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Edição: Jorge Lelis e Alice Piermatei Diagramação: Maressa Nunes
Outubro de 2012
EDITORIAL
CHARGE
Tempo
É verdade que o título desse Editorial não explica muito, restando a você, leitor do LAMPIÃO, ver por si mesmo o porquê da simples escolha. Ocorre que a palavra “tempo” foi motivo de preocupação e também “alívio” para nossa equipe enquanto desenvolvíamos essa edição. Explicamos: num belo dia de maio a greve veio e, com isso, por sermos um produto do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto, paramos. Quatro longos meses depois, ela chegou ao fim e, em nossas mãos, tínhamos um punhado de matérias realizadas no início do ano. Com um jornal para colocar nas ruas, imaginamos ter que partir do zero. Foi aí que surgiu o alívio ao constatarmos, relendo as matérias já escritas,
Rodolfo Salvador
o quão atuais elas ainda estavam. Obviamente, um acerto aqui e outro ali fezse necessário, mas os textos continuam os mesmos. O tempo, costumeiramente malvado com as notícias, não as tornou velhas. Mas, afinal, o que torna uma notícia velha? O fato é que as notícias vêm para fazer cada um de nós ciente do mundo que nos envolve e, consequentemente, dos problemas que ele tem. Para cada problema, uma solução eficaz é buscada e, depois de aplicada, poderíamos então dar o problema como resolvido. O mundo - mesmo levando em consideração um conceito bem menos abrangente dessa palavra - voltaria a girar. Mas, e quando o problema persiste? A busca não terminou, ele não foi solucionado. Olhando por
esse ângulo, ainda temos um problema, que não foi resolvido nem pode ser esquecido. Assim como as notícias que trazemos nesse número. É a volta constante a esse conflito, tentando resolvê-lo, que o traz para o grupo das novidades, tornando a sétima edição do LAMPIÃO ainda muito atual, mesmo depois de quatro meses. Dentre as novidades que vale a pena destacar, saiba, caro leitor, que você lê o melhor jornal laboratório do Brasil! O LAMPIÃO ganhou esse prêmio, concedido pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), em setembro último, juntamente com o telejornal Livre Acesso, outro produto do curso de Jornalismo da UFOP. Boa leitura!
lampejos “Deixei de morar em uma casa boa para que eles pudessem ter uma vida melhor”.
Carla Barbosa, ex-aluna da UFOP, sobre abandono de animais, p. 5
“Eu responsabilizo os legisladores e governantes por não me darem a condição de ir comprar pão na padaria”.
Guilherme Mansur, poeta, sobre acessibilidade, p. 6
“As nossas condições de trabalho estão precárias, em função da grande expansão na universidade pública, e este processo desqualificou as condições de carreira, já que são muitos alunos para cada professor.”
José Rubens Jardilino, professor da UFOP, sobre a greve, p. 3
eNTRE OLHARES Natália Goulart
literatura
Poemas vencedores do I Concurso Literário Respeitável, público! Já temos o resultado do I Concurso Literário do LAMPIÃO. Foram 40 poemas inscritos de Mariana, Ouro Preto e outras cidades de Minas Gerais. Além disso, também recebemos inscrições de outros estados, como Alagoas, Bahia, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. A banca avaliadora foi formada pelas professoras Marta Maia e Verônica Costa, do curso de Jornalismo, e pelo artista Xisto Siman. Os critérios levados em conta na hora da avaliação foram adequação ao tema Circo, gramática e criatividade, além de conceitos mais aprofundados de interpretação de sentidos. Confira os poemas vencedores: 1° Lugar - Leandro Andreo Rodrigues - Tatuapé - SP
2° lugar - Alexandre Pastre São Carlos - SP
Artista de Rua
Voo Nupcial
É vermelho! Então ele entra Em cena, olha para os lados, Ora a Deus e se concentra Nos malabares jogados Para o alto e, habilidoso, Sem nem deixar de sorrir, Termina o show ansioso Por ver alguém aplaudir.
Quando o arado navalha a terra e dela sangram torrões em amplexos com múltiplos insetos, os pássaros jogam os olhos ao vento, desabotoam todos os seus penachos e gozam infinitos entre pernas, asas e galhos.
De rua, artista, solitário, Vai à procura do seu pão, Faz da gorjeta salário E das claves, profissão. Ele já nem mais se importa Caso alguém subir o vidro Do carro e trancar a porta, Confundindo-o com bandido.
Quando a lona se molda sobre o barro e dela a pandora edifica o picadeiro os malabares fazem uma constelação de boquiabertos entre, a festa está armada, para o voo do pássaro preso à linha no monociclo de histórias.
Maquiagem caprichada E com roupa de palhaço, A sua face esbranquiçada Cobre o medo do fracasso. Ele sonhava que o circo Era o lugar verdadeiro, Mas fez do mundo um abrigo E da rua, seu picadeiro.
Rugas surgem nos lençóis, a tenda trepida, a bagunça se senta e pisa.
Correndo, passa o chapéu, Nem todos doam no fim, Mas sabe do seu papel E agradece mesmo assim.
A caravana segue no globo de reinvenções a imprevidência da nova aposta.
No pasto desarrumado, restos de pipoca deleitam-se do orvalho seminal de rejuvenescedor banquete sem pudores.
Confira o perfil do ganhador na página 11. Acesse, também, o link bit.ly/TxGfz1 para conhecer os três poemas que receberam Menção Honrosa: “Circo de Cavalinhos”, “Circo” e “Bravo!”
Talvez rua Direita
G ia l á t r u o N Há ruas que são tímidas, complexas, preconceituosas, evangélicas, promíscuas, livres, sentimentais. Ainda não sei exato, um nome que caracteriza minha rua, talvez direita. Quando começa a clarear, vou apagando, mas não de uma vez só. Num cochilo gostoso escuto as primeiras vozes: a dos trabalhadores. E só vai chegando, passando, parando gente. Muitos milhões de pés surgem desvairados. Vejo tudo, até o mais profundo de minha rua. Amo essa gente que vai, sem medo, que vive. Sou lampião, mas não o da Maria Bonita. E fomos fixados aqui, do lado direito, da Rua Direita, no Século XVII. E faz tempo. Não tenho pernas, não tenho olhos, mas tenho memória. E a minha rua não apaga nada. De uns séculos pra cá, muita coisa mudou. Pensei até que minha rua tinha um pouco da rua de Monet, a Montorgueil,
em Paris. Mas isso foi coisa que ouvi, daqui de cima. Estou meio velho, no entanto, entendo tudo dessa minha rua que morre de silêncio quando chega a noite. E acendo novamente, forte, e faço luz. A noite é só mistério, ares de nostalgia, de um tempo que nem sei. Vivo o presente, o “instante já”, mas é difícil enxergar, estar nele. Não vou negar, sinto falta dos carros antigos, das rodas que passavam devagar, dos encontros românticos demorados, das serestas ao lado da minha amiga janela, desbotada pelo tempo. Bons tempos, e vi tudo se transformar. As cores das casas, das portas, dos vestidos cada vez mais encurtados. E comércios vão e vem, sem ordem. De dia é uma loucura, literalmente. Celular, celulares, dinheiro, artesanato, um e noventa e nove, vasilhas, colheres baratas. Barata também tem, à noite. Sapatos a rodo. Camise-
Jornal Laboratório produzido pelos alunos do 6° período de Jornalismo – Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA)/ Universidade Federal de Ouro Preto – Reitor: Prof. Dr. João Luiz Martins. Diretor do ICSA: Prof. Dr. José Artur dos Santos Ferreira. Chefe de departamento: Profa. Dra. Ednéia Oliveira. Presidente do Colegiado de Jornalismo: Prof. Dr. Ricardo Augusto Orlando – Professores responsáveis: Adriana Bravin (Reportagem), Anderson Medeiros (Fotografia) e Priscila Borges (Planejamento Visual) – Editores-chefes: Jorge Lelis e Rafael Câmara. Subeditora: Alice Piermatei. Diretora de fotografia: Camila Maia. Diretor de arte: Kael Ladislau. Reportagem: Aline Rosa Sá, Eduardo Braga, Flávia Rodrigues, Giovana Bressani, Janini Sanches, João Felipe Lolli, Laio Monteiro, Lara Beatriz, Léo Alves, Lidiane Andrade, Kleiton Borges, Mayara Coutrim, Natália Goulart, Nathália Barreto, Pedro Fernandes, Ricardo Maia, Suellen Amorim. Fotografia: Gérsica Moraes, Greiza Tavares, Gustavo Aureliano, Joenalva Porto, Lorena Silva, Natália Ambrósio, Natália Goulart, Thiago Guimarães. Diagramação: Ana Luísa Ruggieri, Gabriel Sales, Lucas Araújo, Marcelo Quintino, Maressa Nunes, Mickael Barbieri, Pablo Gomes, Renata Felício. Revisão: Kamilla Abreu, Maysa Souza, Thalita Neves. Monitores: Lincon Zarbietti (Planejamento Visual) e Yasmini Gomes (Reportagem). Colaboração: Edmar Borges, Rodolfo Salvador. Impressão: MJR Editora Gráfica. Tiragem: 6.000 exemplares. Endereço: Rua do Catete, n° 166, Centro. Mariana - MG. CEP 35420-000.
tas penduradas com desenhos de Ouro Preto, tapetes e papelarias, aos montes. A Rua Direita de Mariana é mais comportada que a de Ouro Preto. Calma. Não sou eu quem diz, as pessoas vão falando. Tem gente que fica aqui, no frio, namorando, mas não embaixo de mim; eles preferem o escurinho. Tem gente que fica lá, subindo e descendo a ladeira, descontrolados. É que minha rua não é noturna, rua de balada, de cafés. Um pouco monótona, mas eu gosto. Às vezes, quero movimento, música. E passa aquele cara com um fone no ouvido e penso: aumenta essa música aí! Onde estão as caixas de som? Quero luz. Sou lampião e memória viva. E não esqueço um dia em que me tiraram daqui, por alguns instantes, pra trocar minha cor. Preto no preto. Foi ótimo, comecei a ver as cucas legais e a modernidade chegar, sem medo. Porque as coisas mudam e eu também.
