Nao te Deixarei Morrer DC

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A fidelidade (I) Sem paixão nem raiva, sem frio nem calor, como dois fantasmas nocturnos, Marta e Chesterfield faziam amor. Delicadamente, subtilmente, como se cortejasse uma senhora respeitável num salão de baile, Chesterfield conseguira trazer Marta até à cama, fazê-la despir-se e, através daquela linguagem de subentendidos e sorrisos que os casais usam entre si, obtivera o seu acordo tácito para fazer amor com ela nessa noite. Como jogador de xadrez que planeia muito antes o lance embaraçoso para o adversário, ele dispusera e fizera avançar as peças uma a uma e simultaneamente, de forma que ela não pudesse esquivar-se sem ser ofensiva. Debruçado sobre o seu corpo magro e seco, ele interrogava-se que mistério haveria naquela mulher que levava os outros homens a quererem desvendá-la e seduzi-la. «Eles não te fazem amor, fazem-te sofrer. Não te amam, desejam-te. Por que será que não entendes isso?». Chesterfield desejaria poder passar a noite a percorrer cada uma das linhas daquele corpo tão familiar, com as mãos, com a língua, com os olhos, porque também se faz amor com os olhos. Contudo não se atrevia a explorar os limites da excitação dela, com o terror de não conseguir despertar-lhe o que pressentia que com Albert ela fazia e sentia espontaneamente. Evitava-lhe a boca, porque sabia que nada há mais difícil de obter na cama de uma mulher que não nos ama do que um beijo na boca. Tudo o resto ele saberia que conseguiria, se não nessa noite, noutra qualquer: era tudo uma questão de tempo, de paciência, de ambiente. Quem sabe até, uma noite que voltassem de ver um filme mais excitante, uma frase dele, dita em tom inocente, e a fazê-la recordar as cenas do filme, a mão dele tocando, como que sem querer, no bico do peito dela, e ele sabia que a partir daí podia contar com a sexualidade imanente dela para fazer o resto. Não se sentia por isso aproveitador das fraquezas dela ou da capacidade de excitação que os outros tinham sobre ela. Não o preocupava sequer pensar que ela pudesse estar mentalmente, não com ele, mas com o herói do filme. Que, na semi-penumbra do quarto, ela o quisesse tomar pelo Robert Redford de todas as vezes que consentia em fazer amor com ele, dava-lhe até um secreto prazer de vingança sobre Albert e todos os outros que a tinham possuído ou que a possuiriam no futuro. Se ela enganava alguém naqueles momentos era Albert e não ele. 21


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