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O embate entre o futebol e a crise sanitária da Covid-19 no Brasil

Especialistas em infectologia, governos estaduais e entidades esportivas disputam o rumo de campeonatos durante o ápice da pandemia no país

Por Gabriel Aragão, Giovanna Rahhal e Ligia de Toledo Saicali

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Ofutebol brasileiro iniciou a temporada de 2021 durante a maior alta registrada de casos e mortes pelo novo coronavírus. Com média móvel de 3.000 óbitos atingida no fi m de março, campeonatos submetidos à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) seguem com as atividades inseridas em conjuntura crítica: 17 estados e o Distrito Federal têm mais de 90% de suas UTIs ocupadas. Campeonatos estaduais lidam com o adiamento ou cancelamento frequentes de suas partidas por determinações das esferas de governo locais, que objetivam conter o vírus.

Na contramão de medidas preventivas, federações do esporte descartam a possibilidade de remarcar as disputas em um calendário já apertado pelo impacto da pandemia em 2020, e procuram cidades com menor adesão a políticas de combate à doença, onde as partidas possam ser realizadas.

Com o primeiro caso de Covid-19 registrado em 26 de fevereiro de 2020, o futebol no Brasil havia sido completamente interrompido em 16 de março. O primeiro jogo após a paralisação ocorreu em junho do mesmo ano, entre Flamengo e Bangu, pelo Campeonato Carioca de Futebol, sem a presença do público. Os campeonatos estaduais voltaram gradualmente e o calendário nacional foi fi nalizado este ano, abrindo uma exceção entre os jogos sem torcida para a fi nal da Copa Libertadores.

O Estado de São Paulo – que registra aumento de 91% na média de mortes por Covid ao fi m de março – é um dos maiores palcos de disputa pelo prosseguimento do esporte. Apesar dos decretos de lockdown e da proibição pelo governo estadual em manter o campeonato, a Federação Paulista de Futebol (FPF) afi rmou que concluiria o Paulistão (a divisão A1, principal competição organizada pela instituição) na data prevista inicialmente, em 23 de maio. As divisões A2 e A3, que seguem com suas competições igualmente interrompidas, devem ter suas tabelas redefi nidas por conselhos técnicos.

Dentre as justifi cativas alegadas pelos clubes e as entidades esportivas para encaminhar os campeonatos, predominam o quesito fi nanceiro e a manutenção do nível técnico dos atletas. “O rendimento é afetado, porque o atleta tem que testar seus limites todos os dias, trabalhar todos os dias. Mesmo com os treinos liberados durante a paralisação, treinar é diferente de jogar”, conta Matheus Aurélio, goleiro que atua pelo Mirassol, ao Contraponto.

O governador João Dória anuncia restrição completa de atividades esportivas coletivas por 15 dias. FPF tenta transferir as partidas para outros Estados.

Clubes sugerem que a Federação recorra judicialmente para tentar retomar o Paulistão. Em reunião, clubes votam contra a decisão de judicializar o caso (9 x 7). O São Paulo foi o único entre os times maiores que votou a favor.

Paulistão transfere dois jogos para Volta Redonda, RJ (Palmeiras x São Bento e Corinthians x Mirassol). Governo de São Paulo decide estender a fase emergencial do Estado até 11/04.

FPF traça novos protocolos com maior testagem, menos pessoas nos estádios e sugere o formato de “mini” bolha, a fi m de convencer o MP a liberar partidas no Estado. João Dória autoriza o retorno do Campeonato Paulista.

Quando questionado sobre o dilema entre o seguimento ou a interrupção do Paulistão, Matheus afi rma que a bola deve continuar rolando. “Eu acredito que o futebol deve continuar porque o protocolo que a gente segue na Federação Paulista é muito rígido. Fazemos testes PCR antes de todos os jogos, todo staff e os juízes também fazem. Com todos testando negativo, creio que não tem problema.”

Especialistas em saúde reiteram constantemente o posicionamento de que a suspensão dos campeonatos é necessária para frear a doença no país, ainda que entidades como a CBF e a FPF resistam à medida e argumentem adotar métodos efi cazes de prevenção em campo.

“Quando falamos da infecção pelo coronavírus, é lógico que a gente entende que os vários protocolos realizados são muito interessantes. Mas eles não dependem só de si, eles dependem das pessoas, e muitas vezes cometemos erros que nem passam pelas nossas cabeças. No futebol, cientifi camente falando, eles são impossíveis de serem cumpridos”, afi rma Marcelo Otsuka, médico da Sociedade Brasileira de Infectologia, em entrevista ao Contraponto.

O comportamento da população diante do próprio futebol também tem sido associado ao impacto na transmissibilidade do vírus. “Nós observamos que muitos dos torcedores acabam não cumprindo as regras pela paixão ao futebol, acabam se aglomerando, não respeitando o uso de máscara e distanciamento, como já vimos em comemorações de títulos. São situações incontroláveis, tanto pelos clubes, quanto pela CBF”, ressalta Otsuka.

Com a crescente efervescência do debate, as argumentações favoráveis à permanência de atividades esportivas são procuradas além das fronteiras tupiniquins. Reino Unido e Portugal, que recorreram ao lockdown em janeiro para conter a pandemia em suas terras, o fi zeram com uma particularidade em comum: permitiram treinos e partidas de futebol durante o período. A exemplo do sucesso de ambos os países em reduzir o número de casos e óbitos com o esquema, comentaristas, atletas, e instituições desportivas defendem a aplicação das mesmas ações no Brasil.

Irlan Simões, criador do podcast Na Bancada e pesquisador que tem como objeto de estudo o futebol e a indústria cultural, explica ao Contraponto como a divergência de comportamento entre líderes governamentais afeta o esporte em cada nação. “Nenhuma liderança política fez igual ao Bolsonaro. É desproporcional comparar o Brasil com qualquer país da Europa, principalmente os que são expoentes no futebol”, ressalta. “Eles nunca negaram a importância de um lockdown, não deixaram de incentivar as pessoas a usarem máscaras, criaram políticas para evitar aglomerações, promoveram o isolamento social e agora estão vacinando sua população. Não há comparação”.

O pesquisador também aponta como o caráter dilemático sobre a permanência do futebol no Brasil em seu período mais delicado na pandemia poderia ter sido solucionado através de medidas que conciliassem a segurança sanitária e pública e os processos do esporte no país. “Com políticas de crédito e garantia de emprego, auxílio emergencial em valores consideráveis, com bom planejamento e comunicação, enquanto houvesse o interrompimento, a gente poderia melhorar muito a nossa situação”, afi rma. “Se houvesse vontade política, não seria tão difí cil”.

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