
34 minute read
Grande Entrevista com mariana roldão santos
by O Pilão
Mariana Roldão Santos
Experiência profissional
Advertisement
2010: Estágio Farmácia Hospitalar no UAMS Medical Center, Little Rock, EUA 2011-2012: Estágio em Farmácia Hospitalar no Hospital de Santo André em Leiria, Estágio em Farmácia Comunitária na Farmácia São José, Coimbra, Portugal 2012: Investigação (Erasmus Placement) na University College London (UCL) – School of Pharmacy, Londres, Reino Unido 2013: EU Regulatory Officer, na Obelis Group - Representante Autorizado da UE, Bruxelas, Bélgica 2013-2016: Chief Policy Advisor/ International Affairs Officer, na Agência Europeia do Medicamento (EMA), Londres, Reino Unido 2016: Membro do Parlamento, Parlamento de Saúde do Reino Unido 2016-Presente: Embaixadora da One Young World (OYW), Londres, Reino Unido 2016-2018: Project Researcher, Strategy Team, Access to Medicines Foundation (ATMF), Amesterdão, Países Baixos 2017: Visiting/Invited Lecturer na London School of Economics and Political Science (LSE), Londres, Reino Unido 2018-2019: Pharmaceutical Specialist no Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD), Kiev, Ucrânia 2019-2021: Scientist, Regulatory Systems Strengthening team, Regulation and Safety, na Organização Mundial de Saúde (OMS), Genebra, Suíça 2021-Presente: Technical Officer, Facilitated Product Introduction team, Regulation and Safety, na Organização Mundial de Saúde (OMS), Genebra, Suíça 2022-Presente: Membro do Comitê de Peritos na Access to Medicines Foundation, Amesterdão, Países Baixos
Formação
2007-2012: Mestrado em Ciências Farmacêuticas pela Faculdade de Farmacia da Universidade de Coimbra, Portugal 2012: Leading Pharma – Programa de Gestão para a Indústria Farmacêutica, Católica-Lisbon, School of Business & Economics, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Portugal 2013: Pós-Graduação em Direito da Farmácia e do Medicamento, Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Portugal 2017: Pós-Graduação em Saúde Global e Diplomacia, Graduate Institute Geneva, Genebra, Suiça 2018: Pós-Graduação em Análise de Politicas Farmacêuticas, Utrecht Institute for Pharmaceutical Sciences, Utrecht, Países Baixos

OP: Durante o seu percurso académico como estudante do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas, na Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, desempenhou cargos ligados ao associativismo, nomeadamente, no Núcleo de Estudantes de Farmácia da Associação Académica de Coimbra (NEF/AAC) e na Associação Portuguesa de Estudantes de Farmácia (APEF), tendo ainda realizado diversos estágios e formações, tanto dentro como fora de Portugal, em diferentes áreas. De que forma é que o seu percurso académico moldou a profissional que é hoje em dia?
MRS: O meu percurso académico e as escolhas que fiz durante o mesmo definiram a minha entrada no mundo profissional. Escolhas como pertencer a grupos associativos, fazer estágios dentro e fora de Portugal e optar por estudos adicionais, como pós-graduações ou formações online, tiveram e continuam a ter um grande impacto no meu trajeto profissional. Estas atividades ajudaram-me a adquirir competências de cariz técnico e não-técnico, como competências pessoais e sociais, de grande importância e que influenciaram de forma significativa o meu percurso profissional, incluindo a forma como me posicionei no seu decorrer, as escolhas que fiz durante o mesmo, e a minha abordagem para encarar e superar cada desafio. Por exemplo, tanto o SEP nos EUA como o Erasmus Placement em Londres foram experiências e oportunidades que, para além de me terem permitido explorar áreas que eram do meu interesse naquele momento, também me possibilitaram adquirir conhecimento sobre o papel do farmacêutico fora de Portugal e perceber como me poderia inserir num meio multicultural, ajudando por sua vez na escolha de um trajeto internacional de forma consciente, informada e com mais segurança. O facto de ter desempenhado cargos ligados ao associativismo durante o MICF também influenciou significativamente o meu trajeto pós-académico, nomeadamente, na minha propensão para continuar a trabalhar em prol da comunidade. Isto é visível e reflete-se nas minhas escolhas profissionais, onde se pode observar que optei sempre por uma ocupação com uma vertente comunitária e de impacto em saúde pública, regional ou global, assim como na minha predisposição para trabalhar, complementarmente à minha ocupação principal, com grupos que visam contribuir para uma melhoria da saúde na comunidade. Alguns exemplos da influência dessas experiências associativas incluem as minhas participações no UK Health Parliament, como Membro do Parlamento, e no One Young World, como Embaixadora na área de saúde global e acesso a produtos médicos, em países em desenvolvimento, bem como os vários os artigos que já escrevi sobre o tópico: “Access to essential medicines”, no Jornal The Hippocratic Post, “Securing Our Health System For The Future: Striving Towards Sustaining Optimal Health For All In The United Kingdom”, durante o UK Health Parlaiment 2017, e “WHO collaborative registration procedure using stringent regulatory authorities’ medicine evaluation: reliance in action?”, no Expert Review of Clinical Pharmacology Journal. Durante o meu percurso académico, também completei várias formações adicionais que tiveram um impacto significativo nas minhas competências técnicas e no meu trajeto profissional. No entanto, a aprendizagem deve ser constante durante o nosso percurso. Há sempre conhecimentos a atualizar e algo mais que nos pode adicionar valor. A formação de que me refiro não necessita de ser da forma clássica como a conhecemos, pode ser simplesmente uma formação online, certificação ou até mesmo a aprendizagem através de um bom livro. O timing para aprender algo novo é sempre o correto quando há a necessidade de adicionar conhecimento, até mesmo em fases mais avançadas do nosso percurso profissional.
