Zeppelin: algumas crônicas — Mário de Andrade

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Memória e assombração

Outro dia maltratei bastante o valor da linguagem como instrumento expressivo da vida sensível. Agora conto um caso que exprime bem a força dominadora das palavras sobre a sensibilidade. Quem reflita um bocado sobre uma palavra há de perceber que mistério poderoso se entocaia nas sílabas dela. Tive um amigo que às vezes, até na rua, parava, nem podia respirar mais, imaginando, suponhamos, na palavra “batata”. “Ba” que ele, “ta” repetia, “ta” assombrado. Gostosissimamente assombrado. De fato, a palavra pensada assim não quer dizer nada, não dá imagem. Mas vive por si, as sílabas são entidades grandiosas, impregnadas do mistério do mundo. A sensação é formidável. Porém o caso que eu quero contar não é esse não, e se passou com a minha timidez. Entre as pessoas que mais estimo está Prudente de Morais, neto, o escritor que tanto fez com a Estética, pra dar uma ordem mais serena ao movimento das nossas letras modernas. Há 91


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