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OPINIÃO

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GERAIS/OPINIÃO

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A corAgem de amar de novo

JoSÉ de Paiva reBoUÇaS

é escritor e jornalista josedepaivareboucas@gmail.com

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

Paulo Freire foi casado com Elza, sua primeira esposa, por 42 anos. Desde os tempos difíceis que passaram juntos assim que se casaram, no dia 10 de novembro de 1944, e fizeram de caixotes de querosene como assentos, sua prisão e o exílio, até o reconhecimento de Paulo como educador internacional, nunca perderam a harmonia de um casal que vivia com muita cumplicidade, confirmando o que Nima Spigolon chamou de “Pedagogia da convivência”.

Ele gostava de tê-la ao seu lado para onde ia e ela o acompanhava por esse motivo, pelo gosto dele. Mas era sua capacidade de observar, como observadora atenta, com sua sutileza, o que acontecia ao redor de Paulo que, como observou Calazans Fernandes em visita a ele em 1963, que a tornava imprescindível. Segundo Nita Freire, ela observava atentamente as ações de Paulo e alertava-o para o que considerava ser alguma falha ou algo inovador dele, aconselhando-o ou elogiando-o.

“Quando Paulo começou a trabalhar no SESI-PE e preparava suas palestras para os trabalhadores, preocupado com o que lera em Piaget, Elza o chamava para ‘pôr os pés no chão’, isto é, para ele ficar mais atento ao que acontecia no dia a dia dos/as trabalhadores/as do nordeste brasileiro”, reforça Nita.

Depois de 16 anos vivendo no exílio, finalmente, Paulo, Elza e os filhos retornam ao Brasil em 1980, instalando-se em São Paulo. Pouco tempo depois, ela começa a apresentar preocupações de saúde, relacionadas a problemas cardíacos. Foi obrigada a colocar um marca-passo. Foram anos de atenção. Momentos tensos que fizeram Paulo cancelar compromissos importantes, como o encontro com o ministro de Cabo-Verde, José Araújo, em 1982.

No dia 24 de novembro de 1986, Elza passou mal, sendo socorrida por seu filho Lutgardes. Paulo ainda chamou o serviço cardiológico de urgência, mas ela não resistiu. Faleceu antes dos socorristas chegarem. Findava ali uma união de mais de quatro décadas e começava um hiato na vida de Paulo que durou meses, até dezembro de 1987, quando se dá uma chance e se permite amar de novo.

Nita Freire

Paulo conhecia Ana Maria Araújo Freire, carinhosamente chamada de Nita, desde sua juventude e infância, uma vez que era 13 anos mais jovem que ele. Ela, filha de Aluízio Araújo e Genove, donos do Oswaldo Cruz, não só o viu crescer no Jaboatão, de jovem bolsista na escola do pai, a professor, advogado e autoridade da educação. Ela também o tinha como referência nos estudos, tanto que dedicou sua vida acadêmica a estudar seu método e sua obra. Durante sua vida, nunca perdeu o contato com o professor. Mesmo no período do exílio de Paulo, chegou a visitá-los, Elza e ele, em Genebra, na Suíça, na década de 1970, quando seu marido Raul Carlos Willy Hasche era vivo. Com ele, viveu por quase 30 anos (1956 - 1985) e teve quatro filhos e três netos.

Em 1986, já professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, quando decidiu retomar sua tese de doutorado que discutia analfabetismo no Brasil, foi orientada pelo colega e professor do Programa de Filosofia e História da Educação, Evaldo Amaro Vieira, a procurar Paulo Freire. Ao ligar para o velho conhecido, foi Elza quem a atendeu e a convidou para a “ceia”, onde encontrou com seu futuro orientador. Acontece que durante a pesquisa, Elza veio a falecer e somente quatro meses depois os dois retomaram o diálogo.

Segundo Nita, a relação dos dois sempre foi muito cordial e somente 11 meses depois da perda da esposa - por volta de agosto de 1987 - é que começou a surgir, de uma forma muito tímida e tradicional, uma aproximação mais íntima. Ela conta que era um dos encontros comuns e ela estava lendo quando ele fez um suposto galanteio. “Ele sentava numa poltrona, e eu sentava no sofá. Ele disse: “Nita, estais tão bonita...”. Eu disse, meu Deus, o que é isso?! (risos)”, contou Nita em entrevista ao jornal O Povo, em 2018.

Ela nunca tinha ouvido nada tão íntimo da parte dele, então, agradeceu o elogio e continuou lendo seu trabalho. “Eu vi que ele batia as pernas. Ele cruzava as pernas, quando estava nervoso, e ficava com a perna balançando. E eu digo: ‘Não pode ser cantada, não!’ (risos). Você se acostuma com uma pessoa e ele como professor mais velho... Depois, ele me contando: ‘Não entendia nada do que você falava, não entendia nada! Eu estava, totalmente, absorto nas minhas imaginações, nas minhas fantasias, nas minhas vontades mais íntimas’... Uma meia hora depois, ele falou: ‘Nita, estais tão bonita como no tempo da juventude’. Aí, eu disse: ‘Agora, é cantada mesmo!’ (risos)”, lembrou para nossa reportagem.

Ficaram nessa proximidade algum tempo, até que um dia ele disse que viajaria para Cuba e, quando voltasse, telefonava para ela. Dias depois, ela o encontra, casualmente, na fila do banco na PUC, onde trabalhava. Ela então se aproximou dele, que ficou meio constrangido porque tinha retornado e não cumprira a promessa, e ele disse que precisava falar com ela. “Você não tem nada pra falar comigo. Até logo”, lembra ela. Depois ele foi atrás de Nita e pediu para ela ir a sua casa no dia seguinte. Mesmo contrariada, no dia seguinte, ela foi.

“Quando cheguei à casa dele, tinha uma moça que estava abrindo a correspondência dele, pois fazia seis meses que ele não abria a correspondência. Ele me chamou para conversar e disse: ‘olha Nita, você sofreu muito com a perda de seu marido e acho que não vale a pena a gente continuar, nós vamos acabar porque eu acho que você deve casar, mas se interesse por um homem jovem, não por mim’. Então eu disse: ‘Olhe, Paulo, se você fosse um cabra marcado para morrer daqui dois anos, eu ia viver com você. Não vou renunciar você”, conta Nita. (com edição nossa).

Em 27 de março de 1988, numa cerimônia civil em 19 de agosto, em São Paulo, os dois se casaram e viveram juntos até 1997, quando Paulo se despede da vida. “A Ana Maria, Nita, que me devolveu o gosto bom de viver, quando a vida me parecia tão longe e, quase sem esperança, a olhava”, escreveu Paulo na dedicatória do livro “Pedagogia da Esperança”.

Paulo conhecia Ana Maria Araújo Freire, carinhosamente chamada de Nita, desde sua juventude e infância, uma vez que era 13 anos mais jovem que ele.

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