Revista Matéria Prima - Jornalismo FA7

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Matéria

Prima Memória e cotidiano de um universo chamado

Beira Mar Valdemar Cabral Caracas e seus inquestionáveis 101 anos

Um passeio pelas galerias Professor Brandão e Pedro Jorge


(ponto de vista)

Cotidiano

de lugares e de moradores

U

m meio diferenciado para os alunos praticarem o que aprendem em aula. Assim pode ser descrita esta edição de Matéria Prima, uma publicação de caráter pedagógico e experimental da disciplina Planejamento e Edição de Revista, do Curso de Jornalismo da Faculdade 7 de Setembro. Com reportagens apuradas em profundidade e entrevistas bem escritas, o conteúdo editorial, com seções inéditas, ganhou forte aliado: o projeto gráfico assinado pela professora Andréa Araújo, que tornou a revista mais

moderna e dinâmica, expandindo as imagens de cada texto, para além dos valores-notícias tradicionais do fotojornalismo. O trabalho dos estudantes resultou em 56 páginas, focalizando diferentes realidades vividas em Fortaleza e por seus surpreendentes personagens, direcionado para questões múltiplas do cotidiano da cidade. Como a movimentação diuturna da Avenida Beira Mar, cenário nobre de luxuosos edifícios e principal corredor turístico, com infraestrutura para atender a turistas e frequentadores, dos mais

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O trabalho dos estudantes focalizou diferentes realidades vividas em Fortaleza e por seus surpreendentes personagens antigos aos atuais, seus problemas de trânsito e insegurança, arena de esportes e o descaso com o meio ambiente. O mar de Fortaleza impacta também a vida de duas mulheres: uma, a jornalista Laurisa Nutting, pela coragem de ultrapassar limites; a outra, Alzira Rodrigues da Silva, pela própria razão de sobrevivência, num casebre na Ponte Metálica, em busca de uma morada digna para viver. Da vivência espacial da cidade, o conhecimento de lugares e moradores. E dentre cearenses ilustres, um deles se confunde com a própria história de Fortaleza: Valdemar Caracas, mais de um século de vida, cercado pelo carinho da família e do bem querer dos amigos. Desconhecidas por muita gente, as galerias do Centro revelam o mundo de

diversidade, com comércios e ofertas de serviços. E o que dizer de pessoas anônimas, gente comum, trabalhadores que arriscam assumir novo personagem: modelo de anúncios de revistas, nem que seja por um dia. Cada vez mais competitivo, o mundo da moda ganhou nova aliada, a internet. Que o diga Adriana Piorski, que conseguiu mostrar seu talento depois de uma oportunidade no Dragão Fashion de 2006. Foi a chance para testar suas habilidades para consolidar-se no mercado. Fora da área central da cidade, dois lugares despertam o interesse de dois públicos distintos. No Montese, mulheres que estão pensando em casamento têm à disposição lojas e vitrines com vestidos de noiva para todos os gostos, dependendo do estilo de cada noiva. No bairro Passaré, a dica é para as crianças, mas funciona como opção para os adultos também: Parque Zoológico Sargento Prata, que recebe gratuitamente visitantes para os mais de 180 animias. E, fechando a edição, algumas dicas para ler e assistir no cinema e na tv, sugeridas pelos próprios alunos. Cabe aqui agradecer a todos que tiveram participação direta ou indiretamente de nossa revista, em especial aos estudantes, monitores e professores da equipe editorial. A todos, muito obrigado e boa leitura.

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b 22 A mulher, o mar e a coragem

(bula)

4 cenários e diversidade da beira mar

30 A Fortaleza do Caracas

46 As noivas do montese

expediente Diretor Geral :: Ednilton Soárez Diretor Acadêmico :: Ednilo Soárez Vice-Diretor :: Adelmir Jucá Coordenação de Comunicação Social :: Juliana Lotif Professor Responsável e Editor :: Miguel Macedo (MTB CE452 JP) Coordenação Editorial :: Alessandra Marques Projeto Gráfico :: Andrea Araujo Fotografia da capa :: Jari Vieira Designer :: Raphael Lira Participaram desta edição :: Aurineide Barbosa, Rebecca Leite, Cínthia Cunha Azevedo, Daiana Godoy, Denise Gurgel, Wellington Dantas (fotografias), Kariely Arruda, Juliana Rocha, Leilane Soares, Marcos Montenegro, Rani Mendes, Renata Viana, Sâmila Braga, Sarah Castro de Lucena, Tatiana Fortes Agradecimentos :: prof. Ismael Furtado, ex-Coordenador de Comunicação Social.

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Um mundo chamado

Beira Mar

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Foto: Wellington Dantas

Sâmila Braga

“Sente só o cheirinho da água salgada!”. É assim que o garoto Renato Andrade, de quatro anos, compartilha a beira-mar com sua amiguinha. Ele se equilibra

no imenso banco quebrado que circunda a orla marítima, e aspira com vontade a fragrância do mar cearense. Renato é filho de Teresa Andrade, 21 anos, turista de Recife, que visita pela terceira vez Fortaleza. “Coloquei o carro lá embaixo, pensando que ia encontrar as coisas que eu vi da outra vez, mas não achei”, se queixa Tereza. Ela vem do pôr-dosol mais belo da cidade, na Ponte dos Ingleses, Praia de Iracema, e caminha com olhos ondulantes pelo calçadão que agora pertence à Beira Mar.

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Fotos Raphael Lira

A Avenida Beira Mar esbarra no aterro da Praia de Iracema para, alguns metros à frente, voltar a circular. Nessa região fica o que se conhece por “espigão”, talvez pela semelhança com o cereal. São as pedras incrustadas na areia num formato natural, que rodeiam um barco velho e esquecido, enferrujado, que aponta uma proa imponente. Pontiagudas, hexagonais, nada simétricas, as pedras vão seguindo junto do calçadão por alguns metros. À noite, elas são a escada dos amantes, que vão ao lugar em busca da negrura do mar. Ou apenas das mães impressionadas, apontando às crianças a imensidão do oceano noturno. Para lá, corredores suados, patinadores, skatistas. Para cá, uma família colorida de hippies, pedintes e enamorados com seus espertos poodles. Esses são apenas alguns dos milhares de personagens que compõem o início da Beira Mar fortalezense.

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O calçadão da Beira Mar não tem preconceitos. Todos os pés tocam o piso que está sendo trocado por um novo. Mais alguns passos, e o agito se intensifica. Desde seu começo, a Beira Mar se compõe não só dos vizinhos que a frequentam, saindo dos gigantes prédios laterais, como também da gente de Fortaleza e do mundo, atraída pelas belezas tão famigeradamente propagadas pelas agências de turismo. Todo

tipo de gente está no calçadão. Ele não tem preconceitos. Todos os pés tocam o piso que está sendo trocado por um novo, pela prefeitura. Os blocos com pacotes de azulejos ficam dispostos desordenadamente, atrapalhando a passagem das pessoas que disputam um pedacinho do extenso corredor, já poluído de gente, de vendas e de barulho. Bares e altos prédios guerreiam com a avenida tumultuada por toda a poluição sonora vinda do cada ponto. Carros, conversas e até um trenzinho de alegria infantil. Sem esquecer os gritos de vendedores, a música dos estabelecimentos e os latidos dos pequenos cães, que saltam excitados com a agitação da rua. Uma, duas, três vezes em menos de meia hora. Esse é espaço de tempo que um mesmo show de humor é anunciado no alto-falante de um velho carro ou mesmo na garupa de uma bicicleta


cargueira. Esse é mais um dos ruídos que movimentam os ouvidos inconformados e acostumados dos corredores da Beira Mar. Fazer cooper à noite já é mais do que normal. As pessoas que praticam a modalidade, aliás, são maioria no calçadão. Paulo Sérgio Reis é advogado e mora em Jaguaribe, região centro-sul do Ceará. Passando alguns dias na Cidade da Luz, ele aproveitou para se exercitar na Beira Mar. E um dos problemas assinalados por ele foi poluição sonora. Tem início por estes metros as barracas coloridas na maresia da noite. Já fora da areia, saltantes aos olhos, quadros trabalhados por artistas, formam uma bela parede apresentada a quem passa. Os pintores formam um grupo, que chega ao local às cinco da tarde e termina seu expediente quando o movimento se encerra. A informação é de Lúcio Pontes,

Pelo calçadão, quiosques encaram edifícios imensos, de fazer curvar o pescoço. É a Fortaleza com ares de metrópole.

que vende seus quadros há 30 anos naquele espaço. “Acho que é a melhor galeria de arte de Fortaleza”, orgulhase, referindo-se ao prolixo calçadão. Admirador do pintor catalão Salvador Dali, Lúcio vê na cidade grande potencial que está sendo desperdiçado.

O barulho que aumenta e as cores que se multiplicam são o rastro que leva à feirinha. Indescritível, pela variedade de elementos e produtos, ela abarca o regional para o estrangeiro e o regional para o próprio fortalezense. Couros, rendas e demais artesanatos não estão desacompanhados. A globalização chega com tudo à Beira Mar. Camisas com os mais variados textos e anedotas divertem quem para e lê. Bijuterias, vestidos, brinquedos, móbiles, biquínis, bolsas, enfim, estampas, formas e charmes. Quase tudo que se imagina é comercializado na feirinha da Beira Mar. E, pelo calçadão que se segue, impetuoso e ondulante, é fácil perceber a diversidade. Quiosques às pencas. Alguns luxuosos, outros nem tanto. Todos encaram edifícios imensos, de fazer curvar o pescoço. É a parte de Fortaleza que tem mais ares de metrópole, isso por ser o cartão de en-

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Fotos: Raphael Lira

trada da cidade. Seguindo no calçadão, o transeunte passa pelas quadras de vôlei e basquete, que à tarde abrigam amadores. E quem quiser encontrar o mar depois do esporte, vê ao lado o tapete de corais de cor indefinível, como se fosse forrado por farinha de areia e pedrinhas pretas. Além de folhas, cabos de vassoura, uma camisa esquecida e muito odor. Este vem da enorme boca de concreto que expele líquido escuro e malcheiroso em direção ao mar. O esgoto vem dos gigantes de pedras, que parecem não saber que degradam o próprio jardim de casa. Logo depois das armadilhas de pedra-coral na areia, uma mini-pracinha apaixonada. Bancos velhos assentam os casais. E esses voltam a aparecer, contemplando a vista no Anfiteatro Flávio Ponte. Antes conhecido como Anfiteatro da Volta da Jurema, reformado em 2006, o espaço comporta shows de músicos nativos e até reuniões municipais. Assiste também as vendas de algumas senhoras que expõem suas bijuterias em mesinhas de toalha branca. É mais um pedaço de feirinha. Transferida para o local há poucos meses, como revela Liduína Barreto, 52 anos, professora da Regional IV. Ela,

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A avenida abriga edifícios de apartamentos com espelhos mirando o mar, ao lado de hotéis em constante movimentação de turistas.

que está de licença do emprego, aproveita para vender adornos feitos nas horas vagas. Andando um pouco, passando sempre por famosos restaurantes, se encontram grades e barras de exercícios solitários. De um lado, um prédio-espelho mirando o mar e, do outro, uma quadra para bicicletas e uma pista de skate. Nessa última, uma figura franzina, de brilho intenso no olhar, assiste atento às quedas e aos giros daqueles que se arriscam na concavidade da pista estreita. Com 10 anos, Carlos Eduardo Alberto vem com a tia que trabalha perto dali. “Eu acho bonito”, confessa, assustado. O garoto mora no Mucuripe e conta que sempre traz o skate dado pela madrinha, mas naquele domingo havia esquecido. O que não importava, porque sua imaginação estava executando as manobras para ele. Iracema. É o ponto ulterior. Na estátua, as turistas de Recife, Mazé Moraes, 60 anos, e Graça Medeiros, 55 anos, batem fotografias. A foto seguinte é no patinete motorizado dos policiais. Graça pede ao guarda que tire a foto com ela sobre o patinete. Antes de sair, ela é alertada por um dos militares para que tome cuidado com a câmera,


“Isso aí é a burguesia. Eles já fazem questão de construir bem alto, pra nem ver as caras dos pobres”, afirma dona Ana Maria, que vende quitutes na Beira Mar

pois a área, “não está para brincadeira”, embora a turista afirme: “Fortaleza está mais calma que Recife”. Encantadas, Mazé e Graça se despedem, ansiosas pelos quatro dias que restam na Cidade da Luz. Deixando para trás Iracema, já sem o vigor do arco e com uma mão decepada, chega-se ao local onde, à tarde, os esportistas do windsurf se reúnem para conversar e praticar. Mais à frente, acompanhando o velho piso do calçadão, um ambiente de menor estardalhaço, de passagem provisória. É possível sentar num banco observando as árvores retorcidas ou meninos que brincam de enganar a gravidade em “saltos mortais”. A atenção volta-se frequentemente aos apitos de um cruzeiro que se distancia ou para a rachadura de três metros que divide a calçada. Embarcações amontoadas, uma mulher num esforço mecânico na bomba d’água, os ziguezagues de coqueiros e as pessoas displicentes que passam por tudo sem perceber. Um Pálio preto que estaciona e, do qual, uma loira de roupas minúsculas desce acompanhada e entra num prédio azul e branco, sem nome. Quem passa no ônibus em frente ao prédio, já não enxerga a paisagem. Muito menos o que há por trás dela. Bê-

bados, bicicletas, o apito do navio quase se extinguindo e o vento. E o prédio dos Correios testemunha tudo. Encerrando a caminhada, o ponto que marca o final da Beira Mar é o Mercado dos Peixes. Hoje urbanizado, dividido por boxes, antes era um aglomerado de barracas de madeira e teto de palha. Fica de costas para um paredão de prédios que atormentam a Defesa Sanitária, por invadirem a praia. Nessas redondezas também ficam os pescadores, que fornecem parte dos produtos vendidos no Mercado dos Peixes. Os turistas e visitantes das quatro barracas que ficam do lado do Mercado se deliciam com os camarões, as lagostas e os peixes, comprados com os vendedores e prepa-

rados pelos donos das barracas. O box de número 16 do Mercado dos Peixes pertence ao Seu Pelé, apelido que nem ele sabe como ganhou. O nome completo é Francisco José Lourenço, de 44 anos. Ele diz que consegue renda mensal que varia entre R$ 3 mil e R$ 4 mil, com a qual sustenta a família. Mora no Mucuripe, a cinco minutos de onde trabalha, e garante que o seu serviço não é nada estressante. “É trabalhando e ao mesmo tempo se divertindo”, confessa sorridente. Seu Pelé começa às cinco da manhã e vai até a hora do almoço. Só retorna ao box às cinco da tarde, para fechá-lo às dez da noite, conforme a procura. E assevera que é grande nesse horário. Sentada num canto, virada para as velas do Mucuripe, fica dona Ana Paula Nunes. Aproveita a freguesia do Mercado para vender seus quitutes. Com um ar sereno, a aposentada fala dos prédios indiferentes à favela onde mora. “Isso aí é a burguesia, minha filha. Eles já fazem questão de construir bem alto, pra nem ver as caras dos pobres”, aponta, inconformada. Os contrastes aos quais dona Ana Paula se refere se dão principalmente no fim da Beira-Mar, onde do alto de sua experiência ela constata o que poucos se importam em perceber.

