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Uma vida de entrega
Abdicando de todo e qualquer outro plano que pudesse surgir, Padre Fernando decidiu que viveria para realizar os sonhos daqueles que já não acreditavam no amanhã
"Hoje eu sou um padre que não tem paróquia. E não pretendo. Eu quero fazer da paróquia os cabarés, os presídios e as ruas, as praças, onde o povo de Deus sofre por falta de políticas públicas, por injustiça, por falta de solidariedade. Aí é que começa a minha missão". O Padre Fernando Francisco de Góis é conhecido em Mandirituba pelo projeto educacional com adolescentes que viviam nas ruas. Mas ele já rodou o Brasil buscando levar palavras de fé e sonhos em todos os cantos do país - de prostíbulos a presídios.
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Nascido na Vila Lindóia, em Curitiba, ele foi frade carmelita por 14 anos, quando decidiu mudar os rumos da sua vida.
Cansado de enterrar crianças e adolescentes vítimas da marginalidade, ele quis mudar o destino dos próximos meninos que encontrasse. Ele lembra que nesse momento, Deus lhe pediu para assumir um projeto radical.
Em 1984, Fernando, que ainda não era padre, viu na Fundação Educacional Meninos e Meninas de Rua Profeta Elias, que existia na comunidade há qua- tro anos, a oportunidade de realizar seu projeto, promovendo atividades educativas e recreativas às crianças atendidas. Com a demanda aumentando, ele e os demais voluntários resolveram que deviam comprar um espaço maior.
Em 1991, com parcerias e doações, eles adquiriram a chácara nomeada Meninos de 4 Pinheiros, em Mandirituba, onde poderiam não só promover atividades, como também abrigar meninos em situação de rua. 22 anos depois da compra da chácara, ele resolveu que tinha vencido o seu prazo por ali e que deveria ajudar outras pessoas. Padre Fernando foi andando de Curitiba a Aparecida do Norte e, no meio do caminho, encontrou 150 mor adores de rua e conversou com 50 deles. Muitos, ele lembra, tinham medo quando Fernando se aproximava. Nesse trajeto, também chegou a trabalhar na c racolândia, em São Paulo, onde ficou por quase dois anos. "Foi a experiencia mais dolorida na minha vida. Conviver com aqueles irmãos e irmãs totalmente marginalizados, sem políticas públicas.

Mas trabalhei muito a questão dos sonhos e projeto de vida. Fazia muito a escuta nas noites escuras e sombrias de São Paulo", recorda.
Entre as experiências mais difíceis, ele destaca o fato de perceber que, mesmo em uma era tão cheia de informação, acesso e tecnologias, algumas pessoas ainda seguem sem o mínimo. Alguns dos andarilhos pelos quais passou, chegavam a correr de medo ao ver outro ser humano. Escassa, a alimentação de muitos moradores de rua segundo ele, resumia-se a restos pre- sentes no lixo, já ocupado por ratos e baratas.
Quando atropelados na BR, alguns animais mortos eram a refeição.
De São Paulo, Fernando partiu andando para outros estados. Levou seu projeto a bocas de fumo, menores infratores, prostíbulos, na rua, na beira da praia... Chegando em Maceió, a cidade que mais assassinava moradores de rua na época, ele ajudou a organizar um albergue para essas pessoas, onde fez questão de deixar seu projeto através de frases de motivação.
Sacerd Cio
Na cidade de Confresa, Mato Grosso, ele resolveu estudar teologia, ainda sem a pretensão de se tornar padre. Indo visitar presídios, porém, os piores lugares em que já esteve, ele logo viu no sacerdócio uma oportunidade de ajudar ainda mais. Os encarcerados diziam ter dificuldade até mesmo para dormir devido à depressão e peso na consciência, e pediam muito para se confessarem com Fernando, então ele sentiu que poderia aliviar o sentimento deles dessa forma.
"Acabei me ordenando pra ser um padre que trabalha com os excluídos, um padre que se faz presente na vida dos marginalizados", afirma.
Sonho
Hoje novamente na Chácara
Meninos de 4 Pinheiros, ele diz que ainda que muitos não acreditem em seu projeto, ele não desanima. Padre Fernando diz que já chegou a mostrar, para policiais desacreditados, fotos de meninos que passaram pela chácara e hoje se formaram. Segun- do Fernando, se só um tivesse vencido, já teria valido a pena. Mas são vários. Ele lembra que há meninos hoje cursando o mestrado, o doutorado e até morando nos Estados Unidos graças à corrente do bem que continuou através dele. Esse exmorador da Chácara iniciou um projeto de dança com pessoas cadeirantes e já se apresentou em diversos países. Para Fernando, seu objetivo é mostrar que é possível fazer o resgate social de forma humana, de forma carinhosa. Seu maior sonho é realizar os sonhos daqueles que são atendidos pelo projeto na chácara. "Eu não preciso dar dez passos, mas eu posso dar um passo que mais gente (e principalmente os que tiveram o histórico de vida mais difícil) consiga dar em conjunto. A gente não pode pensar em crescer na vida, enquanto os nossos irmãos continuam na marginalidade", destaca. Questionado se faria tudo de novo, caso nascesse mais uma vez, Fernando afirma que sim. Que, nesse caso, apenas pediria a Deus por mais saúde, para continuar o seu trabalho, e justiça para os seus irmãos.


