a renda de bilro, cabiam à mulher e o espaço público, o trabalho produtivo, a pesca e as atividades comerciais, ao homem, essa postura desviante provocava um estranhamento e, consequentemente, uma atmosfera de medo por parte da comunidade. Essa inversão de papéis que essas mulheres representam se constrói através da apropriação de instrumentos e espaços, como constata Sônia Maluf: “Ela [a inversão de papéis] se expressa no modo como as bruxas ocupam os espaços, nas suas atitudes nesses espaços diferenciados. As bruxas invadem os territórios considerados masculinos e assumem aí um comportamento de domínio, de poder, mesmo nos espaços considerados proibidos às mulheres, como aqueles vinculados à pesca. Elas fazem festas nos barcos e nos ranchos das embarcações, na praia, na mata e na roça. Apropriam-se dos instrumentos de trabalho dos homens, como as redes de pesca e as embarcações, invertendo o seu uso: os instrumentos de trabalho são usados para os seus encontros noturnos. Nessas histórias em que as bruxas tomam conta dos objetos masculinos, elas aparecem geralmente em grupo, e aos seus encontros é dado um caráter orgiástico e de transgressão sexual.” (MALUF, 1992, p.103-104) As bruxas, portanto, nada mais eram do que mulheres desviantes de um padrão no que diz respeito à maneira como ocupavam a cidade, por tomarem espaços e comportamentos “exclusivos aos homens”.

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3.


reflexos


///estudos e reflexões

Após o processo de pesquisa deste trabalho, somado à minha própria vivência da cidade enquanto mulher, entendo que as cidades permanecem seguindo uma lógica sexista de planejamento, construção e ocupação. Além disso, penso que as bruxas foram (e são) mulheres desviantes de um padrão no que diz respeito à maneira a qual ocupam a cidade. Dessa forma, concluí que podemos fazer analogias a essas personagens do folclore florianopolitano com sujeitas do contexto urbano atual. Surgem, então, as inquietações acerca dessa analogia: quem são, onde estão, o que fazem e quais os impactos causados por essas mulheres desviantes na cidade de Florianópolis.

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Pensando nisso, foi necessário trabalhar com algumas ferramentas para refletir mais a fundo essas questões e possibilitar traçar um direcionamento de ação. Dessa forma, esse processo foi dividido nas seguintes etapas: I.  Primeira prática de reflexão A.  Listagem de conceitos A primeira prática de reflexão que elaborei acerca das minhas inquietações tratou-se de uma lista de palavras que, de alguma forma, remetiam às bruxas. Elenquei todas as palavras que consegui relacionar com a minha ideia de “bruxa” e pedi a pessoas próximas que fizessem o mesmo. Foram coletadas 75 palavras diferentes. As palavras listadas estão a seguir:


água anciã ar aroma arquétipo barulho bichos bruma canção chapéu ciclo conexão conjunto coragem cura dança despertar elementos energia enfrentamento essência fases feminino fertilidade flores

fogo folclore força fumaça gerações gesto grito grupo magia malícia mar maçã medo mente mistério mulher místico nariz natureza nudez ocultismo oculto ocupar pedras pelos

planta poder prazer preto proteção raíz relação resistência reunião risada roxo sabedoria sagrado sangue sensibilidade subjetividade subversão símbolo tato terra transcendência união varinha vela voar

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Buscando livrar a reflexão de estereótipos escrachados, carregados apenas de valores puramente alegóricos e dissociados da temática real buscada, 8 palavras (preto, roxo, chapéu, varinha, folclore, maçã, nariz e ocultismo) foram eliminadas das etapas seguintes da reflexão. B.  Painel conceitual e sobreposições

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Após a listagem desses conceitos, elaborou-se, através de colagem, um painel conceitual a fim relacionar as palavras. A partir daí, através de sobreposições, compôs-se outras 3 imagens digitais, a fim de relacionar os conceitos com mapas e representações visuais. Mesmo que todas as imagens façam parte de um conjunto de sobreposições e que todas elas devam ser analisadas juntamente, a seguir, cada camada será apresentada separadamente, no objetivo de descrever uma a uma.


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1.

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Painel

Através de colagem, as 67 palavras foram conectadas através de suas relações conceituais. Formou-se alguns “pólos” de assuntos correlacionados visualmente.


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Camada 1/// painel conceitual


2.

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Mapa afetivo

A partir da criação desses “pólos” de palavras relacionadas, sobrepus recortes do mapa de Florianópolis, através de colagem digital, de acordo com o que cada região do painel significava. Desse modo, foi possível a relação entre conceitos e alguns recortes da cidade, de acordo com a minha própria percepção e vivência desses espaços.


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Camada 2/// mapa afetivo


3.

Outras colagens

Para entender mais sobre esses “pólos” conceituais formados no primeiro painel, foram elaboradas outras duas colagens digitais para sobreposição, que ajudaram no processo de reflexão.

