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OPINIÃO

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GERAIS/OPINIÃO

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NÃO é Só NO 8 de MarçO qUe PrecISaMOS falar daSMUlhereS

aéCio CâNdido

professor da UERN, aposentado. autor da obra Tempos do verbo aeciocandidocuite@gmail.com

Mário Bunge, o importante filósofo e físico argentino-canadense, chamava atenção, há 30 anos, para alguns traços de irracionalismo no movimento feminista. Bem recentemente, no Brasil, alguns intelectuais mais corajosos e independentes têm exercido seu papel ao analisar certas tendências dos movimentos identitários e enxergado nelas traços de fascismo. A conclusão parece forte, mas não é falsa. Ser de esquerda não significa abraçar os movimentos sociais e, em nome da legitimidade destes, perder o senso crítico. Pelo contrário, significa manter intacta a capacidade de análise. É a forma mais legítima e honesta de intelectuais contribuírem não apenas com os movimentos sociais, mas com a emancipação humana, mais ampla e necessária

O movimento feminista ainda está nos seus albores, fez muitas e importantes conquistas, mas há muito ainda a ser conquistado. Na minha adolescência, eu testemunhei mocinhas serem proibidas de entrar no clube social de minha cidade porque não eram mais virgens (e virgindade era na época assunto público e não da intimidade do casal), fui professor em colégio exclusivo para mulheres, fui aluno em classes apenas de homens, cursei uma graduação (agronomia) onde a presença de mulheres não chegava a 10%. Muito dessas características mudaram, mas há muito ainda para mudar.

Poucas sociedades na história reservaram à mulher o mesmo lugar concedido aos homens. O trabalho extradoméstico, a presença em eventos públicos, o trânsito na política, o acesso à educação, o direito à herança, em todos esses assuntos a mulher teve uma participação bem menor, senão ausente.

Mesmo na Atenas democrática da Antiguidade Clássica era vedado à mulher a participação na representação teatral, um dos pilares da vida cultural grega, e nas assembleias públicas, um dos pilares da vida política. Somente no século XIX, na Europa e nos Estados Unidos, alguns questionamentos sobre a condição da mulher foram expressos, mas inicialmente sem muito impacto e consequências. O progresso das ciências humanas, clareando as relações sociais, no que têm de históricas, de convencionais, de simbólicas e, logicamente, de humanas, preparou o terreno para a crítica das mulheres ao papel social que lhes reservam e para o desenvolvimento da luta por direitos. A partir daí, a luta feminista passou a ser para que se reconheça às mulheres todos os direitos humanos: direito à educação, direito à participação política, direito à igualdade de oportunidades, direito à autodeterminação.

Para uma jovem de hoje, é difícil imaginar que durante muito tempo as mulheres não puderam frequentar a escola, não puderam casar “por amor” e só puderam trabalhar fora de casa com o consentimento do marido. Ainda agora, porém, em muitos países regidos por leis inspiradas em livros santos, as mulheres são impedidas de estudar, de trabalhar fora de casa e de escolher o marido. Somente em 2018 a Arábia Saudita permitiu que as mulheres tirassem carteira de motorista. No Afeganistão, sob o governo do Talibã, as mulheres voltaram a ser impedidas de frequentar a escola e mesmo de andar na rua com o rosto descoberto e sem a guarda de um homem da família.

Algumas vozes, masculinas e femininas, levantaramse no século XIX em defesa da ideia de que a mulher, como ser humano, era dotada de inteligência e, portanto, capaz de aprender tudo que lhe fosse ensinado. Duas conclusões derivam dessa ideia matriz: a) as mulheres são capazes de executar trabalhos diferentes dos trabalhos domésticos; b) pois não se distinguem dos homens, possuindo as mesmas faculdades cognitivas. Dentre as vozes femininas que defenderam essas ideias revolucionárias, a de uma potiguar: Nísia Floresta.

Em 1838, Nísia Floresta cria no Rio de Janeiro um colégio para moças que funcionou durante 17 anos. Ali se ensinava línguas (inglês, francês, italiano), geografia, história e educação física, mas não ciências. Ainda assim, a cidade reage à ousadia. O jornal O Mercantil, em 1847, critica o conteúdo curricular e, numa alusão ao estudo de tantas línguas, dispara: “Os maridos precisam de mulher que trabalhe mais e fale menos”.

Já em Paris, vivendo muito próxima do influente filósofo Auguste Comte, um dos precursores da sociologia, Nísia lança em 1853, no Rio de Janeiro, o livro Opúsculo Humanitário, uma coletânea de artigos jornalísticos em defesa da igualdade e dos direitos da mulher. Nele, ela também defende o livre acesso das mulheres ao mercado de trabalho e critica a escravidão. Nísia experimentara na vida pessoal os limites interpostos à vontade da mulher: seu primeiro marido não foi escolha sua, foi-lhe imposto, aos 14 anos, pela família, como era costume à época.

No Brasil do século XIX a educação era um “luxo” acessível a poucos. Nas últimas décadas do século, o analfabetismo atingia 80% da população.

A entrada da mulher no espaço público, de modo mais efetivo, dá-se no século XX. O direito ao voto foi um primeiro passaporte. A luta por ele começa na Nova Zelândia, onde se aprova o voto feminino em 1893. Na Inglaterra essa luta durou décadas, teve lances de radicalização e violência, com depredação de bens públicos, ocupação das ruas, muitas e frequentes prisões e até atentados a bomba. A conquista do direito ao voto dá-se em 1918.

As mulheres brasileiras só puderam votar a partir de 1932. O Rio Grande do Norte, porém, antecipou-se a essa data e teve uma participação destacada na luta sufragista. A professora Celina Guimarães, em Mossoró, foi a primeira mulher a requerer o título de eleitora, em 1927, e a votar, em 1928. Nas mesmas eleições, Alzira Soriano foi candidata e elegeu-se prefeita de Lajes. Foi a primeira mulher na América do Sul a ocupar um cargo eletivo. Tudo isso, porém, foi anulado por uma decisão do Senado Federal. A lei que garantia o voto feminino era uma lei estadual, de iniciativa do governador Juvenal Lamartine.

Somente em 1932, com o Código Eleitoral, o voto feminino tornou-se um direito pleno no Brasil. Na verdade, não tão pleno assim. Havia algumas restrições: só podia votar a mulher casada autorizada pelo marido; as viúvas e as solteiras também podiam, mas apenas aquelas com renda própria. Sutilezas legais muito pouco sutis.

Há algumas décadas, vi num corredor de uma universidade canadense, como um grafite, uma oração bem humorada. Dizia assim: “Virgem Santa, vós que tivestes sem fazer, ensina-me a fazer sem ter”. A pílula anticoncepcional concedeu essa graça à mulher e deu novos direcionados à luta feminista. É a ciência ajudando a política.

dI reçÃO geral: César santos dIretOr de redaçÃO: César santos gereN te ad MINIS tra tIVa: Ângela Karina deP. de aSSINatUraS: alvanir Carlos Um produto da Santos Editora de Jornais Ltda.. Fundado em 28 de agosto de 2000, por César Santos e Carlos Santos.

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