8 minute read

Lei Rouanet: A nova Lei de Incentivo à Cultura

Por Giovanna Colossi, Raul Vitor e Sarah Catherine Camara de Seles

Sergio Paulo Rouanet foi o responsável pela criação da Lei que carrega seu sobrenome. O oitavo ocupante da cadeira número 13 na Academia Brasileira de Letras não imaginaria, em 1991, que sua idealização como Secretário da Cultura de Fernando Collor geraria tantas polêmicas anos depois. Falar em Lei Rouanet é quase um tabu. O principal objetivo da Lei é conceder incentivos fiscais para que empresas e pessoas físicas possam aplicar uma parte do Imposto de Renda em projetos culturais. A Lei é uma via de mão dupla. Ao invés de direcionar o Imposto de Renda para o governo, pessoas físicas ou empresas direcionam uma parte desse imposto – 4% empresas e 6% pessoas físicas – para fomentar projetos culturais. É uma espécie de terceirização indireta do financiamento cultural. A chave para entender a polêmica que gira em torno da Lei está na avaliação do governo. O Ministério da Cultura deve analisar se o projeto se enquadra ou não nas diretrizes da Lei antes de buscar um financiador. A partir de então, surgem algumas arbitrariedades por parte do governo em relação a qual projeto será aprovado. Além disso, os projetos que possuem maior relevância mercadológica, ou seja, aqueles que possuem maior potencial de retorno aos financiadores são os preferidos. Desta forma, projetos menores podem não se concretizar, devido a uma “concorrência desleal”. Devido a todo esse estardalhaço, o governo de Jair Bolsonaro, que já se mostrou contra investimentos culturais, surfou na onda das polêmicas em torno da Lei Rouanet, em sua campanha eleitoral. O discurso contra a Lei caminhava na direção do “roubo ao dinheiro público” para “bancar artistas que já são milionários”. Mas isso não é verdade. Em 2017, por exemplo, cinco mil projetos foram aprovados, o que gerou uma renúncia fiscal de empresas e pessoas físicas de R$ 1,1 bilhão. Se compararmos esses dados com isenções fiscais cedidas a empresas no mesmo ano, que chegou a marca de R$ 354 bilhões de reais, notamos que a renúncia destinada à cultura é ínfima. O problema não parece estar nos artistas milionários, mas sim nas empresas que financiam os projetos. Na Operação Boca Livre realizada pela Polícia Federal em 2018, por exemplo, descobriu-se que um grupo de dez empresas fraudavam projetos aprovados pelo Ministério da Cultura, via Lei Rouanet. Em março desse ano, houve mudanças feitas pelo governo na Lei Rouanet, que, de acordo com o ministro da Cidadania, Osmar Terra, passa a se chamar apenas “Lei Federal de Incentivo à Cultura”. O teto de financiamen tos deixa de ser R$60 milhões e vai para R$1 milhão por projeto apresentado, o valor que era disponibilizado foi reduzido em 98%. Para uma

Advertisement

Ministério da Cultura cria novas regras para o financiamento de projetos e gera revolta na comunidade artística

“Essas mudanças, ã aumentar acess

da

p pulaçã rasileira à cultura, especialmente para as pess as mais p res”

(Osmar Terra)

mesma empresa, as verbas passaram do teto máximo de R$60 milhões para R$10 milhões. O ministro afirma que as medidas foram tomadas para que ocorra a descentralização dos recursos no eixo Rio-São Paulo. O governo espera que haja aumento nas produções de empresas que não estejam localizadas nessa área, mas em outras regiões do país. Procura-se fomentar a cultura regional ao incentivar as regiões norte, nordeste e sul. O número de ingressos distribuídos para famílias de baixa renda participantes do Cadastro Único também sofreu alterações. Os projetos culturais recipientes de recursos da Lei deverão distribuir de 20% a 40% dos mesmos de forma gratuita, antes era obrigatória a distribuição de somente 10%. Além disso, com as mudanças, é previsto que 10% dos ingressos sejam vendidos por até R$50, não por R$75 como era antes. Essas mudanças, segundo o ministro, “vão aumentar o acesso da população brasileira à cultura, especialmente para as pessoas mais pobres”. Ele também declarou que as mudanças foram feitas para que haja foco no estímulo ao surgimento de novos talentos, o fortalecimento de ações de inclusão social, formando profissionais na área artística e promovendo a cultura popular. “Por isso estamos reduzindo o valor máximo de cada projeto”, para que mais sejam contemplados. No entanto, muitos necessitam de valores mais altos para serem realizados e, por essa razão, serão prejudicados. A ONG Orientavida, que capacita mulheres com o objetivo de ajudar e modificar as dificuldades sociais através do bordado, corte e costura desde 1999, foi responsável por trazer a exposição “90 Anos Mickey” para o Brasil. O projeto em comemoração ao aniversário do personagem da Disney aconteceu entre 18 de janeiro e 21 de abril, no shopping J.K Iguatemi, em São Paulo. O evento angariou fundos por meio da Lei de Incentivo à Cultura. No total, foi solicitado o valor de R$4.365.879,91 para ser distribuído entre todas as etapas, conforme informações disponibilizadas no site do Sistema de Apoio às Leis de Incentivo (SALIC). Porém, foi arrecadado através de doação e patrocínio o valor de R$4.300.000,00. O diretor geral da ONG Orientavida, também organizador do evento, José Carlos Carvalho comentou em entrevista ao Contraponto a necessidade de uma lei como a Rouanet para que projetos, como a exposição de 90 anos do