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Edição: Eduardo Braga e Mayara Coutrim Diagramação: Gabriel Sales
Outubro de 2012
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educação
O dia em que a universidade parou Apesar da greve de 130 dias, governo mostrou inércia e principais reinvindicações foram ignoradas Gabriela Gomes/Arquivo ADUFOP
permaneceram em greve até 17 de setembro. Técnicos Paralelamente às reivindicações dos docentes, os técnicos administrativos também reivindicavam suas propostas, desde o ano passado. As três principais questões em pauta foram: participação nos conselhos universitários, reajuste salarial e plano de carreira. Os servidores pararam suas atividades por mais de 110 dias, em 2011. Porém, sem sucesso nas negociações, pararam novamente em 11 de junho desse ano. No último dia 24 de agosto, os representantes da Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras (Fasubra) decidiram aceitar a proposta de reajuste de 15,8%, fracionado até 2015, e incentivos à titulação oferecidos pelo Ministério do Planejamento. Os técnicos exigiam o percentual integral para o próximo ano ou aumento dos salários de 25%, divi-
dido em três anos. O vicepresidente do Sindicato dos Trabalhadores TécnicosAdministrativos da UFOP (Assufop), Sérgio Neves, considerou a proposta do governo insatisfatória. Expansão Uma das reivindicações dos docentes era a melhoria nas condições de trabalho. Com o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), em que foram abertos novos cursos, o número de ingressantes nas universidades aumentou, mas a contratação de professores não acompanhou esse crescimento. Isso acabou gerando um abismo entre a demanda dos estudantes e o número de docentes para atendê-los, segundo o vice-presidente da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Ouro Preto (Adufop) e professor do Departamento de Educação, José Rubens Jardilino. “As condições de trabalho es-
tão precárias, devido a expansão na universidade, e este processo desqualificou as condições de carreira, já que são muitos alunos para cada professor”, afirma. Jardilino ressalta que o reajuste salarial de 15%, que será pago gradativamente nos próximos três anos, atenderá ao crescimento da inflação, o que o transformará em uma correção salarial que apenas acompanhará os níveis inflacionários no país. Grupos de trabalho Desde 2011, Grupos de Trabalho (GT) formados por membros do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes) reúnem-se em Brasília, junto ao Congresso, para analisar e discutir a formatação de emendas que aproximem o projeto de lei à proposta dos docentes. Na UFOP, GTs comandados pela Adufop discutem questões pontuais sobre o PL, como carreira, democracia e participação, e formação sindical.
A Rua Direita, em Ouro Preto, foi palco de manifestações de professores, alunos e técnicos
Giovana Bressani e Mayara Coutrim 17 de maio de 2012. Inicia-se a maior paralisação da história das universidades federais, se não da educação. Professores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e de outras 33 instituições de ensino superior interromperam suas atividades. Uma semana depois o movimento já havia se espalhado por todo o país, atingindo 57 das 59 universidades, em uma greve que durou 130 dias. Somaram-se aos docentes, os
técnicos-administrativos e os estudantes, que também paralisaram suas atividades. Reestruturação da carreira e melhores condições de trabalho foram os eixos principais das negociações entre professores e governo, além da inclusão desses pontos no projeto de lei 4368/12, em tramitação no Congresso Nacional. As discussões sobre uma possível greve tiveram início no ano passado. No dia 31 de agosto de 2011 foi fechado o projeto de lei voltado à classe docente sem inserir as propostas
dos sindicatos. O governo pediu uma trégua para discutir o assunto e inserir as propostas no início do ano. Em 2012 a situação vinha se repetindo, porém, os professores decretaram greve no dia 17 de maio. O governo não cedeu e, em agosto, fechou novamente o projeto de lei sem considerar as propostas, oferecendo aos docentes um aumento de até 15% para os níveis assistente, adjunto e associado, e 45% para titular, divididos em três anos (leia mais no box ao lado). Ainda assim os docentes
Governo
Carreira docente Andes
Existiriam duas carreiras: - A primeira carreira incluiria: auxiliares, assistentes, adjuntos e associados. Ela apresentaria quatro cargos verticais de crescimento e 12 níveis horizontais. A mudança horizontalizada exigiria avaliação do MEC (com critérios ainda não definidos) e dois anos de experiência em cada etapa; - A segunda carreira incluiria: professor titular-livre. Para ingressar seria necessário doutorado, 20 anos de experiência na área e defesa de memorial em concurso público.
O magistério superior possuiria apenas um cargo: - Professor federal: a carreira contaria com 13 níveis com intervalos de dois anos para cada mudança. O professor poderia optar pelo tamanho da carga horária (20h ou 40h) e exclusividade na carreira acadêmica. Cada opção implicaria em um abono salarial.
Fontes: http://tinyurl.com/97otpmy http://tinyurl.com/8ffm5lv
Jornalismo premiado no Intercom Prestar serviço a uma comunidade não é a função de produtos laboratoriais jornalísticos criados dentro da Universidade? A pergunta foi respondida, no XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, realizado em setembro último, em Fortaleza (CE), na forma de uma dupla premiação aos produtos criados pelo curso de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), no último ano. Conquistaram o primeiro lugar, na premiação da Exposição de Pesquisa Experimental em Comunicação (Expocom), o jornal laborarório LAMPIÃO e o telejornal “Livre Acesso - Especial Monsenhor Horta”. Realizada todos os anos no congresso nacional da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), a premiação contempla os melhores produtos realizados por alunos de graduação em Comunicação Social no país. No total, foram avaliados 276 trabalhos, distribuídos em 67 modalidades. A filosofia e a missão do Lampião, de “dar voz ao outro”, como expressa o primeiro editorial do jornal, lançado no primeiro semestre de 2011, tam-
bém orientam o telejornal “Livre Acesso” e, agora, são reconhecidas nacionalmente pela Intercom, organizadora do congresso e do Prêmio Expocom. Defendido pela estudante do 8º. período de Jornalismo da UFOP, Luiza Lourenço, o Lampião venceu uma das categorias mais disputadas entre estudantes de Comunicação Social de todo o país, a de Jornal Laboratório Impresso, representando a Região Sudeste. “Ter feito parte do processo de criação do jornal e visto seus desdobramentos foi um elemento essencial na minha formação como jornalista. O prêmio só veio consagrar o enorme esforço de todos os alunos e professores envolvidos”, avalia Luiza. Também aluna do 8º. período, Dalila Carneiro, editora do telejornal “Livre Acesso - Especial Monsenhor Horta”, acredita que o troféu pode ser um diferencial profissional e acadêmico. “O aprendizado que tive vou levar para minha carreira profissional. Acredito que, na graduação, precisamos de desafios que nos instiguem a vencer obstáculos”. Outros dois trabalhos produzidos por estudantes de Jorna-
Gérsica morais
Luiza Lourenço e Dalila Carneiro comemoram a conquista dos prêmios na redação do jornal laboratório LAMPIÃO
lismo da UFOP concorreram no Premio Expocom 2012. “Sombra das almas”, fotografia artística produzida por Paula Peçanha, do 5º período, e a revista laboratório Curinga, representada por Simião Castro, do 8º período também chegaram à final.
Para a professora-orientadora de reportagem do Lampião, Adriana Bravin, “o reconhecimento da comunidade acadêmica, através dos prêmios que recebemos nos últimos congressos da Intercom, é uma grande conquista porque nos diz que esse
é o resultado de um esforço coletivo na construção do curso de Jornalismo.” Ela enfatiza ainda que os prêmios são reflexo de “uma ação plural, voltada para a comunicação de interesse público, envolvendo professores, estudantes e técnicos”.
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Edição: Flavia Rodrigues Gustavo Aureliano Diagramador: Pablo Luís Gomes Barroso
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ACONTECEU
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Caro leitor, essa página sofreu algumas alterações. Cinco meses se passaram desde quando as matérias foram escritas e se fez necessária a adequação de cada uma delas para se manterem atuais. Por esse motivo, essa página é diferenciada.
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Na primeira reportagem, uma nova apuração foi realizada para verificar em quais condições a rodoviária se encontra. Na “BR-356”, novos dados foram inseridos. Na “O grito de gol!”, o resultado final dos jogos foi acrescentado. Boa leitura!
Era uma casa muito engraçada... GREIZA TAVARES
Em março, a rodoviária de Mariana sofria com o descaso da Prefeitura
Lara Beatriz Em seu primeiro contato com Mariana, o turista que desembarca na rodoviária tem o retrato do descaso do governo municipal para com os bens públicos. A má conservação e a má administração fazem do prédio um lugar sujo, desconfortável e pouco seguro. As placas de orientação ao usuário estão enferrujadas e desatualizadas. Não existem funcionários que informem e recepcionem os turistas. Até para chegar ao terminal é uma tarefa complicada. “Passei em frente e nem vi que era rodoviária. Vim de São Paulo e parei aqui para tomar um banho, mas ainda não descobri se vou conseguir”, reclamou o motorista Ubirajara Ribeiro, 34. Sujeira e água empoçada são elementos comuns nas instalações da construção. Quem usa o banheiro do térreo tem que suportar o mau cheiro. A falta de higiene, aliada à qualidade
do piso, dificultam a limpeza. O encanamento do banheiro do segundo andar está estragado, e a água que escorre constantemente inunda o pavimento e desce pela rampa que dá acesso ao primeiro andar. Com um quadro de funcionários pequeno, a limpeza se torna difícil. São três servidoras que têm as funções de limpar o prédio, controlar e cobrar as entradas nos sanitários. Durante os finais de semana, apenas uma pessoa é responsável por manter a limpeza do local. O turista reclama da situação. “Aqui não tem assistência nenhuma. Uma cidade turística precisa de uma rodoviária melhor”, afirma o empresário carioca Dulcimar Batista, 38. O taxista José Horta, 60, que trabalha há 16 anos na rodoviária e vê de perto a insatisfação dos funcionários que transporta. “Já vi muitos turistas reclamando que aqui
Na BR-356 ANDRÉ LUIS MAPA
é tudo sujo, feio e mal cuidado. É chato ouvir as reclamações, mas a gente sabe que eles têm razão. As meninas da limpeza trabalham bastante, mas é difícil mesmo manter isso aqui limpo”. O Secretário de Obras e Serviços Públicos, Claudio Di Pietra Nascimento, disse que, ainda em maio, o espaço antes usado como estacionamento e pista de caminhada deixaria de servir como depósito para os materiais de construção da obra da Rua do Catete. Em 90 dias seriam concluídas as obras de drenagem, reformas dos banheiros, reestruturação da cobertura e correção dos telhados. Segundo ele, a atual administração municipal planeja consertar todos os itens de segurança do terminal. Histórico O terminal rodoviário foi construído pelo ex-prefeito João Ramos, em 1996. Mais tarde, com o compromisso de melhorar o atendimento ao turista, o então prefeito Celso Cota acrescentou um andar até hoje inacabado. O estado daquela que deveria ser a porta de entrada da cidade é, em parte, consequência da briga política pela prefeitura. “A mudança de prefeito só atrapalha”, diz o taxista Jorge Daniel do Nascimento, 79. “Um joga o problema pro outro e ninguém conserta nada”, afirma. Quem sofre as consequências da má administração da rodoviária são os moradores da cidade, os turistas e aqueles que trabalham no local.
dades quanto nas estradas. Segundo o engenheiro do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT), Davidson Matos, responsável pelo trecho entre Ouro Preto e Mariana, quatro novos pontos foram danificados por erosões e quedas de barreiras, na altura dos km’s 93,5; 96,5; 104,0; e 105,5. Por meio de três contratos distintos, foram realizadas obras de recuperação e aprimoramento. Algumas intervenções foram realizadas por contrato emergencial, entre março e agosto deste ano. Já os pontos mais prejudicados estão recebendo obras mais intensas desde janeiro, com previsão de término para este mês. Em julho, o trecho também recebeu obras de asfaltamento e sinalização. A Rodovia dos Inconfidentes recebeu, ao todo, um investimento de R$ 63 milhões.