Cada passo que dei durante o meu percurso académico, teve um impacto significativo e muito positivo nas escolhas que fiz e naquilo que me tornei, enquanto farmacêutica a trabalhar em políticas de saúde pública global e a dar apoio a países em desenvolvimento, para que todos tenham acesso a saúde como um direito básico.
Avaliação das Autoridades na Região Sul Africana no zimbabué
OP: Em entrevista ao Lado F, o Podcast da Associação Portuguesa de Jovens Farmacêuticos, utilizou a expressão “andar com a minha vida às costas durante quase 10 anos” para descrever os 10 anos que se seguiram após concluir o Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas. Durante a sua “viagem profissional” por 7 países, quais foram as maiores dificuldades e choques culturais que teve de enfrentar?
MRS: Como mencionei durante a entrevista com a APJF, foram sim, 10 anos ricos de experiências e aprendizagens, a viver em vários países e em missões em tantos outros, e sempre “com a minha vida às costas”. Mas também há o outro lado da moeda, pois não houve atalhos. Não apelido isto de dificuldades, mas apenas de desafios que tive de superar ao longo deste percurso, sendo que alguns são comuns a todos os que optam por viver de forma semelhante. Não nos iludamos, pois não é fácil ter de optar pelo caminho mais difícil no foro pessoal ou ter um aeroporto como segunda casa ou simplesmente ter de recomeçar, repetidamente, a vida num país novo e adaptar rapidamente a novas formas de viver e trabalhar. No meu caso, eu considero que tudo isso teve um impacto muito positivo em mim, no entanto, nem sempre o processo para lá chegar foi fácil, acarretando alterações ou transformações drásticas na minha vida e em mim enquanto pessoa. E por isso, para mim, o grande desafio foi manter a minha identidade após estar exposta a tantas alterações de ambiente e mudanças de vida, depois de me ter de adaptar a formas de viver tão díspares e experienciar tanta realidade diferente. No meio desse percurso, o desafio é mantermo-nos íntegros à nossa essência, identidade, valores e princípios, ao mesmo tempo que usufruímos da “viagem”, apreciamos as diferenças e aperfeiçoamos o que pode ser melhorado em nós. Este equilíbrio passa em primeiro lugar por nos conhecermos e em segundo por não encararmos as diferenças como um motivo para divergência, mas ao invés vê-las como algo positivo que nos complementa, enriquece e fortalece. Eu costumo categorizar os desafios mais comuns em 3 tipos: os culturais e administrativos, os ligados aos relacionamentos próximos e, por fim, os relacionados com o clima. Começando pelos desafios administrativos, quando mudamos para outro país, temos de estar preparados para nos deparar com sistemas significativamente diferentes daqueles que conhecemos, a nível governamental, político, fiscal, financeiro, de saúde, entre outros. Foi necessário reaprender e adaptar-me consecutivamente aos vários sistemas de cada país e para isso é necessário não só flexibilidade, mas também alguma resiliência. É necessário considerar que mudanças de país não envolvem apenas comprar um voo e encontrar uma casa para viver. Na verdade, têm de se fechar vários processos administrativos no país onde se reside e abrir novos no país para aonde se vai residir, e, assim consecutivamente, de país em país. Quanto aos desafios culturais, é de salientar as diferenças na alimentação e nos alimentos disponíveis localmente, pois é necessário haver uma adaptação, até mesmo fisiológica, às cozinhas e alimentos locais. É de considerar também as diferenças culturais nas formas de viver, pois há hábitos e costumes díspares dos nossos que temos mesmo de integrar, como substituir um carro por uma bicicleta como meio de transporte principal. As diferenças nas formas de trabalhar também não passam despercebidas, sendo por vezes este o maior choque para muitos. Por exemplo, o facto de em algumas culturas não ser bem aceite trabalhar mais de 7-8h diárias, demonstrando falta de planeamento por parte do empregador ou falta de eficiência por parte do trabalhador, enquanto noutras ser culturalmente aceitável que um trabalhador trabalhe diariamente mais de 10h, com ou sem compensação. Estas alterações requerem que aquele que está a chegar, concordante ou discordante com o sistema em vigor, se tenha de adaptar ao mesmo. Outro desafio que para mim se fez sentir, foi na área dos relacionamentos próximos, como com a família, marido e amigos. Nem todos lidam bem com a distância daqueles que lhes são mais queridos e, por isso, sei que este desafio tem um peso diferente de pessoa para a pessoa. Esta é a parte da minha vida que não pude trazer sempre “às costas” para onde ia, como teria gostado, dado ser uma pessoa muito chegada à família. Uma vez mais tive de optar pela decisão mais difícil de manter o equilíbrio, através de viagens frequentes e videochamadas diárias, mantendo uma relação afetiva à distância, durante quase uma década. Como é obvio não há receita mágica, nem “certos” ou “errados” sobre este assunto, apenas acredito também não haver impossíveis, e espero que a minha experiência, que acredito ser bem-sucedida até então, dê coragem a tantos outros jovens que partilham experiências semelhantes, aonde a distância tem um peso acrescido. Finalmente, as diferenças de clima, que nos tendem a afetar não só biologicamente, com horas de sol diárias díspares, mas também na nossa dinâmica, nas nossas rotinas, etc. No entanto, acredito que o ser humano é de hábitos e se houver vontade, também aqui não há impossíveis. Há sempre prós e contras em todas as decisões que tomamos, só temos de analisar qual dessas decisões se torna mais favorável para nós e
19
para os envolventes e ter a coragem necessária para a tomar, mesmo sendo essa a mais difícil das opções. Por vezes é necessário tomar decisões difíceis para se encontrar a realização com que se sonha e viver o seu propósito.