Manifestação artística de rua em prol da Lei Rouanet

© Reprodução

© Reprodução

Mickey, e outros eventos lúdicos possam ser feitos e levados para um público, que normalmente não tem acesso a espaços de cultura. Ao ser questionado sobre o que levou a ONG a trazer o evento para o Brasil, Carvalho nos informou que eventos culturais são fontes de incentivo e meios de arrecadação importantes para a organização, que conseguem não só vender os produtos feitos pelas artesãs, mas também arrecadar parte da bilheteria, que é então convertida para os projetos. O diretor da ONG tocou em um ponto que passou a ser polêmico após a divulgação das novas regras da Lei Federal. A partir de agora, todos os eventos deverão disponibilizar de 20 a 40% dos ingressos de forma gratuita. Na exposição do Mickey, a Orientavida produziu um pouco mais de 186 mil ingressos, sendo que 18.630 estavam reservados para população de baixa renda, outros 37.260 foram para as empresas patrocinadoras, e o restante – por volta de 93 mil – comercializado, sendo que 10% deles foram vendidos abaixo do preço regular dos ingressos, que era de R$35,00 e R$45,00 reais conforme os dias da semana. Para o produtor, que depende exclusivamente da arrecadação de bilheteria, as novas regras vão tornar a margem de lucro pequena, já que boa parte dos ingressos será gratuita, e o restante, antes utilizado para balancear perdas devido à gratuidade, terá que ser vendido pelo valor de R$50 fixo. Esta iniciativa do governo pode por fim a muitas novas ideias que não sairão do papel caso não apresentem uma possibilidade de gerar lucro em condições tão áridas, o que vai de contramão ao discurso do governo de abranger a economia criativa no Brasil. No sentido de democratizar o acesso à cultura, a ONG possibilitou a visitação de quase dez mil pessoas de forma gratuita, a maioria do interior de São Paulo e da cidade de Potim – sede da Orientavida. Carvalho afirmou que não teria sido possível realizar o projeto caso não houvesse esse incentivo fiscal do governo que torna atrativo financiar cultura. Mesmo assim, ele teceu criticas sobre a burocratização maçante em todas as etapas para conseguir o financiamento. Segundo ele em toda a exposição era possível encontrar ativações de marca das empresas patrocinadoras, em uma espécie de contrapartida ao financiamento por patrocínio ou doação. E este era só mais um detalhe dos diversos pontos da Lei Federal, que possui aspectos engessados e acaba por não permitir muita criatividade, já que existe uma rigorosidade em relação à prestação de contas para o Estado através da SALIC (Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura), onde é necessário atualizar informações de despesas, notas fiscais e receita periodicamente. Este tipo de burocracia acaba por afastar muitos projetos que recorrem para outros tipos de financiamento. Para o diretor da ONG, se não existisse a necessidade econômica de usar a Lei Rouanet, ele não teria se beneficiado do recurso, que o obriga a ter um trabalho extra. A Lei Federal de Incentivo à Cultura propõe que todos os eventos sob o seu financiamento tenham um componente pedagógico. Para isso, a exposição “Mickey 90 anos” criou uma linha do tempo que mostra a evolução do personagem mais conhecido da Disney junto com o cinema e como eram utilizadas as tecnologias da época para criar animações, filmes coloridos, efeitos de profundidade, em um espaço que havia diversos pontos de interação para as crianças e adultos. Para tornar uma experiência lúdica e pedagógica é necessário dinheiro. Caso a realização do evento fosse planejada diante das novas regras da Lei Federal, Carvalho é categórico em afirmar que seria mais difícil trazer todos os equipamentos, e até mesmo finalizar as 12 salas de exposição com um orçamento de um milhão de reais. Considerando os gastos com monitoria, seria necessário realizar cortes na exposição que acabariam por deixar a experiência em si mais pobre. Mesmo assim, o produtor acha que grande parte dos eventos financiados via Lei Rouanet poderia se encaixar nessa nova realidade de um milhão de reais em vez de R$60 milhões, e que o teto atenderia perfeitamente bem pelo menos 90% das iniciativas de cultura cadastradas na Lei Federal no momento. Em contrapartida, a exposição “Mickey 90 anos” solicitou uma arrecadação de quatro milhões que, caso não tivesse sido atingido no seu total, mas tivesse pelo menos 20% do valor solicitado, já configuraria como um projeto válido para execução, independente do orçamento de 800 mil. Levando em consideração os dados fornecidos pela organização do evento no site da SALIC, o orçamento de 800 mil não pagaria o valor gasto com cenografia, material e configuração. Na verdade, não pagaria nem mesmo a primeira nota fiscal emitida pela empresa de montagem responsável, no valor de R$819.757,75, acumulando em despesas o valor de R$1.285.430,00, o que já ultrapassaria o atual teto da nova Lei Federal de incentivo à cultura.

Nsentid de dem cratizar acess à cultura, a ONG p ssi ilit u a isitaçã de

quase dez mil pess as de f rma gratuita, a mai ria d interi r de Sã Paul e da cidade de P tim – sede da Orienta ida.

This article is from: