Introduã§ã£o ã teologia armã­nio wesleyana [vinicius couto]

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Introdução à Teologia Armínio-Wesleyana

Vinícius Couto

http://agraphai.blogspot.com.br/


A teologia arminiana é muitas vezes desconhecida no meio protestante e é caricaturada, constantemente, de forma precipitada. Calvinistas equivocam-se sobre conceitos fundamentais de nosso pensamento e até mesmo alguns irmãos que se intitulam arminianos fazem confusão sobre nosso posiciona­ mento. Esta obra, além de desmitificar os equívocos relacionados à teologia arminiana, relaciona os axiomas do arminianismo de forma clara e objetiva, reforçando o conhe­ cimento básico de tal ramo do pen­ samento cristão. Este livro é indica­ do para seminaristas, estudiosos das doutrinas da graça e, sobretudo, para os membros de denominações confessionalmente arminianas em sua soteriologia.


Introdução à Teologia Armínio-Wesleyana


VINÍCIUS COUTO

Introdução à Teologia Armínio-Wesleyana

6 M Xo/lA. fyjlLvilÃO


VINÍCIUS COUTO. 2014 Editora Executiva

Caroline Dias de Freitas

Revisão Impressão

Forma Certa Gráfica e Editora

Conselho Editorial

Prof. Dr. Antônio Máspoli de Araújo Gomes

Cláudia Cintra

Prof. Dr. Edson Pereira Lopes

Tiragem: 1000 exemplares

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http://agraphai.blogspot.com.br/ Dados internacionais de Catalogação Câmara Brasileira do Livro , SP, Brasil

na publicação

(CIP)

couto, VINÍCIUS

I . Religião 2. Teologia I. Titulo. 1. Série.

06-6456

índices para catálogo sistemático: 1. Teologia Arminiana 2. Teologia Wesleyana 3. Título

CDD-809


Dedico esta obra a m inha fam ília, que alÊm de me dividir com o com pu­ tador, deu-me gran d es incentivos p a ra concretiza-la; e ao s m eus am igo s que me encorajaram p a ra que este projeto f o s s e publicado.


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cV Sumario

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Prefácio.....................................................................................................09 Prefácio..................................................................................................... 11 Introdução................................................................................................ 13 Capítulo 1 Introdução ao arminianismo................................................................... 15 Capítulo 2 Eleição Condicional.................................................................................. 28 Capítulo 3 Expiação ilimitada................................................................................... 41 Capítulo 4 Depravação total...................................................................................... 55 Capítulo 5 Graça Preveniente.................................................................................... 68 Capítulo 6 Perseverança dos santos.

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PREFACIO O lugar de escritor cristão nunca ficou vazio, pois o Mestre sempre levanta e faz surgir uma voz no deserto. A mim, com mais de quatro décadas no ministério 10 0 % ativo, me parece que a Igreja que Jesus amou e deu Sua Vida por ela; parece-me que ela está no deserto do tão necessário aprendizado conhecimento te­ ológico. Já nos idos séculos do Antigo Testamento, a voz do Altís­ simo ressoava “... O meu povo está sendo destruído por lhe faltar o conhecimento”. Graças à interferência do alto, o povo todo não foi destruído e o conhecimento das verdades chegou e continua chegando até nós. Nas viagens que fazemos aos quatro cantos da terra, especial­ mente quando participamos de congressos e conferências, com participação de povos de todas as nações, nos prostramos ante o Rei que fez e faz que o conhecimento da Sua verdade chegue até os confins da terra. Como as águas cobrem o mar, assim a terra se encherá do conhecimento de Deus. E nesses dias de acentuado descaso do aprendizado teológico, temos que a Deus se primam por em diferentes e distantes lugares levantar homens que zelo do conhecimento. Sinto-me honrado em apresentar ao mundo dos ledores e da­ queles que dia-após-dia se colocam para ministrar em seminários e classes afins; O jovem teólogo e escritor, Ministro da Igreja do Nazareno, Vinícius Couto, que depois de acurada investigação co­ loca em nossas mãos - Introdução à Teologia Armínio-Wesleyana, que sem dúvida é uma obra rica de valores e conteúdos raros, providos conhecimentos dos mestres do saber. Amadeu Aparecido Teixeira

Pastor da Igreja do Nazareno de Mesquita Superintendente Distrital Membro da Junta Internacional da Igreja do Nazareno 9



PREFACIO Mais cedo ou mais tarde, não necessariamente no início da con­ versão, os fiéis acabam se perguntando se a salvação pode ou não ser perdida, se a eleição divina elimina o livre-arbítrio, se as pessoas podem fazer ou não algo para sua salvação, se o homem pode ado­ rar e agradar a Deus sem conhecê-lo e se o pecado de Adão afeta seus descendentes ou não, bem como diversas questões semelhan­ tes. Todas essas dúvidas se enquadram na doutrina da salvação e este livro contrasta de forma clara, precisa e correta as posições calvinista e arminiana. Na teologia, porém, a doutrina cristã não é auto-sustentável. As doutrinas cristãs formam um mosaico onde, em vez de peças, te­ mos de falar de dimensões transversais. Cada uma das doutrinas cristãs afeta às outras em um movimento recíproco e contínuo. Por­ tanto, a doutrina da salvação se fundamenta na doutrina de Deus. Da mesma forma, a doutrina da salvação fundamenta a doutrina de Deus. Estas duas doutrinas, por sua vez, não podem ser separadas da doutrina do homem, a antropologia. A salvação é para o homem e o homem é para a salvação. Neste livro você vai encontrar pelo menos duas posições con­ trastadas em alguns aspectos da salvação, de Deus e do ser huma­ no. Convido os leitores a se perguntarem: de que tipo de Deus fala esta posição? É o Deus que conhecemos na vida, morte e ressurrei­ ção de Jesus Cristo? De que tipo de ser humano assume esta posi­ ção? É o ser humano que se reflete na vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo? De que tipo de salvação está falando esta posição? Ela está falando sobre a salvação que se executa e se revela na vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo?

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Jesus Cristo é o Deus-Homem. É a imagem perfeita de Deus, mas também a perfeita imagem de um ser humano. A vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo é contada no Antigo Testamento, o que podemos chamar de “pré-história de Jesus Cristo”. Da mesma forma, o Novo Testamento narra a vida, morte e ressurreição de Cristo. É sua história. Como o pastor Vinícius Couto nos disse, o mais importante não é sermos de Paulo, de Apoio ou de Pedro. Vale também lembrar que, a mesma passagem de 1 Coríntios nos diz que existe um jeito errado de ser de Cristo. Aqueles que diziam se­ rem de Cristo não estavam em uma posição melhor do que aqueles que alegavam ser Pedro, Paulo ou Apoio. Por isso, não podemos ser omissos quanto à nossa posição te­ ológica. Creio que esta obra ajudará a elucidar e divulgar de forma mais precisa o pensamento arminiano-wesleyano. É meu desejo e minha oração que sejamos todos nós achados em Cristo Jesus; que sejamos achados nEle quando partirmos para Sua presença; que sejamos achados em Cristo quando Ele vier pela segunda vez e que sejamos achados em Cristo Jesus todos os dias de nossas vidas.

Sadrac Meza Perez, Ph.D

Diretor da Escuela de Estúdios Pastorales de Costa Rica Professor de Interpretación y Exposición Bíblica no Seminário Na­ zareno de las Américas

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INTRODUÇÃO A teologia arminiana é muitas vezes desconhecida no meio protestante. Calvinistas equivocam-se sobre conceitos fundamen­ tais de nosso pensamento e até mesmo alguns irmãos que se in­ titulam arminianos fazem confusão sobre nosso posicionamento. Há alguns dias encontrei um pastor (arminiano) que afirmava algo incoerente com a doutrina da depravação total do homem. Ele achava que a raça humana podia dar o primeiro passo em re­ lação a Deus e pregava isso insistentemente. Todavia, esse pensa­ mento foi rejeitado pela Igreja e isso ficou conhecido como semi-pelagianismo. Teremos uma abordagem mais direta em um de nossos capítulos a esse respeito, mas vale aqui a observação de como nosso pensamento ainda não está devidamente alinhado. Em função de equívocos como esse, é que vemos os nossos irmãos calvinistas nos acusarem de sermos semi-pelagianos, mas o arminianismo clássico não prega essa mensagem. Outra coisa interessante, é que as pessoas normalmente associam o arminia­ nismo ao livre-arbítrio e esse não é o carro chefe da nossa posição doutrinária. Antes, partimos do pressuposto da eleição amorosa realizada pela presciência divina em Cristo Jesus. A base do armi­ nianismo é o amor de Deus e não a vontade do homem! O objetivo primário desta obra, portanto, é mais para esclarecer o povo cristão e dar as diretrizes e os rudimentos do pensamen­ to arminio-wesleyano. Não é nossa pretensão escrever uma obra exaustiva, mas introdutória, que dê aos segmentos tanto arminia­ nos quanto calvinistas, explicações básicas de nossa doutrina.

