Jornal da Universidade - Edição 192

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JORNAL DA UNIVERSIDADE | JULHO DE 2016 | 15

Entre

nós

Na UFRGS TV O programa Meu Lugar na UFRGS com Renato Dias será exibido no Canal 15 da NET diariamente, às 20h e às 23h, além de ser disponibilizado no canal da UFRGS TV no YouTube (youtube.com/ufrgstv).

Sempre na Bioquímica Renato Dias Com longa trajetória na UFRGS, também teve papel central na estruturação de programas de pós-graduação em outras universidades Jacira Cabral da Silveira

Cá Entre nós, quando alguém escolhe uma área de estudo e nela se mantém durante anos, promovendo-a de tal forma que outros venham a consolidá-la não apenas em uma instituição, mas em várias, não há como restringir o registro de sua trajetória ao Meu Lugar na UFRGS. Cabe adensá-lo com o Perfil para que possamos dar conta tanto da caminhada desse sujeito quanto das condições que ele criou para que outros percorressem esse mesmo campo de conhecimento. Aos 81 anos, Renato Dutra Dias diz que é apenas freelancer no Departamento de Bioquímica da UFRGS­, onde trabalha desde o início dos anos 1960. Além de ter participado da estruturação do Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas: Bioquímica da Universidade, também colaborou para a criação dos programas de pós-graduação na mesma área na PUC de Porto Alegre, na Universidade Católica de Pelotas, na UFPel e na Universidade Federal do Rio Grande. Por isso, o Entre nós desse mês é dedicado ao Perfil do Meu Lugar de Renato, o professor dos olhos azuis e sorriso fácil que afirma categoricamente que “o meu lugar na UFRGS é e sempre foi a Bioquímica”. Primeiras paixões – Quando

ingressa no curso de Medicina da UFRGS, em 1958, logo cedo é conquistado pela bioquímica e pelo catedrático de Química Fisiológica: o médico e bioquímico Tuiskon

Dick (reitor da UFRGS de 1990 a 1992). Renato e alguns de seus colegas mais próximos, por serem muito dedicados aos estudos, eram conhecidos como os “crentes” da turma. Esse interesse extremo fez com que o professor Dick os convidasse para atuar como bolsistas na área da saúde: “Fomos os primeiros bolsistas de iniciação científica pelo CNPq na UFRGS [1960]”, comenta. Ainda no item paixões, nessa época conheceu sua futura esposa, com quem casou antes da formatura, quando já tinham uma filha. “A Marlene me acompanha há 56 anos e me apoia em tudo, mas diz que a Bioquímica é a sua única concorrente”, sorri ao contar. Em 1961, Dick é o responsável pela criação do Instituto de Pesquisas Bioquímicas (IPB), no Câmpus Centro da Universidade, passando a ser conhecido como o prédio da Bioquímica, junto ao curso de Filosofia. Após a experiência como bolsista e como assistente da cátedra de Química Fisiológica, Renato foi indicado por Dick para assumir como professor logo depois de sua formatura em 1963. Entretanto, a nomeação aconteceria somente em maio: “Atrasou um pouco porque estourou o golpe de 1964”, justifica. Em função de seu passado de esquerda no centro acadêmico do Curso de Medicina, precisou recorrer ao então reitor José Fonseca Milano (1964-1968) para que intercedesse a seu favor: “Ele me levou até a sala do coronel [Natalício] e disse que não se preocupasse comigo, e que, qualquer coisa, era só falar com ele”. Quando começam as tratativas

para a criação do Mestrado em Bioquímica, Renato assume como coordenador pro tempore e se encarrega do credenciamento do curso, tendo a colaboração da professora Helen Tortorella. Em 1977, quando o curso é credenciado, inicia formalmente o programa de pós-graduação em Bioquímica. Consolidando a pesquisa – Dar aula, fazer pesquisa, acompanhar o professor Dick em seus projetos de ampliação e consolidação da Bioquímica na Universidade: assim Renato descreve o seu dia a dia junto ao IPB e ao departamento de Bioquímica do qual se torna chefe em 1977. Juntamente com o professor Diogo Onofre Gomes de Souza, ele dá início a uma campanha de consolidação do programa de pós-graduação, convidando nomes de destaque para ingressarem como pesquisadores na UFRGS. Eles e o professor Dick foram responsáveis por trazer para a Universidade pesquisadores como Ivan Izquierdo, médico e cientista argentino naturalizado brasileiro, pioneiro no estudo da neurobiologia da memória e do aprendizado. Renato lembra que, devido ao temperamento de Izquierdo, foi preciso muito jogo de cintura para mantê-lo no departamento. Ele recorda uma conversa determinante para que os colegas concordassem com a permanência do cientista: “Se o Renato Portaluppi não estivesse em campo contra o Hamburgo, o Grêmio teria sido campeão do mundo? Não [foi a reposta que ouviu]. Então, nós só teremos uma base sólida em pesquisa se tivermos