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Ao sabor

dos quatro ventos

Rani Mendes

A Beira Mar permanece no imaginário daqueles que ali passaram momentos inesquecíveis. Na narrativa dos freqüentadores, habitam as memórias da antiga avenida

Ednardo, cantor e compositor “Sem dúvida que a Beira Mar da década de 1970 é totalmente diferente desta de hoje em dia. Era bem mais calma, inclusive a gente freqüentava muito o bar do Anísio, justamente por causa dessa tranquilidade. E o Anísio era uma pessoa muito amiga da gente. Era aquele cara que dava opinião nas músicas: ‘essa eu gosto, essa eu não gosto, essa aqui, meu filho, você canta que vai ser sucesso’. Beira Mar foi uma delas. Hoje em dia, você vê, não dá mais pra fazer isso aqui, né? Havia loucuras que a gente fez naquele tempo, de botar piano em cima da caminhonete e sair tocando pela beira da praia. Vê se pode uma coisa dessas? (risos) Só malucos, na época. Não é a mesma Fortaleza de antes. Acho que existem outros aspectos da cidade que também são interessantes. Não é porque a cidade cresceu que ficou desinteressante, ela ganhou outro tipo de importância. Uma das coisas, no aqui

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agora que eu acho, é que Fortaleza perdeu muito sua própria identidade. É uma cidade turística, hoje em dia. Estava vindo de avião e, meu Deus, a quantidade de prédios que você vê! E a frequência dos estrangeiros... Isso muda o lance da cidade, que se volta mais para o turismo”. “Mas, junto com o turismo, vem um bocado de coisas negativas também. Não sou moralista, mas o turismo sexual é uma coisa perniciosa, se aproveita das condições de pobreza para oferecer migalhas. Eu ia muito à Praia de Iracema, Estoril, e fui lá e me assustei. A gente tem que raciocinar muito se esse tipo de turismo interessa ao povo como um todo. Mas isso não é só Fortaleza. A gente nota que na cidade, por essa natural tendência de ser visitada, as pessoas começam a se preparar para ser um pouco ‘internacionais’, se é que é essa a palavra. Aí vão sumindo algumas características básicas da nossa cultura, da nossa maneira de pensar, raciocinar, vo-

cê fica vendo o mundo por meio da ótica dos visitantes”.

Rani – O que a Avenida Beira Mar de Fortaleza significa para você? Qual o seu contato com a avenida? Ela lhe traz alguma lembrança? Ednardo –

A Beira Mar, como espaço do povo fortalezense, é carregada de contradições, tão próprias das cidades grandes, principalmente as do Nordeste do Brasil que se tornaram pólos turísticos. Meu contato com este local vem desde a adolescência, quando, aos 12 anos, o colégio que eu estudava realizou uma “excursão” até a Praia do Mucuripe e isto era, pra mim, uma aventura. Saímos de ônibus até a Praia de Iracema, o resto do percurso era feito a pé pelas dunas e beira de praia. O visual da natureza era completamente indescritível se pensarmos como é nos dias atuais. Algum tempo depois, este


trecho do litoral de Fortaleza foi palco do movimento artístico do Pessoal do Ceará, principalmente entre o Bar do Anísio (Beira Mar) e o Estoril (Praia de Iracema), na década de 1970.

Rani -

Como você a vê hoje? O que mais você sente saudade e que já não existe mais?

Ednardo – Vejo da forma como a Bei-

ra Mar se apresenta atualmente. Não tenho saudosismos sobre os quadros guardados na memória que pertencem a um período, mas a vida, tanto das pessoas quanto das cidades, passa por transformações e devemos acompanhar procurando a inserção e compreensão das transformações. Pra mim, a Beira Mar de Fortaleza vem desde a Barra do Rio Ceará, percorre todo o litoral, do Pirambu, passa pela Praia de Iracema e pelo trecho que convencionaram chamar de Beira Mar, atravessa Mucuripe, vai à Praia do Futuro e se estende até depois do Rio do Cocó. Sei que as cidades crescem e quando realizo trabalhos artísticos em Fortaleza, geralmente fico em hotéis ao longo da Beira Mar, e sempre vejo um visual belíssimo. É claro que muitas paisagens não existem mais, foram modificadas pelo crescimento da cidade, algumas boas outras não, poderíamos falar mais da interatividade que estas mudanças realizadas no tecido urbano e físico da cidade influenciaram no tecido social de seus habitantes. Sumiu a tranqüilidade e o clima harmônico que existia entre a natureza e os habitantes de Fortaleza. Quem quiser desfrutar desta realidade atualmente tem que ir a praias bem mais distantes. A violência também assumiu proporções nunca antes imaginadas, mas isto não é fato apenas desta beira de praia, está espalhada por todo o Brasil. Concluindo, cada vez que vou à minha cidade, faço em minha cabeça uma mistura salutar do que era antes e o que é agora, sabendo que não é possível congelar o tempo, e cabe a todos nós construirmos nossa cidade, tanto levando em conta lembranças, quanto dirigirmos nossas ações como cidadãos, para um melhor presente e futuro.

Gilmar de Carvalho, professor e pesquisador “Nunca fui um animal marinho. Também dei as costas para o mar, como a cidade de Fortaleza, durante boa parte da minha vida Há quase 30 anos vivo na Maraponga. Associo a Beira Mar a fotografias antigas, com um coqueiral a se perder de vista. Acompanho pelos velhos jornais a forma agressiva com que nosso litoral foi ocupado, na linha do vale-tudo, do “é meu, faço o que eu quero”. Vi edifícios sendo construídos onde não deviam ter sido, pela omissão dos órgãos competentes, até mesmo

quase dentro d’água, como os que ficam perto do Iate Clube ou o que foi construído onde funcionava, antigamente, o Restaurante Lido. A trilha da Beira Mar será sempre a canção do Ednardo: “entre luzes que me escondem”. Entre o paredão de concreto, sonho de lugar de muito novo-rico; a babel da feirinha que insiste em evidenciar nosso lado mascate e a prostituição que os apelos publicitários reforçam e mascaram, ao mesmo tempo, a Beira Mar é “lugar comum”, parafraseando outro poeta.

Ronaldo Salgado, professor “A minha Beira Mar é a da Volta da Jurema, numa época de sextas-feiras à noite movimentada e cheia de bate-papos e paqueras, aliás, com o pessoal começando a chegar no finalzinho da tarde. Muita gente conversando e sem se preocupar com a insegurança que reina hoje. A minha Beira Mar é a do Bar do Anísio com muita música, poesia e política nas mesas, varando a madrugada. Hoje tenho uma relação com a Avenida Beira Mar muito ligada à disciplina Jornalismo de Cidades, na UFC, quando levo meus alunos para fazerem reportagens sobre o local e as suas múltiplas faces, uma Beira Mar que, apesar de ainda encantar em alguns detalhes, assusta pelos assaltos diariamente.

Chico Anysio, humorista, ator e escritor “Acho que a Avenida Beira Mar significa para mim o mesmo que para todos: o local do relax. Não tenho qualquer contato com ela, pois só saio do hotel para trabalhar ou para fazer uma visita a Maranguape ou a uma ou outra praia. A lembrança que ela me traz é do tempo em que o mar do Ceará era mesmo verde e bravio. Aquele mar de hoje, na Praia de Iracema, não me parece retratar a verdade. Hoje a vejo com tristeza, pois o mar de antigamente era forte, bravo, “tsunâmico”... Aquele mar é que era o verdadeiro mar do Ceará”.

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Foto: Raphael Lira

Navegando

no passado A partir de 1960, o Ceará revela-se como um dos principais destinos turísticos do país. De todas as partes do mundo, surgem interessados em conhecer o famoso corredor turístico de Fortaleza: a Beira Mar Sarah Castro de Lucena

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uem passeia pela Avenida Beira Mar nem imagina que, um dia, onde hoje estão erguidos modernos edifícios de apartamentos e prédios comerciais, existia uma tranquila vila de jangadeiros, instalada em meio a imenso coqueiral. Dali para o mar, era uma caminhada na areia alva, onde hoje coopistas apressados correm em busca da boa forma. Em 1940, a areia da praia acomodava casas simples, quase à beira-mar, e o local era conhecido como Bairro dos Pescadores. Uma larga extensão de areia dividia o que hoje é a avenida até o mar. Era diversão na época frequentar restaurantes, como o conhecido Restaurante do Ramon, passear à tarde nas praças, ir ao teatro ou aproveitar o domingo na piscina do Náutico Atlético Cearense, inaugurado em 1958. “O Náutico e o Ideal Clube muito contribuíram para o avanço da urbanização da região”, afirma Miguel Ângelo de Azevedo, 84, historiador, pesquisador e jornalista, mais conhecido como Nirez. O pesquisador ressalta que Fortaleza é uma aula de história e que a Beira Mar, em específico, guarda lembranças boas, como as de um tempo em que as pessoas podiam caminhar no calçadão e usufruir do mar e da areia com muita segurança. “Eu passeava com minha família todo domingo e tomávamos sorvete no antigo Sorvetão”, relembra Nirez. Estátua de Iracema, Náutico, Estoril, Ponte Metálica (conhecida como Ponte dos Ingleses), algumas poucas edificações antigas e Mercado dos Peixes, já modernizado, são relíquias da história da cidade e de um passado extremamente presente. Para aqueles que gostam de domingo, férias, descanso, mar, areia, água de côco, caranguejo, peixe frito, a Beira-Mar sempre foi um convite irresistível. Com o passar dos anos, a Beira Mar foi ficando pequena para tantos turistas. O grande movimento de veículos, sobretudo na Volta da Jurema, prejudicava o acesso daqueles que queriam desfrutar da praia e dos restaurantes. Assim, em dezembro de 1977, foi realizada a primeira obra de alargamento da avenida. “O alargamento trouxe benefício para o comércio e para o turismo. O fluxo de carros, ambulantes e pessoas na estreita avenida prejudica-

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Beira Mar em 1940: início de tudo (Arquivo Nirez)

Aterro onde hoje é a Avenida Beira Mar

O mar azul esverdeado contrasta com os prédios luxuosos na avenida


va muito os turistas e frequentadores da praia. Lembro-me que a reforma foi longa, mas quando concluída foi manchete dos jornais. Agora sim, podíamos desfrutar da praia com mais facilidade”, lembra Nirez. A Prefeitura de Fortaleza, no mandato do prefeito Luiz Marques, percebeu que seria necessário também urbanizar a área. A Beira Mar era apenas um imenso calçadão em extensão, com barracas amontoadas, disputando espaço com veículos e ambulantes por todo lado. Quando começavam os engarrafamentos, a avenida ficava muito pequena para tanta frequência. As pistas ficavam totalmente tomadas e os pedestres não tinham direito às calçadas. “A beleza da praia era seriamente comprometida pela intervenção do homem. Todos os fortalezenses ficaram muito felizes com a reforma da avenida. Isso melhorou a vida dos turistas, dos comerciantes e dos moradores locais, que na época em geral eram pescadores”, explica o pesquisador.

1 “Esse projeto foi muito valioso para a Beira Mar. Meus familiares do interior disputavam para ver quem conseguia passar as férias na capital”, brinca Nirez, historiador e pesquisador.

O projeto foi elaborado pela Prefeitura e executado pela Superintendência Municipal de Obras e Viação (SUMOV), beneficiando fortalezenses e visitantes com quadra de esportes, bancos de concreto, árvores e barracas de palha, distribuídas de forma organizada e uniforme. “Esse projeto foi muito valioso para a Beira Mar. A cidade ficava cada vez mais conhecida e era visível que o número de turistas crescia bastante em pouco tempo. Meus familiares do interior disputavam para ver quem conseguia vir passar as férias na capital”, brinca Nirez. O prefeito Luiz Marques investiu muito na época. Foi um momento marcante; Fortaleza estava em festa. Em 13 de dezembro de 1979 foi inaugurada a nova Beira Mar de Fortaleza. Manchetes de todos os jornais traduziam a alegria do fortalezense e comemoravam o lucro que o investimento trazia para a cidade, com o aumento do fluxo de turistas, cada vez mais satisfeitos.

saiba mais :: O projeto do prefeito Luiz Marques, chamado “Embelezamento da Avenida”, trouxe a padronização dos imóveis, calçadão novo e sem ciclistas, bares distribuídos de forma mais organizada.

de Proteção ao Turista e o contingente policial ampliado. Shows de fogos de artifício ao final de ano brindavam a avenida, que se transformava no novo corredor de negócios de Fortaleza.

técnicos. Na virada do ano 2003 para 2004, 500 mil pessoas lotam a avenida e se emocionam em show de fogos de artifícios montado no quebra-mar da praia com duração de 10 minutos.

:: Empreendimentos imobiliários e comerciais conquistavam espaço e modificavam o perfil da área, considerada o cartão de visitas da capital cearense. O fluxo turístico atraía cada vez mais novos investimentos para a região. E, a cada alta estação, disparava notadamente o número de turistas nos hotéis da cidade. A ocupação sempre foi entre 80 e 90%, segundo estatísticas da Associação Brasileira da Indústria Hoteleira - Ceará (ABIH-CE).

:: Na década de 1990, aos domingos, a Beira Mar era a própria festa. A presença de turistas nacionais ou estrangeiros e de fortalezenses de todos os recantos da cidade desenhava um “mar” de fluxo intenso nas ruas do Meireles. A Beira Mar era um enorme espaço democrático da cidade. Banhistas de todas as classes sociais e faixas etárias deliciavam-se com a culinária regional. A Praça dos Estressados, novo ambiente de paz e tranqüilidade, surgia para quem não gostava de agitação.

:: Com o passar dos anos, a Beira Mar foi se transformando em palco de muitas festividades e se moldando a fim de acolher cada vez melhor os visitantes. Foi criada uma Delegacia

:: Em 2000, Fortaleza recebe liminar concedida pelo juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública, Francisco Chagas Barreto Alves, permitindo que fossem realizados Pré-carnaval e Shows Piro-

:: Atualmente, basta um passeio de alguns minutos, para observar em que a Beira Mar se transformou. A famosa Feira de Artesanato se destaca com produtos a preços populares, como artigos em couro, peças de banho, pinturas, rendas, colares e acessórios. Hoje, a avenida, sinônimo de luxo e recanto nobre, caracteriza-se por ser a região mais atrativa e frequentada por turistas que vêm à Capital. Os prédios de arquitetura futurista e ousada encantam e os restaurantes dão ao local um sabor ainda mais regional. Modernidade à parte, ainda podem ser vistas jangadas no estilo tradicional, com propulsão a vela, que esperam todas as manhãs pelos pescadores, para zarparem rumo ao alto-mar.

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Foto: Wellington Dantas

es por tes Beira Mar dos

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Além de cartão postal de Fortaleza, a Avenida Beira Mar é um Francisco Wellington dos lugares mais procurados para a práticaFoto: de esportes. Futebol, vôlei, surf, frescobol, patinação e até mesmo Tai-chi chuan são alguns dos esportes que podem ser praticados no local Cinthia Cunha Azevedo

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a Beira Mar, a toda hora, tem gente fazendo exercícios físicos. No período da manhã, os mais praticados são caminhada, surf e Tai-chi. Já à tarde os times de vôlei, futebol de areia e frescobol são encontrados facilmente e, à noite, a caminhada é, sem dúvida, o mais concorrido. “Gostamos muito de fazer caminhada aqui porque junta dever com prazer. Nada melhor que tentar emagrecer olhando para um mar tão lindo assim”, apontou Ana Lúcia, ao lado de outros pedestres. Essa é a explicação dada frequentemente pelos esportistas.

O lugar procurado tanto pelos moradores da cidade quanto pelos turistas, porém, sofre com a degradação do calçadão e, principalmente, da quadra poliesportiva. Reservada para prática de esportes em grupo, a quadra, também utilizada pelos skatistas, está em estado deplorável: buracos no chão, arquibancadas aos pedaços, pichações e falta de redes nas traves e cestas de basquete são alguns exemplos de decadência do local. Desportistas como João Carlos, 56, que freqüenta o calçadão da praia para fazer suas caminhadas matinais, sofre com buracos e pedras soltas que podem provocar quedas e acidentes. “Já cansei de ver gente aqui tropeçando e até mesmo caindo por conta desses buracos que são tampados com areia.” Procurada para falar acerca de algum projeto para a melhoria do local, a Secretaria de Esporte e Lazer da Prefeitura de Fortaleza não se pronunciou. Os problemas, no entanto, são visíveis e a insatisfação dos freqüentadores, também. Ciclistas, patinadores, pedestres são os que mais sofrem com quedas e torções “Agora a pouco quase caio porque pisei numa pedra que estava solta e não sabia”, contou Geralda de Sousa, 67. A Avenida Beira Mar, apesar da imagem linda e harmoniosa, também tem inúmeros problemas. Para os esportistas o principal deles é a má conservação do local. Já para Dirce Maria, 45, o motivo é administrativo. “Parece que a prefeitura fecha os olhos para algumas áreas da cidade e abre até demais para outras.”

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Insegurança no agito do

Calçadão Os assaltos ocorridos na Avenida Beira Mar trazem preocupação e indignação para moradores e turistas de uma das áreas mais frequentadas da cidade de Fortaleza

1 Os pontos mais críticos da orla estão nas

Renata Viana Foto: Raphael Lira

proximidades da Estátua de Iracema e depois do Mercado dos Peixes, de acordo com o policial militar Sérgio Santos, comandante responsável pela área.

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abines da Polícia Militar, viaturas da PMtur e Ronda do Quarteirão em carros de luxo e motos, a cavalo, além dos polêmicos patinetes são alguns dos instrumentos da segurança pública do Estado para combater a violência na Beira Mar. Quem vive no local, convive com o medo, diz a aposentada Rosa Marina dos Santos, 79 anos, que há 32 mora na Beira Mar. “Sempre foi perigoso. Eu que moro aqui, sempre tive medo. A diferença é que agora a televisão está mostrando os casos e as pessoas, principalmente

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os turistas, estão ficando preocupados”, desabafa. Os três quilômetros monitorados pela polícia, de domingo a domingo, não são suficientes. Casos de furtos de pequenos objetos e até de bens duráveis, como carros, aumentam. O Comandante do Policiamento da Capital, coronel Sérgio Costa, diz que a Beira Mar é uma das regiões mais policiadas de Fortaleza. “A área tem um efetivo muito bom, dividido de maneira eficaz. A Polícia Militar não pretende aumentá-lo porque não se faz necessário”,

ressalta o Comandante, informando que o número de denúncias não aumentou, apenas a mídia deu mais enfoque à situação. Demonstrando tranquilidade ao passear próximo ao ancoradouro dos barcos de pesca, o casal Ângela e Marcello Bismarck, de Rio do Sul, Santa Catarina, diz ter sido avisado no hotel em que está hospedado para evitar “certas áreas” da Beira Mar e tomar cuidado com os pertences de valor. “Todo mundo disse pra gente não levar câmera digital, celular e andar com o mínimo de dinheiro possível,


mas acho um exagero. Ainda não vi nada que pudesse me deixar com medo, mesmo assim tomo alguns cuidados”, disse Ângela. Os pontos mais críticos da orla estão nas proximidades da Estátua de Iracema e depois do Mercado dos Peixes. Quem informa é o policial militar Sérgio Santos, 35, comandante da companhia responsável pela área. “O problema maior está perto dos barquinhos. É que tem o morro logo atrás, aí os bandidos têm onde se esconder”. Munido de sofisticado patinete adotado pela Polícia Militar, o policial acredita na eficiência do aparelho para o monitoramento do local. “O patinete viabiliza o monitoramento. Quando tem que subir no morro ou fazer uma busca mais incisiva, a gente usa outros meios”, defende o policial ao comentar sobre o equipamento que custa cerca de R$ 28 mil e atinge velocidade de 20 quilômetros por hora.

Mas há quem questione a utilidade do aparelho. “Um patinete desse nem corre e custa o preço de um carro, sem contar que a maioria dos policiais mal sabe usar. Acho que isso não contribuiu e está sendo um gasto desnecessário”, esbraveja a vendedora de cocos Silvana Mendes, 42, que trabalha há 15 anos na Beira Mar. “Aqui tudo acontece rápido, o bandido puxa um colar do pescoço de alguém e corre, o patinete não ajuda. Pode ser ultra moderno, mas eu não acho eficaz”, critica a vendedora sobre o aparelho, que já foi adotado em Curitiba. Outro alvo de reclamações, que agrava a situação no local e que causa indignação aos moradores, freqüentadores e trabalhadores da Av. Beira Mar, é a retirada das cabines da PM-CE. “As cabines fazem falta. Os turistas passam correndo procurando policial e nada. Antes havia cabines que eram um lugar certo para encontrar ajuda”, denuncia Silvana.

Sempre foi perigoso. A diferença é que agora a televisão está mostrando os casos e as pessoas, principalmente os turistas, estão ficando preocupados”. Rosa Marina dos Santos, 79 anos, que há 32 mora na Beira Mar.

Fotos: Wellington Dantas

O patinete viabiliza o monitoramento; quando tem que subir no morro ou fazer uma busca mais incisiva a gente usa outros meios”. Sérgio Santos, policial que comanda a segurança da área

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Fortalezenses dão depoimentos sobre uma questão crítica para a cidade: a prostituição que ocorre no calçadão de um dos principais cartões-postais da capital cearense Juliana Rocha

U

ma das paisagens urbanas que mais caracterizam Fortaleza é, sem dúvida, a Avenida Beira Mar. Neste cenário, estão reunidos protagonistas de histórias reais, marcadas por distorções, injustiças e desrespeito. No mesmo ambiente, é possível encontrar crianças e adultos andando de patins, pessoas fazendo cooper, a famosa feirinha de artesanatos, mas também pode-se ver prostituição e violência. A prostituição na Beira Mar é “algo que a Secretaria de Turismo (SETUR) tenta combater a algum tempo”, diz Pedro Capibaribe, ex-assessor da SETUR. Indagado sobre o fato de Fortaleza ser conhecida mundialmente como a capital da exploração sexual de crianças e adolescentes e da prostituição adulta, Capibaribe disse que os próprios fortalezenses têm que ficar atentos a isso. “Os pais não devem permitir que seus filhos saiam no calçadão, se vendendo por comida”. Madalena Oliveira, 48, é dona de uma barraca de bordados na feirinha. Diz que vê constantemente crianças, entre as barracas, se oferecendo para turistas. Estes, por sua vez, fazem Fortaleza ser medalha de ouro em prostituição em relação a outras capitais brasileiras. “As meninas ficam aqui, com a mão na boca, de blusinha curta, shortinho curto e ficam se oferecendo pra eles (os turistas) e daqui

a pouco eles tão saindo com as crianças. Depois elas chegam aqui dizendo que tão de barriga cheia ou com dinheiro pouco aí no bolso”, critica Madalena. Segundo freqüentadores, durante toda a semana, no período da noite, é possível ver casos de prostituição de mulheres e travestis. Sérgio Santos, 35, policial da Ronda do Quarteirão, que fiscaliza o calçadão, disse que a prostituição é bem visível. “Você pode identificar quem são as mulheres. São as mesmas pessoas que sempre estão aqui se oferecendo para os turistas”. Ainda segundo Sérgio, eles lidam com essa situação de forma tão comum que as pessoas convivem normalmente com essa realidade. “É uma coisa normal”, conclui. Nem todos, porém, estão satisfeitos com essa condição. José Silvano, freqüentador da avenida, diz que “afasta os turis-

tas e as famílias”. Para Silvano, a prostituição enfeia a Beira Mar, mas “infelizmente são os próprios turistas que fazem com que essa prostituição vergonhosa continue”, lamenta José Silvano. Os boatos de que os hotéis têm relação com a prostituição são freqüentes. Os famosos catálogos oferecidos aos turistas, com todos os tipos de moças, “são inexistentes”, disse Francisco (nome fictício), segurança de um hotel na Beira-Mar, que pediu que seu nome não fosse divulgado. “A prostituição na Beira Mar é algo que ultrapassa os limites do aceitável e parece que a prefeitura já saturou disso tudo e deixou de lado”, finalizou Raimunda, 27, dona de um quiosque de sorvete.

Desen cantos da

Beira (20)


Foto: Wellington Dantas

a Mar

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A mulher, (beira-mar)

o mar e a coragem Marcos Montenegro

São seis horas e trinta minutos. A espuma das ondas vem banhar a areia que se envolve entre os dedos dos pés de Laurisa enquanto ela se aquece para “entrar no mar, se perder e depois se achar”. Jornalista, 47 anos, tem 1,59 metros de altura e 46 quilos. Nem a idade, nem a estatura física nem o cigarro, presente em sua vida há mais de 25 anos, são obstáculos suficientes para impedir a terapia dos finais de semana

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Foto: Marcos Montenegro

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(beira-mar) Foto: Marcos Montenegro

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Em dia de diversão, os Meninos e Meninas do Mar (MMM), grupo do qual Laurisa faz parte, costumam nadar dois quilômetros. E, regularmente, a equipe faz uma travessia de seis quilômetros.