OP: Em 2018, teve a oportunidade de trabalhar numa missão de campo na Ucrânia pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP). Podia-nos falar mais acerca da mesma? Que desafios é que surgiram ao trabalhar num país em desenvolvimento?
MRS: Na sequência do trabalho que realizava na Access to Medicines Foundation, em Amesterdão, surgiu a questão: “não seria melhor estar no campo para perceber quais são as dificuldades reais de Low and Middle-Income Countries em termos de acesso à saúde, de forma a poder ter um impacto superior nesta área?”. E foi neste contexto que aceitei esta missão na Ucrânia, com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP/PNUD). Entre todos os países onde já vivi e trabalhei, a Ucrânia, foi sem dúvida o mais diferente de todos. Foi a minha primeira experiência de longa duração e do género num Low and Middle-Income Country. Enquanto experiência, tive uma excelente receção e fui muito bem acolhida pelos meus colegas que me levaram a conhecer todos os cantos da cidade de Kiev. Como é obvio, existem sempre diferenças culturais e diferentes níveis de segurança, mas nunca os senti como dificuldades ou desafios para a minha experiência no país. A minha adaptação cultural e social foi surpreendentemente rápida e até encontrei várias semelhanças na alimentação. Os desafios com que me deparei estiveram relacionados apenas com o clima, o idioma e alfabeto e o facto de, naquela altura, não haver muitas conexões de voos para Portugal, o que levou a que ficasse lá longos períodos de tempo sem conseguir vir a casa. Quanto ao contexto do meu trabalho na Ucrânia, em 2014, após a revolução nacional, a instabilidade política que se vivia colocava várias limitações e dificuldades ao Ministério da Saúde para fazer face às necessidades de aquisição de produtos médicos para todo o país. O Ministério da Saúde da Ucrânia solicitou, então, apoio à UNDP/ PNUD na aquisição de medicamentos e dispositivos médicos para todo o país. Como outros problemas surgiram sobre a qualidade dos produtos que circulavam no país, nomeadamente, medicamentos falsificados ou contrafeitos, simultaneamente, também se iniciou uma reforma do sistema de saúde na Ucrânia, incluindo a criação de uma agência centralizada para a aquisição destes produtos no Ministério da Saúde. O objetivo principal deste trabalho era garantir a circulação de produtos médicos de médicos de qualidade no país e garantir um consistente acesso aos mesmos por parte da população ucraniana. Quando me juntei à equipa da UNDP/PNUD, acabei por estar envolvida em diversos projetos neste sentido com o Ministério da Saúde e a Autoridade do Medicamento. Nomeadamente, fornecia aconselhamento técnico às entidades envolvidas na reforma do sistema nacional de saúde ucraniana e ajudava na sua implementação, fornecia aconselhamento nas revisões de políticas, sistemas e regulamentações, como foi o caso da mais recente regulamentação sobre patentes, desenvolvi sistemas para garantir qualidade nas várias fases do ciclo do medicamento, aquando a sua aquisição pela UNDP ou pelo Ministério de Saúde, dei treinos ao staff envolvido na aquisição de produtos médicos, realizei avaliações de qualidade de medicamentos, bem como inspeções de Good Storage and Distribution Practices (GSDP). Entretanto, aceitei a proposta de me juntar à OMS e poder contribuir para o mesmo objetivo de todos poderem ter acesso a produtos de qualidade, mas a um nível global, podendo com as minhas ações abranger um número muito superior de países. Quando terminei a minha missão na Ucrânia, já estava desenvolvida a agência centralizada no Ministério de Saúde para a aquisição de produtos médicos para todo o país. Hoje continuo a trabalhar com a Ucrânia, especificamente, com a Autoridade do Medicamento, noutra vertente, mas contribuindo para os mesmos objetivos: fortalecer o acesso à saúde no país, fortalecer os sistemas regulamentares farmacêuticos e garantir que a população ucraniana tem acesso a produtos médicos de qualidade, particularmente, durante emergências e crises.
OP: Atualmente, encontra-se a trabalhar na Organização Mundial da Saúde (OMS), integrando a equipa de Facilitated Product Introduction do departamento de Regulation and Prequalification. Em que é que consiste o trabalho desenvolvido pela sua equipa?