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Outro fator motivador para que esta obra fosse formada, se dá em virtude da escassez de material arminiano em nossas li­ vrarias no idioma português. Se compararmos com o calvinismo, estamos consideravelmente aquém. Pouquíssimas teologias siste­ máticas foram traduzidas para nosso idioma e até desconheço al­ gum teólogo brasileiro que tenha escrito uma teologia sistemática declarativamente arminiana. Desejo que esta obra possa, primeiramente, edificar aos ir­ mãos e ajudar-lhes no conhecimento de base da teologia armínio-wesleyana. Em segundo lugar, pretendo contribuir para o despertamento do arminianismo no solo brasileiro, e finalmente, acredito que essa fagulha literária arminiana poderá incentivar a outros mestres e doutores de nossa teologia a prepararem mais materiais, e quem sabe até uma teologia sistemática. Sem mais delongas, venhamos conhecer a teologia armínio-wesleyana. Que Deus lhe abençoe nessa leitura! Pr. Vinícius Couto.

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CAPÍTULO 01 Introdução ao arm inianism o

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Salvação é um tema que sempre gerou e continua a gerar curiosidades e anseios no cerne da alma humana. Certo jovem abastado procurou Jesus e perguntou: “Bom Mestre, que hei de fa­ zer para herdar a vida eterna?” (Mc 10.17). Em outra ocasião, um dos doutores da Lei, querendo experimentar a Cristo, questionou: “Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” (Lc 10.25). Alguns sistemas de crença dizem que a salvação se dá por meio de boas obras, atribuindo mérito ao ser humano e invalidan­ do o sacrifício de Cristo por meio de uma auto salvação. Outros sistemas pregam uma esperança baseada em constantes reencarnações, nas quais o esforço humano as proporcionará melhores condições em suas vidas subsequentes. Há, ainda, o sistema universalista, o qual prefere ludibriar a consciência do homem sob o falso entendimento de que no final das contas todos serão salvos, independentemente da Obra Vicária de Cristo e sua eficácia para com aqueles que O receberam (Jo 1.12). Todas essas posições são contrárias à perspectiva da Palavra de Deus (cf Ef 2.8,9; Hb 9.27; Jo 3.16). Nesta obra poderemos observar os dois principais sistemas que discorrem sobre a salvação do homem dentro do protestantismo. O primeiro se baseia na predestinação divina, cuja atuação é unicamente monergista, e o último, no sinergismo entre Deus e homem, cuja atuação se dá através da graça preveniente e do livre-arbítrio humano.

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1.1 Antecedentes históricos Esses dois conceitos paradoxais remontam aos dias de Agos­ tinho, o qual defendia que o homem é predestinado por Deus e, portanto, não possui capacidade de escolher Cristo e Sua obra sal­ vadora. Para que o homem seja salvo, é necessário que Deus atue com sua graça irresistível e o regenere. As doutrinas soteriológicas de Agostinho foram formadas an­ tes e durante o embate da controvérsia pelagiana. Pelágio foi um austero monge e popular professor em Roma. Sua austeridade era puramente moralista, ao ponto de não conseguir conceber a ideia de que o homem não podia deixar de pecar. Pelágio estava mais interessado na conduta cristã e queria me­ lhorar as condições morais de sua comunidade. Sua ênfase parti­ cular recaía na pureza pessoal e na abstinência da corrupção e da frivolidade do mundo, resvalando no ascetismo .1 Ele negava a ênfase de Tertuliano ao pecado original, sob a argumentação de que o pecado é meramente voluntário e indivi­ dual, não podendo ser transmitido ou herdado. Para ele, crer no pecado original era minar a responsabilidade pessoal do homem. Ele não concebia a ideia de que o pecado de Adão tivesse afetado as almas e nem os corpos de seus descendentes. Assim como Adão, todo homem, segundo o pensamento pelagiano, é criador de seu próprio caráter e determinador de seu próprio destino .2 No entendimento pelagiano, o homem não possui uma ten­ dência intrínseca para o mal e tampouco herda essa propensão de Adão, podendo, caso queira, observar os mandamentos divinos sem pecar. Ele achava injusto da parte de Deus que a humanidade herdasse a culpa de outrem e desta forma negava a doutrina do pecado original. Desta forma, Pelágio passou a ensinar uma doutrina exageradamente antropocêntrica e focada no livre-arbítrio, ensinando 1. MCGIFFERT, Arhur Cushman. A History o f Christian Thought, Volume 2. Charles Scribner’s Sons, 1953, p. 125. 2. Ibid, p. 126. 16


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que, ao criar o homem, Deus não o sujeitou como fizera com as outras criaturas, mas “deu-lhe o privilégio singular de ser capaz de cumprir a vontade divina por sua própria escolha”3. Como Pelágio baseava suas teorias em uma abordagem mora­ lista, entendia que a desobediência do homem vinha do exemplo e dos costumes observados ao redor, podendo pela própria força, al­ cançar a perfeição mediante grande esforço de sua própria vontade. Em contrapartida, Agostinho sustentava que Adão fora criado em um estado original de retidão e perfeição e estaria, em seu estado original, isento de males físicos, dotado de alta intelectua­ lidade, bem como num estado de justificação, iluminação e bem aventurança inigualáveis, além de ter a inclinação de sua vontade para a virtude.4 A gravidade do pecado de Adão foi tal, que a consequência foi uma tragédia para a humanidade, a qual se tornou uma massa de pecado (massa damnata), isto é, um antro pecaminoso e pro­ pagador de pecadores. As bases agostinianas para a doutrina do pecado original se encontravam em passagens como SI 51; Ef 2.3; Rm 5.12 e jo 3.3-5. Uma vez que o homem havia cedido ao pecado, a natureza hu­ mana foi afetada obscuramente pelas consequências do mesmo, tornando-se desordenada e propensa para o mal. Sendo assim, sem “a ajuda de Deus é impossível, pelo livre-arbítrio, vencer as tentações desta vida ”.5 Essa ajuda divina para escolher o certo, ou retornar para Deus, era Sua graça, a qual Agostinho define como “um poder interno e secreto, maravilhoso e inefável”6 operado por Deus nos corações dos homens. Para Agostinho, a graça divina antevê e provoca cada impul­ so na vontade do homem. Essa graça é expressão da soberania de Deus, não podendo ser resistida. Para explicar o antagonismo da irresistibilidade frente ao livre-arbítrio, o Bispo de Hipona diz 3. KELLY, J. N. D. Patrística: Origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da f é cristã. Vida Nova, 1994, p. 270. 4. AGOSTINHO, Aurélio. De civitate Dei 14.11. 5. AGOSTINHO, Aurélio. Enarrationes in Psalmos 89.4. 6. AGOSTINHO, Aurélio. De gratía Christi et Peccatum Originale 1.25. 17


