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MAPA / JORNAL DE INFORMAÇÃO CRÍTICA / MAIO-JULHO 2018

TRIPALIUM 31

Os estafetas precários na frente da luta contra o capitalismo de plataforma Deliveroo, Foodora, Glovo. O sucesso destas empresas depende da exploração dum precariado invisível. Agora, contra todas as expectativas, estes trabalhadores estão a organizar-se para além das fronteiras e a reclamar os seus direitos.

CALLUM CANT. TRADUÇÃO POR ZNM 1 O ORIGINAL FOI PUBLICADO EM INGLÊS NA REVISTA POLITICAL CRITIQUE EM AGOSTO DE 2017

U

ma greve de trabalhadores da Deliveroo de Londres durante o verão de 2016 constituiu o primeiro sinal de que os trabalhadores das plataformas de entrega de comida eram capazes de organizar ações coletivas em massa. A greve alargou-se da Deliveroo à UberEats2 e, posteriormente, a todo o país. Um ano depois, essa luta estender-se-ia a um nível transnacional, tendo os trabalhadores das plataformas de entrega de comida realizado greves em mais de dez cidades do Reino Unido, Itália, França, Espanha e Alemanha.

As suas lutas obtiveram vitórias e, ao mesmo tempo, enfrentaram sérios contratempos. A emergência de um movimento transnacional de trabalhadores precários a partir de circunstâncias, no mínimo, improváveis é, contudo, um dado factual. Através de uma ação militante e não mediada, trabalhadores que eram suposto ser fracos e impotentes estenderam o seu antagonismo ao capital além-fronteiras. Esta circulação transnacional de lutas exemplifica como a mudança da composição social da classe trabalhadora poderá garantir novas oportunidades, inclusive ao destruir velhas certezas. É no Reino Unido que tudo arranca O movimento no Reino Unido iniciou-se quando os trabalhadores da Deliveroo foram informados que os seus contratos passa-

Em circunstâncias heterodoxas, os estafetas precários foram capazes de gerar uma comunidade, principalmente através de grupos em aplicações de mensagens encriptadas. riam de um salário por hora (7 libras), acrescido de um bónus por entrega (1 libra), a um sistema de trabalho à peça (3,75 libras por entrega). Depressa, redes informais em sete áreas distintas mobilizaram-se na resposta. Centenas de motoristas entraram em greve ao longo da semana, uma ação que obrigou a companhia a permitir a escolha do sistema de pagamento e que inspirou as disputas por vir. Após a primeira onda de greves em Londres ter esmorecido, dois sindicatos envolveram-se na organização com os motoristas da Deliveroo. Os Independent Workers of Great Britain (IWGB)3,

um sindicato dissidente criado em 2013, começou a organizar-se com os trabalhadores de Camden (Londres), o epicentro das greves do verão; e os Industrial Workers of the World (IWW)4 envolveram-se a nível nacional e, particularmente, em Bristol e Leeds. O Rebel Roo, um boletim editado por trabalhadores da Deliveroo, começou igualmente a ser produzido com o apoio do grupo político Plan C 5. Mês após mês, o nível de organização e de ação fora de Londres foi-se desenvolvendo. Em Bristol, os trabalhadores em turnos de formação da Deliveroo entraram em greve, obtendo vitória.

Seguiu-se a sindicalização e greve em torno de baixos de salários em Brighton, e o início de um esforço concertado de organização em Leeds. Em fevereiro, a distribuição do Rebel Roo6 alcançou os 1500 boletins distribuídos por mês (cerca de 10% da força de trabalho a nível nacional). Verificou-se igualmente o início da organização em cidades socialmente e politicamente diversas, como Liverpool, Middlesbrough, Portsmouth, Manchester e Glasgow. No final de fevereiro, os principais elementos do movimento reuniram-se na assembleia da Transnational Social Strike Platform, em Londres. O movimento parecia então aproximar-se de um ponto crítico. Quando sete trabalhadores de Leeds foram vítimas de assédio, a IWW tentou impulsionar uma greve nacional. Contudo, surgiram doutras partes algumas hesitações relativas a uma escalada de tal dimensão, que coincidiram com uma redução da dinâmica em todos o país. As lutas em Leeds e Brighton alcançaram vitórias significativas, mas não conseguiram aumentar a escala para um nível nacional. Os trabalhadores que haviam sido objeto de assédio em Leeds foram reintegrados e o gestor responsável foi despedido. Os trabalhadores de Brighton conseguiram o congelamento de novas contratações, mas o movimento, em geral, vacilou. Nesta cidade, os motoristas avançaram com a formação de uma coligação com outros trabalhadores precários, que culminou numa manifestação do «1.º de Maio Precário». No entanto, e apesar destes passos em frente, o momento havia passado. A contraofensiva por parte da Deliveroo envolveu importantes concessões em determinadas localidades, o que provocou o aumento dos salários médios. Porém, em termos significativos, estas concessões resultaram não tanto de mudanças contratuais, mas da obscura distribuição de trabalho realizada pela aplicação. Aos poucos, as regiões do Reino Unido melhor organizadas começaram a cair em inatividade. Neste contexto de refluxo da ação trabalhadora, a IWW (Reino Unido) regressou à via legal que havia antes impulsionado, contestando


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