MRS: Na OMS, integro de momento a equipa Facilitated Product Introduction (FPI), que como o nome indica, tem por objetivo apoiar as autoridades do medicamento e facilitar a introdução de produtos médicos de qualidade em todos os países, de forma a que as suas populações tenham acesso aos mesmos atempada e consistentemente. Tem também como intuito fortalecer e melhorar os sistemas regulamentares de produtos médicos dos países a nível global, introduzindo mecanismos e ferramentas para que os
mesmos estejam aptos a responder de forma rápida e eficiente às necessidades das suas populações. A equipa é também uma das envolvidas durante períodos de emergências em saúde, como epidemias e pandemias, trabalhando com proximidade às Autoridades do Medicamento, para garantir que uma avaliação e autorização acelerada de produtos de qualidade e, deste modo, o acesso atempado aos mesmos pela população. Mais concretamente o meu trabalho divide-se em 3 pilares. Um primeiro pilar que se foca no apoio e ajuda às Autoridades do Medicamento na implementação de vias regulamentares de registo acelerado nos seus sistemas e instituições, para uma avaliação, autorização e introdução acelerada de produtos médicos nos países, ao mesmo tempo que se assegura a qualidade dos mesmos. Como parte deste trabalho organizamos treinos e cursos para várias Autoridades e ajudamos os países individualmente na implementação destas vias regulamentares de registo acelerado nos seus sistemas, ajudando com a revisão necessária da legislação nacional farmacêutica, desenvolvimento de diretrizes e procedimentos internos e treinos do staff envolvido na autoridade, incluindo os avaliadores. O segundo pilar foca-se no desenvolvimento e coordenação de mecanismos que permitem aos países acelerar a avaliação e registo de produtos médicos através do conceito de reliance e reconhecimento. Isto é, para reduzir a duplicação de esforços entre autoridades, reduzir os recursos humanos e financeiros e o número de peritos e expertise necessário para processar a avaliação e autorização de produtos médicos, as Autoridades podem colaborar e utilizar o trabalho de avaliação científica já realizado por outras autoridades ou instituições de referência. Para isso coordenamos mecanismos de colaboração entre países, os quais permitem aos países utilizar avaliações já existentes e realizadas por outros, de forma a acelerar o processo de autorização de introdução no mercado de produtos médicos, ao mesmo tempo que se garante, então, a qualidade dos mesmos. Alguns destes mecanismos incluem: o Collaborative Registration Procedure (CRP), as Avaliações conjuntas regionais (Africa, Caraíbas e Ásia) e os mecanismos que se formam durante emergências de saúde pública, como pandemias, para acelerar a avaliação e autorização de produtos. O CRP tem como base a submissão de um produto médico para introdução no mercado por parte de uma empresa farmacêutica, a vários países ao mesmo tempo, utilizando o mesmo dossier do produto e os relatórios de avaliação do produto realizado por outra autoridade ou instituição. As várias autoridades que recebem esta submissão do produto e aceitam a utilização do CRP emitem um parecer e a autorização de introdução no mercado do produto, num período de 90 dias. Estas iniciativas envolvem não só as Autoridades do medicamento, mas também a indústria farmacêutica. Por fim, o terceiro pilar foca-se no fortalecimento de autoridades do medicamento e seus sistemas regulamentares através de um processo chamado Benchmarking e Performance Evaluation. Através deste processo, as Autoridades são submetidas a uma avaliação em 9 funções regulamentares, realizada por uma equipa de peritos formada pela OMS. O staff da nossa equipa participa enquanto avaliadores e peritos durante essas avaliações das Autoridades, sendo que no meu caso estou por norma responsável pela função regulamentar de Autorizações de Introdução no Mercado e Registo. Como resultado desta avaliação, atribui-se um nível de maturidade à autoridade e a designação de WLA (Autoridade reconhecida pela OMS), dependendo dos resultados, juntamente com um relatório com a lista de todas as áreas a melhorar identificadas pelo perito e respetivas recomendações a adotar para cada uma dessas áreas. Muitos olham para o trabalho da OMS apenas quando a mesma é mencionada nos noticiários ou durante emergências de saúde, no entanto, como podem constatar, há um trabalho contínuo da OMS, que, apesar de ter pouca visibilidade, é de extrema importância e serve como pilar durante emergências de saúde, mas, principalmente, para ajudar vários países a assegurar a estabilidade a longo prazo no acesso a saúde das suas populações. Avaliação da autoridade da coreia do sul

OP: Que desafios é que são experienciados pelas autoridades regulamentares de países em desenvolvimento? Quais os aspetos a serem melhorados e qual o impacto das pandemias?