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A primeira foi com a junção de imagens genéricas de diferentes mulheres, retratando fenótipos, ações, posturas, vestimentas, expressões diversas. A segunda se deu com recortes de ilustrações de Franklin Cascaes, retratando estereótipos e a folclorização das personagens.


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Camada 3 /// fenótipos, ações, posturas, vestimentas, expressões


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Camada 4 /// representações de Franklin Cascaes


///estudos e reflexões

II.  O arquétipo da bruxa A partir dos estudos de gênero, cidade e bruxas de Florianópolis somados às imagens elaboradas na prática de reflexão, comecei a entender a bruxa como um arquétipo de sujeita urbana. O arquétipo aqui, não se trata de um padrão imutável de pessoa, com determinadas características físicas ou comportamentais, mas sim de um paradigma de ocupação de resistência feminina na cidade. Entendo que a bruxa de Florianópolis foi e é, antes de mais nada, uma sujeita mulher. A partir deste pressuposto, essa sujeita não é vista pelo planejamento da cidade. Não é vista pela forma, desenho, desenvolvimento, dinâmicas, políticas, olhos da cidade. Por conta disso, encara exclusões, hostilidades, opressões e violências nesse território. Ao encarar essas graves problemáticas, ainda é posto que a mulher ocupe a cidade de uma maneira fragmentada, com restrições de conduta e que cumpra uma dupla jornada de trabalho.

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Entretanto o que une certas mulheres na construção de um arquétipo de bruxa, é a forma como elas ocupam a cidade de maneira subversiva a esse padrão de ocupação. As bruxas, desde quando o seu estigma surgiu, foram símbolo da insubordinação feminina para com o sistema. Foram/são mulheres que não corresponderam/correspondem com os padrões estabelecidos de comportamento, vestimentas, crenças, convívio social, uso da cidade, etc, geralmente compartilhando suas vidas e seus conhecimentos com outras mulheres. Como reflexo de sua ocupação subversiva, a bruxa pode provocar encantamento, curiosidade, surpresa, mas também (e geralmente) estranhamento, repúdio, medo e/ou raiva na sociedade. Por simbolizarem a quebra dos padrões estabelecidos pela sociedade, igreja, capital e patriarcado, essas mulheres representam união e resistência, ocupando “espaços hostis/proibidos” às mulheres, desenvolvendo e coordenando atividades em espaço público, não cumprindo com expectativas sociais de comportamento, etc. III.  Compreendendo o arquétipo na cidade Tendo assimilado a figura do arquétipo de bruxa, meu objetivo foi estabelecer analogias com grupos reais de mulheres resistentes e desviantes na cidade, sob as quais poderia encontrar um ponto de partida de ação.

Esse processo se deu em três etapas: primeiramente foi efetuada uma pesquisa para encontrar e enumerar grupos de mulheres que representassem iniciativas independentes de empoderamento feminino em Florianópolis. Logo após, foi gerada uma tabela a fim de organizar os tipos de grupos e onde se encontravam, para que, num terceiro momento, se mapeasse cada um deles. Nos tópicos a seguir, explano cada parte deste processo. A.  Pesquisa de grupos A enumeração dos grupos se iniciou pelo meu próprio conhecimento de alguns deles, como participante do Coletivo Urbanas, coletivo feminista do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSC. A partir disso, a internet foi a principal ferramenta para encontrar outros grupos. Recorri a grupos de Facebook exclusivos de mulheres em busca de indicações diversas que condiziam com as características buscadas. É muito provável que esta seja apenas uma parcela dos grupos atuantes em Florianópolis que se enquadram nos quesitos procurados. Todavia, escolhi assumir para este trabalho apenas os grupos encontrados no período de pesquisa.


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///estudos e reflexões

nome

tipo

Coletivo Elza Coletivo Urbanas

B.  Tabela

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Após a coleta dos grupos, foi elaborada uma tabela de organização dos tipos e lugares de cada um deles, mostrada a seguir:

Artes Coletivo feminista universitário Coletivo Coletivo Jornalismo Sem feminista Machismo universitário Catarinas Comunicação Cores de Aidê Artes / Música / Dança Batalha das Artes / Música Mina Agenda Artes

Mulheres Unidas da Psicologia UFSC (MUPsi) Coletivo Feminista Maria Aragão Coletivo Capitolinas Coletivo de Mulheres Nise da Silveira

Coletivo feminista universitário Coletivo feminista universitário Coletivo feminista universitário Coletivo feminista universitário

exclusivo de mulheres sim sim

Sambaqui UFSC

sim

UFSC

sim sim

? Morro do Quilombo Centro

sim

onde

não (criado e coordenado por mulheres) sim

Itacorubi

sim

UFSC

sim

UFSC

sim

UFSC

UFSC


nome La Clinica

tipo Artes / Música / Dança

Dissemina

Produtora de eventos Coletivo NEGA Coletivo feminista universitário / Artes / Teatro Lez Girls Produtora de eventos Mulheril Facebook Coletivo Coletivo Mãestudantes feinista universtário Mulheril Facebook Materno Eu aceito Facebook e ofereço Florianópolis Rede feminista Facebook UFSC Conexão Coworking de Pandora mães Anitas

Coletivo de mulheres na tecnologia

exclusivo de mulheres sim

sim sim

onde

nome

Sul da Ilha (Ribeirão/ Morro das pedras ?

Co.Madres

UDESC

sim

?

sim sim

[Internet] UFSC

sim

[Internet]

sim

[Internet]

sim

[Internet]

não (criado por Rio Tavares mães/pais + crianças) sim ?

tipo Grupo de conversa Artes / Teatro

Madalenas na luta - Teatro da oprimida SC Casa da Mulher Saúde Catarina Bruxas de Bike Esporte /Mobilidade 8M - SC Ativismo

exclusivo de mulheres sim

onde ?

sim

?

sim

Centro

sim

[Internet]

sim

?

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///estudos e reflexões

Alguns desses grupos não possuem informações sobre a existência de sedes ou lugares específico de atuação. Já outros deles são organizações exclusivamente virtuais, não possibilitando mapeá-las. Dos 27 grupos de mulheres encontrados, apenas 15 têm lugares de atuação e/ou sede possíveis de mapear nesse trabalho. Dentre os 15, dois grupos não são atualmente apenas formados por mulheres, mesmo que sua concepção e atividades se enquadrem na categoria de iniciativas de empoderamento feminino. Restaram, então, 13 grupos exclusivamente formados por mulheres com enfoque no empoderamento feminino, atuantes em Florianópolis, possíveis de serem mapeados.

46

C.  Mapaeamento dos grupos Por último, foi elaborado um mapa a fim de localizar estes grupos e visualizá-los em relação à cidade. Pode-se notar uma concentração maior de grupos na porção central da cidade, abrangendo o bairro Centro e, também devido à localização das Universidades UDESC e UFSC, os bairros Itacorubi, Trindade, Pantanal, Carvoeira e Córrego Grande. A porção sul da ilha é contemplada por dois grupos, e a norte por apenas um.

Mapa 01 /// grupos “mapeáveis” de mulheres que representam iniciativas independentes, focados em empoderamento feminino em Florianópolis Sem escala


IV.  Narrativas bruxólicas e território Juntamente ao mapeamento dos grupos de mulheres, surgiu a necessidade de entender o que as narrativas propriamente ditas têm em relação ao território de Florianópolis. Este mapa teve intuito de visualizar se havia algum lugar da cidade onde as histórias sobre bruxas fossem mais expressivas, denotando algum tipo de predominância em termos de crença ou de “atuação bruxólica”. Para isso, foram utilizados principalmente os contos da coletânea O Fantástico da Ilha de Santa Catarina (2012), de Franklin Cascaes, de onde foram retirados os lugares onde são contadas as histórias. A seguir, a lista contendo cada título com lugar correspondente e o mapeamento resultante. Pode-se notar que as narrativas abrangem o território da cidade como um todo, não havendo uma predominância específica de histórias em determinada região. Dessa forma, entende-se que o imaginário acerca das personagens não estava relacionado diretamente a uma comunidade, mas sim ao município como um todo.

1 /// Eleição bruxólica - Ponta das Canas 2 /// Congresso bruxólico - (lugar não explícito) 3 /// Balanço bruxólico - Morro da Lagoa 4 /// Mulheres bruxas atacam cavalos - Rio TavareS, Rio Vermelho 5 /// Baile de bruxas dentro de uma tarrafa de pescaria - Santo Antônio de Lisboa 6 /// Estado fadórico das mulheres bruxas - Saco Grande, Pantanal 7 /// Vassoura bruxólica - Naufragados, Morro do Ribeirão 8 /// Orquestra selenita bruxólica - Joaquina 9 /// Bruxas roubam lancha baleeira de um pescador - Costa da Lagoa 10 /// Lamparina e catuto em metamorfose - Armação do Pântano do Sul 11 /// Bruxas atacam pescador - ilhas de ratones/ norte da ilha/ freguesia da lagoa 12 /// Bruxa rouba meio alqueire feito armadilha para apanhá-la - rio vermelho 13 /// bruxas gêmeas - pântano do sul

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///estudos e reflexões

14 /// Armadilha feita com pilão de chumbar café para apanhar bruxas - Canasvieiras 15 /// Balé de mulheres bruxas - Avenida da Saudade, Trindade, Saco Grande 16 /// Bruxa metamorfoseou o sapato do Sabiano - Ponta das canas 17 /// Bruxas metamorfoseadas em bois - Morro das pedras 18 /// Armadilhas para apanhar bruxas. Pais em vigília - Miramar 19 /// As bruxas e o noivo - Jurerê

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20 /// A bruxa mamãe - Rio Tavares 21 /// Reumatismo bruxólico - Pântano do Sul 22 /// Três bruxas viraram galinhas brancas - (lugar não explícito) 23 /// Madame bruxólica e o saci pererê - Centro, Praia Brava 24 /// Velha bruxa-chefe - (lugar não explícito) 25 /// Bruxas de itaguaçu - Praia de Itaguaçu