o Izquierdo no IPB.” Ele garante que esse argumento foi suficientemente forte para convencer os gremistas de plantão: “Mas depois ele [Izquierdo] foi se apeonando”, conclui a história empregando um termo aprendido lá para os lados de Bagé, de onde veio para estudar na capital. No início dos anos 1980 havia planos de transferir alguns cursos para o Câmpus do Vale. Ideia que desagradava a muitos professores: “Eles queriam que pelo menos as cátedras de Medicina permanecessem onde estavam”. Entre os que compraram essa briga, estavam integrantes dos departamentos de Bioquímica, Fisiologia e Anatomia. Foram longos três anos de negociações, durante os quais Renato, então diretor do Instituto de Bio­ ciências, teve grande envolvimento. Foi ele que convenceu os colegas de seu departamento a apoiarem o diretor da Faculdade de Medicina, Waldomiro Manfroi, e a resistirem à transferência. Por muitas quintas-feiras durante esse período de tratativas, Renato chegou às 7h30min ao gabinete de Manfroi para, juntos, pensarem estratégias de permanência: “Por isso, surgiu a ideia do Instituto das Ciências Básicas da Saúde (ICBS)”, revela. Atualmente, o ICBS reúne os departamentos de Bioquímica, de Fisiologia, de Ciências Morfológicas, de Microbiologia/Imunologia e Parasitologia, e de Farmacologia. Conforme Renato, como o seu departamento foi mais ágil em angariar recursos junto à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), foi possível dar início e concluir a construção do prédio no Câmpus

Saúde, onde funcionam a secretaria do departamento e os programas de pós-graduação em Bioquímica e em Educação em Ciências – este último compartilhado com as universidades federais de Rio Grande (Furg) e de Santa Maria (UFSM). Renato conta que a participação do professor Moacir Wajner foi fundamental tanto na elaboração do projeto do prédio da Bioquímica quanto no acompanhamento da obra. “Em viagem à Inglaterra, ele ficou impressionado com um modelo de laboratório, que acabamos adotando aqui”, relembra. Enquanto nas antigas instalações o departamento tinha 700 m2­, ­com a mudança para o Câmpus Saúde esse espaço passou para 4.000 m2. No primeiro piso, funciona o biotério; no segundo e terceiro andares, existem 16 laboratórios. “Chegamos a ter 300 pessoas trabalhando aqui”, gaba-se. Hora do café – Aposentado des-

de 1996, Renato comparece ao departamento de Bioquímica toda manhã, mesmo nos dias frios de inverno, salvo uma vez ou outra. “Se até as 8h20 ele não aparecer à porta do laboratório 24, onde auxilia as pesquisas em neuroquímica celular desenvolvidas pelos orientandos do professor Diogo Losch de Oliveira, ligamos pra casa dele”, comentam Meri e Thainá, estudantes de doutorado e mestrado, respectivamente. Independentemente do motivo do atraso – com a respectiva justificativa que Renato se obriga a dar aos colegas de departamento –, é comum vê-lo cercado de estudantes para quem “sempre tem uma historinha pra contar”, diz Meri. Nas segundas-feiras o assunto quase sempre é o mesmo: falar do jogo do tricolor do final de semana. “Ele é apaixonado pelo Grêmio”, dizem as jovens pesquisadoras. Depois do café, outra parte da rotina, começam as pesquisas na Internet à procura de artigos científicos que possam contribuir para as diferentes pesquisas em curso: “Ele sabe o que cada um de nós está investigando”, comenta Thainá, e não é raro fazer cópias impressas daqueles que julga mais importantes, com anotações escritas às margens, para entregá-las aos estudantes. Aos finais de semana e mesmo nas férias, costuma levar artigos ou textos para ler em casa. Segundo ele: “A Marlene nunca foi contra e até achava uma boa”. Essa amizade e reconhecimento dos alunos fazem de Renato um homem realizado: “Há mais de dez anos me dei conta de que o principal é o contato com o aluno”, afirma com convicção. Contato que começou e continua acontecendo em torno da Bioquímica, embora ele eleja como espaço mais marcante em sua vida acadêmica o antigo prédio da Medicina, no Câmpus Centro: “Onde tudo começou”.


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