MRS: Um dos primeiros grandes desafios tem sido reconhecer globalmente a importância de sistemas regulamentares para produtos médicos, sendo que são uma das primeiras portas para o acesso a produtos de qualidade pela população. Até há muito pouco tempo, vários países em desenvolvimento não tinham uma entidade regulamentar para supervisionar os produtos médicos que circulam no seu mercado e, dos poucos países que possuíam esta entidade, a grande maioria não as apoiava financeiramente ou estruturalmente, o que comprometia em larga escala um funcionamento adequado. Nos últimos anos, devido também às emergências de saúde publica, como epidemias e pandemias, tem sido dada maior visibilidade e importância a esta temática, reconhecendo-se que a avaliação e registo de produtos médicos e o trabalho de uma entidade regulamentar de produtos médicos é um elemento fundamental para o acesso a saúde de qualidade num país, sendo que sem este elemento o acesso fica largamente comprometido. No entanto, de acordo com dados atuais, mais de 70% dos países no mundo não possuem uma entidade regulamentar adequada às necessidades do país. Apenas 29% dos países no mundo têm uma autoridade do medicamento funcional, sendo a maioria países desenvolvidos. As autoridades ou entidades reguladoras de produtos médicos em países em desenvolvimento, ainda enfrentam vários desafios, como sistemas nacionais de regulamentação e legislação farmacêutica pouco desenvolvidos ou inexistentes, dependência estrutural e financeira das autoridades com o próprio governo, limitando o desempenho das suas funções em situações de instabilidade política que se faça sentir em alguns países, falta de recursos humanos, financeiros e de pessoal devidamente qualificado para realizar avaliações de medicamentos e falta de cooperação e colaboração entre países. Estes desafios, associados a fatores externos, como o aumento da complexidade das cadeias de distribuição e logística e o aumento dos desafios de saúde pública global, como pandemias, tem gerado uma sobrecarga sobre estas entidades regulamentares em países em desenvolvimento, o que compromete seriamente a resposta que as mesmas dão às necessidades do país. Com a experiência adquirida durante as pandemias, como em 2009 com o vírus Influenza (H1N1) e atualmente com a COVID-19, tem sido dada mais relevância à necessidade de dar apoio a países em desenvolvimento vimento, particularmente, às autoridades do medicamento, pois hoje sabemos que um problema de saúde a 10000km do nosso país pode facilmente tornar-se um problema global e chegar até à nossa porta. Com a globalização que vivemos, tornou-se óbvio que o caminho não continuará por pensar de forma local ou individual no setor da saúde. Neste contexto, muito trabalho tem sido realizado nesta área em países em desenvolvimento e foram várias ferramentas e mecanismos que foram desenvolvidos. Através da experiência com a pandemia atual, foi possível demonstrar a utilidade e o impacto positivo da implementação dessas ferramentas que se encontram à disposição de todas as autoridades. Algumas dessas ferramentas surgem como “soluções” para muitos países em desenvolvimento, não só durante pandemias, mas também de forma continuada, para assegurar um acesso contínuo e atempado a tratamentos necessários nos mesmos. Estas “soluções” denominam-se de vias regulamentares de registo facilitado ou acelerado e compreendem um aumento de eficiência nas atividades regulamentares de um país e uma autorização de produtos de qualidade mais acelerado no mesmo, através da colaboração entre países, partilha de informação e expertise, redução de duplicação de esforços, de recursos e de tempo das autoridades para desempenhar tarefas regulamentares. Exemplos destas vias regulamentares de registo facilitado/acelerado incluem os mecanismos pelos quais a minha equipa se encontra responsável e que foram mencionados na resposta à questão anterior. A utilização deste tipo de mecanismos por países e pelas indústrias farmacêuticas beneficia ambos ao permitir acelerar o processo de autorização de introdução no mercado de produtos médicos, garantido ao mesmo tempo a sua qualidade, eficácia e segurança, e assegurando não só o acesso atempado aos mesmos durante pandemias ou epidemias, mas também de forma continua e consistente no país. Todos os países, mais ou menos desenvolvidos sob o ponto de vista regulamentar farmacêutico, podem beneficiar deste conceito de colaboração, sendo que até os países mais desenvolvidos fazem uso do mesmo frequentemente, como acontece na União Europeia.

visita da autoridade da tailândia
OP: Qual o papel que enquanto farmacêuticos podemos desempenhar nesta área para melhorar o acesso a tratamentos de qualidade pelas populações e contribuir para a mudança de paradigma?
MRS: Enquanto farmacêuticos, todos podemos ter um impacto positivo nesta área, seja através do setor público ou privado, ou a partir de instituições não governamentais, sob um ponto de vista mais técnico-científico, clínico, ou até mesmo educativo da população, tanto a nível local, nacional ou global. Como sempre defendi, o farmacêutico em Portugal tem uma formação de excelência que lhe permite explorar e dedicar-se a variadíssimas áreas em saúde pública global. Se não nos limitarmos enquanto profissionais, podemos intervir e contribuir, direta ou indiretamente, de forma muito positiva em diversas frentes e necessidades globais, podendo ter um raio de ação muito vasto, ajudando milhares ou milhões de pessoas. Não nos esqueçamos que a ação local tem um impacto global, principalmente, no que remete à saúde pública. Até nas mais simples ações, o farmacêutico pode ter um papel importante, nomeadamente, no esclarecimento da população, o que nos dias de hoje se tornou tão importante com a problemática relacionada com a “desinformação”. A extensão desse impacto, no entanto, também é definida através do objetivo e intenção de cada uma das nas nossas ações ao longo do nosso percurso profissional e se as mesmas estão alinhadas com o interesse maior de melhorar a saúde pública. Todos os setores na área farmacêutica, público ou privado, têm, portanto, um papel fundamental para melhorar o acesso à saúde e a dimensão do seu impacto apenas depende da intenção e ética com que se trabalha para atingir um bem maior.
