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A Hora. Agosto de 2016
Oito fuzilamentos no navio Germânia
A
dramática jornada do pequeno veleiro hamburguês Germânia, de três mastros, iniciou no porto de Glückstadt, ao norte de Hamburgo, em 3 de junho de 1824, sob o comando do capitão Hans Voss. Carlos Henrique Hunsche, no livro Biênio 1824/1825 da Imigração e Colonização Alemã no Rio Grande do Sul, lançado em 1975, detalha a viagem. O veleiro tinha apenas 367 metros cúbicos, ou seja, não ultrapassava sete metros de comprimento. Nessa verdadeira “casca de noz” ao sabor dos ventos, mais de 300 pessoas a bordo se perderam por cem dias na imensidão do Atlântico. “Cada uma com suas desgraças e suas esperanças, seus rancores e seus amores”, como descreve Hunsche. Havia no Germânia 277 soldados, para os quatro batalhões alemães no Rio de Janeiro, todos arrebanhados pelo major Schaeffer. Dos 124 colonos, 66 rumaram para São Leopoldo, onde chegaram em 6 de novembro de 1924. Entre esses imigrantes, destacou-se o jovem médico hamburguês João Daniel Hillebrand, diretor da Colônia de São Leopoldo. Outro foi o primeiro pastor evangélico, João Jorge Ehlers, que chegou viúvo e com três filhos pequenos, de 11, 7 e 3 anos. O que é realmente estarrecedor entre os imigrantes é a listagem de 24 presos que o major Schaeffer deixou embarcar no veleiro Germânia. Dos removidos da cadeia de Hamburgo, 13 cumpriam pena por furto, oito por deserção (fuga do serviço militar), dois por homicídio e um por embuste (ludibriar alguém). Os dois mais jovens tinham 18 anos e o mais velho, 41. A maior pena na época era de seis anos e a menor, de seis meses. Parte desses marginais criou problemas entre os passageiros. Liderados por Johann Carl Rasch, queriam liquidar com o capitão do navio e atirá-lo ao mar. Foram presos, mas em seguida se soltaram. Quan-
Quadro de espera dos imigrantes em portos brasileiros
Depois do genocídio da Guerra Guaranítica, em 1768, restaram as ruínas
São João das Missões foi uma colônia germânica fracassada
São João Batista das Missões foi fundada pelo padre Antonio
Sepp, missionário jesuíta, um polímata que dominava áreas como música, arquitetura, urbanismo, relojoaria, pintura e escultura. Depois de catequizar 2.832 índios oriundos da redução de São Miguel, padre Sepp iniciou a construção da igreja em 1708. Essa redução mostrou alto nível de atividade cultural. Depois do genocídio da Guerra Guaranítica, desde 1768 tudo ficou em ruínas. As terras se localizam hoje no interior de Entre-Ijuís, região de Santo Ângelo, noroeste do estado.
Dr. Johann Daniel Hillebrand
José Feliciano Fernandes Pinheiro, Visconde de São Leopoldo
do capturados novamente, foram julgados por uma comissão que os condenou à morte por fuzilamento. Os corpos foram atirados ao mar. Tais fatos ocorridos em 5 de julho de 1824 se sucederam no Golfo de Biscaia, na costa norte da Espanha. Treze dias depois, chegariam mais 39 pioneiros em Porto Alegre.
Colônias fracassadas em São João das Missões
Nos primeiros meses de colonização, dezenas de famílias de imigrantes alemães se integraram na abertura de caminhos e coivaras (técnica agrícola utilizada em comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas. A construção das casas, plantação e colheita eram feitas por grupos em forma de sociedade. Alguns grupos não se sujeitaram ao trabalho e insistiram na rebeldia nas diversas linhas coloniais. Tornavam-se indesejáveis e foram expulsos da região de São Leopoldo. Com a inclusão de apenados de Hamburgo e Meck-Lenburg-Schwerin, Dom Pedro I encontrou ali uma solução para colonização da região missioneira do estado.
O grupo de 163 imigrantes foi levado de barco até Rio Pardo, em 26 de novembro de 1824, sob o comando do capitão Alexandre José Bernardes. Seguiram de carroça até Santiago do Boqueirão e dali à nova Colônia de São João das Missões. Apesar de terem recebido uma ajuda financeira, não quiseram trabalhar nas terras oferecidas. Poucos retornaram à região de São Leopoldo. As famílias de João Frederico Schmidt e Cristiano Frederico Schmidt migraram para Torres. Difícil acesso, falta de comunicação, de autoridades e de meios de comercialização de produtos rurais abortaram o projeto de colonização das missões. Só 50 anos depois ele foi cumprido.
Feitoria do Linho Cânhamo O jovem imperador Dom Pedro I estava muito preocupado e assustado com os surtos separatistas das antigas colônias espanholas na América do Sul, especialmente na longa e indefinida fronteira. Estava atemorizado com as revoltas da Independência em províncias brasileiras, como a Guerra Cisplatina, que durou 500 dias. Não queria perder o Uruguai, com mais de 176 mil quilômetros quadrados, e sentia falta de um Exército. A solução foi recrutar soldados e colonos estrangeiros, pois a mera distribuição de sesmarias e datas não resolvia a ocupação e posse do território brasileiro. Os imigrantes estavam a caminho do local conhecido por Feitoria do Cânhamo. Era preciso medir as terras em lotes coloniais com urgência. Para não ferir os direitos adquiridos pelos donos de sesmarias e datas, Dom Pedro encarregou o primeiro visconde de São Leopoldo e presidente José Feliciano Fernandes Pinheiro de realizar o serviço. Cinco dias depois de assinada a portaria, o navio Hamburgo levantou âncora com os 39 pioneiros para São Leopoldo, onde chegou em 18 de julho de 1824.