Mapa 02 /// contos bruxólicos na cidade de Florianópolis Sem escala


V.  Estruturas de apoio às mulheres em Florianópolis Além do mapa das narrativas e do mapa dos grupos, uma análise a respeito das estruturas de apoio às mulheres da cidade também foi feita, objetivando entender de que maneira elas se articulam espacialmente na cidade. Nota-se que esses equipamentos estão concentrados na porção central da cidade, mais especificamente nos bairros Centro, Trindade e Agronômica. A seguir, a lista e o mapa dessas estruturas. 1 /// Instituto Arco Íris de Direitos Humanos - Centro (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, que atende populações em situação de vulnerabilidade, com muitos dos trabalhos focados na questão de gênero) 2 /// Coordenadoria Municipal de Políticas Públicas para a Mulher - Centro (Órgão da Prefeitura Municipal de Florianópolis, que tem como objetivo articular ações, programas e projetos direcionados à mulher.)

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3 /// Hospital Universitário - Trindade (Hospital que recebe, através de encaminhamento da Delegacia da Mulher, mulheres em situação de violência doméstica e/ou sexual) 4 /// Maternidade Carmela Dutra - Centro (Hospital que recebe, através de encaminhamento da Delegacia da Mulher, mulheres em situação de violência doméstica e/ou sexual) 5 /// 6ª DP de Florianópolis - Agronômica (Delegacia de proteção à mulher de Florianópolis) 6 /// Centro de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (CREMV) e Centro de Referência Especializado em Assistência Social - Agronômica (Órgãos parte da Proteção Social de Média Complexidade, especializados no acolhimento e proteção de mulheres em situação de violência)

Mapa 03 /// estruturas de suporte às mulheres em Florianópolis Sem escala


///estudos e reflexões

B.  Possibilidades de ação VI.  Reflexões, diretrizes, possibilidades Após a realização de estudos a respeito de gênero e cidade, do resgate histórico das personagens bruxas do folclore florianopolitano, e dos mapeamentos acerca dos grupos atuantes na cidade, narrativas e equipamentos de suporte às mulheres, muitas das minhas reflexões tomaram corpo. Florianópolis, assim como as outras cidades brasileiras, apresenta várias das problemáticas acerca da desigualdade de gênero no meio urbano. Entretanto, a cidade tem uma bagagem cultural repleta de uma simbologia que justamente contrapõe esse contexto de desigualdade, marcado por mulheres que representam ações de ocupação e resitência nos espaços. Sem distinção de região, este imaginário permeia o município como um todo através das narrativas bruxólicas conhecidas. Nesse sentido, acredito que essa carga simbólica, que diz respeito às mulheres usufruindo da cidade de uma maneira mais igualitária, tenha um grande potencial de ação a ser explorado.

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Assim, inicialmente foram estabelecidas diretrizes gerais, a fim de e A.  Diretrizes 1.

Ajudar a tornar os grupos mais visíveis para a cidade;

2. Auxiliar no estabelecimento de uma rede entre os grupos, a fim de fortalecer e incentivar o surgimento de outros; 3. Proporcionar um espaço na cidade que seja um ambiente seguro para mulheres, fornecendo infraestrutura adequada para realização de atividades e bem como do uso da cidade num geral; 4. Explanar e reforçar o arquétipo da mulher bruxa no contexto de Florianópolis, através da ocupação feminina de resistência anteriormente definida; A partir das diretrizes pensadas, surgem algumas ideias iniciais que servem como um ponto de partida para refletir a próxima etapa deste trabalho, a ação.

1. Criação de um memorial para as bruxas, na tentativa de possibilitar um espaço que possa contar a história sob uma perspectiva diferente da conhecida na cidade. 2. Intervenções urbanas que representem a temática e sirvam de suporte para os grupos estudados 3. Concepção de uma casa de acolhimento para mulheres em situação de vulnerabilidade, que possam acolher atividades oferecidas pelos grupos estudados, a fim de estabelecer uma rede de ajuda mútua entre mulheres com diferentes vivências 4.

Praça / marco simbólico, como suporte para os grupos estudados.


