evidente na ocupação da Câmara Municipal e no movimento viaduto ocupado sob o viaduto Santa Tereza, ambas no contexto das jornadas de 2013, nas quais a cozinha foi o espaço produtivo por excelência, sem prejuízo dos demais: a primeira a ser organizada e a última a ser desfeita. A cozinha desempenha ainda o papel de aproximação com as pessoas, era através dela que apoiadores (as) se aproximavam da resistência, sentiam-se mais cúmplices, seja ao doar alimentos, seja ao partilhar a refeição comum. A cozinha também é um termômetro do nível de organização e força do movimento: se a cozinha ia mal, tudo ia mal, se ia bem, por sua vez, era um bom sinal quanto à capacidade de organização, distribuição de tarefas e do produto do trabalho coletivo, enfim, quanto à gestão do espaço comum. Em suma, como diria Natacha Rena, a cozinha produz o alimento, que alimenta a carne imanente dos corpos biopotentes. Na experiência das Brigadas Populares, a qual, dentre outras frentes de trabalho, realiza e apoia ocupações de sem teto em Belo Horizonte e região metropolitana desde 2006, sempre nas ocupações organizadas o primeiro barracão erguido no imóvel ocupado foi destinado à cozinha coletiva, espaço comum de produção de afetos, subjetividades e alimentos. É na cozinha, por exemplo, que os homens têm oportunidade de abrir mão de privilégios ancorados no patriarcado e demonstrar uma postura pró-feminista. Por essas e outras razões, é a cozinha um espaço político, embrião e motor da possibilidade do comum. Nas ocupações de moradia, sempre lamento quando a cozinha coletiva é desfeita e cada família passa a cuidar da produção de alimentos dentro do seu ambiente privado. Indispensável construir e fazer perdurar espaços constituintes de produção comum no seio das resistências. Linebaugh, no texto em questão, como não poderia ser diferente, também chama a atenção para o caráter histórico do comum:
(...) o comum é histórico, a vila comum da herança inglesa ou a comuna francesa do passado revolucionário são remanescentes desta história, lembrando-nos que apesar de períodos de destruição partes sobreviveram, embora frequentemente numa moda distorcida como nos sistemas de bem estar (LINEBAUGH, 2014, p.13, trad. livre).
118