São várias as iniciativas desenvolvidas pela indústria farmacêutica para a introdução de produtos de relevância em mercados, que apesar de menos apelativos comercialmente, necessitam dos mesmos, tal como ilustrado pelo Access to Medicines Index, que analisa o trabalho de 20 empresas farmacêuticas na melhoria do acesso a produtos médicos de relevância para saúde pública em países em desenvolvimento. No meu caso, enquanto farmacêutica, optei por atuar através do setor público a nível global, mas o impacto do meu trabalho só é possível porque existe também uma ação local e nacional por parte de alguém, tanto do setor público como privado. Portanto, gosto sempre de salientar a importância de todos os setores nesta área, independentemente do raio de ação aparente do seu trabalho. É possível criar sinergias benéficas para todos, num mundo onde todos ganham.
OP: O seu percurso profissional é pautado por uma forte vertente internacional. Quais são as competências que considera que um jovem farmacêutico deve desenvolver, antes de começar a trabalhar no estrangeiro?
MRS: Na minha opinião, não existe uma fórmula mágica que nos prepare para trabalhar no estrangeiro. Vamos aprendendo consoante vamos vivendo e é por isso que muitos consideram que uma experiência no estrangeiro se equivale a uma “licenciatura”, pois são de facto imensas as aprendizagens que se retêm e competências que se adquirem. Na verdade, o único ingrediente necessário para ir para o estrangeiro, não está relacionado com competências. Este é a “Vontade” de ir. Tendo vontade, tudo o que for necessário para essa transição, naturalmente, se adquirirá. No entanto, existe sempre um “trabalho de casa” que se pode fazer e que se pode tornar muito vantajoso, nomeadamente: adquirir algum conhecimento sobre o local para onde se pretende ir. Por exemplo, conhecer os sistemas administrativo, fiscal e de saúde do país, familiarizar com os aspetos socio-culturais do local, bem como dominar os idiomas necessários. Outras competências e características que considero sempre importantes incluem a resiliência e capacidade de rápida adaptação a vários ambientes e mudanças; tolerância e compreensão social e cultural; flexibilidade e capacidade de aceitação de novos ideais e formas de viver; boa comunicação oral e escrita para várias audiências; uma boa quantidade de coragem e persistência e também humildade. Considero ainda importante o trabalho de auto-conhecimento que vem com a capacidade de nos analisar e identificar os nossos pontos fortes e as nossas vulnerabilidades, de forma a tornarmo-nos mais conscientes de como nos posicionar melhor. No entanto, a melhor forma de adquirir estas características ou competências é mesmo expormo-nos a situações em que necessitemos das mesmas. Como preparação, pode-se começar com experiências de curta duração como, por exemplo, estágios. No meu caso, antes de ir trabalhar para fora de Portugal, eu fiz dois estágios no estrangeiro durante o mestrado, o que me permitiu explorar a minha capacidade de adaptação e forneceu ferramentas fundamentais para tomar a decisão de ir para o estrangeiro como mais facilidade e mais segurança. E gosto sempre de lembrar que é vantajoso que coloquemos a nós
23
próprios as seguintes questões antes de se sair de Portugal: O que me leva a sair de Portugal ou o que me leva a ficar em Portugal? Ao sermos honestos e espontâneos nas respostas, ficamos aqui com um Guia para a nossa jornada.
OP: Com a evolução do meio digital, fica cada vez mais difícil de conter a disseminação de informação errada e não fidedigna, que potencia o negacionismo científico. Dado que se trata de uma problemática que põe em risco a saúde pública, que estratégias é que recomenda para promover literacia em saúde e mitigar este fenómeno?
MRS: Vivemos num período, em que conseguimos justificar com facilidade tudo em que queremos acreditar. A informação é tão facilmente manipulada, que se procurarmos conseguimos sempre encontrar argumentos viáveis ou artigos aparentemente fidedignos que suportem o “contra” ou o “a favor” sobre qualquer assunto. Esta problemática é maior do que parece, pois leva a que aqueles que se questionam se tornem cada vez mais céticos sobre tudo o que ouvem e vêem e os que os seguem sem se questionar, a viverem a ansiedade de serem apresentados cada vez mais por informação contraditória, toda ela sustentada por fontes aparentemente fidedignas. Isto gera pontos de vista diferentes, que quando “cientificamente” sustentados, promovem discórdias e divisões na população, bem como problemas sérios de saúde mental e pública, como temos observado nos últimos anos sobre as mais diversas temáticas. O “negacionismo científico”, como é chamado nos dias de hoje, assume que existe uma negação a um ponto de vista cientificamente justificado e, portanto, faria sentido utilizar-se esta terminologia se vivêssemos num mundo onde se verificasse que apenas um ponto de vista tivesse ciência que o sustentasse. No entanto, essa não é a realidade em que vivemos hoje, pois conseguimos com facilidade encontrar artigos científicos de revistas com renome que sustentem duas ou mais posições diferentes sobre um tópico. Portanto se todos refletirmos um pouco, a terminologia “negacionismo científico”, nos dias de hoje, não é nada menos que uma designação aplicada a todos aqueles que não concordem com um ponto de vista, seja ele “a favor” ou “contra”. Esta designação é apenas mais um instrumento que gera a iliteracia em saúde por promover a colocação