VII.  Desdobramentos das reflexões A.  Assassinato de Marielle Franco e a convocação para ato na Esquina Feminista de Florianópolis No processo de estudos, mapeamentos e reflexões sobre as possíveis ações a serem seguidas no trabalho, um evento trágico mexeu com o país: no dia 14 de março de 2018, a vereadora da cidade do Rio de Janeiro, Marielle Franco, foi assassinada com 4 tiros, ao voltar de um evento de discussão política promovido por mulheres negras. Marielle era socióloga, ativista, negra, lésbica, mãe, nascida e criada na periferia do Rio de Janeiro e, como vereadora, lutava por diversas questões que englobam o direito das mulheres, das pessoas da periferia, pessoas negras e LGBTs. Foi uma figura de representatividade muito expressiva pela sua competência e por estar ocupando um campo onde a presença masculina, branca e heterossexual é hegemônica: a política brasileira. Nesse sentido, Marielle Franco foi uma figura que facilmente seria análoga ao arquétipo de mulher bruxa que coloco neste trabalho; sua ocupação, na política e na cidade foi de resistência. O assassinato comoveu o país. Movimentos sociais promoveram diversos atos espalhados por todo o Brasil. No caso de Florianópolis, no dia 15 de março de 2018, o ato em homenagem à Marielle e em repúdio à sua execução foi convocado na “Esquina Feminista”. A Esquina Feminista é a esquina entre as ruas Deodoro e Conselheiro Mafra, no centro da cidade. Localizada ao lado do largo entre o Mercado Público e o prédio da Alfândega, a esquina foi batizada pelas representantes de Santa Catarina do 8M, movimento mundial em prol dos direitos das mulheres. O título de Esquina Feminista foi dado à localidade no dia 28 de setembro de 2017, no Dia de Luta pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe, onde ocorreu um ato articulado pelo 8M e outros grupos de mulheres. O intuito foi estabelecer um marco simbólico de movimentações políticas de mulheres, como ponto de partida de manifestações, local de intervenções artísticas, encontro de movimentos sociais, etc. A primeira convocação para um ato político após o lançamento da esquina feminista foi o ato após a morte de Marielle Franco. Pela recente nomenclatura, o termo ainda não é abrangentemente conhecido para descrever a esquina. Entretanto, o conjunto dos atos que concederam o nome ao local denota um potencial de torná-lo simbólico.

B.  Pensar na Esquina Feminista como local de proposta Percebendo o potencial simbólico e político da Esquina Feminista ao pesquisar a origem do seu nome e parrticipar do ato em homenagem à Marielle, e ainda entendendo o Centro de Florianópolis como o local de grande confluência e escoamento de ocupações, movimentos e dinâmicas urbanas, escolhi o lugar para trabalhar como uma possibilidade propositiva. A esquina está ao lado de dois dos mais emblemáticos edifícios históricos da cidade, o Mercado Público e a Alfândega, e possui diversas dinâmicas urbanas coexistentes no seu diaa-dia. Muito próxima ao Terminal de Integração do Centro, terminal do sitema de ônibus da cidade, representa também um local acessível sob o ponto de vista da mobilidade urbana. Em termos de edificações, a esquina é marcada pelo Mercado Público, pelo centro comercial ARS e por outro prédio que tem sua fachada tombada pelo patrimônio histórico da cidade e comporta três lojas. Este último fica de frente para o largo entre o Mercado e a Alfândega. O box do Mercado Público que fica de frente para a Esquina Feminista é o Armazém da Renda, espaço instituído pela Secretaria da Cultura em 2015 para a exposição e comercialização de renda de bilro em Florianópolis, uma atividade típica das mulheres das comunidades pesqueiras açorianas. É um espaço que afirma a identidade e produção femininas dentro dos moldes da tradição. Coincidentemente ou não, a simbologia desse espaço dialoga com o potencial da Esquina Feminista.

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Foto 01 /// faixa identificando a Esquina Feminista, no ato em homenagem a Marielle Franco. Florianópolis, 15/03/18. Acervo pessoal.

Foto 02 /// Ato em homenagem a Marielle Franco, no largo em frente à Esquina Feminista. Florianópolis, 15/03/18. Acervo pessoal.

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Foto 03 /// Imagem panorâmica do largo entre o Mercado e a Alfândega, mostrando, ao centro a Esquina Feminista. Acervo pessoal.


Imagem 04 /// Ruas e prĂŠdios no entorno

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Imagem 05 /// O prĂŠdio da esquina

Imagem 06 /// O largo e o entorno


///estudos e reflexões

VIII.  Analisando a área sob a ótica do gênero

Após compreender o contexto e os potenciais relacionados à área da Esquina Feminista, procurou-se entender de que maneira as dinâmicas de ocupação se davam naquela região, sob a ótica das relações de gênero e cidade. A.  O uso prodominantemente comercial e as consequências na segurança do espaço

Primeiramente, é relevante pontuar que os usos do local são predominantemente de comércio em seus térreos, o que gera dinâmicas contrastantes na região, tendo em vista o movimento de pessoas que se restringe ao horário comercial. O local passa por um esvaziamento praticamente completo aos finais de semana e diariamente no período noturno, por ter pouquíssimos usos residenciais ou estabelecimentos que funcionem nesses horários alternativos ao comercial.

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Como resultado da ausência de movimento nesses períodos, essa região do centro da cidade de Florianópolis se torna um espaço inseguro, com fachadas totalmente fechadas, sólidas, e sem presença suficiente de pessoas circulando pelas ruas. A falta dos “olhos para a rua”, conceito que cunha Jane Jacobs (1961), relacionada à insegurança dos espaços públicos é muito clara nesse contexto. Conclui-se, dessa forma, que essa região do centro da cidade, em determinados períodos da semana, representa um espaço mais perigoso ainda para mulheres, entendendo a cidade e seus espaços inseguros dentro do âmbito das relações de gênero já abordadas anteriormente neste trabalho. B.  Ocupações masculinas localizadas

Mesmo em horário comercial, ainda é possível perceber que, em determinados pontos da região, há a ocupação predominante ou a exclusiva de homens no espaço público. O mapa a seguir ilustra a localização e quantidade dessas ocupações e de seus tipos.

É importante pontuar que foram buscadas ocupações femininas localizadas, análogas a estas representadas no mapa, mas não foi possível encontrar nenhuma que correspondesse a esta predominância de conjuntos de homens ocupando espaços específicos. Essa pode ser uma maneira de comprovar a desigualdade espacial entre os gêneros, discutida neste trabalho, bem como reforçar a potencialidade do lugar estudado como uma possibilidade propositiva.


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ponto de táxi

panfleteiros de prostíbulos

ponto de mototáxi

mesas/tabuleiros de jogos

terminal de integração do centro

ala da peixaria do mercado público

senadinho café

áreas de permanência em praças

ciclistas

manifestações artísticas

ocupações localizadas predominantemente masculinas, em horário comercial

possibilidade de ocupações mistas, inclusive à noite e aos finais de semana

Mapa 04 /// ocupações masculinas localizadas no centro da cidade de Florianópolis Sem escala


///estudos e reflexões

IX.  Conclusões intermediárias: pensando na proposta Ao estudar a temática das bruxas fui completamente envolvida pelo que ela representa. As personagens, muito mais que seres estranhos e maléficos, são símbolo de uma resistência feminina na cidade de Florianópolis. Enfrentam o que é socialmente estabelecido e a ocupam. Na tentativa de proporcionar uma experiência de cidade mais igualitária entre os gêneros, reconhecer e incorporar a presença dessas mulheres, pode ser uma alternativa a ser buscada. Dessa forma, a ideia do trabalho é estabelecer um local simbólico, que sirva de suporte para diferentes iniciativas de ocupação e resistência femininas, e que essas ações reverberem pela cidade, ajudando a desconstruir algumas das lógicas sexistas de ocupar espaços. Para isto, o objetivo é criar uma infraestrutura de espaço público que contemple diretrizes que colaborem com a ocupação feminina no centro da cidade, bem como uma edificação pública, as quais sirvam de apoio para atividades políticas, sociais e culturais de mulheres.

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Assim, a escolha é propor para o prédio histórico, localizado na Esquina Feminista, um projeto que o transforme em um centro de referência política, cultural e social feminina, tentando estabelecer uma interface entre a rua e a edificação. Esse espaço permitiria às mulheres florianopolitanas ter suporte para qualquer tipo de necessidade relacionada com questões de desigualdade de gênero. Além disso, seria um espaço cultural para o uso de toda a cidade, bem como um lugar que oferecesse infraestrutura para a articulação de grupos femininos e o estabelecimento da Esquina Feminista como lugar simbólico na cidade. Acredito que dar olhos e voz às “bruxas” seja uma possibilidade de legitimar a presença do feminino na cidade e é esse o caminho que este trabalho pretendeu seguir.


57


4.


grito


///o projeto

A proposta de projeto é transformar o prédio localizado na Esquina Feminista em um centro de referência política, social e cultural voltado para mulheres, na tentativa de incentivar e fomentar novas ações das bruxas de Florianópolis - ou da ocupação de resistência feminina na cidade, como o arquétipo simboliza. Assim surge a proposta do Núcleo do Manifesto de Gênero. Incorporando referências como o Sesc Pompeia e Teatro Oficina, projetos da arquiteta Lina Bo Bardi, localizados na cidade de São Paulo, buscou-se criar um espaço integrado e estabelecer um diálogo intenso entre edificação e rua, além da ressignificação da arquitetura existente com novos elementos.

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A intenção da proposta é que esse espaço comporte infraestrutura para atividades variadas, mas também seja uma espécie de praça. Dessa forma, uma das características mais marcantes da transformação do edifício inicia na retirada de parte do telhado, lajes e esquadrias, para a conformação de um átrio a céu aberto, que se utiliza apenas da “casca” do prédio. Assim, integra-se a parte edificada com as ruas, o largo entre o Mercado Público e a Alfândega, além de todas as dinâmicas existentes nesse espaço. Esse átrio possui diferentes níveis, com degraus e rampas, que conformam uma espécie de um pequeno anfiteatro interno e escadaria marcando a esquina. Essa escadaria serve tanto de acesso quanto de espaço de estar, sendo que sua porção voltada para a Rua Deodoro está de frente para uma parede cega. A ideia, nesse caso, é que este lugar sirva como espaço para projeções diversas que podem ser assistidas pelos usuários. Ademais, a presença de duas passarelas metálicas conectadas por uma escada central são vida e símbolo do projeto. Sustentadas pela própria estrutura da escada, da edificação e alguns pilares metálicos, as passarelas têm formatos desencontrados. A mais baixa avança por entre as esquadrias, extrapolando os limites da implantação da edificação. Com sua forma sinuosa, ela marca a Esquina Feminista como uma escultura, servindo não só para contemplação de todo entorno mas também como uma espécie de palanque. A passarela superior acompanha a linha interna das paredes edificadas e dá acesso a um equipamento de projeção mapeada, que é capaz de projetar imagens digitais na fachada cega de um prédio a 40m de distância do Núcleo. Ambas passarelas dão acesso aos pisos edificados. Além do átrio a céu aberto, o térreo comporta um outro espaço aberto à rua, coberto, de frente à caixa de elevadores e escadas e banheiros. Esse pavimento conta também com um

pequeno depósito e um espaço de refeições. O espaço de refeições contém mesas e cadeiras e possibilita tanto a compra de alimentos e bebidas no bar e lanchonete do local, bem como o preparo de alimentos numa estrutura adjacente, contendo pias e microondas para a(o) usuária(o) que quiser preparar sua própria refeição. O segundo pavimento do edifício compreende espaços multifuncionais com mesas coletivas, cadeiras e pufes, ideais para a promoção de oficinas, atividades, recreação de crianças e etc. São três grandes espaços separados por divisórias baixas, que possibilitam trocas visuais. Além disso, há também um pequeno acervo/biblioteca, com mesas de estudo. O terceiro e último pavimento trata-se de uma área mais institucional do Núcleo do Manifesto de Gênero. Nele encontra-se uma espaçosa sala de reunião/palestras disponível para grupos utilizarem e também a sala de administração do Núcleo. Além disso, nesse andar se localizam o CRAM (Centro de Referência de Atendimento à Mulher) e a CMPPM (Coordenadoria Municipal de Políticas Públicas para Mulher). A escolha do estabelecimento de um CRAM bem como a transferência do gabinete da atual CMPPM da sede da prefeitura para dentro do Núcleo do Manifesto de Gênero, se dá na tentativa de integrar estruturas institucionais voltadas às mulheres e fortalecer o caráter político e social do prédio. O espaço do CRAM conta com duas salas de espera, uma sala de atendimento geral, uma sala de atedimento de assistência social, uma sala de atendimento de assistência jurídica, uma sala de atendimento de assistência psicológica, uma de atendimento de grupos, uma sala de coordenação, uma sala de reuniões. Já a CMPPM conta com uma sala de espera, uma sala para a assessoria e outra para a coordenadora. Ambas entidades comprtilham de uma copa. O prédio conta com três banheiros unissex por andar, todos com estrutura de trocador de fraldas. Além do projeto da edificação, foi criado um mobiliário modular, consistindo em bancos que podem virar cavaletes de exposição. Feitos em material metálico vazado, esses bancoscavaletes em composição assumem formas diversas e podem ser dispostos pelos usuários. A ideia que seu uso não se restrinja apenas ao prédio, mas ocupe também o largo a frente da edificação.


5.0

B

Rua Deodoro 4.5 4.0

A

Térreo do Núcleo do Manifesto de Gênero

4.0

Rua Conselheiro Mafra

61

A’ 3.5

Mercado Público

3.0

B’

Largo entre o Mercado e a Alfândega

Alfândega

Planta baixa- Térreo e entorno imediato Escala 1:500


B Refeitório

Café/Bar

4.5

Bancada com pia e microondas para uso coletivo

A Espaço aberto com bancos-cavaletes

4.0

62

BWC unissex

Espaço para equipamentos do projetor

A’

Arquibancada

3.5

Átrio a céu aberto

B’ Planta baixa - Térreo Escala 1:200


Espaço oficina 1

Biblioteca / Espaço de estudos

Espaço oficina 2

Espaço oficina 3

63

BWC unissex

Passarela metálica

Planta baixa - 2º pavimento Escala 1:200


[CRAM + CMPPM] Copa compartilhada [CRAM] Sala de reunião + arquivo [CRAM] Coordenação

[CRAM] Reuniões [CRAM] Assistência jurídica

[CMPPM] Almoxarifado [CMPPM] Coordenadoria

[CRAM] Assistência psicológica [CRAM] Assistência social [CRAM] Sala de espera [CRAM] Atendimento de grupos [CRAM] Atendimento geral

[CRAM] Sala de espera Sala de reuniões do Núcleo

[CMPPM] Assessoria [CMPPM] Sala de espera Administração do Núcleo

64 BWC unissex

Espaço para equipamentos do projetor

Passarela metálica

Planta baixa - 3º pavimento Escala 1:200


B

A

Telhado original

65

Caixas d’água

Projetor para projeção mapeada

A’

B’ Planta baixa - Cobertura Escala 1:200 0

1

5


66


67

Corte AA’ Escala 1:200


68


69

Corte BB’ Escala 1:200


70


71

Vista Rua Conselheiro Mafra Escala 1:200


72


73

Vista Rua Deodoro Escala 1:200


74


75

Perspectiva IsomĂŠtrica Escala 1:250


76

vista do N Ăşcleo do

Manifesto de

GĂŞnero a

partir do

largo


77

esto o Manif d o le c ta e NĂş Feminis a n i u q Es

ro de GĂŞne


78

átr

to aber u é c io a


79

refeit รณrio


80

ento 2ยบ pavim


81

3ยบ pa vime

nto


6.


ecos


///considerações e diretrizes

Reforçar o arquétipo da mulher bruxa na cidade é uma forma de legitimar e abrir caminhos para quebra de uma lógica sexista de ocupação dos espaços. E não é apenas com um projeto de um edifício e praça isolados que podemos subverter essa lógica, que é estrutural e complexa. O projeto objetiva, portanto, reverberar essa quebra da lógica pelo centro histórico de Florianópolis, como um grito que ecoa em seu entorno.

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A ideia parte de fomentar a movimentação de pessoas não só durante o horário comercial, mas em horários alternativos a este. O funcionamento noturno e aos finais de semana do Núcleo do Manifesto de Gênero é visto como uma possibilidade de aumentar a segurança do local, criando e intensificando o uso do centro histórico de outras formas e consequentemente diminuindo o esvaziamento que existe no local em horários não comerciais. Para tanto, vê-se necessária a implementação de diretrizes urbanas que contribuam para que este grito, representado pelo projeto, ecoe. As diretrizes são aplicáveis a todo o centro histórico, com destaque para o caminho entre o TICEN e o Núcleo do Manifesto de Gênero, para toda a extensão da Rua Deodoro, que liga o centro histórico à Avenida Prefeito Osmar Cunha, toda a extensão da Rua Conselheiro Mafra que atravessa todo o centro histórico, e para toda a extensão a Rua Felipe Schmidt, o calçadão principal do local, que liga desde o Parque da Luz até a Praça XV de Novembro. As ruas citadas não só são relevantes por estarem diretamente relacionadas com o projeto, mas também representam importantes eixos na região, com o potencial de consolidar os objetivos do presente trabalho.

A.  Iluminação Garantir que a iluminação pública do centro histórico abranja toda a área, impedindo que hajam espaços mal iuminados que eventualmente possam se tornar inseguros. B.  Maior variação de usos Implementar, junto ao plano diretor da cidade, maior diferenciação de usos nos térreos, no intuito de diversificar fluxos e possibilitar usos em horários alternativos ao comercial. Destaca-se a implantação de mais bares e restaurantes nos térreos, bem como de equipamentos culturais e educacionais. C.  Tipologia dos térreos Diversificar as tipologias dos térreos, buscando maiores permeabilidades visuais, na tentativa de evitar a criação de grandes extensões de paredes sólidas, fechadas, durante o não-funcionamento dos estabelecimentos do local. Essas modificações tipológicas não devem deixar de dialogar com os parâmetros de preservação do patrimônio histórico de Florianópolis.


Acredito que este projeto somado às dadas diretrizes urbanas, represente a possibilidade de um espaço urbano mais igualitário no sentido de sua ocupação. Um lugar movimentado, mais seguro, que conecte diferentes grupos de mulheres, com diferentes vivências, que contam, gritam, à cidade suas histórias e experiências enquanto sujeitas. “Tornar visível a diferença é o primeiro passo para a construção de uma ordem simbólica diferente em que as mulheres possam se expressar a partir de sua experiência de vida.” (MONTANER, MUXI. 2014, p.199, grifo meu)

Reforço, mais um vez, a importância de dar voz, rosto, cor, espaço às sujeitas. Legitimar suas ocupações. Fomentar mais mulheres ocupando a rua, sentindo-se seguras e pertencentes ao espaço público. Acredito que esse seja um caminho possível de quebra com a desigualdade de gênero na cidade. As teorias, lendas e reflexões produzidas neste trabalho, bem como seu produto, pretendem não só ser uma possibilidade projetual, mas também uma oportunidade de discussão sobre estigmas enraizados culturalmente, sobre desigualdade de gênero e sobre cidade, percebendo que essas questões estão intrinsecamente conectadas e que só abordando-as podemos pensar e construir cidades mais igualitárias.

85


6.


raĂ­zes


///referências bibliográficas

ABAD, Camila Gonçalves. No (an)Seio de novas apropriações: as mulheres-mães, você e a UFSC. 2018. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2018. Disponível em <https:// camilaabad.wixsite.com/noseio/>. Acesso em: 11 abr 2018. ANTUNES, Lia Pereira Saraiva Gil. A arquitetura nunca mais será a mesma. considerações sobre género e espaço(s). URBANA: Revista Eletrônica do Centro Interdisciplinar de Estudos sobre a Cidade, Campinas, SP, v. 7, n. 2 [11], p. 2-23, out. 2016. ISSN 1982-0569. Disponível em: <​https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/urbana/article/view/8642600​>. Acesso​ ​em:​ ​30 out.​ ​2017. BEAUVOIR, Simone. ​O Segundo Sexo – a experiência vivida; tradução de Sérgio Millet.​​​ 4​ ​ed.​ ​São​ ​Paulo:​ ​Difusão​ ​Européia​ ​do​ ​Livro,​ ​1970. BUTLER, Judith P. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade; Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2003. 236 p.

88

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///bibliografia

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