EDIÇÃO COMPLETA - JORNAL DOS LAGOS - SÁBADO 10 DE MAIO 2014

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Alfenas, sábado, 10 de maio de 2014

17 PÉROLAS DO CLOVIS CLOVIS PEREIRA, Alfenense e professor em São Paulo-SP

DR. HÉLIO MOREIRA (*) O autor é alfenense, nasceu em Gaspar Lopes e reside em Goiânia; é membro da Academia Goiana de Letras; da Academia Goiana de Medicina; Instituto Histórico e Geográfico de Goiás

BAÚ LITERÁRIO - DEIXE-ME CONTAR ENQUANTO ME LEMBRO!

Que seria da mulher se não existisse o homem! O Dia Internacional da Mulher foi comemorado no mês de março. Muitas crônicas alusivas à data, alguns elogios engrandecendo a representante do ex-sexo frágil. Em tempos passados, a mulher era quem criava seus pimpolhos e os educava dentro dos princípios cristãos e cognominada ‘a rainha do lar’. Hoje observo com ressalvas. Após a música do ‘Rei do Baião’, Luiz Gonzaga, que versava: “Muié macho, sim sinhô...”, as mulheres passaram a exercer profissões, antes pertencentes aos homens como aviadora, motorista de caminhão e ônibus, operadora de metrô, trem, delegada de polícia, juíza, policiais, promotora, jogadoras de futebol e outras que pululam por aí, competindo com os homens inclusive e, de vez em sempre, algumas tentam substituir o homem em certas ocasiões e o pior, substituem e estamos conversados. O homem foi concebido primeiro que a mulher, segundo as Escrituras, e deveria manter supremacia. Porém..., a mulher, nascida de uma costela do homem deu reviravolta. Exerce profissão idêntica ao homem, quase substitui o homem em certas ocasiões, tem seu dia no calendário enquanto que o homem vai perdendo terreno. Em tempos que longe vão, a mulher permanecia nas lidas domésticas enquanto o homem trabalhava, garantindo o sustento da casa. Hoje sai um pra cada lado, as crianças crescem em creches e ‘escolinhas’, a parte religiosa - seja qual for o credo - é na base do ‘salve-se quem puder’. Há exceções, embora poucas. É notório que o homem precisa da mulher, quando a dita cuja funciona a contento; porém, observo que algumas que são ‘pedra na chuteira do homem’. Se o homem precisa da mulher, a mulher também precisa do homem para pregar prego na parede a fim de pendurar algo, de acompanhar a dedicada sogrinha às consultas da desgastada carcaça, enfrentando fila alta madrugada, enterrar o gato acidentado por um motorista maluco, fornecendo numerário para despesas extras em que a mulher se mete, como troca da coloração do cabelo tal qual a ‘mocinha da novela das oito’, podóloga e, se a sorte favorecer, até operação plástica a fim de melhorar o visual está no programa. Portanto, se o homem depende da mulher, a mulher depende e muito do homem. Mas o tempo é senhor de todas as coisas. Algumas mulheres conseguem vencer a velhice através de cremes miraculosos, operações plásticas em diversas áreas do futuro cadáver, tinturas várias no castigado couro cabeludo e se o dito cujo estiver com poucos fios disponíveis, uma graciosa peruca entra em ação. O homem embora dispondo dessas regalias, mantém na sua encarando as rugas e a graciosa ‘careca’ como fator natural. Às vezes apela para o antiquado chapéu e deixa as águas rolarem. Devido as circunstâncias o homem ‘entrega a rapadura’ em muitos dos casos, antes da mulher. Observem que o índice de viúvas é maior que viúvos. O trabalho, as amolações ditadas pela vida conjugal corroem a paciência do homem e com essas e outras o homem se despede do planeta Terra antes do combinado e o número de viúvas acontece. Resumindo: A mulher depende do homem em muitos sentidos. O homem idem, porém ‘dá com os burros na água’ antes, tentando o descanso eterno sem as ‘tranqueiras’ ditadas pela mulher que reclama sobre goteira, falta d’água, piso da cozinha desbotado, aparelho de tevê ultrapassado em relação ao da vizinha, fogão de quatro bocas em que apenas duas funcionam, barulho à noite no bar vizinho, horário político eleitoral etc. “O que seria da mulher se não existisse o homem?” Em quem descarregaria a ira? No caso de mudança de domicilio, quem carregaria a geladeira, o fogão e o guarda-roupa? Atualmente temos companhias de mudança que se encarregam de tal, porém em tempos passados..., o homem da casa era quem amargava com estas e outras obrigações. Concluo que o homem depende da mulher, a mulher idem, e um grande time depende de um bom goleiro, amém!