Desde maio, a Rodoviária de Mariana passou por algumas melhorias, mas ainda há muito a ser feito. Três funcionárias foram contratadas para trabalhar na limpeza; a água que antes vazava dos banheiros do segundo andar foi drenada; o posto do corpo de bombeiros ganharia uma sala maior; o chão está mais limpo e a terra que ficava jogada na lateral das plataformas de embarque e desembarque deu lugar a um jardim. Os banheiros do primeiro andar receberam azulejos novos e o prédio ganharia nova pintura. Desde 19 de junho, Hélio dos Reis, 53, é o responsável pelo prédio. Segundo ele, o único orçamento que a rodoviária conta para comprar material de limpeza e fazer a
manutenção do edifício vem da cobrança pelo uso dos banheiros. “O dinheiro que as lanchonetes pagam vai direto para a conta da prefeitura, desse jeito fica difícil da gente pegar”. Mas, quando indagado a respeito do segundo andar do prédio, desconhece o que vai ser feito no local. “A prefeitura deve reformar, principalmente com a Copa chegando, mas não sei o que vão fazer, nem sei o que foi pensado quando esta área foi construída”. O taxista Sebastião Fonseca, 60, disse que a principal melhoria, até o momento, foi em relação à limpeza do local. No entanto, muito pouco foi feito para tentar melhorar a segurança e o conforto das pessoas que desembarcam na cidade de Mariana. GREIZA TAVARES
Após cinco meses, a falta de cuidados ainda pode ser observada na rodoviária
O grito de gol! JOENALVA PORTO
Quilômetro 98, proximo ao Cooperouro, antes (outubro de 2011) e depois (outubro de 2012) das obras do DNIT
Mayara Coutrim Rodovia Pedro Aleixo, em Cachoeira do Campo; Rodovia Rodrigo Melo Franco de Andrade, em Ouro Preto; Rodovia dos Inconfidentes, entre Itabirito e Mariana; ou simplesmente “Rodovia dos Problemas”. A BR356 possuía tantos nomes quanto complicações, que hoje já se encontram solucionadas. Em outubro do ano passado, o LAMPIÃO apontou um panorama da situação da rodovia, que corta Mariana e Ouro Preto. Na época, a rodovia 356 apresentava desde deformações no asfalto até deslizamentos de terra que invadiam a pista. Atualmente, o trecho apontado pelo LAMPIÃO se encontra recuperado. Em janeiro deste ano, a região central do Estado foi atingida por fortes chuvas que causaram prejuízos tanto nas ci-
Os problemas continuam
Considerada problema para uns e solução para outros, a substituição dos quebra-molas por lombadas eletrônicas, no início deste ano, gerou uma série de protestos da população. No último 21 de abril, na Rodovia Pedro Aleixo, em Cachoeira do Campo, os manifestantes interditaram a 356, por cerca de duas horas e meia, pelo retorno dos obstáculos físicos em favor de uma maior redução de velocidade na rodovia. Apenas um dos quebra-molas, no trecho mais crítico segundo os manifestantes, foi recolocado pela Prefeitura de Ouro Preto, após autorização da Superintendência Regional do DNIT em Minas Gerais. Porém, segundo o DNIT, essa reinstalação foi autorizada em caráter provisório, até que seja substituído por uma lombada eletrônica.
Eduardo Braga Domingo, 15 de abril, três horas da tarde, Marianense e Guarany, times tradicionais, estão prontos para começar o jogo de futebol no campo do Marianense, Centro da cidade. No mesmo horário, no distrito de Cachoeira do Brumado, as equipes locais, 8 de Dezembro e Vila Nova, também esperam o apito inicial do juiz. Assim é a Copa Mariana de Futebol, competição que abre o calendário da Liga Esportiva Marianense (Lema) e conta com a participação da maioria dos clubes da sede e dos distritos. Este ano, o campeonato teve um incentivo a mais: o campeão levou o troféu Marianense de futebol em homenagem aos 100 anos de fundação do clube. O presidente da Liga, Décio Soares, 54, idealizador do evento, conta que o torneio começou em 1999. “A ideia inicial era a participação de todos os clubes filiados, que disputavam separadamente o distrital e 1ª e 2ª divisões, integrando todo o futebol municipal, com jogos em todas as localidades”. Esse ano, o campeonato contou com a participação de 30 equipes, 90% de todas as filiadas. Os clubes jogam entre si em chaves regionais na primeira etapa e, classificando-se, vão para a fase mata-mata com jogos de ida e volta. A Copa vem, ao longo desses anos, sendo dominada pelos times dos distritos. Em 12 edições, apenas duas foram vencidas por clubes da sede. As equipes da cidade alegam que problemas como a
má conservação dos campos e a falta de comprometimento dos jogadores podem afetar o desempenho dos times. “Mandamos nossos jogos em um campo todo esburacado, onde nós mesmos fazemos as marcas e roçamos. E os outros campos da sede também estão horríveis. Aqui no bairro não tem nem alambrado, enquanto no distrito os campos são novos e cercados”, relata o técnico da equipe Águia de Ouro, do Bairro Cabanas, Willian Ferreira, 26. Mas, nem tudo são flores para os clubes do distrito. Com apoio da prefeitura, no valor de R$ 3 mil, têm que arcar com todos os campeonatos do ano. O presidente do Engenho Futebol Clube, da localidade de Engenho, Cléber Araújo, 38, é um exemplo. Ele mantém o clube com a ajuda de seus dois irmãos. Uma solução financeira para os clubes é a premiação, em dinheiro, do campeonato: o 1º lugar levou R$ 5 mil; o 2º lugar, R$ 3 mil, e o 3º, R$ 2 mil.
Resultado O campeonato começou em abril e teve a sua final no dia 24 de junho, no campo do Guarany com a partida entre 8 de Dezembro e Guarany. Mesmo jogando em casa, o time local foi derrotado nos pênaltis (5x4), após empate por 1x1 no tempo normal. O resultado sacramentou a superioridade dos times dos distritos nos últimos anos do campeonato. Em segundo lugar ficou o time Guarany, de Mariana e, em terceiro, a equipe do Independente, de Águas Claras.
Edição: Pedro Fernandes e Kleiton Borges Diagramadores: Ana Luisa Ruggieri e Janini Sanches
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CIDADE
Tá ruim pra cachorro! Animais sem lar dependem de ações colaborativas, e voluntários reclamam da falta de apoio da Prefeitura
Lorena Silva
Ricardo Maia Sem documentos, registros, ou qualquer objeto que identifique suas origens, ela caminha com seus descendentes pelas ruas de Ouro Preto, em meio à neblina que encobre do mais alto pico ao mais baixo ladrilho. Escolhe uma casa de boa aparência e, sem pensar duas vezes, invade o lugar. Desejos simples mantinham acesa a vontade de continuar, conservar quem mais amava em segurança e garantir uma chance de sobrevivência. Dentro do local, ao ver a dona da casa, uma jovem mulher de cabelos negros e curtos que, em princípio, não entendia a situação, teve a certeza: era o local adequado. No ímpeto da decisão, dirige-se para fora do lugar, ouvindo apenas o choro da despedida. Foi assim que o cão Flicks foi deixado por sua mãe na casa da ex-aluna de Engenharia Geológica da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Carla Barbosa. Ela já adotou cerca de 20 cães e, hoje, cria cinco em sua casa. Dentre eles, os recém-nascidos Rex e Heitor, filhotes da cadela Maya. “Deixei de morar em uma casa boa para que eles pudessem ter uma vida melhor”, explica. O custo é alto, e vacinas, ração, remédios e outras despesas a impedem de criar um número maior de animais.
Carla idealizou um projeto para criar uma sociedade de apoio aos animais, que propõe a elaboração de cartilha e visitas a escolas para conscientização de jovens e crianças sobre a importância da adoção de animais, além de parceria com a Prefeitura. “A preferência por uma sociedade ao invés de uma Organização Não Governamental (ONG) é no sentido de haver menos burocracias no processo”. É aí que a história de Carla se une a da aluna de Biologia da UFOP, Luana Neves, que cria cinco cães em sua casa e já participou da tentativa de criação do projeto. A sociedade ainda não saiu do papel por falta de apoio financeiro e porque alguns idealizadores se mudaram de Ouro Preto. Há planos para retomar o projeto ainda esse ano. Para Luana, a cidade não comporta a quantidade de animais hoje na rua. Um projeto com resultados a longo prazo, como campanhas de castração, por exemplo, ajudaria a diminuir o índice de animais errantes e, consequentemente, doenças, melhorando a qualidade de vida de animais e moradores.