L

aurisa Nutting, seu nome de guerra, já perdeu touca, bóia, óculos, o biquíni já caiu... “Faz parte da farra”. Iemanjá certamente já achou muitos pertences de Laurisa no mar, onde aprendeu a nadar aos 43 anos, com ajuda dos parceiros do grupo Meninos e Meninas do Mar (MMM), do qual começou a participar em 2004. A partir de então, a jornalista começa a trabalhar sua fobia pelo mar, adquirida nos anos 1980, ao assistir a um filme chamado “A imensidão azul”. Uma história verídica que mostra nadadores mergulhando sem equipamentos, só a pessoa com sua força de respiração. Laurisa ficava com falta de ar ao assistir a esse filme. A estreia, aliás, a quase estreia de “Ló”, como é chamada pelos amigos, foi em abril de 2004. No dia o mar não estava para nadador, estava para surfista. Muitas ondas. Raimundo Aguiar, o mais experiente do grupo, nada todos os dias há mais de 30 anos e disse ser melhor não entrar no mar naquele dia, porque se

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Quando ‘tô’ no mundo real, lembro do que o Raimundinho me falou: ‘calma, câimbra não mata. O que mata é o pânico”. estava ruim para entrar, para sair estaria pior ainda. “No final de semana seguinte eu fui e o coração tava bem aqui”, conta Laurisa mostrando a garganta. Era um caldo atrás do outro. “Procurei o chão. Cadê? Nada!” Já cansada, queria voltar à terra firme. - Não vai, não. Segura na minha bóia – disse Raimundinho. Laurisa, junto ao homem que mais tarde iria identificar como seu padrinho do mar, conseguiu alcançar a calma da mente e do mar que vem logo após a “re-

bentação”. “Sou extremamente grata ao Raimundinho. Se ele não tivesse me puxado, eu não tinha estreado naquele dia e ia ficar com mais medo de entrar depois”. Na terceira vez na água salgada, Laurisa teve câimbra na perna. Mais uma vez o Raimundinho foi o responsável por acalmá-la: “Calma, câimbra não mata. O que mata é o pânico”. A espécie de Michael Phelps do mar e na versão feminina leva muita coisa que aprende dentro d’água para a terra firme. - Quando “tô” no mundo real, quando tem uma situação muito assim, lembro do que o Raimundinho me falou: “calma, câimbra não mata. O que mata é o pânico”. Isso tem me ajudado muito. Natural de Botija, em Guaramiranga, veio para Fortaleza com dois anos de idade. Dentre os cinco irmãos, Laurisa é a mais rebelde, talvez pelo fato de ser do signo de escorpião, mais adepto a atitudes radicais. É totalmente desapegada à religião. Criada em família católica, diz ser o Deus dos católicos um ser muito longe, inalcançável. Esse Deus ela não quer para ela. Para quê religião como intermediária entre uma relação de pai e filho? Laurisa, quando entra no mar, tem contato direto com aquele que considera seu camarada, seu companheiro, seu parceiro, seu “chapa”. - Quando tô brava, falo pra ele: “meu irmão, tu tá pegando muito pesado... dá um tempo”, tá achando que a baixinha aqui agüenta tudo?”


Curiosidades

Os MMM, em um dia de diversão, costumam nadar dois quilômetros. Regularmente, fazem uma travessia de seis quilômetros, começando no Náutico e indo até o Marina Hotel. Nesses dias os nadadores chegam a ficar duas horas e meia no mar. Ao longo dos quatro anos de experiência, Laurisa tem observado que aquele papo das sete ondinhas é verdade, “quando elas vêm, elas vêm de sete mesmo”. Viu também muitos botos. Eles aparecem freqüentemente para testemunhar as conversas em alto mar. O grupo MMM é formado por mais de 70 pessoas. “A grande maravilha do MMM é um troço que faz tão bem que você quer repartir aquilo com todo mundo. A gente vai nadando na maciota, não tem competição, é só pra se divertir”, explica Laurisa. Após ter contato com a imensidão do mar, a escorpiana teve a ansiedade diminuída, aumentou a capacidade de concentração, passou a ter mais cuidado com a natureza (vez por outra, vai coletar lixo na praia), entre outros benefícios que sua amiga Kátia Castro conta: - Ela ficou mais confiante, mais tranqüila, aprendeu a lidar com os limites dela, até onde é capaz e até onde não deve ir. O bom astral da atleta fumante fica explicitamente abalado quando o assunto é nicotina. Laurisa tem crises profundas por causa do cigarro e toma muitos remédios a fim de contê-las. Por mais incrível que pareça, porém, o fumo nunca pesou na sua vida de atleta, a não ser se ela quiser nadar rápido. Faz exercícios como correr e nadar para ver se ao menos minimiza os prejuízos que o cigarro traz. Ela quer parar de fumar, mas a dependência química ao tabaco é forte. - É muito difícil pra mim. Tenho uma determinação muito forte, força de vontade extraordinária, mas com cigarro ainda não deu certo. Dentro do mar, seus pulmões não deixam transparecer a impregnação do tabaco. - Ela é espetacular. Após sua estréia, no segundo dia, nadou um quilômetro. Acho que ela não cansa não, porque vai muito bem. É a única que começou a nadar e não parou de fumar ainda – lembra Raimundinho. Nas caminhadas pela Avenida Beira Mar durante a semana, antes de ir ao trabalho,

Tenho uma determinação muito forte, força de vontade extraordinária, mas com cigarro ainda não deu certo.

a companhia é dispensável. Mas na natação dos finais de semana e feriados em plena imensidão do mar, uma companhia é imprescindível. Diz ter medo de sofrer um “piripaque” lá dentro. Por outro lado, não tem medo de morrer. “Minha mala tá pronta. Quando “o cara” quiser me levar, tranqüilo. Se tiver um infarto dentro do mar, eu morro feliz. Prefiro morrer dentro do mar a morrer com uma bala na cabeça ou por um motorista embriagado”. Os olhos brilham, a gesticulação é empolgante e o apego ao seu Deus é tamanho quando fala do mar. Água parada nem pensar. Odeia piscina e lagoa. Gosta da imensidão do mar e tem medo dos bichos que habitam as águas doces. Indagada se o mar não é perigoso, tem a resposta na ponta da língua: - É dez vezes mais perigoso andar nessa Beira Mar do que nadar. O mar não é traiçoeiro. Você não pode é medir forças com ele. Eu vou fazer quebra de braço com o Mike Tyson? Na primeira vez que conseguiu nadar do Náutico ao Marina, Laurisa se achou a mulher mais linda do mundo, morta de feliz. - Para a auto-estima, o esporte é um negócio fantástico. Por isso os governos têm que promover esporte dentro das escolas. Enquanto isso, a Michael Phelps cearense aproveita a manhã livre que tem nos finais de semana e feriados para desopilar na imensidão azul salgada, fugir do stress e das atrocidades do mundo na terra firme e recuperar as energias para seguir na batalha de cada dia.

Ló Histórias de

Um dia, quando um cara que tava com a gente viu um boto pela primeira vez, ficou com medo. Aí o Brito, que é um advogado e é muito gozador, disse: - Meu amigo, se acalme. Os botos não fazem nada com a gente, eles que têm que tomar cuidado com a gente. E os botos vão pegar a mim, vão pegar o Raimundinho, que a gente é “rechonchudo’’. O Assis (que é pequenininho) disse que o boto ia passar batido de mim e dele, por causa do nosso tamanho. - Meu caro Assis, é aí que você se engana, porque depois que os botos se deliciarem com este Brito e com este Raimundinho, eles vão pegar o Assis e a nossa querida “Ló” para usar como palito.

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(retrato falado)

A mulher, o mar e a ponte No Poço da Draga, mora uma senhora de 64 anos, que vive do que pesca, das memórias que compartilha e dos sonhos que acalenta. Seu nome: Alzira Rodrigues da Silva Tatiana Fortes

O

sol ilumina o mar, que está intenso, e bate forte nas longarinas da velha ponte que o tempo ainda não derrubou. A Ponte Metálica, que teve sua construção iniciada em 1902 e até 1940 desempenhou a importante função de porto marítimo da cidade, com embarque e desembarque de passageiros e cargas, ainda resiste. A cidade foi ganhando muros e engolindo um lugar que já foi o maior símbolo de Fortaleza. Jovens, artistas e boêmios se encontravam naquela área para tomar banho de mar, fazer luaradas ou simplesmente contemplar um dos mais belos pores-do-sol. O mar e o tempo, pouco a pouco, foram levando algumas memórias, histórias e está quase levando a ponte que insiste em permanecer de pé. A estrutura está abalada. Em algumas partes o pára-peito caiu e, em outras, estão intocáveis, mas cheias de rachaduras. O teto está sumindo e dando espaço para os grandes ferros, que estão se desfazendo em ferrugem. E é exatamente nessa velha ponte marítima, que ficou esquecida pelo tempo, que mora Alzira Rodrigues da Silva, 64 anos. A moradia é um pequeno casebre que está prestes a cair.

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Sozinha e sobrevivendo do que ela mesma pesca, conta histórias do passado, do presente e revela seus sonhos. Alzira nasceu no bairro Otávio Bonfim, em Fortaleza, mas, ainda criança, foi morar na comunidade do Poço da Draga, que fica localizada no entorno da Praia de Iracema. Passou uma infância difícil com os pais e mais quatro irmãos. Às vezes, nem tinham o que comer. A mãe costurava os sacos de cera para o porto marítimo e o pai se virava fazendo bicos. Mais tarde, na adolescência, não escapou de um costume muito comum entre os chefes de família da época: os pais decidiam com quem os filhos casariam e com Alzira não foi diferente.

Aos 16 anos, a menina que queria casar e ter filhos, ficou noiva e logo teve seu sonho roubado, pois foi estuprada pelo próprio noivo. O rapaz decidiu não casar mais, alegando aos pais da jovem que ela não era mais virgem. Os pais insistiram na ideia do casamento que não vingou. Alzira conta sua infelicidade com o moço. “Ele me perdeu por três frases: você não é virgem; depois eu caso; e caso, mas não vou constituir uma vida com você”. Foi com essas três frases que o relacionamento chegou de vez ao fim e tudo que havia planejado foi perdido.


Foto: Wellington Dantas

Ele me perdeu por três frases: você não é virgem; depois eu caso; e caso, mas não vou constituir uma vida com você.

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Foto Wellington Dantas

Sete meses depois, Alzira arranjou outro namorado e engravidou. A mãe não aceitava a gravidez pelo fato de não ter casado e batia muito na filha durante a gestação. Passaram-se nove meses e o bebê nasceu, mas não resistiu aos maus tratos sofridos por conta das pancadas e acabou morrendo. Ali começava uma fase que mudaria para sempre sua vida. Foi expulsa de casa e ficou sem ninguém. Foi procurar moradia e trabalho e acabou indo para uma casa de família, onde trabalhava como empregada doméstica e tinha a dormida garantida. Ela queria um pouco mais e sonhava em viver melhor. Decidiu ir para o centro de Fortaleza vender café, chá e tapioca. Conciliando os dois trabalhos, aos poucos sua condição financeira foi melhorando e chegou a possuir uma lanchonete e um bar. Adorava a noite e não desperdiçava uma farra em lugares que na época eram bem conhecidos como Boite Guarani, Pensão Boite 80, Boite Fascinação – locais que garantiam a felicidade dos jovens rapazes da época. Alzira relembra fatos importantes da vida dela. “A custa do meu trabalho, vivi como gente rica. Acompanhei moda, usei tudo do bom e do melhor: era colar de ouro, vestido longo e sapato Luiz 15”. Desfrutou da mocidade da melhor e da pior maneira que pode. Dançou, namorou e também gastou muito. Assim, aos poucos sua vida passou da condição de boa para ruim e o que tinha foi se perdendo pelos caminhos da vida. Ficou sem casa, sem trabalho e ainda ganhou problemas de saúde, como a bexiga arriada e problemas ósseos. Sem marido, filhos e dinheiro, Alzira foi, em 1977, para a Ponte Metálica, construir um barraco e tentar viver. Construiu sua casa com alguns pedaços de madeiras recolhidos por onde passava e com cacos de telhas que havia conseguido com um amigo. Começava ali outra fase da vida, a de moradora da Ponte Metálica. A choupana é bem simples, se resumindo a poucos itens: o fogão velho, o pedaço de uma mesa, algumas panelas e, mais ao fundo, a cama quebrada. Tornou-se pescadora para ter seu próprio alimento e para comercializar. Mas nem tudo seria de flores, ou melhor, de peixes. A fase ruim, mais uma vez, tomava de conta da vida daquela mulher que in-

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Para quem já desfrutou de momentos prazerosos da vida, é penoso ver como eu cheguei nessas condições miseráveis, sem esperança e com medo de um dia o mar destruir a minha casa, que para mim é tudo”.

sistia em viver. A ponte foi ganhando outros aspectos, abandonada, destruída pelo tempo e marginalizada pelo homem. O mar ficou poluído e a pesca tornou-se difícil já que os peixes sumiram. Ainda assim, ela vive exclusivamente da pesca e quando o dia é de sorte ela tem refeição no prato, quando não, o dia é de fome. Alzira não possui qualquer bem e vive sem nada, completamente sozinha. “Para quem já desfrutou de momentos prazerosos da vida, é penoso ver como eu cheguei nessas condições miseráveis, sem esperança e com medo de um dia o mar destruir a minha casa, que para mim é tudo”. O lugar chega a dar medo de tão isolado que é, e do perigo de a ponte vir a desmoronar. Seus amigos diários também vivem por lá. O mais próximo deles é o navio Mara Hope, parado feito estátua, de frente para sua porta (encalhado em 1985), a ponte, que fica indiferente a todos, e o mar, que é considerado por ela um pai, um guia. Com tanto silêncio,

a vida dela é vazia de situações. A diversão é acordar, sentar no chão da ponte para pescar e dormir. Os dias parecem intermináveis e nem mesmo energia ou água a casa possui. Durante o dia ela vê o mar e à noite ela escuta os sopapos impiedosos de ondas batendo nas longarinas. Com a ponte tremendo, Alzira diz que a sorte nunca esteve do lado dela. “Não tive marido e nem filhos e me sinto muito sozinha”. Filha mais velha dos cinco irmãos, hoje apenas dois estão vivos, e a última vez que teve contato foi há 16 anos. A mãe já faleceu e o pai ela viu quando ainda era adolescente. Crente de que dias melhores virão, aos domingos ela vai à igreja católica ou evangélica. “Acredito em Deus. Não sei o que sou, mas onde ouvir a palavra de Deus eu chego lá. Ando onde me sinto bem e só não vou mais vezes porque tenho problemas de saúde”. Apesar de tantas dificuldades e correndo perigos de a ponte cair, da fome, de problemas de saúde e da marginalidade, Alzira gosta daquele lugar. É dali que ela consegue seu alimento sem ficar dependendo de ninguém, embora muitas vezes não conseguindo pescar nada. Preocupada, ela grita: “não sou aposentada. Quero uma casa, mas só saiu daqui se for para morar nesse mesmo bairro, senão podem me matar. Na minha casa quem manda sou eu”. Alguns anos atrás ela diz que se cadastrou em um projeto de conjuntos habitacionais para pessoas de baixa renda, mas a casa até hoje não saiu e nem há previsão de quando isso vai acontecer. O tempo ou o homem irão demolir a velha ponte, mas aquela mulher de roupas simples, encostada no pára-peito penteando os cabelos longos e com um olhar de sofrimento, não desiste de viver. Acreditando num futuro que talvez seja feliz ou triste ela sonha “só queria uma casinha com água e luz. Queria ver televisão e ouvir música. Queria que Deus me desse saúde”. Enclausurada naquela ponte, desgastada e solitária, Alzira vai levando como dá, pescando e rezando. E como diz a música Longarinas, do cantor e compositor cearense Ednardo sobre a Ponte Metálica: “uma a uma, coisas vão sumindo. Uma a uma, se desmilingüindo. Só a ponte velha que ainda não caiu e o mar foi engolindo, lindo”.