de rótulos, discórdia e a divisão entre profissionais de saúde, não permitindo que haja lugar para os chamados “diálogos socráticos”, que beneficiariam a literacia de muitos profissionais. A aprendizagem e a literacia vêm muitas vezes não com aquilo que sabemos, mas com o que não sabemos, e, portanto, passa também por mantermo-nos atentos, abertos e questionarmo-nos. Na minha ótica, não há uma fórmula imediata para solucionar esta problemática nem “one-size fits all”, senão através do esforço e responsabilidade individual de cada um em manter-se devidamente informado. A minha recomendação baseia-se apenas na estratégia que pratico comigo e passa pela minha análise individual dos factos: por exemplo, continuar a seguir as fontes de informação que considero mais fidedignas, estar aberta para ouvir e ler opiniões contrárias às minhas ou argumentos diferentes ou novos, questionar-me sobre o que é que faz mais sentido, de acordo com o conhecimento que tenho, e, sempre que acho necessário, procurar saber mais ou encontrar mais dados que fundamentem adequadamente um ponto de vista. E nem sempre temos de ter uma posição a defender, por vezes, podemos simplesmente escolher o caminho “do meio”, podemos escolher não ser “contra” nem “a favor”, quando consideramos que não há evidência suficiente que nos permite chegar a uma conclusão plausível. Nem tudo tem de ser de extremos, e quando não se está “a favor”, não quer dizer que se esteja “contra”. Devemos ter humildade para aceitar que nem sempre estamos devidamente informados para ter uma posição ou dar um aconselhamento. Quando se trata de saúde pública, nesses casos, muitas vezes, “menos é mais” e dar menos é melhor do que aconselhar erroneamente. Este exercício é particularmente importante para nós, farmacêuticos, e para a atividade que exercemos, pois temos um papel fundamental no aconselhamento e esclarecimento da população, o que acarreta também grandes responsabilidades.

OP: Para finalizar, que conselhos gostaria de deixar aos nossos leitores, sendo eles maioritariamente estudantes da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra?
MRS: É com prazer que deixo algumas mensagens, as quais gostaria de ter recebido enquanto estudante e que acredito que podem ser úteis aos leitores na transição para o mundo do trabalho. A primeira é que apenas quando tentamos ir mais longe sabemos o quão longe podemos ir. É possível ser um jovem farmacêutico com pouca experiência profissional e alcançar qualquer sonho, chegar a qualquer lado, explorar várias áreas de trabalho, ir além-fronteiras, sem limitações. Enquanto farmacêuticos formados na FFUC, têm uma formação de excelência, o que no mundo do trabalho, vos vai permitir sentir confortáveis para explorar várias áreas, e ir além-fronteiras. No ano após terminar o meu Mestrado, eu estava a trabalhar na EMA em assuntos internacionais e poucos anos mais tarde, com menos de 30 anos, estava na OMS a desempenhar funções em políticas de saúde internacional. Nenhum destes tópicos se aprende na faculdade e nem eu tão pouco sabia que um farmacêutico poderia desempenhar funções nestas áreas. Isto só foi possível porque me senti sempre confortável para aceitar o próximo desafio, apoiada e sustentada por uma formação sólida. A experiência profissional ao longo dos anos foi indispensável para todas as minhas etapas, mas a minha formação foi a base para me sentir apta a desempenhar as minhas funções de forma confiante. Por isso, gostava de vos lembrar para não colocarem limitações de qualquer tipo, assim que iniciarem o vosso percurso profissional. Enquanto farmacêuticos, existem várias áreas para explorar e este é um mundo de infinitas possibilidades. Mas como uma amiga me disse, sejam interessados, pois só assim podem ser interessantes. A realização é também proporcional à dedicação e empenho. E não se esqueçam de ir celebrando as pequenas vitórias pelo caminho, pois são essas que dão o sustento, a satisfação, a realização e a motivação para continuar. Se estivermos sempre a pensar na próxima meta e não celebrarmos a que alcançámos hoje, vivemos apenas na ansiedade do futuro, constantemente frustrados e insatisfeitos. Mas também não tenham pressa para mostrar aos outros as vossas conquistas, pois poderão cair no erro de não estarem a percorrer o vosso caminho, mas aquele que vos dará a aprovação dos outros. O reconhecimento verdadeiramente merecido vem sempre de forma natural, não precisa de ser exibido. Se por vezes, for do vosso interesse alterar o curso do vosso trajeto e, para tal, tiverem que dar um passo para trás para depois dar dois para a frente, façam-no sem medos, pois vamos sempre a tempo de mudar e de ser bem-sucedidos nessa mudança. Quando eu me despedi da EMA em 2016, para muitos era como se eu estivesse a andar para trás e não tardou muito até eu ter a confirmação de que tomei a decisão mais acertada. Hoje sou apaixonada pelo meu trabalho, não me importo de trabalhar noites ou fins de semana, o que significa que depois de ter um dado um passo para trás, em pouco tempo dei dez para a frente. Gostava também de salientar a importância da ética e integridade no caminho que percorremos, pois no mundo do trabalho todos somos substituíveis. Apesar de alguns pensarem o contrário, a verdade é que quando saímos de uma posição e alguém vem para o nosso lugar,com mais ou menos qualidade, o trabalho continua.
O que fica de nós em cada lugar por onde passamos é a forma como marcamos os outros e o legado que deixamos em cada local.