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que a liberdade do homem é baseada nas motivações. Sendo as decisões do homem, portanto, um fruto do meio, o homem não regenerado que vive em uma atmosfera de concupiscência esco­ lherá o mal. A graça divina, porém, cura o homem e restaura seu livre-arbítrio, substituindo seu sistema de escolhas.7 1.2 Outros referenciais históricos A questão do livre arbítrio é um tema que sempre teve seu espaço na teologia, fosse na antiguidade clássica, na era patrológica ou na contemporaneidade. Normalmente no embate predes­ tinação x livre-arbítrio, o nome mais lembrado é o do eminente teólogo supracitado, Agostinho, cuja notoriedade contra a contro­ vérsia de Pelágio é consabida, entretanto, outros nomes também são dignos de consideração. Justino Mártir (100-165) dizia que, embora não tenhamos tido escolha alguma no nascimento, em virtude dos poderes racionais que Deus nos deu, podemos escolher viver ou não de modo acei­ tável a Ele, não havendo desculpas quando agimos erroneamente. Ele dizia, ainda, baseado na pré-ciência divina que, Deus não pre­ determina as ações dos homens, mas prevê como irão agir por sua própria vontade, podendo inclusive, anunciar antecipadamente esses atos .8 Concordavam com a livre escolha do homem os apo­ logistas Atenágoras (133-190), Teófilo (-186) e Taciano (120-180). Vale a pena comentar a opinião de Tertuliano (160-220). Ele cria que o homem é como um ramo cortado do tronco original de Adão e plantado como uma árvore independente. Sendo assim, o homem herdou através da transgressão de Adão a tendência ao pecado. Como resultado do pecado de Adão, carregamos mácula e impureza. Apesar disso, o homem detém livre-arbítrio e é respon­ sável por seus próprios atos .9

7. AGOSTINHO, Aurélio. De gratia et libero arbítrio liber 31 \De Spiritu et Littera 52. 8. KELLY, J. N. D. Op. Cit., p. 125. 9. Ibid, p. 131. 18


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Muitas controvérsias em torno do livre-arbítrio se deram por equívocos exegéticos. Clemente de Alexandria (150-215), negava o pecado original baseado, por exemplo, em Jó 1.21. Segundo ele, a declaração de que Jó havia saído nu do ventre de sua mãe, deixa­ va implícito que as crianças entram no mundo sem pecado. Essa má interpretação e ênfase exagerada no livre-arbítrio, levava-o a professar que “Deus deseja que sejamos salvos por nossos pró­ prios esforços”.10 Outros esforços na defesa do livre-arbítrio também se deram nas disputas contra os maniqueístas. Estes questionavam a be­ nevolência de Deus e lhe outorgavam a autoria do pecado. Se o homem herda de Adão a culpa e o pecado, não possuímos poder de escolha. Logo, raciocinavam eles, Deus é o autor do mal. Contra esses argumentos, levantaram-se homens como Cirilo de Jeusalém (313-386), Gregório de Nissa (330-395), Gregório de Nazianzo (329-389) e João Crisóstomo (347-407). Infelizmente, eles acaba­ ram negando o pecado original afirmando que crianças recém-nascidas estão isentas de pecado, embora cressem que a raça humana foi afetada pelo pecado de Adão.11 O entendimento sobre o livre-arbítrio foi sendo amadurecido. No século V, por exemplo, temos na expressão de Teodorete (393466), o pensamento de que, embora o homem necessite da graça divina e sem esta é impossível dar um só passo na “senda que conduz à virtude, a vontade humana tem de colaborar com tal gra­ ça”, pois existe a necessidade de um sinergismo “tanto de nossos esforços quanto da assistência divina. A graça do Espírito não é as­ segurada àqueles que não fazem esforço algum” ao mesmo tempo que “sem essa graça é impossível que nossos esforços recebam a recompensa da virtude”.12 À semelhança de Teodorete, Teodoro de Mopsuéstia (350-428) dizia que o livre-arbítrio pertence a seres racionais. Na opinião

10. íbid, p. 134. 11. Ibid, p. 263-264. 12. Ibid, p. 283. 19


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dele, todos os homens possuem conhecimento do bem o tempo todo, bem como capacidade de escolher entre o certo e o errado. Ele não negava os efeitos da queda na humanidade e dizia que os homens possuem propensão definida para o pecado e que se for para o homem passar deste 13 estado caído para a vida bendita reservada por Deus é necessária a operação graciosa da dádiva divina no homem. Saltando oito séculos, chegamos a outra pessoa que deu sua enorme contribuição à doutrina do livre-arbítrio: Tomás de Aquino (1225-1274). Ele dizia que “em cada ser intelectual há vontade, assim como em cada intelecto”.14 Seu conceito sobre vontade é de que esta é um poder para atrair ou afastar aquilo que é apreendi­ do pelo intelecto.15 Apesar de Deus mover a vontade, “já que ele move todo tipo de coisa de acordo com a natureza da coisa mo­ vida... ele também move a vontade de acordo com sua condição, como indeterminadamente disposta a várias coisas, não de forma necessária ”.16 Feser explica a posição Aquiniana fazendo a seguinte analogia: quando escolhemos tomar café ao invés de chá, poderiamos fazer diferente. A cafeteira, por sua vez não pode mudar sua função sozinha. Isto é assim porque nossa vontade foi a causa de tomar­ mos café, enquanto que algo fora da cafeteira (programações de instruções, corrente elétrica fluindo para ela da tomada na pare­ de, as leis da física, etc) foi a causa de seu comportamento. Deus causa os dois eventos de uma maneira consistente com tudo isto, ou seja, enquanto que ao causar sua livre escolha ele causa algo que opera independentemente do que acontece no mundo à sua volta. Ele conclui dizendo que, embora seja Deus a causa última da vontade e da ordem causai natural, Ele não mina a liberdade do homem, mas a faz possível no sentido que assim como nas causas naturais, se escolhas livres não fossem causadas por Deus, elas nem poderíam existir.17 13. 14. 15. 16. 17.

Ibid, p. 283. AQUINO, Tomás de. Suma Teológica 1.19.1. AQUINO, Tomás de. Suma Contra Gentios IV. 19. AQUINO, Tomás de. Questões disputadas sobre o mal 6. FESER, Edward. Aquinas, a Begginefs Guide. One World, 2009, pp. 150-1 51. 20

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1 .3 A influência calvinista

Na Idade Média as pessoas procuravam, muitas das vezes, uma solução eterna baseada em um documento assinado pelo pontífi­ ce da igreja romana. Essas indulgências prometiam efetuar um pagamento mais completo da dívida que o pecador deve a Deus e amenizar as exigências futuras em um suposto purgatório.18 Nessas condições decadentes da teologia medieval romana, emergiu a Reforma Protestante e doutrinas como Sola Fide, Sola Scriptura, Solus Christus, Sola Gratia e Soli Deo Gloria19 foram verberadas com veemência. A proposta do presente livro é entendermos melhor acerca do que conhecemos como arminianismo. Entretanto, não há possibi­ lidade de falar de Armínio sem comentarmos de Calvino. Quando Lutero afixou as 95 teses na porta da igreja no castelo de Wittenberg, Calvino tinha oito anos de idade. Natural de Picar­ dia, na França, Calvino nasceu em 1509 e morreu em 1564 e foi sem sombra de dúvidas, um proeminente teólogo protestante e líder eclesiástico, dono de uma mente brilhante. Ele recebeu grau de mestre em teologia no início do ano de 1528, mas a pedido de seu pai deu inicio ao estudo de Direito, em Orleans. Com a morte de seu pai em 1531, Calvino pôde retornar às suas preferências teológicas e dedicou-se ao estudo das línguas grego, hebraico e latim. Vendo dificuldade para que houvesse reforma em Paris, Calvi­ no mudou-se para Basel, na Suíça. Lá, ele escreveu e publicou suas institutas no ano de 1536. Em seus comentários sobre os salmos, ele contou ter passado pelo o que ele mesmo denominou de “sú­ bita conversão”, dizendo que outrora estava “teimosamente preso às superstições do papado” e que não era possível desvencilhar-se 18. SWEENEY, Charles, lndulgences. Enciclopédia do site newadvent.org. Dispo­ nível em: http://www.newadvent.org/cathen/07783a.htm. Acesso em 04/04/2013 às 16:46. 19. Os cinco solas foram expressões surgidas durante a Reforma Protestante e significam, respectivamente, somente a fé, somente as Escrituras, somente Cris­ to, somente a graça e somente a Deus a Glória. As frases, que foram escritas em latim, sintetizam os rudimentos fundamentais dos reformadores. 21