Curiosidades

A Ponte dos Ingleses, mais conhecida como Ponte Metálica, levou quatro anos para ser construída e entre 1906 e 1940 serviu para embarque e desembarque de passageiros e de cargas na capital cearense.

Nos anos 50, a Ponte Metálica era espaço de lazer onde famílias desfrutavam do famoso banho de mar. (29)


Fotos: Wellington Dantas

(dois dedos de prosa)

A fortaleza do

caracas Matéria Prima foi à festa de aniversário de Valdemar Cabral Caracas, de exatos, inquestionáveis e memoráveis 101 anos de idade, e conversou sobre Fortaleza, chibé e bobagens deliciosas Denise Gurgel

A

polêmica sobre a data de fundação da cidade de Fortaleza vinha ocupando espaços nos jornais locais – Diário do Nordeste, O Estado e O Povo – há mais de ano. Apesar das matérias, entrevistas e opiniões publicadas, o assunto não pareceu interessar de verdade à sociedade fortalezense. A comunidade científica, passando longe do consenso, rachou. Havia os que se

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apoiavam nas pesquisas arqueológicas do historiador Adauto Leitão, afirmando que teria sido Pero Coelho de Souza o responsável pela fundação, em 25 de julho de 1604, às margens do Rio Ceará. Na oposição, vozes concordando com a data em voga, que remonta à elevação da cidade à condição de vila, oficialmente em 13 de abril de 1726. Havia ainda quem defendesse a cons-

trução do Forte Schoonenborch por Matias Beck, em 10 de abril de 1649, como o marco temporal zero de Fortaleza. Nunca haverá consenso.O certo é que o coro dos descontentes jamais cala. Para falar sobre Fortaleza, chibé e bobagens deliciosas, Matéria Prima foi à festa de aniversário de Valdemar Cabral Caracas, de exatos, inquestio-


náveis e memoráveis 101 anos de idade. Explico a ele sobre a possibilidade de alteração da data de fundação de Fortaleza e ele dispara: “Isso é besteira, querer mudar de data. Esses vereadores não têm o que fazer, não? Eu já fui vereador, você sabia disso? A rua Monsenhor Tabosa hoje é avenida Monsenhor Tabosa por minha causa, foi um projeto meu na Câmara!” Voltando ao assunto, Seu Valdemar diz que pouco importa quantos anos tem a cidade, o que vale são os 96 anos vividos na capital. “Eu cheguei aqui em 12! Sabe onde eu morava? Na rua dos Sampaio, que hoje vocês chamam de Governador Sampaio. Pra mim, ainda é rua dos Sampaio, ali era ótimo! A gente ia brincar, uma ruma de meninos, em frente ao Colégio, sabe que colégio? O da Imaculada Conceição.” Pergunto sobre o Instituto Justiniano de Serpa, conhecido como Escola Normal, e ele responde todo enfezado: “Que Escola Normal, que nada! Isso aí nem existia nesse tempo ...” Respondo dizendo como é enorme e exuberante o prédio da escola, e ele dispara: “Você sabe qual é o prédio mais bonito de Fortaleza? Pois eu vou lhe dizer: é o Colégio das Dorotéias, ô prédio lindo!”, com absoluta segurança e exagerada eloquência que lhes são características. Conheço Seu Valdemar há pouco mais de dois anos, desde que comecei a frequentar o Frigorífico São Raimundo, uma venda de produtos alimentícios do sertão, famoso pela qualidade do queijo de coalho e do queijo de manteiga. A fama alterou o nome do estabelecimento, hoje conhecido como Raimundo dos Queijos. E mais, alterou também o funcionamento nos finais de semana, caprichando tanto na temperatura da cerveja a ponto de transformar-se em Confraria do Raimundo dos Queijos, com placa afixada na esquina da Travessa Crato com a rua General Bezerril, bem atrás da agência central dos Correios. Aos domingos, Seu Valdemar comparece invariavelmente à Confraria para bebericar pelo menos um copo de vinho tinto doce e encontrar amigos e amigas, há pelo menos três anos. Um dia ele me disse: “você é meu chibé.” Nunca tinha ouvido essa palavra, e pedi

1 A entrevista: Denise Gurgel conversou com Valdemar Cabral Caracas na festa que comemorava seus 101 anos de idade.

que ele me soletrasse, talvez descobrisse o significado. De lá pra cá veio “Cêagáíbêé”, e fiquei na mesma. - E o que diabo é chibé, Seu Valdemar? - Não sabe o que é, não? É garapa de rapadura, rapadura com água, mulher! - E chibé é bom? - No interior, minha filha, tudo é bom! Fiquei lisonjeada e emocionada. E foi assim que nos tornamos amigos íntimos e fraternos, do tipo que sente saudade e telefona para saber notícias. Mas Valdemar Caracas não é só mais um confrade do Raimundo dos Queijos, é fundador emérito, certamente por ser o mais idoso do grupo de antigos e assíduos freqüentadores. E como se repete todo ano desde 2005, o domingo mais próximo de nove de novembro é dia de festa na Confraria. Em 2008, nove caiu no domingo, perfeito. Deu até na imprensa, os mesmos jornais que noticiaram que Fortaleza não sabe a idade que tem, também publicaram notas sobre a comemoração do aniversário do Seu Valdemar. Desde as nove da manhã o proprietário do estabelecimento, Seu Raimundo Oliveira Araújo, vai de um lado pro outro tentando acomodar a clientela das habituais domingueiras. Mas esta não é uma domingueira comum,

ensolarada e animada como todas as outras. É especial. Afinal de contas, está se comemorando a virada de século do mais ilustre e longevo freqüentador da Confraria. Já passa das dez horas da manhã e não param de circular parentes e um sem número de amigos do Seu Valdemar. À récua dos mais chegados, somam-se torcedores fanáticos e simpatizantes declarados do Ferroviário Atlético Clube, o Ferrim do coração do Seu Valdemar. Abraços e apertos de mão arrodeiam o aniversariante. Homens, mulheres e crianças, ricos e pobres nem tanto, mestiços e alvarentos se avolumam e aguardam a vez de prestar suas homenagens particulares. Em comum, distintos personagens desejam vida longa ao rei, admiram-se e ao mesmo tempo confessam seus desejos de longevidade. Aceitar a dura realidade de os ponteiros da existência obedecerem a comandos imprevistos e incontroláveis demanda tempo e confere sabedoria. É privilégio de poucos viver plenamente, mesmo sabendo que a vida não se permite pertencer, passível de injustificada e desavisada interrupção. Longevidade, com qualidade, é então uma vantagem excepcional. Sorte ou mérito, das duas, uma. Ou mesmo as duas, não importa. O que vale é celebrar a vida, cada dia é sempre um a mais, e nunca a menos. Esse é o jeito Valdemar Caracas de existir. Para ele, há sempre algo mais por viver nos próximos dias, numa rotina que combina acompanhar os noticiários no rádio e na TV, pois já não enxerga o suficiente para ler e escrever. Parentes e aderentes são companhias constantes e zoadentas, e não faltam telefonemas de amigos à escuta das conversas do Valdemar. A agenda é movimentada, e ele se gaba disso. Esforça-se para atender aos convites que recebe, desde que não entrem em choque de horário com compromissos fixos, como o encontro líquido e certo aos sábados de manhã com o amigo Cid Carvalho, ou as tardes de domingo no Restaurante Caravelle. Aos que vem por trás da cadeira, ele se agonia e grita “quem é?” O re-

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cém chegado quase nunca é identificado pela voz, é preciso ver para reconhecer e em seguida disparar alguma gaiatice, mostrando que a audição pode até falhar, mas a memória, nunca. Pela frente, chega um amigo de longas datas, habituée dos domingos na Confraria. É Arnaud Rodrigues Amorim, 59, fanático pelo Palmeiras - time que Seu Valdemar odeia. “É a primeira mão de veado que eu aperto hoje”, retribui Seu Valdemar à saudação do amigo, a quem apelidou de “bom a curto prazo”. Demonstrando arrependimento pelo “veado” improferível diante de uma senhora, agarra-se aos seus princípios ancestrais e incorpora o mais gentil dos cavalheiros, disfarçando um pedido de desculpas pra lá de moderno. Dirigindo-se ao Arnaud, faz referência à minha presença no meio do frege e diz: “Não ligue pra ela, não, que ela gosta de toda brincadeira...” No momento seguinte, ele se achega manso e carinhoso e me diz preocupado, segurando a minha mão: “Você não me leve a mal essas brincadeiras, não, viu? Não se sinta ofendida nem desrespeitada, você é minha amiga e eu lhe quero muito bem, tá certo? Eu quero que você escreva a minha biografia.” - Que é isso, seu Valdemar, tá me estranhando? Eu faço até dez biografias do senhor... - Você tá é com potoca, como é que eu posso ter dez biografias? Cada pessoa só pode ter uma! - Seu Valdemar, mas tem um escritor cearense que está lançando a segunda em menos de dois anos, o que o senhor acha? - Eu acho que ele não tem o que contar e quer só se amostrar... É quase meio-dia quando o regional Asa Branca começa a tocar. Por conta da vocalista e do sanfoneiro serem cegos, o pessoal da Confraria chama de banda “Não tô nem vendo”, cujo repertório tem como destaque a música Corno Despeitado: “Bota esse corno pra dormir E não dê mais cachaça a ele É que ele anda despeitado

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2 O entrevistado: Seu Valdemar Cabral Caracas é fundador emérito da Confraria do Raimundo dos Queijos, no centro da cidade.

Por que agora eu estou com a mulher dele...” Sobe o volume do som e Seu Valdemar fica inquieto, um tanto incomodado. Entre goles de vinho e flashes digitais, mantém-se eufórico, já dando sinais de cansaço. Mantenho-me ao seu lado durante boa parte desta manhã e sou surpreendida pelas gírias, regionalismos e pela presença de espírito do menino moleque Valdemar. Não esqueço um sujeito que chegou aos gritos, assediando o Seu Valdemar com tanto alarde que ele começa a fazer as típicas “mungangas” à moda cearense, externando seu desagrado com o recém chegado. Durante não mais que três minutos, Seu Valdemar consegue aturá-lo, e mal o sujeito vira as costas, detona um aliviado “Graças a Deus... Não gosto de abraço de homem; homem é só aperto de mão. Esse cara é um chato, um ciço, depois eu te conto uma estória dele”. “O que é “ciço”, Seu Valdemar?” “Ciço? Você não sabe o que é, não? Ciço é chato”, me confirma com um ar professoral. Chega então uma turma de universitários acompanhados do professor Sérgio Redes, o Serginho Amizade, que atuou como jogador profissional do Ceará Sporting Clube na década de 1980. Minutos após a chegada do grupo, munido de câmera e microfone, Seu Valdemar se mostra visivelmente incomodado com toda aquela movimentação e sugere que a gravação fique para outra hora e local. Alguns familiares intercedem com o aniversariante para que seja feito ali, naquele momento, pois já haviam acertado tudo com a equipe. Saio de cena e fico à espreita, torcendo para que a vontade do Seu Valdemar seja minimamente sentida e prontamente obedecida. Ao final de longuíssimos quinze minutos de tentativas, os nitidamente despreparados e inexperientes vídeorepórteres desistem da empreitada, confirmando o que para nós, Valdemar e eu, era óbvio: além de ser impossível captar a sonora com um som ambiente pra lá de caótico, nada mais inoportuno e desagradável que atrapalhar uma comemoração singular e secular em nome de uma avaliação acadêmica.


do Seu Valdemar nem vacila: “Respeite os mortos!”

Retomamos o papo, interrompido quando o Seu Valdemar apontava para o prédio dos Correios dizendo que ali se chamava Mercado das Frutas. Então ele aponta para a direção oposta, no rumo da Igreja da Sé, e diz que a praça em frente à catedral era conhecida como Praça dos Pombos. Daí por diante, Seu Valdemar fala da saga da família Caracas no Ceará, revelando que o sobrenome Caracas nasceu em Tauá, inicialmente como Carcará. Esbanjando conhecimentos em História do Ceará, ele conta que, nos primeiros anos do século XX, o atual município de Pacoti era ainda uma pequena vila conhecida no maciço de Baturité pelo nome de “Venda”, vizinha de outra chamada “Conceição”, hoje Guaramiranga. “Baturité significa serra verdadeira, e foi lá em cima da serra que Carcará virou Caracas”, complementa. “Aratuba era “Coité, depois Santos Dumont e finalmente Aratuba. Mulungu nunca mudou de nome, sempre foi Mulungu. “Eu também não. Nasci e vou morrer Valdemar Cabral Caracas.” Haroldão e Madalena Aragão, proprietários do Restaurante Opção, trazem o primeiro lapso de memória aos 101 do Seu Valdemar. Devidamente abraçado e parabenizado pela dupla no salão nobre do Seu Raimundo dos Queijos, o infalível Valdemar se esforça por lembrar-se do nome de um exgovernador, cunhado de Dona Madalena. “Gonzaga Mota, Seu Valdemar!”, responde ela. Então Seu Valdemar põe-se pensativo, repetindo baixinho para si mesmo, balançando a cabeça, “Gonzaga Mota? Não!...” Alguém querendo ajudar, fala bem alto: “o Totó, Caracas!”. Aí Seu Valdemar, cheio de razão, esbraveja: “É o Totó, ora!! Gonzaga Mota é pra vocês; pra mim ele é o Totó!” E a agitação continua na Confraria, já pela uma da tarde. Enfastiado com as manifestações carinhosas masculinas, Seu Valdemar se sai com essa: “Esses homens de hoje tem a mania de beijar uns aos outros, eu não gosto disso, não. Você gosta?” Um dos convidados o cumprimenta com um desnecessário “o senhor está ótimo!”, ao que a verve

É chegada a hora da partida, já passa das duas e Seu Valdemar levanta vôo para o Caravelle. Na decolagem, um sobrinho e o garçom Chico o carregam e acomodam no banco da frente do Corsa prata. Na despedida, ele segura forte a minha mão, me fita os olhos e diz que o que mais dá valor é ao carinho sincero, que tem que haver sinceridade em quem dá e em quem recebe. - O carinho, se não entrar amoroso é porque não saiu amoroso. Eu amo você. - Eu também, Seu Valdemar. Fiquei um tempo engasgada, absorta em pensamentos e emoções. Alheia ao movimento da domingueira, orei a Deus pedindo que demorasse a levar Seu Valdemar, e que quando chegar a hora fatídica, supliquei-lhe por uma passagem em paz. Na terça-feira, 11/11/2008, os legisladores municipais - a quem compete resolver a pendenga do aniversário de Fortaleza - decidiram manter a data atualmente comemorada, 13 de abril. Pela manhã, liguei para o Seu Valdemar para contar a novidade.

3 A confraria: Aos domingos, seu Valdemar comparece ao Raimundo dos Queijos para bebericar um copo de vinho tinto doce e encontrar amigos e amigas.

- Bom dia, Seu Valdemar, é a Denise. - Você está ligando pra mim pra quê? -Pra lhe dizer que Fortaleza tem 282 anos. Deu no jornal de hoje que a Câmara decidiu manter a data atual, dia 13 de abril. Serão 283 velas no bolo de 2009! - Não precisa disso tudo, não, é arriscado ter é um incêndio! Bastam três velas: um 2, um 8 e um 3, né, não? Você não viu meu bolo? Só tinha três: o 1, o 0 e outro 1, e nem fui eu que apaguei, que eu não tenho mais fôlego. - Imagine se tivesse! O senhor ... - Peraí, deixa eu dizer uma coisa, eu não tô interessado em quantos anos Fortaleza tem pra trás, eu quero saber é quantos anos ela tem pra frente, e se eu vou estar vivo pra ver. A gente não deve ficar olhando pra trás, não, que a saudade mata a gente, sabia? - Sei, sim. E sei também que o senhor é uma fortaleza. - E você é meu chibé.

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Foto: Wellington Dantas

Profusão de cores, tons e brilhos nas vitrines, letreiros nas placas, gente indo e vindo, sons e vozes, tudo isto com uma vantagem: sensação de segurança. Assim é o universo nas duas principais galerias do Centro de Fortaleza: Professor Brandão e Pedro Jorge. Nelas há um verdadeiro mix de negócios e ofertas que muitos fortalezenses ainda não conhecem. Aqui, a diversidade é o que conta.

Universo da diversidade nas

galer (34) (34)


Foto: Francisco Wellington

Aurineide Barbosa As ruas Senador Pompeu e General Sampaio marcam os limites destas galerias, que movimentam diariamente o comércio popular do Centro da cidade. Centenas de pessoas de diferentes bairros, com distintos gostos, até com denominações tribais e ideológicas, afluem para estes locais para ampliar a dinâmica comercial nas duas galerias. As perspectivas são as mais variadas. São pessoas que estão de passagem, que vão para pesquisar preços, comprar nas ópticas, livrarias e revelar e também tirar fotos, ouvir músicas, contratar serviços de contabilidade, de prótese dentária, amolar tesouras, facas e alicates de unhas, além de consertar a armação dos óculos, apreciar as tendências da moda, cuidar do visual nos cabeleireiros, fazer tatuagens e colocar piercings. Os restaurantes e lanchonetes estão à disposição da clientela que aproveita o dia para resolver negócios. No entorno da Professor Brandão e da Pedro Jorge, que são conhecidas como galerias formais, há ruas que vêm assumindo a denominação de galerias informais. Embora sejam historicamente ruas, a Liberato Barroso e Guilherme Rocha e outras próximas, são vistas como subgalerias que se enfileiram ao longo dos shoppings, co-

mo o Shopping dos Fabricantes, anexo à Galeria Pedro Jorge. As galerias competem pela efervescência do comércio, atraindo os clientes. Seja pelos letreiros das placas, vozes e gritos apelativos dos camelôs, serviços que se aglomeram nas portas das estreitas lojas, bem como pela segurança da Galeria Professor Brandão. Francisco Silva, 47 anos, há mais de dez anos atuando como segurança, é quem dá a deixa. “Aqui somos dois seguranças, um em cada esquina. Eu aqui e o outro ali. Trabalhamos das 7 às 19 horas, de segunda-feira a sábado, com revezamento”, adianta Silva, lembrando que, apesar da intensa movimentação de pessoas, as únicas ocorrências são os descuidistas nas calçadas das grandes ruas próximas da galeria, “mas, com a vivência que temos, logo conseguimos contornar a situação”. À direita de quem segue para a rua General Sampaio, no meio da galeria, há uma complexidade de artigos, objetos coloridos (peças artesanais em argila, gesso, madeira, imagens sacras e arranjos), luzes, lanchonetes, vozes, música e outros serviços que se estendem até a calçada, reunidos numa pequena loja. “As pessoas vêm aqui para comprar tudo. Estas peças artesanais servem para decorar paredes, mesas, banheiros, casa de praia. São feitas em Cascavel e Caucaia e aqui a gente dá os detalhes finais”, explica Kátia Cordeiro, 54 anos, dona de loja e que trabalha desde 1975. “Os preços, completa, são bons e ninguém reclama. Enquanto compram, os clientes aproveitam para lanchar e conversar.”

rias do centro (35) (35)


Fotos: Wellington Dantas

No caixa, o marido de Kátia reforça. “Iniciamos só com a lanchonete e, há mais ou menos dois anos, diversificamos com efeitos artesanais. Nossa renda melhorou. Temos duas filhas que nos ajudam também. Aqui é de pais para filhos”, lembra. Uma curiosidade é que as galerias formais diferem pela estrutura e tipo de negócios. Enquanto a Professor Brandão apresenta-se a céu aberto em toda sua extensão e tem comércio mais amplo, a galeria Pedro Jorge atenuou o sol, por meio de telha de policarbonato, permitindo a entrada de ar de um nível para outro, o que dá abrigo até no período das chuvas, e tem comércio mais restrito. Pela Rua Senador Pompeu visualiza-se um prédio malconservado, com uma entrada larga e extensa placa: Galeria Pedro Jorge, que o separa em dois blocos. Na esquina do lado direito fica o Shopping dos Fabricantes e, a 50 metros, andar dos importados. Na sobreloja, a Leandro Importados prestigia mais as vendas de atacado e não aceita cartão de crédito, como explica Juliana Leandro, 38 anos, gerente da loja. “Tudo aqui é a vista e em dinheiro. O desconto de dez por cento é dado para quem

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compra a partir de seis produtos,” avisa Leandro.

1 Na Galeria Pedro Jorge, lojas com artigos no estilo gótico, black metal, emo, reggae e indiano dividem espaço com os estúdios de tatuadores.

No térreo da galeria, em ambos os lados, o comércio apela para a fé. Muitas livrarias e ópticas evangélicas, casas de CDs e DVDs de música Gospel, além de lanchonetes e outros serviços que impulsionam o comércio. Josué Farias, 34 anos, vendedor da livraria Bíblia e Opções, mostra-se otimista: “aqui todo mundo compra, não importa a religião. Se bem que a maioria dos consumidores é evangélica”. Edna Silva, 52 anos, costureira, diz que passa na galeria com freqüência. “Sempre venho aos sábados para a casa da Bíblia e aproveito também para amolar minhas tesouras e alicates de unhas na loja da Gorete”. Contrastando com o comércio evangélico, há um entra e sai por meio de dois portões largos, do lado esquerdo de quem vai para a rua General Sampaio. Tudo porque a Galeria Pedro Jorge ganha outro tipo de clientela no prédio que resiste ao tempo: jovens de 13 a 25 anos. “Pelo estereótipo, alguns com piercings e tatuagens, cabelos desarrumados e roupas pretas, sugerem que sejam roqueiros”, antecipa Sebastião de Oliveira, 44 anos, zelador de prédio. Ele completa: “o movimen-


to é de segunda-feira a sábado. Até no quarto andar deste prédio funcionam as lojas dos roqueiros”. As escadas estreitas e malconservadas resistem ao constante sobe e desce dos que chegam aos diferentes andares em busca de novidades. As lojas ficam inchadas pelo turbilhão de pessoas de aparências comuns. Algumas, com visual sombrio, maquiagem carregada, cabelos desarrumadas, com roupas que identificam o estilo gótico que há tempos influencia a moda soturna e misteriosa. Um exemplo é Matheus Silveira, 25 anos, estudante do quarto semestre de Arquitetura, que declara que estuda, trabalha e aprecia músicas de metal sinfônica – mistura de heavy metal com orquestra das bandas Rhapsody, Épica, Nicht Wish – roupas e acessórios góticos. “Quando venho para cá, estou sempre com a turma. Nesta loja encontro tudo que quero. Não importam os preços. Trabalho pra isto.” Para Patrícia Costa, 37 anos, gerente de uma das lojas do primeiro andar, o negócio é atender a todos os gostos de quem chega para comprar. “Tenho artigos do estilo alternativo, que compreendem desde o estilo gótico e a black metal, que são modas 100%, a emos, que é uma versão em xadrez, ao estilo reggae, em tons vermelhos, como um tipo indiano”, conclui. O pré-universitário Evanildo Prato, 21 anos, que faz parte do grupo dos roqueiros, estava à procura do traje específico: a “roupa da hora” para assistir ao show de uma banda da Irlanda, no Clube Arena. “Trabalho em outra loja do centro, mas aproveitei o horário do almoço e comprei estas roupas. Os preços são bons. Todos acham, por isto, que há muita gente por aqui. Hoje vai ser uma noite daquelas”, diverte-se. Adaptar o visual gótico para roupas do dia-a-dia não é complicado, pelo menos é o que arrisca o caixa da loja Bronx Rap Street, Euricards Alves, 23 anos. “A ideia é apostar no look preto total, combinando acessórios de metal em tons vermelho”. A loja oferece artigos diferentes como moda para skatistas, roqueiros, tanto feminina quanto masculina, mochilas, tênis e CDs de Rap. Pretendemos agora ampliar os negócios, com pagamento a vista, com desconto de 20%”, lembra Alves.

2 Bronx Piercing :: Senador Pompeu, 834 sala 233. Fone 3231 83 63 ou 3094 0656.

3 Lords of Tattoo :: Senador Pompeu, 834 sala 329. Fone 3254 5382.

4 Insanus :: Senador Pompeu, 834 sala 327. Fone 3091 7296

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(criatura)

Pessoas

anô nimas

são modelos por um dia Para mostrar que qualquer pessoa pode ser vista e sentir-se como modelo de capa de revista, garimpamos pessoas na cidade e convidamos para uma sessão fotográfica, no Estúdio da FA7 Daiana Godoy

T

odos os dias cruzamos com pessoas de raças, estilos e belezas diferentes. É bem verdade que dificilmente paramos para observar estas diferenças. Andamos sempre com pressa, preocupadas com a conta que temos de pagar, com a fila de banco que vamos pegar... Muitas destas pessoas nos prestam serviços e nem sequer percebemos nada diferente. Se pararmos para pensar um pouco para observar, Fortaleza é uma cidade cheia de misturas: gente de outros estados, outros países, belezas incomuns. São trabalhadores, gente comum, do cotidiano, que têm algo de especial: a beleza. Pessoas anônimas que no dia-a-dia passam

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despercebidas, mas, quando observadas, revelam atributos e harmonia física. Sem compromissos formais, apenas para dissipar mitos comuns sobre a beleza e mostrar que qualquer pessoa pode ser vista e sentir-se como um modelo de capa de revista, garimpamos pessoas na cidade e convidamos para uma sessão fotográfica, no estúdio da Fa7. Nossos convidados se submeteram ao olhar fotográfico do professor Jarí Vieira, de Fotojornalismo, revelando outra face escondida em cada um dos participantes. Sem contar com a combinação adequada de ingredientes: cabelo, maquilagem, roupa, cenário que ajudaram na transformação.