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A ficção imita a vida Lembro-me com o se fosse hoje nossa (Marília e eu) chegada em Londres em maio de 1972, éramos tão jovens! Era nossa primeira viagem ao exterior, trazíamos no peito as incertezas da futura empreitada (seis meses de pós-graduação em medicina), das dificuldades econômicas que nos aguardavam (vendemos tudo o que tínhamos de bens - um automóvel); viemos confiados em nossa juventude, na nossa união e sobretudo, no idealismo. Esperança para tentarmos sobreviver com o ordenado que continuei a receber da Faculdade de Medicina; esperança de que os nossos três filhos que deixamos para trás, a mais nova - Ana Paula - com cinco meses de idade, possam, um dia compreender aquele “abandono” que lhes impusemos. Alguns anos depois destes acontecimentos, ao escrever a biografia de Couto de Magalhães (Couto de Magalhães - O Último desbravador do Império, Ed.Kelps, 2005), descrevi, de forma romanceada, a sua chegada em Londres em 1876 e levei-o a conhecer a nossa antiga (hoje não mais existente) Casa do Brasil na Lancaster Gate 49, onde moramos naquela oportunidade, o ambiente que descrevo naquele livro é o mesmo que encontrei ao chegar, pela primeira vez, na Casa do Brasil. Tentei fazer uma interface entre estes dois acontecimentos, leiam comigo: Em uma tarde de final de verão, início do outono europeu, segundo semestre do ano de 1876, o General José Vieira Couto de Magalhães desceu de um “fiacre” puxado por uma parelha de cavalos brancos, aliás, um detalhe não passou despercebido à sua arguta observação: os animais eram extremamente robustos e vistosos, suas crinas eram aparadas de maneira a chamar atenção para o capricho do corte. O local parecia que já lhe era conhecido, tantas foram as vezes que ele estudara o mapa de Londres, principalmente o daquelas imediações, perto do Hyde Park; pagou o preço que havia sido adrede ajustado, 20 pennies, agradeceu a gentileza do cocheiro e sem aguardar uma sua possível movimentação, no sentido de ajudá-lo a descarregar a bagagem, desceu, quase que de um pulo, trazendo, nesta movimentação, presa pela sua mão direita, uma valise; colocou-a no chão e em seguida puxou a outra que estava colocada sobre o banco. Novamente aqui Couto observou, para depois anotar no seu diário, que o homem que dirigia o fiacre vestia-se com uma espécie de capa toda emborrachada e de dimensões muito avantajadas, cobrindo-o completamente, inclusive seus pés, dando a impressão, para quem não estivesse atento ao cenário, que naquela carruagem poderia estar sendo transportada uma barraca armada, destas usadas em acampamentos de escoteiros. Voltou a consultar, em um pedaço de papel que conservara no bolso do paletó, o endereço que passaria, dali em diante, a procurar naquelas imediações. Observou, também, que a calçada onde estavam suas malas era um pouco defeituosa, com sinais evidentes de sujeira acumulada, detalhe que lhe causou certa decepção. Instintivamente tratou de ler o nome da placa sinalizadora da rua: Bayswater, soletrou com certa dificuldade, tentando repetir em voz alta e com a pronúncia adequada, “Beisuóter”, como aprendera com o professor que lhe ministrou seis meses de aulas de inglês, antes de empreender a viagem. De acordo com as informações que recebera, ainda em São Paulo, a rua que deveria procurar estava localizada naquelas imediações; bastava, tão somente, seguir a Bayswater no sentido contrário de onde viera e ir contornando-a, seguindo o seu formato que