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desse profundo lamaçal, mas que Deus havia subjugado seu cora­ ção da obstinação de sua idade para a docilidade e conhecimento da verdadeira piedade, mediante Sua providência secreta ,20 Outros reformadores desenvolveram pensamentos que, uni­ dos com os de Calvino, formaram uma tradição que é chamada de Reformada. Dentre esses teólogos reformadores, podemos citar Martin Bucer, Heinrich Bullinger e Ulrico Zwinglio. Essa escola de pensamento é também chamada de Calvinismo. 1.4 Jacó Armínio Armínio foi um teólogo holandês, nascido em Oudewater (1560 - 1609). Ele estudou entre os anos de 1576 e 1582 na Uni­ versidade de Leiden, na Holanda, onde posteriormente foi profes­ sor desde 1603 até sua morte. Johann Kolmann, um de seus professores de teologia nesse período, acreditava e ensinava que o alto calvinismo tornava Deus um tirano e carrasco, o que certamente influenciou as idéias de Armínio. Em 1582, começou a estudar em Genebra e teve como um de seus mestres o reformador Teodoro Beza, sucessor de Calvi­ no. Em 1588 foi ordenado e pastoreou uma igreja em Amsterdã.21 Segundo o Novo Dicionário Internacional da Igreja Cristã, quando Calvino morreu, “toda a responsabilidade (...) recaiu so­ bre Beza. Beza era chefe da Academia [de Genebra] e professor, presidente do Conselho dos Pastores, uma influência poderosa so­ bre os magistrados de Genebra e porta-voz e defensor da posição protestante reformada”.22 O que sabemos é que Arminio discordou das doutrinas de Cal­ vino, baseado em duas argumentações: 1 ) a predestinação tal qual no entendimento calvinista, tende a fazer de Deus o autor do pe­ cado, por ter Ele escolhido, na eternidade passada, quem seria ou 20. CALVINO, João. Comentário de Salmos. Volume I. Fiel, 2009, p. 32. 21. CHAMPLIN, R. N.; BENTES, J. M. Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia, volume 1. Candeia, 1991. p. 288. 22. SCHNUCKER, Robert. Theodore Beza, in: The new intemational dictionary of the Christianchurch. Grand Rapids, Zondervan, 1974, p. 126.

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não salvo, e 2) o livre-arbítrio do ser humano é negado no ensino de uma graça coercitivamente irresistível.23 A teologia arminiana, tal como conhecemos, não foi totalmen­ te sistematizada durante a vida de Armínio. Após a sua morte, seus discípulos (pouco mais de quarenta pregadores) cristalizaram suas idéias em um panfleto o qual continha resumidamente, cinco pontos que rejeitavam o rígido calvinismo, intitulado Remonstrance (protesto), publicando-o no dia 19 de outubro de 1609, expon­ do assim, a posição arminiana.24 1 .5 O Sínodo de Dort

Esse protesto (remonstrãncia), ganhou o apoio de estadistas e líderes políticos holandeses que tinham ajudado a libertar os Paí­ ses Baixos da Espanha. Os opositores do movimento remonstrante acusaram-nos de apoiar secretamente os jesuítas e a teologia católica romana e de simpatizar com a Espanha, embora não haja nenhuma evidência de culpa por parte dos que protestavam em relação a essas acusações políticas. Desde então, houve muita confusão em várias cidades holan­ desas: sermões eram pregados contra os remonstrantes, panfletos eram espalhados a fim de difamá-los como hereges e traidores, pessoas foram presas por pensarem contra o alto calvinismo e um sínodo nacional de teólogos e pregadores foi realizado para regular tais controvérsias entre as idéias paradoxais calvinismo x arminianismo. A primeira reunião do sínodo foi realizada em 13 de Novem­ bro de 1618 e a última (154a) em 9 de Maio de 1619, contando com a presença de mais de cem delegados, inclusive alguns da In­ glaterra, da Escócia, da França e da Suíça. O nome “Dort” é usado em função do idioma inglês, como que transliterandoo nome da cidade holandesa de Dordrecht. 23. HORTON, Stanley (Org.). Teologia Sistemática: uma perspectiva pentecostal. CPAD, 1996, pp. 54-55. 24. Infelizmente, não possuímos muito material arminiano em idioma portu­ guês. Para maiores informações biográficas sobre Armínio consultar BANGS, Carl. Arminius: a study in the Dutch reformation. Grand Rapids, Zondervan, 1985. 23


Introdução à Teologia Armínio-Wesleyana

Na conclusão do sínodo, os remonstrantes foram condenados como hereges. Pelo menos duzentos foram depostos do ministério da igreja e do estado e cerca de oitenta foram exilados ou presos. Um deles, o presbítero, estadista e filósofo Hugo Grotius (15831645), foi confinado em uma masmorra da qual posteriormente conseguiu escapar. Outro estadista foi publicamente decapitado. Neste sínodo, as idéias arminianas foram, portanto, rejeitadas e a doutrina reformada estabelecida em seus cinco pontos, que formam o acróstico do inglês TUL1P, a saber: 1) depravação total (Total depravity), 2) eleição incondicional (Unconditional election), 3) expiação limitada (Limited atonement), 4) graça irresistível (Irresistible grace) e 5) perseverança dos santos (Perseverance of the saints). Os pontos remonstrantes vão de encontro aos pontos calvinistas: 1) depravação total, 2) eleição condicional, 3) expiação ilimitada, 4) graça preveniente e 5) perseverança condicional. 1.6 Mitos sobre o arminianismo Como podemos perceber, as idéias arminianas possuem uma disparidade considerável com o sistema calvinista. Sobre isso, Wyncoop declara que, a linha divisória entre estas duas tradições cristãs repousa sobre teorias opostas acerca da predestinação. Ela é a encruzilhada entre a soberania de Deus e a responsabilidade do homem, o pecado e a graça, a justificação e a santificação, a fé humana e a obra do Espírito Santo .25 Um dos principais mitos sobre o arminianismo, é que este tem sido acusado erroneamente de ser uma doutrina semipelagiana por parte de alguns eminentes teólogos calvinistas. Esta antiga heresia é oriunda dos ensinos dos massilianos, liderados principal­ mente por João Cassiano (433 d.C), o qual tentou construir um elo entre o Pelagianismo, que negava o pecado original, e Agostinho, que defendia a eleição incondicional sobre o fundamento de que todos os homens nascem espiritualmente mortos e culpados do 25. WYNKOOP, Mildred Bangs. Fundamentos da Teologia Arminio Wesleyana. Casa Publicadora Nazarena, 2004, p. 17. 24


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pecado de Adão. Cassiano acreditava que as pessoas são capazes de se voltarem para Deus mesmo à parte de qualquer infusão da graça sobrenatural. Isto foi condenado pelo Segundo Concilio de Orange no ano de 529.26 O teólogo nazareno H. Orton Wiley mostra que o sistema semipelagiano sustentava, erroneamente, que “restou poder su­ ficiente na vontade depravada para dar o primeiro passo em dire­ ção à salvação, mas não o suficiente para completá-la”. Ele conclui mostrando que esse pensamento é equivocado e que o homem por si só não tem condições de se achegar a Deus, mas que “isso deve ser feito pela graça divina.”27 Essa é a graça preveniente que antecede, prepara e capacita o homem para “converter-se do pe­ cado para a retidão, a crer em Jesus Cristo para perdão e purifica­ ção dos pecados e a praticar obras agradáveis e aceitáveis”28, pois os seres humanos, pela queda de Adão “se tornaram depravados, de maneira que agora não são capazes de se voltar e se reabilitar pelas suas próprias forças e obras, e, desta forma, renovar a fé e a comunhão com Deus”.29 Um dos principais eruditos arminianos da atualidade, o Dr. Roger Olson, em uma defesa à centralidade da doutrina arminiana em Deus e não no homem como dizem certos calvinistas, comen­ ta que esses críticos normalmente de baseiam em três argumen­ tos: 1) que o Arminianismo foca demais na bondade e capacidade humana, especialmente no campo da redenção, 2 ) que limita a Deus ao sugerir que a vontade de Deus pode ser frustrada pelas decisões e ações humanas e 3) que coloca demasiada ênfase na realização e felicidade humana em negligência ao propósito de Deus que é glorificar a si mesmo em todas as coisas. Olson argumenta sua defesa de forma bastante contundente nesse artigo e comenta que “muito raramente os críticos mencio­ nam algum teólogo arminiano ou citam do próprio Armínio para apoiar essas acusações” e que a maioria desses críticos desco­ 26. 27. 28. 29.

KELLY, J. N. D. Op. Cit., pp. 289-291. WILEY, H. Orton. Christian Theology. Beacon Hili Press, 1941. p. 103. Manual da Igreja do Nazareno, p. 29 Ibid. p. 28 25


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nhece o arminianismo clássico, tendo portanto, um entendimento preconcebido e consequentemente superficial do assunto .30 Em contrapartida, o pensamento calvinista é concebido pelos arminianos como um sistema que acaba por fazer do decreto di­ vino a causa primeira da salvação, ao passo que a morte de Cristo torna-se causa secundária e subsidiária, não sendo absolutamente essencial para a salvação, mas um elo de uma corrente predeter­ minada de eventos.31 1.7 Considerações finais Nossa percepção não é diferente: muitos são os que ainda não compreenderam e não conheceram a doutrina da salvação segun­ do a ótica arminiana e infelizmente, alguns irmãos não consegui­ ram abrir a cabeça para gozarmos uma verdadeira unidade na diversidade.32 Apesar das diferenças, ambas as posições possuem verdades essenciais que podem e devem nos unir em Cristo. Identificamo-nos com certa linha teológica e a defendemos, todavia, isso não pode criar partidarismo, ao ponto de dizermos “eu sou de Paulo; ou, eu de Apoio; ou eu sou de Cefas; (ou, eu de Armínio; ou, eu de Calvino;) ou, eu de Cristo. Será que Cristo está dividido? Foi Paulo crucificado por amor de vós? Ou fostes vós batizados em nome de Paulo?” (1 Co 1.12,13 - paráfrase minha). John Wesley dizia que “é dever de todo pregador arminiano, primeiro: jamais, nem em público, nem em particular, usar a pa­ lavra calvinista em deboche”.33 Para ele, a norma de um metodista não estava em distinguir cristãos de cristãos, mas em distinguir-se 30. OLSON, Roger. Arminianism is God-centered theology. Disponível em: < http:// www.patheos.com/blogs/rogereolson/2010/ll/arminianism-is-god-centered-theology/ > . Acesso em 05/04/2013. 31. WYNKOOP, Mildred Bangs . Op. Cit., p. 33. 32. Para um estudo mais aprofundado sobre a doutrina arminiana, ver a recém-traduzida obra de Olson, na qual ele trata de desmitificar pelo menos dez pressu­ postos equivocados acerca do pensamento de Armínio: OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão, 2013. 33. WESLEY, John. What is an arminian?, Sermões 26


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cristãos de não conversos: “É teu coração reto como o meu? Não te pergunto mais. Se for assim, dá-me a mão. Por opiniões ou ter­ mos, esforcemo-nos juntos pela fé do evangelho”.34 O Dr. Augustus Nicodemus, célebre teólogo brasileiro do pen­ samento reformado, confirma que temos pontos em comuns di­ zendo que, “os arminianos e os calvinistas concordam que Deus tem um plano, que ele controla a história, que não existe acaso e que Ele conhece o futuro. Ambos aceitam a Bíblia como Palavra de Deus e querem se guiar por ela ”.35 Que possamos, como Igreja, cumprir a missão que nos foi ordenada, afinal, fomos todos “eleitos segundo a presciência de Deus Pai, na santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo” (1 Pe 1.2).

34. WESLEY, John. The Character of a Methodist, Sermões. 35. NICODEMUS, Augustus. Paganismo versus Cristianismo - Acaso ou Desígnio Divino? Revista Defesa da Fé. Ano 12, n ° 89 - Janeiro/Fevereiro de 2011, p.55. 27


CAPÍTULO 02 Eleição condicional A discussão teológica acerca dos pontos calvinistas e arminianos não se limitam à predestinação e ao livre-arbítrio. Na verdade, esses dois pressupostos são parte de dois sistemas soteriológicos que se opõe em praticamente todos seus quesitos. O calvinismo, por exemplo, tem esse seu sistema montado num raciocínio lógico, conhecido pelo acróstico, do inglês, TULIP, a saber: Total depravity (Depravação total), Unconditional election (Eleição incondicional), Limited atonement (Expiação li­ mitada), lrresistible grace (Graça irresistível) e Perseverance o f the saints (Perseverança dos santos). Esses pontos foram respostas aos artigos dos remonstrantes, seguidores de Armínio, que protestaram as idéias calvinistas base­ ados em cinco observações, as quais podemos resumir da seguin­ te forma: 1) depravação total, 2) eleição condicional, 3) expiação ilimitada, 4) graça preveniente e 5) perseverança condicional. Nosso propósito é estudar cada um dos axiomas soteriológicos supracitados, segundo a ótica arminiana. Para isso, dividiremos, doravante, nosso estudo em cinco etapas, a fim de abordar com maior precisão cada um desses pontos. Ademais, optaremos por seguir nosso raciocínio na mesma ordem dos artigos da remonstrância, visando um aproveitamento mais didático. 2.1 Artigo I - Remonstrância “Que Deus, por um eterno e imutável plano em Jesus Cristo, seu Filho, antes que fossem postos os fundamentos do mundo, 28


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determinou salvar, de entre a raça humana que tinha caído no pecado - em Cristo, por causa de Cristo e através de Cristo - aque­ les que, pela graça do Santo Espírito, crerem neste seu Filho e que, pela mesma graça, perseverarem na mesma fé e obediência de fé até o fim; e, por outro lado, deixar sob o pecado e a ira os contumazes e descrentes, condenando-os como alheios a Cristo, segundo a palavra do Evangelho d ejo 3.36 e outras passagens da Escritura.” 2.2 A predestinação Para o sistema calvinista alcançar sua lógica, ele tem seu pon­ tapé inicial nos decretos divinos, através dos quais a predestinação encontra-se subordinada. Best, teólogo calvinista, define decreto como “uma determinação ou ordem de alguém que tem autoridade suprema”. Ele reforça, ainda, que “o propósito de Deus está funda­ mentado na soberania absoluta, ordenado pela sabedoria infinita, ratificado pela onipotência e cimentado pela imutabilidade”.36 Strong conceitua os decretos divinos como “o plano eterno pelo qual Deus tornou certos todos os eventos do universo, passa­ dos, presentes e futuros”.37 Charles Hodge complementa dizendo que, tais decretos são eternos, imutáveis, livres, infalivelmente efi­ cazes e relacionam-se com todos os acontecimentos, podendo ser reduzidos a um propósito divino, além de terem como objetivo central, glorificar a Deus.38 Historicamente, falando, Teodoro de Beza (1519-1605), bem como outros teólogos reformados, começaram a especular sobre a “ordem dos decretos divinos” 39 Embora esses decretos fossem si­ multâneos e eternos (pois Deus não está limitado ao passado, pre­ sente ou futuro, estando todas as coisas eternamente presentes no 36. BEST, W.E.. Definition of God’s Decree. In:_____ . Cod’s Eternal Decree. WE Best Book Missionary Trust, 1992. 37. STRONG, A. H. Teologia Sistemática. 2007, Hagnos, p. 61 7. 38. HODGE, Charles. Teologia Sistemática. 2001, Hagnos, pp. 399-405. 39. OLSON, Roger. História da Teologia Cristã: 2000 anos de tradição e reformas. 2001, Vida, p. 468. 29


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plano espiritual), qual seria a ordem deles? Teria Deus decretado primeiramente a criação do mundo ou a dupla predestinação? Através destas conjecturações, outros pontos calvinistas pas­ saram a ser deduzidos, através do uso da lógica: se Deus decretou os eleitos e os répobros (antes, durante ou depois da fundação do mundo), então não faria sentido que Cristo morresse pelos repro­ vados; os eleitos, por sua vez, não teriam condições de resistirem à graça de Deus, visto que já foram predestinados mediante os decretos eternos de Deus; Finalmente, alguém que já teve sua sal­ vação decretada desde a eternidade, como a perdería? Portanto, uma vez salvo, salvo para sempre. A discussão sobre quando se sucedeu o decreto da predestina­ ção teve duas vertentes, cuja primeira é o supralapsarianismo, na qual “supra” se remete a algo prioritário e antecedente e “lapsarianismo” a um lapso ou queda. Portanto, o supralapsarianismo, trata-se de “alguma coisa antes da queda”, ou seja, a eleição como primeiro dos decretos de Deus. Olson explica que, “teologicamente, o supralapsarismo é uma forma de ordenar os decretos divinos de tal maneira que a decisão e o decreto de Deus em relação à predestinação dos seres huma­ nos, ao céu ou ao inferno, antecede seus decretos de criar os seres humanos e permitir sua queda ” ,40 cuja sequencia decretiva seria 1) a predestinação à salvação e ao castigo eterno, 2) a criação, 3) a permissão da queda, 4) o meio de salvação em Cristo e 5) a apli­ cação da salvação aos eleitos. Outros calvinistas, entretanto, discordaram com essa ordem e conjecturaram os decretos em outra sequencia, perfazendo a segun­ da vertente lapsariana. Eles, por sua vez, ficaram conhecidos como infralapsarianistas. Segue-se o mesmo raciocínio: “infra” está para depois e “lapsarianismo” para a queda. Sendo assim, eles situaram o decreto da predestinação depois da queda de Adão. A concepção dos decretos divinos sofre uma alteração cabal no entendimento dos teólogos arminianos. A diferença, entretan­ to, não se choca de imediato com as teorias lapsarianas e sim 40. Idem.

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com a relação entre a soberania de Deus e a responsabilidade do homem, conforme podemos constatar nas palavras de Russel E. joiner: “Os decretos divinos são o seu plano eterno que, em virtude de suas características, faz parte de um só plano, que é imutável e eterno (Ef 3.11; Tg 1.1 7). São independentes e não podem ser condicionados de nenhuma maneira (Si 135.6). Têm a ver com as ações de Deus e não com a sua natureza (Rm 3.26). Dentro desses decretos, há as ações praticadas por Deus, pelas quais Ele, embora permita que aconteçam, não é responsável. Base­ ado nessa distinção, torna-se possível concluir que Deus nem é o autor do mal... nem é a causa do pecado.”41 Essa diferença é melhor explicada pelo teólogo metodista, Sa­ muel Wakefield. Ele descreve os decretos como sendo “os propó­ sitos de Deus ou Sua determinação com respeito a suas criaturas” e reconhece-os como sendo eternos, livres e imutáveis, mas faz uma distinção interessante: ele classifica os decretos em absolutos e condicionais. Os primeiros são aqueles que “se relacionam com os eventos da administração divina que não dependem das ações livres das criaturas morais”. Já os condicionais são “aqueles nos quais Deus respeita as ações livres de Suas criaturas morais”. Ele cita o arrependimento, a fé e a obediência como exemplos dessas condições para a salvação do homem .42 2.3 Objeções à predestinação Solano Portela definiu a predestinação como sendo “o aspecto da pré-ordenação de Deus, através do qual a salvação do crente é considerada efetuada de acordo com a vontade de Deus, que 41. JOINER, Russell E.. O Deus Verdadeiro. In: Teologia Sistemática. HORTON, Stanley M. (org.). 1996, CPAD, p. 153. 42. WAKEFIELD Apud GARRETT, Jam es Leo. Teologia Sistemática. 2000, Casa Bautista de Publicaciones, p.452. 31


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o chamou e o elegeu em Cristo, para a vida eterna, sendo a sua aceitação VOLUNTÁRIA, da pessoa e do sacrifício de Cristo, uma CONSEQUÊNCIA desta eleição e do trabalho do Espírito Santo, que efetiva esta eleição, tocando em seu coração e abrindo-lhe os olhos para as coisas espirituais”.43 Apesar do esforço de Portela em enfatizar a voluntariedade da aceitação do homem quanto à pessoa do salvador e Seu ato salvífico pelo pecador arrependido, e de salientar que esta aceitação trata-se de uma consequência da eleição, a doutrina da eleição in­ condicional continua a ser, em outras palavras, uma coercitividade divina operada através de uma graça supostamente irresistível para não dizer imperativa - decretada desde a eternidade. A doutrina da predestinação não é simplesmente “uma das mais difíceis de serem abordadas ”,44 mas uma das mais distorci­ das biblicamente, pois acabapor fazer, como observa Wynkoop, do decreto divino a causa primeira da salvação, ao passo que a morte de Cristo torna-se causa secundária e subsidiária, não sen­ do absolutamente essencial para a salvação, mas um elo de uma corrente predeterminada de eventos.45 É como se o sacrifício de Cristo fosse um evento para cumprir tabela (decreto) e não um ato gracioso de um Deus cuja essência é o amor. Muitas são as objeções sobre a doutrina da predestinação46 e vale a pena avaliar as principais observações, começando por Armínio, que rejeitava o conceito supralapsarianista dos decretos de Deus por quatro razões: 1) Não era sustentado pelas Escrituras: os conceitos deter­ ministas do supralapsarianismo transformam Deus num tirano que faz acepção de pessoas. Esses conceitos estão mais pautados 43. PORTELA, Solano. Estudo Sobre a Predestinação. Disponível em: < http:// www.solanoportela.net/artigos/estudo_predestinacao.htm> Acesso em: 12 de Fevereiro de 2014. 44. Idem. 45. WYNCOOP, Mildred Bangs. Fundamentos da Teologia Arminio Wesleyana. 2004, Casa Publicadora Nazarena, p. 33. 46. Para um estudo mais acurado sobre as objeções da doutrina da predestina­ ção, ver OLSON, Roger. Sim Para a Eleição; Não Para a Dupla Predestinação. In: . Contra o Calvinismo. 2013, Editora Reflexão, pp. 159-210. 32


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numa teologia lógica e filosófica dos teólogos calvinistas, a quem Olson chama de calvinistas escolásticos,47 do que na própria Pala­ vra de Deus. Em um de seus artigos, Armínio declarou que, “a regra da ver­ dade teológica não deve ser dividida em primária e secundária ; é una e simples, as Sagradas Escrituras.” Para ele, “nenhum escrito composto por homens, seja um, alguns ou muitos indivíduos, à exceção das Sagradas Escrituras [...] está [...] isento de um exame a ser instituído pelas Escrituras”, pois elas “são a regra de toda a verdade divina, de si, em si e por si mesmas.” Portanto, “é tirania e papismo controlar a mente dos homens com escritos humanos e impedir que sejam legitimamente examinados, seja qual for o pretexto adotado para tal conduta tirânica.”48 2) Não havia sido apoiado por cristãos doutos e responsáve durante mil e quinhentos anos e nunca fora aceito pela totalida­ de da Igreja: Wyncoop conta que, em 1589, um leigo instruído, chamado Koornheert, da Holanda, levantou uma “tormenta nos círculos teológicos por suas dissertações e escritos em refutação da teoria supralapsariana dos decretos divinos.”49 O argumento de Koornheert era que, o ensino supralapsariansta de Beza tornava Deus a causa e o autor do pecado. A exposição brilhante e polêmi­ ca de Koornheert atraía um número cada vez maior de ouvintes e chegou-se a temer que seu pensamento solapasse a estrutura total do calvinismo, bem como a estabilidade política dos Países Baixos. Parecia que nenhum ministro era capaz de refutá-lo e, por isso, Armínio foi incumbido desta tarefa. “É significativo que o tremendo descontentamento gerado com a posição de Calvino e Beza, tenha levado um leigo a fazer tal coisa”.50 Armínio começou, então, uma séria revisão da doutrina da predestinação, particularmente na Epístola aos Romanos. Concen­ trou-se no capítulo 9, baluarte calvinista de seu dogma. Porém, 47. 48. 49. 50.

OLSON, Roger. Op. Cit., pp. 466-470. Ibid, p. 476. WYNCOOP, Mildred Bangs. Op. Cit., p. 52. Idem. 33


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quanto mais se aprofundava Armínio, mais lhe convencia sua in­ vestigação de que o ensinamento de Paulo estava em oposição à classe de predestinação que Beza ensinava. Embora Armínio não tivesse abandonado sua crença na predestinação divina, em suas revisões, ele percebeu que os judeus criam que eles haviam sido divinamente predestinados para serem salvos e que nada pode­ ría mudar este ato. Todavia, a Epístola aos Romanos foi escrita exatamente para mostrar a distinção entre a histórica soberania absoluta e as condições da salvação pessoal, a qual sempre é pela fé, não por decretos.51 Armínio leu os escritos dos Pais da Igreja. Ele investigou e compilou evidências demonstrando que nenhum “Pai” fidedig­ no, isto é, digno de crédito, jamais havia ensinado os critérios de Beza. Ele constatou, ainda, que a dupla predestinação particular de Calvino jamais havia sido oficialmente aceita pela igreja. “Para sua surpresa, descobriu que o mesmo Agostinho, não só antes da controvérsia com Pelágio, como principalmente depois, havia ensinado a completa responsabilidade moral.”52 3) Deus se tornava o autor do pecado: Vejamos a seguir próprias palavras de Armínio sobre esse questionamento: “De todas as blasfêmias que podem proferir-se contra Deus, a mais ofensiva é aquela que O declara autor do pecado; o peso dessa imputação é aumentado seriamente se lhe agrega que, segundo essa perspectiva, Deus é o autor do pecado cometi­ do pela criatura, para poder condená-la e lançá-la à perdição eterna que lhe havia destinado para ela de antemão, sem ter relação com o pecado. Porque, desse modo, “Ele seria a cau­ sa da iniquidade do homem para poder infligir o sofrimento eterno”... Nada imputará tal blasfêmia a Deus, a quem todos concebem como bom... Não pode atribuir-se a nenhum dos doutores da Igreja Reformada, que eles “abertamente declarem Deus como autor do pecado”... No entanto, “é provável que al­ 51. NICHOLS, Jam es; NICHOLS, Willian (Trad.). The Works of James Arminius. 1875, Thomas Baker, vol. 3, pp. 527ss. 52. WYNCOOP, Mildred Bangs. Op. Cit., p. 53. 34


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guém possa, por ignorância, ensinar algo do qual fora possível, como claro resultado, deduzir que, por essa doutrina, Deus per­ maneça declarado autor do pecado.” Se tal for o caso, então... (os doutores) devem ser admoestados a abandonar e desprezar a doutrina da qual se tem tirado tal inferência.”53 4) O decreto da eleição se aplicara ao homem ainda não cria­ do: objetivamente falando, se Deus tivesse decretado a eleição antes da queda do homem, então “a queda do homem tinha sido desejada por Ele”.54 Por isso Deus teria de ser o autor do pecado! Laurence Vance explica que, segundo esse sistema, “Deus primei­ ramente decidiu eleger alguns homens para o céu e reprovar os outros homens ao inferno, de forma que ao criá-los, ele os fez cair, usando Adão como um bode expiatório, de forma que pa­ recería que Deus foi gracioso ao enviar os ‘eleitos’ ao céu e justo ao enviar os ‘reprovados’ ao inferno.” Ele explica, ainda, que “a característica distintiva deste esquema é seu decreto positivo da reprovação. A reprovação é a condenação deliberada, preordenada, predestinada de milhões de almas ao inferno como resultado do soberano beneplácito de Deus e conforme o ‘conselho da sua vontade”’55 (Ef 1.11). 2.4 Objeções de John Wesley Outro grande expoente da tradição arminiana é John Wesley. Ele tinha a salvação da alma humana como tema central dos seus princípios doutrinários a respeito de Deus, e sendo assim, enten­ dia que, “a salvação pela graça através da fé não permite uma visão da soberania e da justiça de Deus que não condiga com a sua misericórdia e o seu amor.”56 Veremos que Wesley atacava a 53. NICHOLS, James; NICHOLS, Willian. Op. Cit., pp. 645-655. 54. BERKOUWER, G. C.. Divine Election. 1960, Eerdmans Publishing Co., p. 257. 55. VANCE, Laurence M.. Sistemas Lapsários. In :______. O Outro Lado do Calvinismo. Material não publicado. Disponível em www.arminianismo.com. 56. BURTNER, Robert W.; CH1LES, Robert. E. (org.). Coletânea da Teologia de João Wesley. 1995, Colégio Episcopal, p. 41. 35


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doutrina eleição, visto que esse sistema apresenta uma divindade inconcebivelmente despótica, ao passo que as Escrituras revelam uma concepção de Deus em que o amor é o atributo dominante. Em sua obra “A predestinação calmamente considerada”, Wesley faz uma análise da doutrina citada, baseada nos atributos divinos da sabedoria, justiça e misericórdia. No primeiro atributo, ele diz que na multiforme sabedoria de Deus, foram postos diante dos homens a vida e a morte, o bem e o mal e que forçar o ho­ mem a aceita-lo seria desrespeitar o livre-arbítrio. Segundo Wesley, o desejo de Deus é que “todos os homens se­ jam salvos, mas não se querendo forçá-los a isso, querendo-se que todos os homens sejam salvos, mas não como árvores ou pedras, mas como homens, como criaturas inteligentes, dotadas de enten­ dimento para discernir o que é bom e de liberdade para aceitá-lo ou recusá-lo”, pois “o homem é, até certo ponto, um agente livre”. Deus quer “salvar o homem como homem”, não como uma pedra ou uma árvore, isto é, um ser sem inteligência, sem capacidade de raciocínio. Portanto, Deus coloca a vida e a morte perante o homem e então, sem o forçar, o persuade (convence) a escolher a vida.57 No tocante à justiça, Wesley argumenta que, “Se o homem é capaz de escolher entre o bem e o mal, ele se torna um objeto próprio da justiça de Deus que o absolve ou o condena, que o re­ compensa ou pune. Mas se ele não é, não se torna objeto daquela. Uma simples máquina não capaz de ser absolvida nem condena­ da. A justiça não pode punir uma pedra por cair ao chão, nem, no nosso plano, um homem por cair no pecado, ele não pode senti-la mais do que a pedra, se ele está, de antemão, condenado”. Feitas essas considerações, ele questiona e reponde ironicamente: “será este homem sentenciado a ir para o fogo eterno preparado para o diabo e os seus anjos por não fazer o que ele nunca foi capaz de evitar? ‘Sim, porque é a soberana vontade de Deus’”. “Então”, ele conclui, “ou temos achado um novo Deus ou temos feito um! Este não é o Deus dos cristãos”.58 57. Ibid, p. 46. 58. ibid. pp. 46-47.

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Finalmente, Wesley encerra sua argumentação se reportando à misericórdia divina e faz uma abordagem sarcástica da posição predestinista: “Assim Ele gloriosamente distribui o seu amor, supondo-se que esse amor recaia em uma dentre dez de suas criatu­ ras, (não podia eu dizer uma dentre cem?), e não se importe com as restantes, que as noventa e nove condenadas pereçam sem misericórdia; é suficiente para Ele amar e salvar a única eleita.” “Mas por que tem misericórdia apenas desta e deixa todas aque­ las para a inevitável destruição?”, ele questiona. A resposta de um calvinista, obviamente seria baseada na soberania de Deus: “Ele o faz porque o quer”.59 Wesley não concebia a ideia de que Deus agisse isoladamente através de Sua soberania, pois “na disposição do estado eterno dos homens, não somente a soberania, mas a justiça, a misericór­ dia e a verdade mantêm as rédeas.”60 Se o propósito de Deus em Seus decretos é glorificar a si mesmo, “qual seria o pronunciamen­ to da humanidade a respeito de um homem que procedesse desse modo? A respeito daquele que, sendo capaz de livrar milhões da morte apenas com um sopro de sua boca, se recusasse a salvar mais do que um dentre cem e dissesse: ‘Eu não faço porque não o quero’? Como exaltarmos a misericórdia de Deus se lhe atribuí­ mos tal procedimento?”. Em sua obra, “Um pensamento sobre a necessidade”, Wesley levanta 7 razões pelas quais a doutrina da predestinação não faz sentido e a primeira delas é o questionamento clássico de todo aquele que se depara com tal doutrina. “Se existe a eleição, toda a pregação é vã. É desnecessária aos que são eleitos, pois, com ela ou sem ela eles serão infalivelmente salvos. Portanto, o fim da pre­ gação - salvar as almas - é destituído de sentido em relação a eles; e é inútil àqueles que não são eleitos, pois, possivelmente, não poderão ser salvos. Estes, quer com a pregação ou sem ela, serão infalivelmente condenados”,61 afinal já estão predestinados desde a eternidade pelos decretos divinos à salvação ou à danação. 59. Ibid, p. 47. 60. Ibid, p. 48. 61. Idem. 37