Fotos: DaianeDantas Godoy Fotos Wellington

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Manmatharajah Alves Manickarajah, A

Fotos: Wellington Dantas

pesar do nome de origem asiática, Manmatharajah Alves Manickarajah, 20 anos, é brasileiro. O pai é do Sri Lanka, e a mãe é baiana. Daí a mistura. Mathan, como prefere ser chamado, trabalha há quatro meses como atendente de telemarketing no jornal O Povo. Este é o segundo emprego de Mathan, que faz faculdade de Publicidade e Propaganda na Faculdades Nordeste (FANOR). Decidido, quer crescer na empresa. Ele confessa que quem mais o incentivou a trabalhar no jornal foi sua mãe. No início não queria muito, mas agora diz estar gostando do que faz. Sempre com sorriso no rosto, Mathan atende aos clientes com bom humor e brincadeiras. Há quatro meses namora a Daniele e, nas horas vagas, gosta ir ao cinema, curtir boa festa e jogar basquete, esporte que parece fazer parte da sua vida. Antes dessa rotina de trabalho e estudos, Mathan jogava basquete na

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seleção do Náutico Atlético Cearense. Tinha 10 anos quando começou a praticar o esporte, mas, agora, por falta de tempo, só “bate racha”. Atualmente joga em um time, o Roma, mas agora com menos frequência. Não se acha nem um pouco bonito e se diz tímido em frente às câmeras, embora quando criança havia desfilado. “Quando tinha uns três ou quatro anos desfilei para uma grife infantil”, revela. Recentemente, já na faculdade, Mathan foi convidado a participar da propaganda institucional da FANOR. Com estilo descolado, gosta de ouvir hip-hop e diz que esse estilo musical influencia a sua maneira de vestir. “Gosto muito de “black”, hip-

hop e acho que é por isso que me visto assim, com um estilo meio ‘rapper’”, define. No terceiro semestre da faculdade, Mathan se considera determinado e uma pessoa de força. “Meu sonho é um dia me tornar gerente de marketing e fazer mestrado na Suíça”. E é com essa determinação e bom humor que Mathan espera ir longe. 20 anos, atendente de telemarketing


Ricardo Lima de Santana, J

á na calçada da rua Floriano Peixoto com Pedro Borges, ele aborda os clientes da loja C.Rolim. Apesar do pouco tempo no emprego, Ricardo diz gostar de lidar com o público e é com muita tranqüilidade, segundo ele, sua marca registrada, que prefere atender aos clientes. Atencioso, simpático, calmo. É assim que o vendedor se define, e que leva a rotina tão puxada. Este não é o primeiro emprego de Ricardo. Já teve outras experiências com vendas e até professor de Educação Física já foi. Divide o tempo com o trabalho e a faculdade de Radiologia, na Faculdade de Tecnologia Intensiva (FATECI). O que mais o motivou a trabalhar foi a situação financeira, pois é ele quem paga a faculdade. Acorda todos os dias às 5h40min e só volta para casa depois das 22 horas, horário que acaba sua aula. Mora com a mãe, que é separada, e com dois irmãos, um mais novo e outro mais velho. Tem bom relacionamento com todos da família, apesar de ter maior afinidade com o irmão mais novo. Determinação. Esse valor parece marcar a sua personalidade. Quando terminar o curso de Radiologia, pretende fazer faculdade de Medicina. Acredita que a Radiologia já seja um degrau para realizar o seu sonho: ser médico. Já no quarto e último semestre do curso, Ricardo, que trabalha das 7h45min às 18h40min, consegue encontrar tempo para sair com amigos, assistir a filmes, ir para barzinhos e jogar futebol, pelo menos uma vez na semana, com os amigos da rua onde mora. Gosta de ouvir hip-hop, rap, swingueira, pagode e axé. Gosta de se vestir bem, num estilo mais “arrumadinho”. “A roupa Wellington que eu me vestir, não Foto: Francisco

importa qual seja, tem que me fazer se sentir bem”, completa. Não tem qualquer cuidado especial com a beleza e nunca fez trabalho como modelo, mas revela: “não tenho vergonha de nada”. Extrovertido, confessa que muitas pessoas já disseram que ele tinha perfil para trabalhar com moda, mas nunca parou para pensar sobre o assunto. Quem sabe agora não seja o momento? 23 anos, vendedor

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Priscilla Magalhães Ribeiro,

Fotos: Wellington Dantas

E

la já nasceu, praticamente, no mundo da moda. Há 20 anos a mãe possui uma loja onde, atualmente, vende artigos para cama, mesa e banho. Há três anos abriu a segunda loja, também no Centro de Turismo, mais conhecido como EMCETUR – Priscilla Criações – com roupas femininas. Quem toma conta da loja é a própria Priscilla, estudante do 8º semestre do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). “Sempre gostei de desenhar roupas, de criar. Desde pequena meu sonho foi ser estilista e a loja da minha mãe se tornou um degrau para isso”. Fazer uma faculdade de Estilismo e Moda es-

tá nos seus planos para 2009, além de arranjar emprego em algum veículo de comunicação para poder pagar a nova faculdade. Trabalha todos os dias com a mãe, com quem tem bom relacionamento. A relação com o pai, apesar das constantes viagens a trabalho, sempre foi boa, até o dia em que ele descobriu sua tatuagem. Priscilla tinha vontade de fazer uma tatuagem em homenagem à sua família, mesmo sabendo que o pai seria contra. Fez a tatuagem assim mesmo e teve que esconder do pai durante seis meses. “Soltava o cabelo quando ele passava perto de mim”. Sua tatuagem fica na nuca. Depois deste tempo, Priscilla resolveu contar, e eles ficaram um mês sem se falar. “Hoje em dia nos falamos normalmente, mas ele ainda é contra”. Desde a adolescência gostava de rock, tanto que chegava a se vestir no estilo “roqueira”. Hoje em dia, mais fã de MPB e jazz, afirma ainda gostar de rock, mas procura se vestir com roupas adequadas a seu ambiente de trabalho. “As pessoas dizem que sou paty com cara de forrozeira, mas não sou nada disso. Apenas gosto de me vestir bem”. E por ter bom gosto em se vestir, Priscilla não teve dificuldade alguma em tirar fotos com produção. Já tentou ser modelo, mas a baixa estatura não ajudou. “Eu quero mesmo é trabalhar com moda, mas, de preferência, atrás das câmeras”. 21 anos, comerciante

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Gustavo Barbosa, É

mais precisamente na barraca 5D que Gustavo atende seus cliente. Ele sempre chega às 18 horas, prepara a mesa com as bijuterias e, enquanto isso, clientes já chegam para conferir seus produtos. As peças são feitas por ele e por sua mãe, e todo dia procura criar um modelo novo. Antes de embarcar de vez no ramo das bijuterias, o paulistano Gustavo trabalhava fazendo esculturas de madeira. “Desde cedo tive facilidade com trabalho manual”, revela. Residindo há quatro anos em Fortaleza, mora sozinho e, nas horas vagas, pratica seu esporte favorito: o surf. Mostrando ter um estilo aventureiro, Gustavo diz que veio para Fortaleza atrás de surfar. Primeiro, ficou um tempo em Florianópolis e depois ficou sabendo de uma vaga num hotel de Fortaleza e veio correndo para cá. A mãe veio logo depois. Foi no embalo da mãe que Gustavo começou a fazer bijuterias, já que ela trabalhava no ramo desde São Paulo. Além de expor na feirinha, também vende para lojas e, às vezes, faz viagens para fora do estado para fechar contratos com outros clientes. Mas é na Av. Beira Mar que seu lucro aparece. Ele aluga o espaço, pagando uma taxa para a prefeitura. Paga também a pessoa que arma a estrutura do box e também a vaga onde o carrinho (usado para carregar seus produtos) fica estacionado. A mãe também possui um box de bijuterias na feira, dois corredores ao lado. Sempre muito atencioso, Gustavo atende aos clientes, e a maioria, ele reconhece, é mulher. Trabalha de bermuda, mostrando a enorme tatuagem na perna esquerda e quase sempre sem blusa. Não Wellington nega o assédio que Foto: Francisco

sofre por parte das mulheres e de vez em quando por homens também. Nas horas vagas, além de surfar, Gustavo gosta de curtir bom samba de mesa, churrasquinho em casa e ir ao cinema. Afirma não ter uma rotina certinha, a única que tem certeza é estar na Beira Mar sempre às 18 horas. Seu estilo de vestir não poderia ser outro – surf wear. Quando o assunto é carreira na área da moda, confessou já ter partici-

pado de desfiles, concursos de beleza e peças de teatro. Há algumas semanas surgiu a oportunidade de participar de um teste de seleção para a novela Malhação, mas não pôde comparecer à seleção. Fotogênico, Gustavo não se constrange em estar de frente para a câmera. É com o espírito aventureiro que aceita desafios, inclusive o de ser modelo por um dia. 26 anos, artesão

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cores

(retalhos tecidos) Fotos: DeniseePiorski

Por entre linhas e

Moda significa, para muitos, dinheiro, fama e glamour. Para outros, que a observam sob nova perspectiva, moda significa, desde cedo, trabalho Leilane Soares

L

inhas, tecidos, cores e formas atraem, todos os anos, milhares de jovens para as faculdades de estilismo e moda pelo país. Sonhadores e cheios de ideias imaginam o dia em que serão estilistas renomados, que suas criações estarão nas ruas e nas revistas. Mas a história com a passarela, ou com seus bastidores, tem vários começos. Enquanto muitos sentem vontade, outros entram no embalo da moda pelo acaso. Um dia, algumas camisetas estilizadas dão certo e você acaba em um concurso de moda, ganhando um prêmio e nome no mercado. Foi assim com Adriana Piorski, 23 anos. A maranhense, que mora em Fortaleza desde a adolescência, viu aqui sua chance de trabalhar no mundo da moda. Já que a terra natal “não tinha mercado”... O envolvimento dela com a moda começa lá atrás. Quando criança ajudava a mãe, que é artista plástica, com seus trabalhos. Habilidosa com as mãos, sempre recebeu incentivo da família para seguir

1 Adriana prestou vestibular para Publicidade, mas foi reprovada. Usou o tempo livre para fazer camisetas e acessórios para os amigos. Fez tanto sucesso, que resolveu investir na carreira, cursando Estilismo e Moda

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carreira no mundo das artes. Mas, ao contrário daqueles que querem chegar ao mundo da moda, o interesse de Adriana por ele surgiu apenas depois que ingressou na faculdade. Ela lembra que prestou vestibular primeiro para publicidade, não foi aprovada e acabou usando o tempo ocioso para fazer camisetas e acessórios para os amigos. Com o grande sucesso resolveu investir na carreira. Acabou formada em Estilismo e Moda pela Faculdade Católica do Ceará. Conhecida no mundo virtual desde 2005, Adriana utilizava ferramentas como Multiply e fotolog para divulgar seu trabalho, sonhando com o dia em que montaria uma loja no mundo real. Mas antes ela precisava fazer com que a marca se tornasse conhecida nas ruas. A oportunidade veio no Dragão Fashion de 2006. O evento surgiu como uma chance para testar suas habilidades: “Ah vou arriscar, se der certo, eu fico”, disse Adriana. Deu certo, ficou e a marca Piorski, com as roupas tipo “bonequinha” da estilista, foi destaque no Empório Mix, que acontece dentro do evento, e ganharam não somente espaço, mas as ruas. As encomendas aumentaram: pedidos locais, nacionais e internacionais. As roupas, até o ano passado, eram vendidas para países como Portugal e Espanha. Famosos, como Karina Bacchi e Pérola Faria, eram vistos em publicações e programas usando suas roupas. Com isso o ateliê montado em casa não era mais suficiente e em agosto de 2007 a estilista inaugurava uma loja na Aldeota. O ano de 2008 não poderia ser diferente. Com a loja funcionando a plenos pulmões, Adriana desfilou no Dragão Fashion Brasil 2008, onde lançou nova coleção inspirada nos clássicos A Bela e a Fera e Edward Mãos de Tesoura. Já para o verão 2009 Adriana apostou em cores como o branco, o verde e o roxo. Hoje, além do desejo de abrir uma nova loja em outro estado, Adriana já ganha o mundo e as passarelas com suas roupas e acessórios. A loja, tão sonhada, virou realidade também no mundo virtual. Ela se considera uma pessoa feliz e realizada. Sempre com o apoio da família.

2 Conhecida na web desde 2005, Adriana Piorski utilizou Multiply e fotolog para divulgar seu trabalho. Em 2007, o ateliê em casa ficou pequeno e ela inaugurou uma loja na Aldeota

3 Os modelitos estilo “bonequinha” da Piorski ganharam diversas versões e fazem sucesso nas passarelas e nas ruas

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Foto Wellington Dantas

As noivas do (46)


Foto: Francisco Wellington

A Rua Roberto Magno, no Montese, oferece diversas opções para o item que mais gera ansiedade nas noivas: o vestido. Os preços também são atraentes: a partir de 400 reais é possível alugar a roupa para o grande dia Rebecca Leite

S

onhar com um casamento perfeito e idealizar o vestido de noiva dos sonhos faz parte da rotina de toda noiva que se preze. Principalmente quando tantos preparativos exigem pelo menos um ano de antecedência para sua realização. Mas para quem está pensando em casar, o primeiro passo é pensar no vestido, que pode ser branco ou não, dependendo do estilo de cada noiva, pois o mercado oferece muitas variedades. Tantas, que no bairro Montese, na Rua Roberto Magno, os noivos podem encontrar de tudo, desde profissionais para decoração até os mais belos vestidos da cidade. As lojas

ficam muito próximas umas das outras, o que facilita a “peregrinação” das noivas em busca do vestido sonhado. Os preços também são atrativos: é possível alugar vestidos a partir de 400 reais, boa opção para quem já está com o orçamento apertado. Se antes as mulheres procuravam suas costureiras de família para confeccionar seus vestidos, hoje o aluguel e o primeiro aluguel são fortíssimos. Isto, porque, com a evolução da mulher dentro da sociedade e as mudanças quanto ao seu comportamento e a praticidade no dia-a-dia, refletiram também nas escolhas para o casamento.

