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OPINIÃO

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GERAIS/OPINIÃO

GERAIS/OPINIÃO

esPAÇo JorNALIstA mArtINs de VAsCoNCeLos

Organização: CLAuder ArCANJo

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COVID XIII

rAImuNdo ANtoNIo de souZA LoPes

é escritor e jornalista rsouzalopes@hotmail.com

Ah, alguém pode, ao ler essa novela toda, perguntar o porquê de eu não ligar, por exemplo, o arcondicionado ou até mesmo o ventilador. Explico: o ar eu não aguentaria o frio, pois o meu corpo estava sempre envolto numa espécie de febre interna. O ventilador eu até tentei, porém o vento batia na minha pele e dava a impressão de que estava me cortando todo. Esquisito! Então o que me restava era me aliar aos suores e esperar que a minha decisão fosse a melhor. Não a mais acertada. Acredito que durante a tarde e começo de noite eu cheguei até a sonhar enquanto estava deitado.

Como nada mudou, e eu permanecia “estável” na doença, sentindo os mesmos sintomas dos últimos dois dias, livrando-me apenas dos sangramentos, relato somente que consegui, mais uma vez, “empurrar” o caldo da caridade para dentro. Lá fora, o Bar do Gordo deu o ar de sua graça, timidamente, a bem da verdade. Timidamente, porque não houve os estardalhaços usuais de quando abrem as portas e começam a montar as mesas e as cadeiras para os fregueses rotineiros. É normal, talvez até uma espécie de “vinheta” que, ao abrir o bar, o dono coloque, no som do estabelecimento, música em altos decibéis, chegando a incomodar os vizinhos. Dessa vez não. O palco foi montado sem que o ator principal, o som, se apresentasse. Estranhei… Como somos adaptados às intempéries que nos cercam! E como somos aos poucos condicionados a aceitar, com a insistência e o passar do tempo, alguma coisa que não faz parte do nosso dia a dia, do que gostamos, ou do que, coletivamente, é algo comum a todos. Paciência e condicionamentos são maneiras bastante antigas de manipular para introduzir o diferente sem que cause estranheza; no máximo, um desconforto inicial.

Aproveitei o restinho de forças que havia dentro de mim para repassar o Boa Noite meu Jesus diretamente do celular, e, aí sim, num esforço extraordinário, abrir o computador e atualizar o site da Sarau das Letras. E era muito importante que eu fizesse isso. O texto que sairia na quinta-feira, dia 11, era do escritor Thiago Gonzaga, cujo título era David de Medeiros Leite na Seara das Letras1. Explico a importância: o escritor David de Medeiros Leite estava concorrendo a uma vaga na Academia Norte-rio-grandense de Letras, tendo como “adversário” postulante o ex-governador Geraldo Melo. “Briga” de cachorro grande, quer dizer, de intelectuais de primeira grandeza. Por isso, e como o Jornal DeFato circulava por quase todo o Rio Grande do Norte, seria lido pelos acadêmicos que iriam votar, e como o autor do texto havia caprichado, escrevendo um primoroso artigo sobre o notável pleiteante à imortalidade potiguar, servia também, com toda certeza, como um “cabo eleitoral” muito forte.

Sem mais nada para fazer e confiando que o dia seguinte seria melhor, deixei-me envolver pelas cortinas do improvável e confiar que o véu das ilusões pensadas me proporcionasse um futuro melhor. Adormeci entre sobressaltos, pesadelos e temores.

14º Dia

Quinta, dia 11, acordei com os sintomas da fraqueza ainda imperando de uma forma muito forte. Mas, para o meu alívio, assim que me desloquei para o banheiro não se repetiram os sangramentos. Embora a tremedeira continuasse, a falta de “sustância” me deixasse zonzo, o simples (ou o grande e importante) fato de não sangrar me deu um novo patamar de esperança. No mínimo, significava que eu havia progredido na minha luta contra a doença, que a vontade de superação, a teimosia em lutar, em querer vencer mais uma batalha, prevaleceu no final. Sinceramente? Vibrei embaixo do chuveiro. Estava alegre, remoçado, criando alma nova. Como é bom sentir-se vivo e com perspectiva de vencer o que vinha pela frente! Até consegui me enxugar dessa vez. Quando liguei para dona Dora, a minha voz demonstrou a satisfação em pedir que ela providenciasse o desjejum. Pedi suco, ovos cozidos, um misto quente, quatro bolachas cream cracker, café… Sim, o café. Resolvi que o café voltaria a fazer parte do meu repasto matinal. O ser humano precisa, em todos os sentidos, de alguma coisa para se apegar. Não importa se é físico ou espiritual. Se ele tiver um objetivo, e ele de certa forma se materialize, desponte como uma premissa de realidade, ele se renova, isso é vero! Foi o que aconteceu comigo. Uma melhora no meu quadro de saúde diante da doença que me acometia me fez outra pessoa. Convicto de que a luta estava se encami-

