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Violência ameaça jornalistas baianas

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O espaço do papel

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Mulheres são principais vítimas no ambiente virtual; especialista reforça importância do acolhimento das denúncias

Jamile Araújo com a adesão de órgãos e instituições como polícias Civil e Militar, Ordem dos Advogados do Brasil (seção Bahia), Defensoria Pública do Estado, e de alguns veículos de comunicação, como o jornal Correio e a TV Bahia.

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Xingamentos, socos e apedrejamentos estão entre as violências sofridas por jornalistas nos últimos anos na Bahia. Em 2022, pelo menos 14, entre homens e mulheres, foram vítimas de violência no exercício da profissão e, até o final de fevereiro deste ano, já foram registrados cinco casos no estado. Os dados são da recém-criada Rede de Combate à Violência Contra Profissionais de Imprensa, da Associação Bahiana de Imprensa (ABI) em parceria com o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado da Bahia (Sinjorba).

Segundo o relatório Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), em 2022 foram registrados 376 casos, 54 a menos do que os 430 de 2021. Porém, esse ainda é considerado um patamar alto, conforme a entidade.

Casos como o de Driele Veiga – chamada pelo então presidente Jair Bolsonaro de “idiota” durante uma entrevista em 2021, quando ainda era repórter da TV Aratu –, não são isolados. “Foi a primeira vez que tinha entrevistado o ex-presidente. [Ele] estava em Feira de Santana, falando sobre a inauguração de um trecho de 22 km da rodovia”. A repórter perguntou a Bolsonaro sobre uma foto em que ele aparece segurando uma réplica aumentada de um CPF com uma tarja vermelha escrito “cancelado”, em alusão ao que acontece quando uma pessoa morre. “Ali o presidente tinha duas alternativas: responder que a foto tinha outro contexto e se desculpar com os familiares de milhares de vítimas da covid que se manifestaram, ou não responder. No entanto, optou por tentar intimidar-me no meu ofício com grosseria e xingamento”, afirmou.

Rede de apoio na Bahia

Isabel Santos, coordenadora da Comissão de Mulheres do Sinjorba, explicou que a Rede de Combate à Violência Contra Profissionais de Imprensa, lançada em 4 de abril, ainda está em processo de definição de um protocolo de ação. A Rede conta

Segundo Isabel, o Sinjorba, ao tomar conhecimento de casos de violência contra jornalistas, independentemente do gênero, entra em contato com o profissional para saber os detalhes do ocorrido e o acompanha em todas as etapas da denúncias. Além disso, a instituição divulga nota de repúdio ao ato, exigindo as providências cabíveis dos órgãos.

Intimidação e transfobia

Após nove dias do lançamento da Rede, em 13 de abril, a jornalista Alana Rocha foi surpreendida ao sair da emissora em que trabalhava e encontrar os vidros de seu carro quebrados. A apresentadora do programa Jornal da Gazeta, na Gazeta FM, em Riachão do Jacuípe, contou que ficou em choque, realizou uma live em uma rede social e depois acionou a polícia. Ela teve crises de ansiedade, além de ficar quase dez dias praticamente isolada em casa. Alana explicou que contava com as imagens da câmera de segurança da emissora para ajudar na denúncia e para a exposição da agressão na imprensa, mas a Gazeta FM não as disponibilizou sob a justificativa de questões técnicas. Dias depois, ela se afastou do trabalho por não se sentir mais segura nem psicologicamente bem. “Uma pessoa da emissora viu o ato violento acontecer e não fez nada, então não me sinto mais confortável em ter nenhum tipo de vínculo profissional com eles e com a emissora”, relatou.

A jornalista acredita que o fato de ser uma mulher trans contribuiu para o acontecido, pois já sofreu transfobia no exercício do trabalho e foi ameaçada na porta de casa em seu primeiro ano no jornal em Riachão do Jacuípe. “Eu nunca imaginava que morando na cidade onde eu nasci, passaria por tantas violências e adversidades, que não passei fora daqui”.

Isabel afirmou que a Rede está atuando no caso que envolve a jornalista Alana Rocha. “A Rede vem pressionando as autoridades locais a sensibilizar a emissora a entregar as imagens do atentado, para que o processo seja agilizado e os autores possam ser identificados e responsabilizados legalmente”, reiterou.

Ministério da Justiça em ação

Anunciado dias após os atentados golpistas às sedes dos Três Poderes em Brasília, em 8 de janeiro deste ano, o Observatório da Violência contra Jornalistas e Comunicadores Sociais, ligado ao Ministério da Justiça, foi criado para monitorar os casos de ataques a jornalistas e veículos em geral. A ideia do grupo é acionar as autoridades competentes, acompanhar as investigações e auxiliar na identificação dos autores dos crimes.

O Observatório conta com um Grupo de Trabalho (GT) de Gênero. Daniela Osvald, coordenadora do grupo, explicou que a ideia do GT é contemplar um aspecto de gênero no relatório sobre violência, mas que ainda não há dados compilados além dos presentes em pesquisas e relatórios já publicados. Ela avalia que o documento deve contemplar particularidades regionais sobre como e por que estas violências ocorrem. Daniela pontuou que é possível haver uma subnotificação nos casos de violência contra as jornalistas mulheres e defendeu a necessidade de “fazer essas denúncias chegarem, porque muitas vezes não chegam, porque [as profissionais] não falaram com ninguém, então é preciso abrir uma escuta mais ampla”.

Daniela chamou atenção para outro tipo de violência contra profissionais mulheres, o que ocorre no ambiente virtual. “A gente sabe que no Brasil as mulheres jornalistas são as mais atacadas nas plataformas digitais e que elas não estão não muito dispostas a regular o discurso de ódio, gerando um ciclo de abuso psíquico emocional. Não é mais liberdade de expressão e passa a ser uma violência. Esse é um problema bastante grave aqui no Brasil e complexo de ser resolvido”, concluiu.

Jornalismo:

majoritariamente feminino?

Yasmim Oliveira

Em 2021, o número de jornalistas mulheres em atuação caiu para 58%. Em 2012, elas eram 64%, de acordo com o “Per fil do Jornalista Brasileiro 2021”, realizado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Nesse intervalo, a participação de homens no mercado de trabalho subiu de 36% para 42%. Mesmo que a carreira seja majoritariamente feminina, elas não são valorizadas, ganham menos, saem da profissão ou não fazem parte dos cargos de chefia nas empresas.

No mundo, o cenário é semelhante. Apenas 22% dos cargos de chefia, em 240 meios de comunicação, são ocupados por mulheres, segundo a pesquisa “Mulheres e liderança na mídia 2023”, feita pelo Reuters Institute nos cinco continentes, em fevereiro deste ano. A presença de mulheres negras, então, é ainda mais escassa. No Brasil e Alemanha, em 2022, nenhum veículo midiático analisado pela pesquisa possuía uma mulher negra como editora principal.

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