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Fotos: Wellington Dantas

Escolhas, que fazem da “ansiedade” uma palavra comum no dialeto das noivas. E pode apostar que ela começa a fazer parte do cotidiano bem cedo, justamente com o tão esperado pedido “Quer casar comigo?” e aumenta mais ainda quando começam os primeiros passos para a confecção do vestido. Um sentimento que já faz parte da vida da estudante de enfermagem Bruna Bezerra, que foi até o bairro Montese escolher seu vestido de noiva. “Já estou noiva há três anos, estou muito ansiosa com os preparativos, mas é um sentimento muito bom, parece um sonho mesmo”, afirma. Bruna conta que nada foi tão fácil quanto parece, ela engravidou com apenas um ano de namoro, o que a fez deixar de lado o sonho de casar na igreja. “No início era bem difícil pensar em gastar com mais alguma coisa que não fossem fraldas, mas hoje o João já está maior e as nossas

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Elas chegam aqui e já querem fechar negócio, são muito ansiosas, mas é preciso ter calma nessa hora, pois podem gostar de outros vestidos”, afirma Raquel Borges. condições financeiras melhoraram um pouco, tanto que estou aqui escolhendo meu vestido e eu quase nem acredito que daqui a cinco meses estarei casada”, declara. E olha que, para casar, além de disposição, também é preciso tempo pa-

ra escolher: buffet, salão, decoração da igreja, fotografia, filmagem, buquet, alianças e todos os outros serviços e itens que norteiam o grande dia na vida de uma mulher prestes a se casar. Raquel Borges, proprietária de uma loja de alugueis de vestidos para noivas que fica localizada no Montese, conta que por mais que todos os preparativos deixem a noiva nervosa, nenhum deixa mais quanto a escolha do vestido. Adequar o vestido à realidade da noiva é um detalhe importante, pois gastos excessivos poderão gerar aborrecimentos durante os preparativos para o casamento. “Elas chegam aqui e já querem fechar negócio, são muito ansiosas, mas é preciso ter calma nessa hora, pois podem gostar de outros vestidos, só que depois de pago o aluguel não há como devolver o dinheiro”, afirma. Raquel também comenta sobre os cuidados que as noivas devem ter para não ultrapassar seus orçamentos,


1 Buffet, salão, decoração da igreja, fotografia, filmagem, buquet, alianças são itens que ocupam boa parte dos pensamentos e do tempo de quem vai se casar.

2 Em 1981, Lady Diana Spencer usou o vestido mais copiado da história em seu casamento com o príncipe Charles. As mangas bufantes e o véu quilométrico inspiraram milhares de mulheres candidatas a viver um conto de fadas.

“Às vezes, é melhor priorizar algumas coisas que você acha mais importante para o casamento, pois já chegaram noivas que alugaram um vestido mais caro e acabaram falando para o noivo um preço mais barato, aí quando eles chegam aqui e olham a conta, fica constrangedor”, fala. “Mas o que vale mais a pena é ver a carinha delas quando saem daqui com o vestido que sonharam”, complementa. Mas, para noivas, é melhor sonhar com pés no chão, pois o casamento tem uma série de regras que devem ser seguidas, independente do tipo de casamento que se vá fazer. São tantos preparativos, tantas escolhas e emoções, que cada detalhe deve ser pensado e repensado milhares de vezes, De toda forma, mesmo quando o orçamento já está para lá de apertado, sempre dá para encontrar um jeitinho de deixar tudo com a sua cara.

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Foto: Raphael Lira

(lugares interessantes)

Um cantinho gostoso para conversar, fazer piquenique, namorar, brincar e ter um contato com a natureza viva. A área corresponde a quatro hectares e meio, fica localizada no bairro Passaré e tem como moradores mais de 185 animais, entre aves, mamíferos e répteis

Zoológico opção de lazer na natureza

Kariely Arruda

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Fotos: Francisco Wellington

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em contar as limitações de infraestrutura, o passeio pelo zoológico é uma alternativa a ser pensada, principalmente para a criançada que além de se divertir, aprende conhecendo algumas espécies de animais. Além dos bichos o local proporciona uma visão admirável da natureza. Com ventilação constante e áreas sombreadas, é possível perceber o balanço das folhas e das flores, transmitindo uma sensação de paz e harmonia com a natureza. A tranqüilidade do lugar é quebrada pelos risos das crianças que se divertem brincando no parquinho do zoológico e pelo som dos animais que ali vivem. Com o olhar atento aos bichos, Ana Karina, de pouco mais de dois anos, observa, curiosa, os animais. Para ela, um mundo ainda novo. O primeiro contado com parte viva do meio ambiente, revela no seu rosto uma expressão de felicidade e medo, dois opostos que passam a fazer parte dessa descoberta. Na jaula do macaco chimpanzé uma cena singular: os dois se olham por alguns segundos e se analisam com um ar de curiosidade. Pouco depois, Ana dá um sorriso e tenta o seu primeiro contato impossibilitado pelas telas de proteção. Para aqueles que estão acostumados a freqüentar o zôo, o abrigo para o bicho querido é bem indicado. Alisson Pereira, 9 anos, diz que adora ver os macacos e os jacarés, por isso começa a visita por eles. Isaac Natan, da mesma idade, afirma que os bichos de menor porte, como as aves, estão em primeiro lugar na sua lista de prediletos. O zoológico é mais freqüentado pelas famílias mais humildes que moram nas redondezas, pois não existem mui-

Um lugar tão bonito como este deveria ser mais bem protegido, tratar não só das plantas e do terreno, mas dos animais que estão precisando de mais conforto”. Adriana Silva, estudante.

tas opções de lazer para essas pessoas. Lusanira da Silva, telefonista, 39 anos, aponta os problemas do lugar, e revela que o local carece de mais cuidados. “A cada dia há menos animais aqui. Muitas jaulas estão vazias, a água dos animais é cheia de lodo e as grades poderiam ter mais proteção. Estão muito enferrujadas”. Ela critica a administração municipal, que “deveria olhar o local com mais atenção, já que o mesmo se propõe a preservar as espécies dos animais e cuidar deles com carinho”. “Um lugar tão bonito como este, deveria ser mais bem protegido, tratar de cuidar não só das plantas e do terreno, mas dos animais que estão precisando de mais conforto”, declara Adriana Silva, estudante, 23. O zôo, na opinião da

jovem, merece um pouco mais de atenção já que é uma opção de lazer para muitas famílias. Adriana também reflete sobre a importância de levar as crianças ao zoológico. Ela entende que o contato e a relação direta com os bichos resultam no amor pelos animais. Nessa relação, a criança também aprende a não maltratá-los. É possível que a estudante não tenha se dado conta da presença de guardas municipais do Pelotão Patrimonial no ambiente do zôo. Eles têm como tarefa orientar visitantes, crianças e adultos, aconselhando-os a manter a área preservada, não alimentar os animais e não lançar objetos nas áreas cercadas. Apesar das deficiências, há no zoológico uma sala especial, com animais empalhados, para ajudar na educação ambiental das crianças. Com o uso da Taxidermia- técnica que consiste em montar ou reproduzir animais, para estudos ou exibições, usando a fixação da pele e a estrutura óssea de animais mortos-, os animais são utilizados em aulas sobre meio ambiente. Entre os animais empalhados podemos encontrar a hiena, cuja réplica está em processo de finalização. Com a possibilidade de estar bem pertinho dos animais, a criançada se diverte e aprende um pouco mais sobre as espécies. Apesar da carência de animais e insuficiência nos espaços para os bichos, o zoológico ainda pode ser uma alternativa interessante para reunir a família e realizar um passeio. Um momento que pode ser único para seu filho e que poderá ser marcado por toda uma vida, afinal o amor pela família e pela natureza são os bens maiores da humanidade.

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Foto: Raphael Lira

1 Parque Zoológico Sargento Prata:: Rua Prudente Brasil, 100 aberto de terça-feira a domingo, das 8h às 17 horas. Tel. 3105.2001 ou 3105.2022.

curiosidadeS História do Zoológico

Sargento Prata Quem começou a criação de animais foi o sargento Prata, do Exercito. No início, o zoológico era instalado no Parque da Criança, no centro de Fortaleza. Em 1954, a Prefeitura de Fortaleza adquiriu da viúva do Sargento, sua coleção de animais silvestres, cuidada por muito tempo, pelo professor Onélio Porto, que, na época, assumiu a administração do mini-zôo. Com o passar dos anos, o local ficou sem condições de abrigar o zoológico. Em 1979, foi transferido para o Horto Florestal, adquirindo sua própria área e estrutura administrativa em 1983. Com a reforma da administração do município naquele ano, o zoológico ficou vinculado à Empresa Municipal de Limpeza e Urbanização (Emlurb).

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A triste história do

carcará O carcará vivia na natureza e foi capturado para ser bicho de estimação. Para que não voasse, amputaram-lhe a ponta das asas e o acorrentaram pelo pé. A ave não se adaptou à corrente e, num ato de desespero, bicou o próprio pé até dilacerá-lo. Não crie animais silvestres. Bicho feliz é bicho solto.

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(letras, acordes e películas)

:: Dica de programa na telinha

Riquezas do Ceará

Viva Fortaleza

Você confere um Ceará como nunca viu na TV Cidade (canal 8); sábado, às 11h20min. Apresentação: Patrícia Calderón. (Kariely Arruda)

A ideia da revista eletrônica é vivenciar a cidade e lançar novos olhares sobre a vida cultural, política e social de Fortaleza. Na TV O Povo (48 UHF, 23 Net e 11 TV Show), de terça a sábado, às 22h40. Apresentação: Isabel Andrade.

Falcão - Meninos do Tráfico:: Celso Athayde e MV Bill

Fama e Anonimato :: Gay Talese

Fora do Ar :: Heródoto Barbeiro

O livro traz uma verdade vista com outros olhos. O trabalho de Celso Athayde e MV Bill contêm características e lições fundamentais do bom jornalismo. A pergunta que todos se fazem ao ler Falcão: “Como ele chegou nesse cara? Como ele conseguiu essa entrevista? Como ele conseguiu entrar lá?” O segredo é ousar, não ter medo, ir atrás. O livroreportagem Meninos do Tráfico vale a pena ser discutido no mundo acadêmico do jornalismo por um simples fator: não apresenta soluções, não induz opiniões e muito menos traz explicações burocráticas sobre aquilo que é abordado. Apenas relata. Nada mais que a verdade. Objetiva, 252 páginas. (Marcos Montenegro)

Fama e anonimato está repleto de informações aparentemente inúteis, mas que, nas mãos de um escritor de primeira categoria, imprimem a textura real da cidade e o rosto de seus habitantes. Nas três séries de reportagens reunidas neste livro - a primeira, sobre o estranho universo urbano que é Nova York; a segunda, sobre a saga da construção da ponte Verrazzano-Narrows, e a terceira, sobre artistas e esportistas americanos -, Talese abriu a picada do que mais tarde seria batizado de “novo jornalismo” ou jornalismo literário, um tipo de reportagem que alia um texto de alta qualidade a um olhar que foge aos lugares-comuns.Companhia das Letras, 536 páginas. (MM)

As histórias dos bastidores da Rádio CBN e da TV Cultura contadas pelo âncora competente e bem-humorado, Heródoto Barbeiro. Jogando com a realidade e a ficção, o jornalista e historiador brinca com os “causos” sem esquecer de deixar críticas nas entrelinhas. É daqueles livros que você aprende se divertindo. Heródoto ressalta sobretudo a capacidade de informar com seriedade sem precisar sem cinzento e triste, como diz Boris Casoy na sinopse do livro. Ediouro, 236 páginas. (MM)

Para ler

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Fotos Divulgação

Para assistir

O Curioso Caso de

Benjamin Button Um homem, como qualquer um de nós, que não pode parar o tempo. Assim começa O Curioso Caso de Benjamin Button, adaptação do romance de 1920 de F. Scott Fitzgerald sobre um homem que nasce com oitenta e poucos anos e rejuvenesce a cada dia que passa. Um homem, como qualquer um de nós, que não pode parar o tempo. A partir da Nova Orleans do final da I Guerra Mundial, em 1918, adentrando o século XXI, o filme percorre uma jornada tão incomum quanto pode ser a da vida de qualquer pessoa, através da grandiosa história de um homem nem tão comum assim, das pessoas e dos lugares que ele descobre ao longo do caminho, dos amores que encontra, dos que perde, das alegrias da vida e das tristezas da morte e do que permanece além do tempo.

(Marcos Montenegro)

O Preço de Uma Verdade (Shattered Glass) EUA, 2003. Direção: Billy Ray. O filme conta a história do jornalista Stephen Glass, que trabalha por três anos na The New Republic. Tomado de ambição, Glass consegue tornarse respeitado e admirado dentro da equipe jornalística. Até que um dos jornalistas da Fobers, Adam Penenberg (Steve Zahn), torna suspeita a autenticidade de um dos artigos de

Glass, denominado “O Paraíso dos Hackers”. A partir daí, depois de muita investigação, é provado que este artigo foi forjado, assim como outros 21, dos 41 publicados na revista norteamericana. Embora seja um filme sem perseguições, tiros e mortes, O Preço de Uma Verdade merece ser visto pelos principais interessados em não se arrepender de assistir a um filme bom e engajado. (Marcos Montenegro)

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