Ilustrativa

nhando para uma gradativa vitória, peguei o celular e liguei para a chefe do Posto de Saúde, minha amiga, e contei o que tinha passado (e o que estava passando), pedindo conselhos. Ela foi direta. Disse que já previa essa fraqueza (pelo histórico das centenas de pacientes que, internados na unidade, apresentaram o mesmo quadro) e que eu conseguira superar. Agora o que eu precisava era de um complexo vitamínico para equilibrar as forças. Disse que ia falar com o médico de plantão, relatar o meu caso e pedir para ele receitar um medicamento. Não demorou muito e ela retornou a ligação. A receita veio através do aplicativo. Agradeci e repassei para Pedro, meu filho, ir comprar. De fato, eu era outra pessoa. Motivado.

Mas logo eu haveria de perceber que essa doença deixa sequelas com as quais teria que conviver. Assim, quando o desjejum chegou, eu “passei” para dentro, para, em seguida, “botá-lo” para fora. E, claro, a tremedeira aumentou. A vertigem também. Dei um tempo e pedi um copo de suco sem estar gelado. Consegui “deixar” lá dentro. Quando o complexo vitamínico chegou, tomei-o imediatamente. Deitei-me. Uma coisa era certa: a força de vontade voltou para a estaca zero. O resto do dia fiquei apático de novo. Almoço, jantar e o barulho da rua não me incomodavam muito. Estava indiferente. Em mim a mudança estava acontecendo. Se podia ser bom, não sabia. O que sabia, no momento, era que precisava sobreviver, levar uma vida normal, retomar o meu dia a dia. E faltava mais um dia para sair do isolamento2 …

De repente o mundo mudou e o que parecia ser essencial deixou de figurar como tal. O homem se deu conta de sua total impotência diante das coisas da natureza. Aquilo que ele pensou em fazer, sem carecer avisar de seus atos, agora determina os seus passos. Ele passou a viver sozinho, isolado entre quatro paredes, deixando de fazer o que gosta. Isso lhe trouxe várias sequelas, problemas, paranoia, complexo, mas trouxe também a reflexão. Viver isolado não é uma boa opção, pois o homem é um ser social que precisa de abraços, carinhos, coleguismo, amor e paixão. Uma coisa é mais do que certa e com essa pandemia ficou clara: só existe uma raça, a humana. Que nos sirva de exemplo e lição, de castigo, estudo e meditação sobre o mal que o vírus está causando. E assim que tudo isso acabar, que a pandemia finalmente passar, possamos, se Deus quiser, voltar a nos confraternizar.

1 À guisa de esclarecimento, foi o último texto adicionado ao site da Sarau. Depois dessa atualização, e diante das sequelas com as quais a covid me presenteou, o site passou quase um mês inteiro sem ser atualizado. Da mesma forma, houve uma interrupção nos grupos Manhã de Luz e Boa Noite meu Jesus. Devido ao tempo em que não pude repassar os dois ensinamentos diários, o grupo foi extinto, e cada um dos participantes passou, a partir dessa interrupção, a se encarregar da evangelização junto aos seus contatos.

2 Até hoje não se sabe o que aconteceu com a festa no Bar do Gordo. Os filhos de “Candinha” dizem que o prejuízo foi para lá de R$ 10.000. Depois de um mês de inatividade, sem acessar as redes sociais, voltei a atualizar o site da Sarau, mas ainda não escrevi nada na página dois do Jornal DeFato. Falta motivação, infelizmente. As sequelas, depois de três meses, permanecem. Uma delas, o esquecimento temporário de nomes, lugares, passagens. E ainda não recuperei o peso anterior à covid. Um detalhe: recentemente, há cerca de uns quinze dias (final de janeiro/22), encontrei-me com a chefe do posto e ela me confessou que, pelo quadro que eu apresentava, ela tinha dúvidas se eu conseguiria superar a covid sem precisar ser intubado. É claro que me lembrei dos olhares entre ela e a assistente social… Conversando com um amigo médico, eu lhe disse sobre os sintomas da extrema fraqueza. Ele falou que eu dei sorte, pois se esses sintomas tivessem acontecido entre o 5º e 8º dias, eu provavelmente teria visitado o hotel cinco estrelas chamado UTI. No resto, vivendo um dia após o outro…

DI reçÃO geral: César Santos DIretOr De reDaçÃO: César Santos gereN te aDMINIS tra tIVa: Ângela Karina DeP. De aSSINatUraS: Alvanir Carlos Um produto da Santos Editora de Jornais Ltda.. Fundado em 28 de agosto de 2000, por César Santos e Carlos Santos.

FILIADO À

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