r Lo en a Si a lv
Preconceito Às vezes, chamadas pelo termo pejorativo “cachorreiras”, as voluntárias, que sofrem preconceito, só doam os cães quando têm certeza de que os novos donos irão cuidar deles. Uma das principais barreiras na criação particular de animais em Ouro Preto é o custo do tratamento veterinário. Uma castração no serviço particular custa, em média, R$ 500,00, enquanto em uma ONG ou clínicas de cidades vizinhas não passa de R$ 80,00. Outro entrave é o alto
Os filhotes Rex e Heitor, nascidos em um lar, diferente de muitos outros cachorros obrigados a viver nas ruas
índice de rejeição por fêmeas e animais que não possuem raça definida. Os serviços particulares na cidade são deficientes, afirmam as voluntárias. Há conhecimento de casos em que a aplicação de medicamentos paliativos foi utilizada por falta de recursos suficientes, como raio-X e oftalmologistas. O transporte para clínicas em cidades vizinhas é caro e torna-se inviável, o que gera alto índice de mortalidade dos animais. Controle O canil de Ouro Preto é administrado pela empresa SC, especializada em captura, guarda e eutanásia de animais, seguindo o modelo estabelecido pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa). O projeto é autorizado pela Vigilância Sanitária Estadual e Conselho de Medicina Veterinária. A unidade abriga cães, equinos e outras espécies domésti-
cas. São coletados animais errantes em vias públicas que, em seguida, passam por uma triagem para detectar doenças e avaliar necessidades médicas. Os de pequeno porte, que possuem dono, podem ser reclamados em até sete dias úteis, caso contrário, serão doados às pessoas interessadas. Quanto aos equinos, eles podem ser leiloados ou doados a instituições, após o prazo de reclame. Segundo o coordenador do controle de Zoonozes e médico veterinário da Secretaria de Saúde de Ouro Preto, Renato Lopes, o índice de adoção de animais com mais de dois anos de idade é muito baixo. Ele chama a atenção para o fato de grande parte dos que estão nas ruas não terem nascido nelas, mas terem sido abandonados e, por vezes, o abandono é reincidente. Renato alerta que abandonar animais é crime. Além das campanhas de va-
cinação, a Secretaria Municipal de Saúde pretende organizar uma outra para castração de animais de rua. Outra proposta é a criação de feiras de adoção. Quanto ao boato recorrente na cidade de que animais estariam sendo sacrificados irregularmente no canil, Renato Lopes diz ser irreal. Todos os animais que recebem eutanásia são registrados no controle da secretaria e, segundo ele, são feitas inspeções semanais no canil. Informações Para adotar um animal, basta entrar em contato com a Secretaria de Saúde e agendar uma visita ao canil ou ir diretamente ao local. Secretaria Municipal de Saúde de Ouro Preto Tel: (31) 3559-3250 ONG Vida Animal (Itabirito) Tel: (31) 3561-2981
Preparar o cidadão para a vida Flávia Rodrigues Capacitar pessoas para o exercício de uma profissão e qualificar profissionais que já atuam na área são alguns dos objetivos dos programas de inclusão social, atalhos para quem batalha por uma vaga no mercado de trabalho. Com a dificuldade para conseguir um emprego, os cursos de qualificação profissional têm sido opção de muita gente. Segundo estudo realizado em 2010, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pelo Instituto Votorantim, a chance de jo-
vens que fizeram cursos técnicos, de qualificação ou tecnológicos, de conseguir trabalho é 48% maior do que quem tem apenas o nível médio. “Um curso profissionalizante é a porta de entrada para ingressar no mercado de trabalho. Tem muitas pessoas que logo que concluem o ensino médio fazem um curso superior, sendo que o mais indicado é alcançar o nível técnico antes”, relata o supervisor pedagógico do Senai Ouro Preto, Ricardo Carvalho, que afirma ainda que em Nathália Ambrósio
Alunos do curso de Mecânica do Senai realizam aula prática
várias profissões de nível técnico o salário é o mesmo, ou até melhor, do que algumas em nível superior. Ricardo explica que os cursos disponíveis pelo Senai são escolhidos através de um estudo de demanda do mercado regional. O autônomo Edvan Silva, 25, conseguiu uma oportunidade melhor de trabalho depois de fazer o curso de Restauração pelo Senai, na época oferecido em Ouro Preto. “Foi a primeira vez que assinaram minha carteira, o que me acrescentou muito após minha formação. Um currículo com um curso profissionalizante é muito mais interessante”, diz. Além dos Cursos Técnicos, o Senai Ouro Preto e a Fundação Aleijadinho atendem a aproximadamente 150 alunos, em diversas áreas, que vão desde Aprendizagem Industrial até Manicure e Pedicure. Oportunidades O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), do Governo Federal,
beneficia jovens de 16 a 24 anos, oferecendo cursos gratuitos de educação profissional e tecnológica. O programa está ligado à Prefeitura de Ouro Preto, através das secretarias de Educação e de Assistência Social e Cidadania, ofertando os cursos técnicos de Logística, Informática e de Contabilidade, que acontecem em escolas estaduais da cidade. Para participar, os alunos devem estar cursando o 2º ou 3º ano do ensino médio. Os cursos de aprendizagem são em parceria com o Senai e não têm escolaridade requerida, sendo oferecidas capacitaçoes em Elétrica, Mecânica e Solda. Em Mariana, o Centro Vocacional Tecnológico ligado ao governo estadual oferece cursos gratuitos, à distância e presenciais, como o curso de Instalações Elétricas em residências. Essas capacitações têm garantido uma nova oportunidade para aqueles que buscam a rapidez de entrada no mercado de trabalho, sendo bem valorizados.
Para quem está em busca de uma oportunidade de emprego, vale a pena conferir alguns cursos oferecidos em Mariana e Ouro Preto: Pronatec - Pilar Sec. de Educação Endereço: Rua Benedito Valadares, 327, Bairro Pilar, Ouro Preto Telefone: (31) 3559-3325 Pronatec - Cabeças Sec. de Assistência Social e Cidadania Endereço: Rua Dom Helvécio, s/nº, Bairro Cabeças, Ouro Preto Telefone: (31) 3559-3264 Fundação Aleijadinho e Senai Ouro Preto Endereço: Rua Hugo Soderi, s/nº, Saramenha, Ouro Preto Telefone: (31) 3551-1297 Centro Vocacional Tecnológico Endereço: Rodovia do Contorno, 327, Bairro Colina, Mariana Telefone: (31) 3558-3110 Senai Mariana Endereço: Rodovia do Contorno, s/n, Centro, Mariana Telefone: (31) 3557-2120
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Edição: Aline Rosa de Sá e Ricardo Maia Diagramação: Mickael Barbieri
especial
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IMOBILIDADE H terogênea. Nesse sentido, é fundamental pensar nos idosos, deficientes físicos e visuais, obrigados a transitar em meio a calçadas inexistentes, ruas irregulares e o número pouco expressivo de prédios adaptados. As tricentenárias devem ser capazes de conciliar seu arsenal histórico, que as caracteriza desde o Século XVIII, às exigências de uma sociedade do Século XXI. O processo é delicado e requer uma estruturação eficiente das políticas públicas e medidas de longo prazo. A proteção patrimonial precisa estar aliada ao conforto dos habitantes que, a cada novo século, transformam e refazem a história por essas ladeiras.
Caminhar pela cidade
Ilustração: Rodolfo Salvador
traves do acesso aos dois municípios. Moradores e turistas, muitas vezes, são impossibilitados de transitar livremente pelas ruas, que apesar de acolhedoras, fecham suas portas quando o tema é acessibilidade. Se garantir o bem-estar público é uma problemática nas cidades brasileiras, aqui vive-se um conflito ainda maior: adequar esse processo às dificuldades impostas pela tradição histórica dos municípios. O desafio é manter-se como referência mundial de preservação arquitetônica e, ao mesmo tempo, garantir acesso universal. As duas cidades crescem. A população envelhece e se torna mais he-
Foto: Joenalva Porto
Giovana Bressani Com mais de três séculos de vida, as cidades históricas de Ouro Preto e Mariana proporcionam experiências únicas a quem vive por essas “bandas” e para aqueles que estão apenas de passagem. São raras as localidades onde, em uma breve caminhada, é possível se deparar com pinturas de artistas renomados, acervo arquitetônico barroco conservado, além de distintas surpresas entre um calçamento e outro. Essas singularidades ora nos lavam os olhos com belezas que atraem pessoas de todo o mundo, ora demonstram suas fragilidades, notadas principalmente por quem convive com os en-
Procure
Se divertir Procure
Visitar um ponto turístico Laio Monteiro Ele acorda. Toma banho. Toma café. Trabalha. Cultiva suas orquídeas e as ervas aromáticas, que usa nas refeições. São atividades comuns, praticadas por muitas outras pessoas. Mas existe uma diferença: em algum momento do dia ele tem sessões de fisioterapia e hidroterapia. O poeta Guilherme Mansur, 53, precisa de cadeira de rodas para se locomover. Ele é um dos muitos deficientes físicos que vivem o cenário da falta de acessibilidade em Ouro Preto. Ao falar da terra onde nasceu e da realidade do lugar, ele faz uma reflexão: “as cidades são para todos”.
Procure
Na cadeira de rodas desde 2001, devido a uma distrofia muscular, Guilherme Mansur quase não sai às ruas. Isso porque os passeios estreitos, pisos desnivelados e a falta de rampas impedem que ele se desloque livremente. “Faço tudo na minha casa. Fiz dela uma pequena cidade”, afirma o poeta, que instalou um elevador em sua casa. O acervo histórico de cidades como Ouro Preto e Mariana torna-se uma barreira ao se pensar em adaptações nos imóveis e nas ruas para deixá-los acessíveis aos deficientes. Porém, de acordo com Guilherme, é possível adaptar sem descaracterizar. “Você não vai destruir uma cidade para construir outra”, compara. E complementa: “eu responsabilizo os legisladores e governantes por não me darem
Atravessar a rua
Foto: Natália Goulart
ilustração: rodolfo Salvador
Patrimônio acessível Embora históricas, Ouro Preto e Mariana têm necessidades atuais que esbarram na questão da preservação do seu acervo. O secretário de Patrimônio e Desenvolvimento Urbano de Ouro Preto, Gabriel Gobbi, reconhece que “nunca houve uma política pública que tratasse a questão (da acessibilidade) como ela merece”. No entanto, o chefe do escritório técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) na cidade, Rafael Arrelaro, acredita que a falta de atenção à realidade dos deficientes é um reflexo social. “Enquanto a acessibilidade e outras questões de minorias não tiverem força den-
tro da sociedade, elas não vão ser discutidas politicamente”, declara. Em Mariana, a situação não é diferente. Falta mobilização política para tornar o patrimônio acessível. Porém, apesar da estrutura precária, tem havido mudanças. Segundo a chefe do escritório técnico do IPHAN na cidade, Maria Raquel Ferreira, “as pessoas estão ficando mais sensíveis e o próprio cidadão com limitações está percebendo seus direitos e cobrando”. Nesse sentido, as medidas de acessibilidade devem se estender a todas as pessoas, pois, como afirma Rafael Arrelaro, “o patrimônio precisa atender e abranger o máximo de população possível”.
Foto: Joenalva Porto
Ilustração: Rodolfo Salvador
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as condições de ir comprar pão na padaria”. Despreparadas Em Mariana, o estudante Mateus Leão, 15, vai para a escola com a ajuda da mãe, Inês Leão, 47. Em Ouro Preto, no Bairro Bauxita, o caminho diário do estudante de Engenharia de Produção, Felipe Lopes, 20, é para a universidade. Ele sempre está acompanhado por alguém. Caminhos diferentes e histórias parecidas: os dois são deficientes visuais e também enfrentam dificuldades devido à falta de acessibilidade. Eles levam uma vida ativa. No entanto, alegam que o despreparo das cidades para com os deficientes ainda é grande. “Já visitei igreja, mas museu, não. Nem sei onde é. É complicado chegar neles”, afirma Ma-
teus. Não há pessoas preparadas para recebê-los em locais históricos. Além disso, há buracos nas calçadas, onde também faltam pisosguia. Esse quadro dificulta que uma pessoa cega realize ações comuns, como atravessar a rua. “Acessibilidade é você permitir que a pessoa portadora de certa dificuldade se inclua na atividade que as outras fazem”, afirma Felipe, natural de Linhares (ES), e estudante em Ouro Preto. Para ele, se as pessoas com deficiência tivessem maior presença nas ruas, a população se acostumaria e isso ajudaria a diminuir o preconceito. Mas, é preciso haver ação política para que isso aconteça. “Teria que ter um foco maior na questão da acessibilidade”.
Sair para comprar pão procure
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INSTRUÇÕES
HISTÓRICA Kleiton Borges A chegada ao centro histórico das cidades centenárias de Ouro Preto e Mariana é uma experiência única. Aqui é possível sentir na pele a história. Casas, ladeiras e paralelepípedos parecem conversar, contar casos; um pedaço “vivo” do passado. O antigo, porém, é desconfortável; conforto vem da modernidade. E esse choque tem no trânsito um de seus exemplos mais claros. Projetadas no Século XVIII, essas cidades trazem vias estreitas e irregulares, que não eram problema para um veículo de tração animal usado na época. Mas, atualmente, para os carros, ônibus e caminhões, não é fácil circular nessas ruas.
Resolver UM problema
De acordo com o censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a frota de veículos chega a 16.332 em Mariana, e 22.144, em Ouro Preto. As duas cidades possuem juntas cerca de 124.500 habitantes, logo, a média é de um carro para cada três moradores, enquanto em Belo Horizonte a média é de um carro para cada dois moradores. Além disso, o volume de veículos em circulação nas duas cidades históricas é ainda maior devido ao fluxo turístico. Local para estacionar é outro problema. Na Praça Tiradentes, em Ouro Preto, existem 46 vagas de estacionamento, enquanto na Praça da Sé, em Mariana, apenas 27. Por isso, foi criado o sistema de estacionamento rotativo, onde o motorista paga para usar a vaga no período de uma a duas horas. Em dias de festividades, como no Carnaval, na Semana Santa e no feriado de Tiradentes,
é melhor deixar o carro na garagem pois, como forma de prevenção, as Guardas Municipais fecham o acesso às áreas centrais das cidades, impedindo o fluxo contínuo de veículos. Você dificilmente verá um caminhão circulando pelo Centro de Ouro Preto durante o dia, já que é proibido o tráfego dos veículos de grande porte no horário comercial. O abastecimento de mercadorias é feito durante a madrugada. Um bom observador pode perceber que o ônibus urbano em Ouro Preto é diferente. Menor que o tradicional e maior que o micro-ônibus, ganhou o nome de “micrão”. O tamanho diferenciado é uma exigência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como medida para reduzir o desgaste dos imóveis pela trepidação. Além disso, a frota conta com veículos adaptados para pessoas com deficiências, no
Procure
- Escolha um personagem
entanto, a empresa Transcotta não informou quantos são os ônibus que possuem o recurso e em quais linhas eles circulam. A sinalização também é diferente. Quase não há faixas de pedestres nem sinais luminosos, e as placas são menores do que as encontradas nas cidades que não são consideradas históricas. Essas medidas pretendem reduzir o impacto sobre o conjunto arquitetônico dos municípios. Alguns desses entraves são específicos e difíceis de solucionar, seja pela questão do patrimônio histórico ou pelo inchaço populacional. Porém, outras ações estão ao alcance de todos e podem melhorar o trânsito, como, por exemplo, não avançar o sinal ou atravessar fora da faixa, não estacionar em local proibido nem trafegar em alta velocidade. Pressa pra quê? Ela não combina com o trânsito, muito menos em vias tão especiais.
- Siga as indicações - Descubra os desafios enfrentados por ele
PERSONAGENS deficiente visual
Foto: Natália Goulart ilustração: rodolfo Salvador
deficiente físico
dos por ela. “Nessa cidade não pode nem andar de salto, que a gente escorrega ou fica com ele preso nas pedras”, descreve. O número de idosos no planeta nunca foi tão grande. Em 1995, já eram 578 milhões, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP). Em 30 anos, o índice de idosos vai representar 40% da população em países como Alemanha, Japão e Itália. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), em 2050 a expectativa de vida pode chegar a 87,5 anos para homens e 92,5 para mulheres. Prover saúde, lazer e
bem-estar para essa nova população é uma barreira enfrentada por muitas cidades. Mariana e Ouro Preto, por serem cidades históricas, têm um agravante: construir obras que facilitem a acessibilidade requer um trabalho maior. O desafio das prefeituras dessas cidades históricas é conciliar a infraestrutura do Século XVIII com a realidade do Século XXI. “Para os otimistas, Ouro Preto só tem descida; para os pessimistas, apenas subida. Para nós, gestores públicos, é necessário ter subidas seguras e descidas confortáveis”, explica o secretário de Patrimônio
e Desenvolvimento Urbano do município, Gabriel Gobbi. “Começamos colocando corrimãos e guarda-corpos nas ruas mais perigosas. A ideia é adequar toda a cidade”, finaliza o secretário. Mesmo com a preservação do patrimônio histórico em primeiro plano, foi possível reformar as ruas São José e Xavier da Veiga, no centro de Ouro Preto. A substituição do calçado “pé de moleque” por blocos regulares facilita a locomoção. Uma medida simples, mas que faz diferença. “Sem dúvida melhorou, dá até pra pensar em usar salto alto lá”, se anima dona Maria Helena.
De bicicleta se vai longe Andar de ônibus Procure
Pelo centro de Mariana, encontro João Nicolau dos Santos, 71, pedalando sua bicicleta. Ele a estaciona perto do ponto de ônibus da Rua Salvador Furtado e, ainda em cima dela, conversamos. “Sim, sempre que posso eu ando de bicicleta. Vou a Passagem, Saramenha, Cachoeira do Campo...”, conta. Vai longe, pelos distritos de Mariana e Ouro Preto. Mas vai perto também: saindo do Barro Pre-
to, bairro onde mora, para ir ao Centro, Santana, Colina e outros lugares. Entre reclamações sobre a instabilidade política e a poluição na cidade, João Nicolau revela que aproveita as atividades de lazer que Mariana oferece. Se parar, enferruja, Seu João? Com um sorriso farto, ele diz: “claro! A vida é assim, né? E, se Deus ajudar, desse jeito eu vou levando por mais muitos anos”.
idoso
funcionário público ilustrações: rodolfo Salvador
João Felipe Lolli “Domingo é dia de missa e macarronada lá em casa!” Sorrindo, Maria da Conceição Celestino, 89, fala do seu final de semana. Mais conhecida como Dona Didina, ela mora em Mariana há 60 anos. Com vitalidade de fazer inveja, Didina vivenciou as mudanças que Mariana sofreu nas últimas décadas. “Prédio novo, mais gente, muita coisa nova apareceu”, constata. E no dia a dia, as opções de lazer, melhoraram? “A rotina é chata, não tem nada pra alguém da minha idade fazer aqui”. Opinião semelhante tem Maria Helena Azevedo, 63. “Ouro Preto não é uma cidade para o idoso”, critica. Ladeiras íngremes, calçadas estreitas e escorregadias, além de poucas opções de lazer, são os argumentos utiliza-
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Edição: Suellen Amorim Diagramação: Ana Luísa Ruggieri
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Economia
Garimpo: tradição marginalizada Longe do sonho dourado que moveu milhares de pessoas para a Região dos Inconfidentes nos séculos XVII e XVIII, a tradição do garimpo, hoje, sobrevive a duras penas nos ribeirões de Mariana Nathália Barreto No fim do Século XVII, a busca pelo ouro foi o que motivou a vinda dos bandeirantes para a região de Minas Gerais, e que resultou no nascimento da Vila de Nossa Senhora do Ribeirão do Carmo, que posteriormen-
te veio se chamar Mariana. A figura do garimpeiro, visto como ``marginal`` ao longo dos séculos XVII e XVIII, mesmo fazendo parte da principal atividade econômica da época, permanece até os dias atuais, em que habitualmente relaciona-se a atividaLorena Silva
O CAMINHO
Joáo dos Santos garimpa em condições insalubres no Ribeirão do Carmo
de à uma profissão clandestina. Em Mariana, os garimpeiros que buscam ouro no Ribeirão do Carmo são tratados com descaso pelos órgãos públicos da cidade, que desconhecem as condições precárias de trabalho de quem encontra no garimpo uma forma de se sustentar. É o caso de João Eustáquio dos Santos, que é encanador e, há 30 anos, procura por ouro no Ribeirão do Carmo como forma de complementar sua renda. Segundo ele, é uma tradição passada de pai para filho por gerações em sua família e, hoje, ele mantém viva esta história. Todos os dias, às 6h30, João vai ao Ribeirão trabalhar. Nessa época, de acordo com ele, a média é conseguir cerca de um grama por dia, que vale R$ 96,00. Em época de chuva, ele diz conseguir de quatro a cinco gramas por dia, o que intensifica o trabalho do garimpeiro. Sem nenhum tipo de regulamentação para a atividade, os trabalhadores do garimpo não possuem direitos trabalhistas garantidos e vivem conforme é a produção: sem seguridade social. Eles recebem pelo que conseguem no dia, vivendo na incerteza de encontrar, ou não, o mineral amarelo tão precioso. As condições de trabalho são visivelmente precárias: os garimpeiros à procura de ouro no poluído Ribeirão do Carmo não utilizam roupas e calçados adequados à atividade, correndo ris-
DO OURO O garimpeiro O ouro garimpado artesanalmente ou através de dragas é vendido clandestinamente a R$ 96,00 o grama.
co de contaminação por bactérias, vírus ou outros parasitas presentes na água. Também não há preocupação com o uso de protetor solar, além do fato de que os locais de garimpo são perigosos e de difícil acesso. Regulamentação Segundo João Eustáquio, apesar de a atividade garimpeira não ser regularizada pelos órgãos públicos, os faisqueiros (nome dado aos garimpeiros do ouro em pó que aflora no leito dos rios) são cadastrados e têm a permissão do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos recursos Naturais Renováveis (Ibama), para trabalhar no Ribeirão, pelo fato de não usarem mercúrio na retirada do ouro. A secretaria de Meio Ambiente de Mariana não soube responder sobre a situação legal dos garimpeiros já que, segundo a Secretaria, com as trocas de prefeitos da cidade, os arquivos são levados pela administração anterior. A Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania também não possui dados sobre os trabalhadores do garimpo, e não possui nenhum tipo de programa social voltado para eles. A Lei 11.685, sancionada em 2008, regulamenta o garimpo no Brasil, prevendo a inclusão do garimpeiro nas profissões reconhecidas pelo Estado e estabelecendo padrões ambientais, de saúde e segurança ocupacional para a atividade.
A imagem do
garimpeiro
O livro “O Garimpeiro” publicado em 1872, do autor ouro-pretano Bernardo Guimarães, narra as aventuras de Elias, o bom moço pobre que ama e quer se casar com Lúcia, a filha de um rico fazendeiro. Para conquistar esse direito ele precisa enriquecer e, para alcançar o seu objetivo, Lúcio trabalha duramente como garimpeiro. Outra interpretação da história do garimpo é o filme “Serra Pelada”, que estreia em 2013 e é dirigido por Heitor Dhalia. Estrelado por Wagner Moura e Daniel de Oliveira, o filme irá retratar uma viagem para uma grande mina a céu aberto. O pano de fundo é a própria região de Serra Pelada, localizada no Sul do Pará. O local passou por uma espécie de corrida do ouro pós-moderna, em 1980. A novela “Irmãos Coragem”, de Janete Clair, foi exibida na TV Globo em 1970 e 1971. A autora se consagrava como novelista com um faroeste que fazia analogia entre a realidade política do país e o poder arbitrário de um coronel na fictícia Coroado, localizada na divisa de Minas Gerais com Goiás. Neste local, a principal atividade econômica era o garimpo. Em 1995 a novela foi reescrita por Dias Gomes e Marcílio Moraes.
O dentista O comprador
É um dos destinos finais do ouro. Estes profissonais adquirem o produto para fabricar próteses.
Normalmente não gosta de ser identificado. É ele quem faz a ponte entre o garimpeiro e seu destino final.
O ourives Outro destino deste ouro são ourives ou joalherias. Nestas, o produto é utilizado para fabricar jóias.
Mineração e impacto ambiental
Arquivo pessoal - Hernani Mota de Lima
Janini Sanches Maleável, flexível e imutável. Essas são algumas características do cobiçado mineral amarelo: o ouro. O fascínio por ele vem de muitos séculos e está associado à riqueza e ostentação. Os dias passaram, o garimpo resistiu ao tempo e, ainda hoje, a atividade é realizada em Mariana. O garimpo é uma tradição passada de pai para filho que possui valor histórico e representa fonte de renda para a região. Em Monsenhor Horta, os garimpeiros são cerca de 10% da população. A atividade feita por draga (forma impactante para o meio ambiente, que desvia o leito do rio) não é regulamentada em Mariana. Para que seja realizada, necessita cumprir as exigências determinadas pelos órgãos competentes, o que faz com que as pessoas que dependem da profissão para sobreviver vivam na ilegalidade. Em Engenho Podre, distrito de Monsenhor Horta, a 30 quilômetros de Mariana, a atividade garimpeira rudimentar ainda é recente. No Rio Gualaxo do Norte, importante afluente da bacia hidrográfica do Rio Doce,
estavam localizadas 26 dragas da Cooperativa Regional Garimpeira de Mariana (Coopergama). O maquinário era usado para desviar o leito do rio para locais onde o ouro era garimpado. Os impactos ambientais decorrentes dessa prática, como desmatamento para se chegar ao leito, assoreamento do rio, lançamento de dejetos, vazamento de óleo e graxa e a perda do mercúrio para o meio, fazem a atividade ser predatória. Projeto Desde 2009, a Coopergama está impossibilitada de voltar ao trabalho. Após uma avaliação dos órgãos fiscalizadores, constatou-se que a atividade realizada pela cooperativa era feita de forma alheia às determinações de órgãos relacionados ao assunto, em especial do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Assim, os diretores da cooperativa comprometeramse a cessar a exploração mineral até a completa regularização ambiental, que envolve a revitalização da área degradada através do plantio de mudas, remoção de entulho e recuperação do
Rio Gualaxo do Norte. Para melhorar o funcionamento da cooperativa e minimizar os impactos ambientais, a Coopergama passou a ser assistida pelo Departamento de Engenharia de Minas, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), através de um projeto de 2005, coordenado pelo professor Hernani Mota de Lima e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). O projeto atendeu às solicitações do Termo de Ajuste de Conduta (TAC) assinado com o Ministério Público, possibilitando à Coopergama voltar à atividade após uma paralisação no começo de 2005. Os resultados do projeto foram úteis tanto na produção quanto na redução dos impactos na saúde dos garimpeiros e no meio ambiente. Segundo o professor Hernani Lima, “com o projeto, a cooperativa passou a ter mais controle do que se produzia e, dessa forma, passou a ter mais recursos para investir na gestão ambiental e administrativa”. No entanto, a parceria com o departamento da UFOP durou até 2008. Os motivos do des-
Arquivo pessoal
Atividade intensa da garimpagem modifica bruscamente a paisagem local
ligamento, segundo o professor, foram a falta de planejamento, a insistência na prática arcaica e o amadorismo administrativo da cooperativa. “É possível fazer o trabalho de uma forma ambientalmente satisfatória”, ressalta Hernani. Atualmente, não existe nenhuma lavra legalizada para o uso de draga em Mariana. Segundo o sargento da Polícia Ambiental de Mariana, Valdecir Nascimento, apesar de a Coopergama estar impedida de funcionar, alguns garimpeiros e ex-funcioná-
rios da cooperativa ainda exercem a atividade clandestinamente na área em que a cooperativa possuía direito minerário. O garimpo, apesar de ser considerado uma atividade marginal, representa a cultura regional, gera emprego e fonte de renda na cidade. Segundo dados publicados no artigo “Desenvolvimento Sustentável e o garimpo”, do professor Hernani Mota para a Revista da Escola de Minas <http://www.rem.com.br/>, a atividade do garimpo movimenta o comércio local.
Edição: Janini Sanches e Léo Alves Diagramador: Marcelo Quintino
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Meio Ambiente
Serrinha: patrimônio ameaçado Cachoeira próxima a Passagem de Mariana está abandonada e sofre com o lixo despejado por visitantes
Natália Ambrósio
Suellen Amorim os carretos de caminhão trazenA Cachoeira da Serrinha faz do lixo. Até tocaram fogo no parte de uma das principais balugar onde jogaram as televicias para abastecimento de água sões velhas. Os banhistas coloem Mariana, a do Rio Doce. cam fogo e nós apagamos, porEstá localizada a aproximadaque precisamos do pasto para a mente 14 quilômetros do cencriação”. Segundo ele, os visitantro da cidade, dentro dos limites tes provocaram um incêndio no da Serra do Itacolomi. A serlocal no dia 8 de maio. “Eu e ra abriga inúmeras espécies típimeu amigo Zé Leôncio que apacas do cerrado. É também local gamos. Não adianta denunciar, de lazer para muitos moradores porque põem fogo e pulam no e turistas. Mas, infelizmente, os mato. Fazem por gosto, mas safrequentadores não têm mantido bem que é crime”. Ele diz, ainuma relação de respeito com o da, que é comum ver usuários local. de drogas utilizando a Serrinha Na estrada que dá acesso à como refúgio e, também, provoCachoeira, há despejo de entulho cando os incêndios. de construção, restos de material A Assessoria de Comunicaeletrônico e vidros quebrados. ção da Prefeitura de Mariana inNo entorno, os visitantes deixam formou que a responsabilidade pichações nas pedras, restos de sobre o entulho acumulado em fogueiras e muito lixo. Não há local indevido é da Secretaria dificuldades de Serviços Urbanos em se avistar (SASU), que encamiembalagens nhou a reportagem do Não adianta de comida, LAMPIÃO à Secredenunciar, preservativos taria de Planejamenporque põem e descartáveis to. Esta, por sua vez, fogo e pulam abandonados nos enviou à Secretano mato. por quem usa ria de Meio Ambieno lugar para te. O secretário MarFazem por se divertir. celo Morais não foi gosto, mas O agriencontrado para ressabem que é cultor Sebasponder aos questionacrime. tião da Cosmentos. Por telefone, ta é morador informou que “há alSebastião da Costa da região e gum tempo ninguém relata o desda Secretaria de Meio respeito dos visitantes, além do Ambiente vistoria o local”. Mas fato de recair sobre os moradoque, diante da denúncia, iriam res a responsabilidade de apaaveriguar os fatos. gar os incêndios. “A gente vê O sargento Neylon José Ne-
Entulho, restos de fogueiras e muito lixo são jogados por visitantes na estrada que dá acesso à Cachoeira da Serrinha
ves, da Polícia Militar de Meio Ambiente de Mariana (PMMA), informou que a organização recebe denúncias através dos telefones (31) 3557-4118, (31) 3558-2003 ou 181. Para o último, a ligação é gratuita, anônima e tem supervisão da Polícia Militar de Minas Gerais, que determina um retorno em até cinco dias úteis após a ocorrência. Em casos de despejo de lixo e entulho em local inadequado, é preciso informar a placa do veículo e o local da infração. A Polícia poderá rastrear o automóvel e multar o proprietário
em até R$ 10 mil. A Polícia se comprometeu a averiguar também a denúncia do LAMPIÃO. O sargento disse, ainda, que, apesar do contigente reduzido nove policiais - a PMMA de Mariana tem três municípios sob sua jurisdição: Mariana, Ouro Preto e Diogo de Vasconcelos. Segundo o sargento da PMMA, Valdecir Nascimento, desde junho há uma norma do grupamento que determina, como ideal, a patrulha ostensiva de todas as áreas de preservação ambiental (APA’s) da região. Assim, os nove militares se
revezam em três ou quatro rondas semanais, em horários e dias da semana alternados, nas quatro APA’s sob responsabilidade da PMMA: Andorinhas, Itacolomi, Seminário e Serrinha, além da Estação Ecológica Tripuí. O patrulhamento tem o objetivo de conter incêndios e depredações. O sargento Nascimento convidou a população marianense para participar da preservação ambiental. “A polícia de meio ambiente recebe denúncias anônimas. As pessoas devem ligar, nos ajudando a evitar a destruição da natureza”.
rendimento de sua caminhada, pontos de descanso e primeiros socorros à disposição. Juntamente com o trabalho de diagnóstico das trilhas existia também a intenção de complementar o programa de treinamento de jovens monitores (Monitour) com técnicas de primeiros socorros, através de indicações da prática correta, com auxílio dos bombeiros civis. As previsões mais otimistas lançavam a data de início do trabalho para o fim desse ano mas, passados cinco meses, o projeto continua na fase de elaboração. A justificativa para essa estagnação é a de que, ocupando o cargo principal na Secretaria de Cultura e Turismo, Hélio não teve tempo de desenvolver os projetos iniciados como diretor de Turismo. “Por estar, agora, atendendo a outras demandas também, o projeto continua no estágio de planejamento”, confirmou. Sem apoio dos órgãos públi-
cos, coube então às iniciativas individuais buscarem a valorização do ecoturismo em Mariana. Quem se destaca nessa ação é o guia ambiental Célio Mol, que atua no ramo há mais de 20 anos. Ele é considerado o maior incentivador do ecoturismo na cidade, recebendo freqüentemente turistas para caminhadas ecológicas ou para praticar esportes radicais, como o rapel. São mais de 30 roteiros cadastrados por Célio, que guiou a reportagem do LAMPIÃO até a Cachoeira da Bumbaça (veja como chegar no infográfico abaixo). Junto de sua companheira inseparável, a cachorra Luna, contou sobre sua história e projetos. Filho de tropeiro, Célio começou aos oito anos a conhecer a região e seus atrativos naturais. O que no início era apenas
uma criança acompanhando seu pai no trabalho se transformou em uma paixão e obsessão pela natureza. Durante os 90 minutos do percurso, de aproximadamente cinco quilômetros, ele falou do valor do contato com as espécies naturais. “Tirar da natureza é a forma mais fácil de ganhar dinheiro, porque ela não te pede nada em troca, mas um dia ela cobra, e aí ela cobra é de todo mundo”, explica o guia. De acordo com a Organização Mundial de Turismo, o ecoturismo é o segmento que proporcionalmente mais cresce no mundo, de 15% a 25% por ano, alcançando esse crescimento sempre seguindo seus princípios: “Da natureza nada se tira a não ser fotos. Nada se deixa a não ser pegadas. Nada se leva a não ser recordações.”
Ecoturismo é desvalorizado em Mariana Pedro Fernandes Mariana é considerada uma das principais referências brasileiras no turismo histórico. Todos os anos, inúmeras pessoas visitam a cidade para conhecer seus monumentos centenários e sua arquitetura colonial. Em meio a tantas igrejas e casarões, os atrativos naturais não são os principais destinos do turista. Pontos como o Pico da Cartucha, Cachoeira da Divisa, Cachoeira Jarro de Deus e o Mirante do Gogô exemplificam a abundância natural da cidade. Mas, o site oficial de turismo de Mariana (www.mariana.org. br) divulga apenas a Cachoeira do Brumado e o Pico do Itacolomi como pontos de turismo ecológico.
Segundo o turismólogo e atual secretário de Cultura e Turismo de Mariana, Hélio Rodrigues, o poder público local não possui um programa turístico ou ações voltadas para a valorização do ecoturismo, apesar do grande potencial. “Nenhuma ação, por parte do poder público, voltado especificamente ao ecoturismo, está acontecendo no momento. Além disso, não tenho conhecimento de projetos realizados no passado”, afirma. Em maio, quando a reportagem do LAMPIÃO conversou com Hélio Rodrigues pela primeira vez, ele ocupava o cargo de diretor de Turismo e disse que, juntamente à diretora de Patrimônio, Érica Meyer, estavam produzindo um projeto de cadastramento de trilhas e aprimoramentos dessas rotas Dicas para uma camipara a prática consnhada saudável: ciente e segura do eco1 – Sempre antes de turismo. As rotas teriam qualquer exercício físimarcações constando o co lembre-se de alongar-se bastante. 2 – Leve água e frutas: a desidratação é a maior inimiga. Para chegar 3 – Use roupas e sapaà Cachoeira da tos confortáveis, com boa Bumbaça siga por absorção do suor e bom aproximadamenamortecimento. te 50 minutos na 4 – Tente sempre que trilha do Trem possível ter um guia espeda Vale, sentido cializado te acompanhando. Bairro Prainha.
Vire à esquerda em uma estrada de terra que corta a trilha. Siga essa estrada por 5 minutos e entre a direita na trilha pelo mato.
Greiza Tavares
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Edição: João Felipe Lolli e Nathália Barreto Diagramação: Renata Felício
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CUltura
O espetáculo vai começar! Ou não
Projetos socioculturais e artistas locais andam na corda bamba do repasse de recursos para sua manutenção Arquivo Lampião
Lidiane Andrade “Malabaristas, cotidiano. Se viram como podem. Bolas pro alto. Sem deixar cair”. É assim, como na música “Circo”, da banda Tribunal de Rua, que vivem artistas e projetos socioculturais circenses em Mariana e Ouro Preto, quando o assunto é recurso financeiro para manter seus trabalhos. A saída é usar de sua arte, contorcer, equilibrar para que o espetáculo aconteça e o projeto se desenvolva. É equilibrando-se na corda bamba dos recursos financeiros e fundos de incentivo à cultura, que projetos como o Circo ArteEducação e Cidadania, e grupos como o Circovolante e outros projetos se mantêm ao longo dos anos nessas duas cidades, conhecidas, nacional e internacionalmente, por respirarem cultura. Mas nem só de risada vive um circo, e por trás dos rostos pintados, das mãos ágeis jogando bolinhas para o ar, da adrenalina de se enrolar em tecidos e despencar das alturas, da façanha de pedalar sobre uma roda apenas, existe uma engrenagem se movimentando e que necessi-
ta de recursos para manter-se em funcionamento. Como o aluguel para pagar e educadores que merecem seu salário. Os grupos culturais, com ou sem fins lucrativos, dependem de leis de incentivo, como a Lei Rouanet, por exemplo, e outros meios de fomento que envolvem
Ter um projeto é como ter um filho, não dá para desistir de um filho assim.
Eduardo França
burocracia, diante de uma grande demanda, e poucos recursos para atender a todos os projetos. Integrante do grupo Circovolante, Xisto Siman, que também é membro do Colegiado Setorial de Circo, instância consultiva da classe junto ao Governo Federal, afirma que, em relação às grandes empresas instaladas na região, há uma questão de Ricardo Maia
Rodrigo Morais, aluno do Projeto Circo Arte-Educação e Cidadania
custo-benefício que não condiz com o que elas lucram nos municípios de Ouro Preto e Mariana. “Faltam políticas nessas empresas que enxerguem mais da cultura dos locais onde elas estão inseridas”, lembra, afirmando sobre a desvalorização do artista local. Quanto ao investimento público, ele espera “de qualquer governo que existam políticas de cultura, porque existem políticas ‘politiqueiras’”. Crise A história não muda em outro picadeiro. O Projeto Circo Arte-Educação e Cidadania, que começou a partir de um trabalho de Educação Patrimonial da Fundação Trem da Vale, em 2008, foi atingido pela crise econômica que abalou o Brasil e o mundo em 2009 e deixou de receber financiamento para sua manutenção. Era hora de baixar a lona. O espetáculo não tinha mais condições de continuar. Para o coordenador do projeto, Eduardo França, as empresas têm boa vontade em trabalhar o social e a sua responsabilidade social, mas é um valor que ainda não está no seu devido lugar. “Ter um projeto é como ter um filho, não dá para desistir de um filho assim”, avalia França, ao lembrar que projetos sócioeducativos, que se alimentam de arte para oferecer valores diferentes, também precisam de dinheiro para desenvolver suas atividades. Ele conta ainda que vai se equilibrando para conseguir manter o Circo, que atendia mais de 100 crianças de vários bairros de Ouro Preto, além do distrito de Antonio Pereira, até fevereiro. São 40 crianças e adolescentes na sede e, no distrito eram atendidas 80. Os recursos vêm do Fundo da Infância e Adoles-
Cena do espetáculo “Lugares Possíveis“ do Projeto Circo, em Ouro Preto
cência (FIA) e de parcerias com as secretarias municipais de Cultura e Turismo, Esporte, Educação e Assistência Social. Em Antonio Pereira, o projeto era mantido pela mineradora Samarco e foi interrompido em fevereiro deste ano, segundo França. De acordo com a assessoria de imprensa da Samarco, em Mariana, a empresa investe em obras de interesse social através de diferentes programas, como a Política de Investimentos Institucionais e Sociais (PIIS); o Programa de Desenvolvimento Local Inclusivo (PDLI), no qual se insere o projeto Circo, além de oferecer cursos de informática e inglês para a comunidade. A empresa declarou que em Antônio Pereira, o projeto foi in-
terrompido porque passava por outro processo de licitação. Para arte-educadora e gestora executiva do Projeto Circo, de 2007 até agosto de 2012, Ellen de Paula, a técnica circense contribui na formação humana dos alunos e é um auxílio para a adesão de valores essenciais ao desenvolvimento da cidadania, além de ser agente de transformação social. Em relação ao compromisso das empresas públicas e privadas, quanto ao apoio aos projetos, ela diz que, “quando uma empresa precisa reduzir custos, ela corta os projetos. Isso interrompe um processo.” E completa: “é como se não fosse importante, à transformação, esse processo educacional”.