E por fim, gostaria apenas de lembrar que não existe uma fórmula de sucesso que se aplique a todos de formal igual. É útil termos referências que admiramos e que utilizamos como guias no nosso caminho, mas não existe one-size fits all que se aplique neste contexto. Somos todos diferentes, com características, preferências e ambições diferentes. Como tal, é sempre perigoso adotar ou copiar modelos que se aplicaram a “role models”, arriscando viver limitações e frustrações desnecessárias. Em vez de adotar, experimentem a adaptar o que vos interessa à vossa realidade, às vossas necessidades, preferências e aspirações. Apesar de parecer básico, esta tem sido a maior pitfall que tenho vindo a observar nos que me rodeiam. E isto deve ser considerado com atenção para não arriscarem viver a vida de outros em vez da vossa, e sonharem com algo que não vos satisfará ou se aplicará no vosso contexto. Reflitam de forma honesta sobre a vossa definição do que é ser bem-sucedido em todos os setores e criem a vossa própria definição de “sucesso”, de acordo com aquilo que são e que desejam alcançar. Tenham a audácia de sonhar, de se expandirem sem medos, de ser autênticos e de criarem os vossos próprios modelos à imagem da vossa realidade.
Pelouro da Educação e Promoção para a Saúde INSÓNIAS
Para onde vamos quando não dormimos?
Dormir é uma necessidade básica do ser humano que permite, não só o descanso do corpo, mas também a reorganização e equilíbrio emocional da mente. A privação do sono acarreta graves consequências e, de entre as várias perturbações, falamos agora especificamente das insónias. Trata-se de um distúrbio de natureza psicológica (refletida a nível psicológico e fisiológico), caracteriando-se como uma experiência subjetiva de sono desadequado e/ou de qualidade limitada apesar da existência de condições adequadas para o fazer. As principais queixas associadas são a má qualidade do sono e o facto de o descanso não ser, na realidade, reparador. As consequências deste problema refletem-se, como já referido, a vários níveis, por exemplo, prejudicando a regulação emocional, causando a sensação de constante cansaço físico, dificultando o desempenho das funções cognitivas básicas e influenciando o funcionamento social, ocupacional e de outras atividades diurnas. Trata-se, de facto, de um problema significativo, na medida em que o sono representa cerca de um terço da vida humana e tem uma importância vital para a recuperação física e psíquica. A insónia pode manifestar-se de variadas formas:
Insónia inicial
Quando o sono termina de forma precoce
Insónia relativa
Dificuldade em adormecer ou em manter um sono profundo e reparador
Insónia absoluta
Quando a dificuldade é iniciar o sono
Podemos ainda caracterizar a insónia quanto à sua duração, sendo de duração aguda, se inferior a quatro semanas ou crónica, se superior a quatro semanas, verificando-se a existência de sintomas em pelo menos três noites durante a semana.
Nos países europeus, tem-se vindo a verificar um aumento dos gastos com medicamentos para dormir, uma realidade que constitui uma preocupação crescente.
Em Portugal, 28,1% da população com mais de 18 anos de idade apresenta sintomas de insónia. Este número pode atingir os 50% se falarmos da população acima dos 65 anos, o que, juntando ao processo natural de envelhecimento, pode diminuir significativamente a qualidade de vida da população. Como consequências, assistimos ao aumento da mortalidade causada por doenças cardiovasculares, distúrbios psiquiátricos, diabetes, acidentes e absentismo laboral.
Por ser sub-diagnosticada, muitos pacientes não recebem o tratamento adequado. É de referir que a insónia pode ser uma doença por si só, um sintoma de uma outra doença ou uma consequência de má higiene de sono e de vida. Alguns sinais de que podemos estar a sofrer de insónia são o facto de nos sentirmos ansiosos antes de dormir, com pensamentos acerca de assuntos que nos preocupam, sentir agitação e stress, preocupação constante com a qualidade do sono, medo de não adormecer ou de dormir mal, dificuldade de concentração durante o dia, fadiga e cansaço depois de uma noite de sono, pesadelos frequentes e ainda padrão de sono alterado.
A abordagem que traz alterações significativas e naturais na qualidade do sono é a psicoterapia, que incide nas causas da insónia a fim de acabar com a mesma. Pode complementar-se a terapêutica farmacológica com a não farmacológica; neste último caso, por exemplo, através de terapia cognitivo-comportamental, conjugada com a prática de exercício físico (só de manhã ou ao início da tarde), ingestão de um jantar leve acompanhado de pouca água e outros hábitos saudáveis, como não fumar nem beber álcool ou bebidas com A insónia absoluta está intrinsecamente ligada a ataques de pânico ou memórias de eventos traumáticos na hora de adormecer, visto que a mente cria resistência ao sono como forma de evitar esses episódios.
Como forma de tratamento, é utilizada a intervenção farmacológica, com recurso a medicação indutora do sono (não trazendo alterações sustentadas na qualidade do sono, induzindo apenas o sono através de substâncias químicas, que acabam por causar dependência e alguns efeitos secundários indesejados).

cafeína. É também recomendado utilizar o quarto apenas para dormir e não para trabalhar ou comer. Paralelamente, tomar fármacos hipnóticos e sedativos, tem vindo a revelar-se um tratamento eficaz, por exemplo, as benzodiazepinas e a melatonina, sendo os fármacos mais comuns aos quais recorremos na tentativa de controlar a insónia.