imitava uma ferradura, até passar de frente a uma pequena igreja. Lateralmente à mesma se encontrava a Lancaster Gate; o número estaria bem visível no frontispício do pequeno edifício. Couto observou que todos os edifícios daquela rua e de todas as outras ruas da vizinhança eram praticamente iguais. O número 49 estava escrito com caracteres em branco, portanto bem visíveis, uma vez que a placa era toda azul esmaltada. Uma chuva miúda começou a esfriar a temperatura; a entrada do edifício não tinha proteção para quem estivesse do lado de fora; Couto não titubeou, acionou o sino, estrategicamente localizado a meia altura do portal esquerdo; no início com certa timidez, como começou a haver demora em atendê-lo e a chuva aumentou de intensidade, insistiu, agora com manobras repetitivas, badalando o sino, até com certa estridência e sofreguidão. Num gesto intuitivo, tirou do bolso do colete o relógio que estava preso por uma corrente de ouro e se assustou ao verificar que já eram mais de 8 horas da noite; o dia, absolutamente claro, o fez esquecer da informação que recebera do professor de inglês: os dias em Londres, no verão, são muito mais longos do que os nossos. Ao perceber que talvez tivesse sido inconveniente ao badalar o sino com tanta insistência, em horário fora do expediente normal daquele, para ele, escritório comercial, teve ânsia de dar meia volta e aguardar para o dia seguinte aquela visita, porém, não teve tempo; a porta se abriu e um homem, já idoso, todo circunspecto, trajando um elegante e bem talhado fraque com a respectiva cartola, com gravata borboleta bem colocada, luvas brancas, olhando-o por cima de um pince-nez, disse-lhe à queima roupa: - What can I do for you ? (No que posaso ajudá-lo?) Couto, em um ato quase mecânico e ainda estupefato pelo inusitado da cena, apressou-se em entregar ao pressuroso porteiro um envelope que já trazia nas mãos. O velho mordomo, praticamente não olhou no rosto de Couto; com manobra intuitiva, leu o endereçamento do envelope e, se observou que o possível remetente exibia a logomarca do Império do Brasil, no canto esquerdo do envelope, não deu sinais de que notara, provavelmente devido ao costume de, rotineiramente, receber documentos semelhantes àquele. Sem mostrar nenhum sinal de emoção, abriu um pouco mais a porta, fez o sinal característico, usando a mão esquerda, no sentido de franquear a entrada ao visitante. Couto ainda aguardou um lapso de tempo, na expectativa de que o mordomo insinuasse que iria carregar sua bagagem para dentro do edifício. Por favor, queira aguardar aqui, enquanto vou falar com o secretário de Mr. Waring, disse-lhe o homem, em um inglês perfeitamente inteligível, o que, pelo menos isto, agradou ao Couto, porque ele conseguiu entender perfeitamente. Foram minutos de enervante expectativa, Couto aproveitou para folhear alguns

Londres (século 19) - Big Ben papéis que estavam dispostos sobre uma pequena mesa de centro, colocada bem próxima da poltrona onde ele se alojara. A sala onde ele estava era ornada por um mobiliário que, absolutamente, não pecava pela extravagância; duas ou três poltronas de couro preto, dois elegantes e vistosos pares de cadeiras de espaldares altos com assento em palha, um grande relógio carrilhão, duas ou três gravuras expostas nas paredes, que, aliás, eram recobertas por um papel com cores discretas, ao invés da tradicional pintura. Um cabideiro, um porta chapéus e um porta guarda-chuvas se localizavam nas imediações da porta de entrada; completando o conjunto, podia-se ver um banco de madeira de cor escura, definindo, em quase todas as residências londrinas, como sendo o local para se colocar o sobretudo; o assoalho era todo atapetado, dando ao ambiente um requinte que poderia ser superponível ao da nobreza. Ainda perdido nas suas elucubrações, Couto nem percebeu a presença do aludido secretário, majestaticamente postado na sua frente. - Sr. General, nós estávamos esperando sua chegada somente para amanhã, recebemos esta informação por meio de um cabograma que nos foi enviado pelo senhor Visconde de Mauá. - Realmente, antecipei minha chegada, peço desculpas pelo possível contratempo. - Reservei para o senhor um apartamento em um local que, tenho certeza, não irá desapontá-lo; está localizado em uma área considerada como da mais alta categoria social e principalmente financeira de Londres. Porém, acredito que o bom senso nos indica a necessidade do senhor dormir aqui hoje e amanhã cedo mandarei levá-lo ao seu destino. Praticamente sem nenhum diálogo adicional, Couto foi instado pelo mordomo a acompanhá-lo por um corredor estreito e mal iluminado, porém, todo atapetado em cores vermelho-escuras. - Sir, this is your room!…(Senhor, este é o seu quarto) Não teve nem tempo de agradecer, mal colocou as valises no chão percebeu que o garboso senhor mordomo já estava longe da sua possível distância auditiva.


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