Orquestra Ouro Preto, muito prazer Gustavo Aureliano
Gustavo Aureliano Nasci no ano de 2000, na Universidade Federal de Ouro Preto. Logo em minha criação eu tinha uma missão e uma meta a seguir. Meus pais, Rufo Herrera e Ronaldo Toffolo, juntaram-se a um pequeno grupo de instrumentistas para a realização de um sonho: fazer de mim um nome de referência e importância em Ouro Preto, levando música de qualidade ao grande berço da cultura mineira. Ao passar dos anos, fui me consolidando cada vez mais no cenário musical ouropretano, tocando em grandes palcos e eventos. Até na Casa da Ópera, teatro mais antigo em atividade na América Latina, eu já me apresentei. Com a ajuda dos meus pais e dos meus padrinhos, desenvolvi grandes projetos desde meu nascimento. Já toquei Calíope no Rio de Janeiro, homenageei grandes nomes da música mineira, como Castro Lobo. E, com tudo isso, eu começava a sair de Ouro Preto para tocar do Norte ao Sul do Brasil. Em 2007, no auge dos meus sete aninhos de existência, gravei o disco Latinidade, em que mesclava músicas brasileiras e argentinas nas faixas. O disco ren-
Orquestra Ouro Preto durante apresentação da série Valencianas, que homenageia Alceu Valença, no Centro de Convenções de Ouro Preto
deu muita visibilidade e, então, fui indicada ao Grammy Latino daquele ano na categoria “Melhor trabalho instrumental”. O disco me possibilitou conhecer lugares fora do Brasil, foi quando tive a chance de tocar em países como Bolívia e Argentina. Recentemente, fiz uma homenagem ao grande mestre da música popular brasileira, Alceu Valença. Dividi o palco com ele e recebemos o convite para gravarmos um DVD. Será uma honra poder
tocar junto com ele novamente e ter tudo registrado. Há pouco tempo, também, comecei a série “The Beatles”, no qual interpretava a biografia musical dos Beatles, juntamente com uma banda de rock com formação clássica. Os concertos da série me levaram, novamente, para fora do país. Desta vez, eu visitei a linda cidade de Liverpool, na Inglaterra, onde abri a International Beatles Week, um encontro das melhores bandas covers de Bea-
tles de todo mundo. É, acho que vou pegar gosto por esta história de me apresentar no exterior. Tenho convites para visitar Portugal, Espanha, França, Estados Unidos e México. Parece que o sonho de meus pais, de eu sair da Universidade para me consolidar nos espaços da antiga Vila Rica, está ficando um tanto quanto maior. Acho que de agora em diante posso ser uma Orquestra que
saiu da Universidade e se concretizou em palcos por todo o Mundo! Para acessar os vídeos da Orquestra, utilize o aplicativo do seu celular no código abaixo:
Edição: Kamilla Abreu Diagramação: Lucas Borges
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retratos
Guardiã: cuidando do esquecido Aline Rosa de Sá
Arrepios. Angústias. Milagres. Sorrisos. É fácil imaginar que isso tudo faz parte da atmosfera em que vive uma guardiã. É a Maria de Lurdes Pinto, mas se estiver em busca do alento de Santo Antônio e precisar chamá-la para abrir a primeira capela de Mariana, pode chamar por Inha. Ali, na Capela de Santo Antônio, pelos becos de terra e brita, entre os bairros Santo Antônio, comunidade da Prainha, e São Gonçalo, Inha passou 60 dos seus 65 anos. O monumento, erguido em 1696, já esteve sob cuidados das guardiãs Dona Maria da Antividade e sua filha Dona Realina e, desde 1968, Inha é quem toma conta. Guardar a chave, montar tijolos de barro, abrir caminhos com enxada e buscar doações são algumas das ações das guardiãs que mantiveram até hoje a Capela, mesmo sem suas portas, bancos e escadarias originais, sumidas na escuridão do esquecimento, pela destruição do templo, que ainda está sem uma iluminação frontal. “Antigamente, a luz aqui era feita por nós. Pegávamos um copinho cheio de azeite e o fogo do papel iluminava as reuniões. Ainda hoje, à noite, por fora é uma es-
Inha já presenciou a graça de muitos milagres, registrados desde 1965, no Caderno de Promessas que guarda. Os aflitos procuram sua ajuda. No último carnaval, um jovem queria tirar sua própria vida. Com conselhos de reza e esperança da senhora, “saiu com a cabeça limpa da Capela”. Tempos difíceis fizeram Inha duvidar da própria fé. Nos seus 30 anos, com a perda do seu pai, Ifigênio Pinto, após sofrer seis meses com um câncer, o desespero tomou conta da guar-
curidão”, conta Inha. “Missão”. É assim que essa senhora denomina o trabalho que ajudou a costurar sua vida como ela é. Criada próxima à Capela, Inha aprendeu a escrever, rezar e escolheu o caminho da sua história com sua mãe Josina Bento e com Dona Realina, antiga guardiã. “A gente era feliz e muito abençoado”, lembra. A infância de faxinas e trabalhos solidários não é vista com ponta de sofrimento. “Santo, hoje minha casa tá limpa”, é assim que agradece. Nessa época, ela já lidava com promessas e milagres de Santo Antônio. Sua mãe, ao passar em frente à Capela, aclamava ajuda ao santo e não demorava muito para que os armários, na casa da família, ficassem cheios de alimentos. Com as lágrimas seguras pelo esfregar dos dedos nos olhos, Inha conta uma das maiores graças alcançadas por ela. No dia 13 de junho de 1959, em plena festa de Santo Antônio, reapareceu seu irmão, que aos 12 anos havia sido levado para viver no Mato Grosso do Sul, trabalhando como escravo na fabricação de sabão. “Eu pedia: Santo Antônio, se estiver com corrente, que arrebente. Depois, tive meu irmão de volta. Prometi então que faria tudo para o santo e assim eu fiz”, recorda.
diã. “Foi o único momento da vida que pensei em largar tudo isso, até entender que, mesmo mexendo com a fé, tenho que aceitar as perdas da vida”. Apesar da devoção ao santo casamenteiro, ela não cultiva ilusões amorosas. Ouvia sempre de sua mãe a necessidade de ter uma companhia. Foi quando, aos 40 anos, encontrou com o pai de sua única filha, Karina. Sim, pai sem nome. A guardiã procurou alguém praticamente desconhecido para ter sua filha. “Encarei com tudo ser mãe solteira. Tive apoio da minha própria mãe, que não queria me deixar só”, relembra. “A fé está na cabeça e no coração”, profetiza. Desapontada com a situação de esquecimento que a Capela enfrenta, Inha não deixa de ter aquele local como um templo sagrado. Assegura que a Capela continue: rezas nas tardes de quarta, e Conferências Vicentinas para os pobres, aos domingos. Mesmo sofrendo tentativas de invasões e havendo uso de drogas nos seus arredores. Com sorriso, ela cultiva a esperança de um dia ver a Capela com os devidos cuidados, para que mais graças possam ser celebradas ali. “Estamos nas mãos de Deus; o que ele fizer, tá feito”, encerra, sem perder a fé. fotos: Thiag
Serminarista Léo Alves É dia. Adelson estaciona sua moto e entra em sua casa, uma bela mansão localizada entre árLorena Silva
vores. Lá dentro, cumprimenta os companheiros e os funcionários. É um jovem popular e carismático. A descrição refere-se a um seminarista. Adelson Laurindo Sampaio tem 27 anos e está prestes a terminar a formação teológica, oferecida para futuros padres no Seminário São José, em Mariana. Porém, a vida dentro do seminário não é tão livre como parece. Adelson e os outros jovens são regrados com algumas disciplinas, que exigem horários para orações e doação para a comunidade. No seminário, o dia começa cedo, às 6 horas, com uma oração inicial na capela. Depois, seguem as aulas de teologia, almoço, trabalho comunitário e momento livre. À noite, há uma
o Guimarãe
Concurso de poesia Mickael Barbieri Leandro Andreo Rodrigues, de 27 anos, vive em Tatuapé, Zona Leste da cidade de São Paulo. Trabalha como analista de tecnologia de informação e tem uma alma artística tímida, porém criativa. Ele já escreveu vários poemas, inclusive “Artista de Rua”. Sempre os deixava na gaveta e nunca os publicou. Foi, então, que Leandro conheceu o I Concurso Literário do LAMPIÃO através do blog < concursos-literarios.blogspot.com.br>, voltado para a divulgação de editais e resultados de prêmios literários tanto do Brasil quanto do mundo. Leandro também contou que somente participa de concursos se perceber que o trabalho realizado é feito com seriedade e comprometimento. Arquivo pessoal
s
missa diária e, antes do fim do dia, mais uma oração coletiva. Há muitos quartos, salões, incluindo uma biblioteca e uma capela que surpreende pela imponência. Uma volta pelo seminário revela a grandiosidade do prédio. Encontrar com os funcionários pelos corredores mostra descontração e harmonia, dignos de uma grande família. Os burburinhos e vestígios ouvidos pelos longos corredores remetem às histórias já compartilhadas ali ao longo do tempo. “Um amigo abandonou o seminário, casou-se com uma irmã de outro seminarista e eu fui seu padrinho. Os laços de amizade são muito fortes e permanecem, mesmo com as idas e vindas da nossa vida! Forma-se uma grande família!”, afirma.
Adelson iniciou os estudos na casa de formação aos 14 anos, quando ainda morava em Sericita (MG). Porém, em certa etapa da vida, decidiu parar. “Na casa de formação há uma série de exigências, mas, ainda assim, aqui eu tenho muito mais sentido de vida. É uma busca completa de realização pessoal. Saio com a certeza de que poderei ajudar outras pessoas a completarem o sentido de suas vidas”. As regras do seminário já foram muito rígidas. Hoje, a liberdade é um pouco maior. Os seminaristas podem sair com frequência semanal e participar de atividades cristãs, mas a consciência de cada um, sujeito do próprio processo formativo, é a grande responsável pela disciplina no seminário.
Mostrando que a vida ali pode ser levada de maneira descontraída, com as relações de amizade criadas e os exercícios de lazer dentro da própria casa, Adelson Laurindo e outros tantos seminaristas possuem também uma vida virtual intensa. Quase todos possuem e-mail, facebook, MSN, celular, blog e outros meios de comunicação. Ao longo dos anos de estudos há atividades paralelas, como teatro e olimpíada. São provas de que não há limites nem fronteiras para quem deseja realizar um sonho. Viver em um seminário, é como viver em qualquer outro lugar, desde que a cabeça, o espírito e a consciência estejam alinhados ao objetivo de se formar para a vida de serviço no ministério sacerdotal.
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Edição: Laio Monteiro e Lidiane Andrade Diagramação: Alice Piermatei
Outubro de 2012
No escurinho do trem... “Para mim, pensar é viver e sentir não é mais que o alimento de pensar”. Fernando Pessoa
Léo Alves
Saber viver é sentir o que se olha, e viver numa cidade histórica sem que haja outro olhar e outro sentir, não basta. Não havia turista naquela estação. Eram mães e crianças, senhoras e senhores ansiosos para a primeira viagem de trem. Sim, a primeira. Andar de trem. E o que significa isso numa sociedade como a nossa, tão urbanizada, tecnológica e veloz? Não há o que explicar. Cada indivíduo tem seu tempo e o tempo da descoberta era aquele. O olhar enamorado das crianças, o olhar assustado e o espírito nostálgico dos mais velhos... Criança, chupeta na boca, olhar amedrontado. Mãe segura o filho e coloca no colo. Atenção: é hora da partida! E na partida o importante é acenar, seja para quem for! As mães embalam no “piuí” e a gente viaja na infância. O olhar do passageiro é um olhar que não se confunde. É a mesma cidade, vista do alto e pelos retalhos de floresta, pelos galhos e pelos túneis. Cada um guarda um olhar próprio, de curiosidade e encantamento. “É outra cidade!”, pensam. Confundem-se. Na janela, os olhos dos idosos se apertam, tentando identificar as casinhas ao longe ou aqueles vestígios de passado que retomam a sua história.
Crianças, na Prainha, também acenam. Fazem baderna; gestos obscenos e desengonçados. Faz parte do estilo. São realidades, vistas de outra forma. São todas crianças, aprendendo a viver. Realidades da qual, mesmo de trem, a gente não pode fugir. Entramos num túnel. Breu. Ouvimos risadas. E a curiosidade em saber quem apagou a luz. Os olhos pequeninos se perdem e, em certa medida, se silenciam. Choro. Acalento de mãe. Luz de novo. No ônibus a gente não tem esta emoção! Claro, escuro, claro, escuro, claro! É quase um despertar frenético. Mais um túnel. Este, ainda mais longo. Escuro de novo. “Uhuull!”, é o que a gente ouve. Outras risadas, silêncio, mais risadas. É o friozinho na barriga, o escurinho do cinema, que permite falar e fazer algo sem ser visto. Um sorriso sem vergonha, um beijo inocente. Há aquele sentimento do: “posso fazer qualquer coisa no escuro”. É a aura lúdica do cinema, misturada ao universo do sentir e viver o passado pelos trilhos do trem, que vai além de objeto de museu: torna-se uma grande aventura e brincadeira. Saindo do túnel, já com a claridade, a sequência de janelas retangulares das laterais dos vagões evidencia a paisagem externa, lembra os frames de cinema. Um storyboard! É assim que o trem se revela: como um pedacinho do passado e presente. É a emoção e o contato com a natureza no cinema da vida real.
Léo Alves