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2.5 A visão arminiana da eleição Visto que seguimos o princípio Sola Scriptura, cremos, como arminianos, na doutrina da eleição, haja vista que, somos eleitos segundo a presciência de Deus Pai” (1 Pe 1.2). Obviamente que, não da mesma forma como os calvinistas, os quais pudemos ver, creem que Deus elegeu pessoalmente cada indivíduo que será sal­ vo ou condenado. O arminianismo não nega a doutrina da predestinação, ape­ nas a interpreta de forma diferente. Enquanto o entendimento calvinista parte da escolha pessoal de Deus, em nosso sistema, cremos numa eleição corporativa, ou seja, de que Deus não esco­ lheu as pessoas, mas a Igreja. Não os israelitas, mas Israel. Não os salvos, mas a salvação. Não os redimidos, mas a redenção. A predestinação foi definida por Armínio como o “decreto eterno e gracioso de Deus em Cristo, pelo qual ele determina jus­ tificar e adotar crentes, e os dotar com vida eterna, mas condenar os descrentes e impenitentes.” Contudo, “tal decreto, (...) não é que Deus resolve salvar certas pessoas e, para que Ele possa fazer isso, resolve dota-las com fé, mas que, para condenar outros, ele não os dota com fé”.62 O Dr. Wiley explica que, “a eleição difere da predestinação nisto, que a eleição implica uma escolha, enquanto a predestina­ ção não”. A predestinação, por sua vez, é conceituada por Wiley como “o propósito gracioso de Deus de salvar da ruína toda a humanidade”. Em outras palavras, trata-se do plano corporativo e condicional de Deus para toda a humanidade. Ele complementa o aspecto condicional da eleição, mostrando que, os eleitos são os escolhidos, “não por decreto absoluto, mas por aceitação das condições da chamada.”63 Como vimos no primeiro artigo da remonstrância, cremos no decreto de que Deus “por um eterno e imutável plano em jesus 62. ARMINIUS, James. A letter addressed to Hippolytus A. Collibus. In :------ . Works of James Arminius. Volume 2, Christian Classics Ethereal Library, p. 331. 63. WILEY, Orton. Introdução à Teologia Cristã. 2009, Casa Nazarena de Publica­ ções, pp. 269, 270.

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Cristo, seu Filho, antes que fossem postos os fundamentos do mundo, determinou salvar, de entre a raça humana que tinha ca­ ído no pecado”. Todavia, esse plano de redenção é condicionado à fé daqueles que, “pela graça do Santo Espírito”, isto é, não por uma fé própria, mas gerada por Deus mediante sua graça preveniente (cf Hb 12.2), “crerem neste seu Filho e que, pela mesma graça, perseverarem na mesma fé e obediência de fé até o fim”. Em contrapartida, a condenação faz parte do plano de Deus que deixará “sob o pecado e a ira os contumazes e descrentes, condenando-os como alheios a Cristo, segundo a palavra do Evan­ gelho dejo 3.36 e outras passagens da Escritura.” John Wesley classificou a eleição sob dois pontos de vista: um deles, específico, visando o cumprimento de determinado propó­ sito de Deus e outro macro ou corporativo, como são a salvação e a condenação: “Creio que a eleição signifique comumente uma destas duas coisas: primeiro, um chamado divino para determinados ho­ mens para que realizem uma obra especial no mundo. Creio que esta eleição não seja pessoal, mas absoluta e incondicio­ nal. Deste modo, Ciro foi eleito para reconstruir o templo, S. Paulo e os doze para pregarem o evangelho. Mas não vejo nisto qualquer conexão necessária com a felicidade [eterna]. Certa­ mente não existe tal conexão, pois, aquele que é eleito neste sentido ainda poderá perder-se eternamente (...) Em segun­ do lugar, creio que esta eleição signifique um chamado divi­ no a certos homens à felicidade eterna. Mas creio que esta eleição seja condicional tanto quanto a condenação. Creio que o decreto eterno concernente a ambas esteja expresso nestas palavras: “Aquele que crê será salvo, aquele que não crê será condenado". Sem dúvida, Deus não pode mudar e o homem não pode resistir a este decreto. De acordo com isto, todos os verdadeiros crentes são chamados eleitos nas Escrituras e os descrentes são propriamente condenados, isto é, não aprova­ dos por Deus e sem discernimento das coisas espirituais.”64 64. BURTNER, Robert W.; CHILES, Robert. E. (org.). Op. Cit., pp. 51-52.

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Concluindo essa seção, podemos citar os teólogos metodistas Klaiber e Marquardt: “a vontade salvífica de Deus não abrange pessoas cuja reação ao Evangelho Deus sabe de antemão. Deus não predetermina, pois, para ele, o mais importante é a experiên­ cia com o caminho da salvação”.65 2.6 Considerações finais Cremos nos decretos eternos de Deus e que em Sua presciência predestinou o homem para a salvação, “porque os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à ima­ gem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8.29). Cremos, coadunando e complementando o pensamento an­ terior, que essa eleição foi corporativa, isto é, Ele elegeu a Igreja, visto que, “nos elegeu [a Igreja] nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele em amor; e nos predestinou para sermos filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade” (Ef 1.5). E cremos que através da fé, operada no sinergismo entre a gra­ ça preveniente de Deus e o livre-arbítrio do homem, o ser humano é salvo, pois “aos que predestinou, a estes também chamou; e aos que chamou, a estes também justificou; e aos que justificou, a es­ tes também glorificou” (Rm 8.30). Todavia, nossa discussão está apenas começando. Será que é possível resistir ao chamado de Deus? Será que Jesus morreu apenas pelos salvos ou pela humanidade? Será que o homem têm livre-arbítrio ou livre agência? Será que o cristão, verdadeiramente convertido, pode cair da graça? Estes serão assuntos para nossos próximos capítulos. Até lá...

65. KLAIBER, Walter; MARQUARDT, Manfred. Viver a Graça de Deus: um compên­ dio de teologia metodista. 1999, Editeo, p. 238. 40


CAPÍTULO 03 Expiação ilimitada Vimos no capítulo anterior, uma exposição a respeito da dou­ trina da eleição. Nela, pudemos constatar que, as posições arminiana e calvinista, diferem-se drasticamente nos conceitos dos decretos de Deus e da predestinação. Para os calvinistas, Deus elegeu aqueles que serão salvos, antes da criação (supralapsarianismo) ou depois da queda do homem (infralapsarianismo). Os arminianos, entretanto, creem numa eleição corporativa, isto é, Deus escolheu e predestinou a Igreja e não os indivíduos. Trata-se de uma eleição com base em Sua presciência, ao passo que, para os calvinistas, com base em Sua Soberania. .A discussão (não no sentido pejorativo da palavra) agora é outra: por quem Jesus morreu? Teria o nosso Redentor morrido apenas por aqueles que Ele escolheu desde a eternidade? Ou teria Cristo morrido por toda a humanidade, dando assim, a oportuni­ dade de salvação a todo aquele que crer? Se Ele morreu por toda a humanidade, quais seriam os efeitos dessa obra? Todos seriam salvos ou há condições? Nosso objetivo é analisar calmamente, embora não exaustivamente, a doutrina da expiação, de modo que essas perguntas e outras que surgirem no decorrer das análi­ ses, sejam respondidas à luz das Escrituras. 3.1 Artigo II - Remonstrância “Que, em concordância com isso, Jesus Cristo, o Salvador do mundo, morreu por todos e cada um dos homens, de modo que 41


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obteve para todos, por sua morte na cruz, reconciliação e remis­ são dos pecados; contudo, de tal modo que ninguém é participan­ te desta remissão senão os crentes.” 3.2 O que é expiação Antes de mais nada, é interessante definirmos “expiação”. Erickson definiu-a como sendo um “aspecto da obra de Cristo, e particularmente sua morte, que torna possível a restauração da co­ munhão entre indivíduos que creem em Deus”, além de se referir ao “cancelamento do pecado”.66 Rigsby diz que, a palavra expiar e seus derivados vêm de kipper (hb.), cujo significado é cobrir ou limpar. Já nos textos neotestamentários, a palavra “expiação” praticamente não aparece nas versões em português, senão em algumas versões católicas, na ARC, na ACF e na Bíblia Literal do Texto Tradicional Anotada de 2009.67 Na maioria das vezes, as palavras gregas são derivações de hilaskomai e normalmente elas são traduzidas por “sacrifício”, “propiciação”, “propiciatório” e “reconciliação”.68 Pecota acrescen­ ta, ainda, que o grupo de palavras - tanto hebraicas, quanto gregas - para expiação, possui o sentido de “aplacar”, “pacificar , conci­ liar” ou “encobrir com um preço”, a fim de remover o pecado ou a ofensa da presença de alguém.69 O teólogo metodista do século XIX, Richard Watson, definiu expiação como sendo a “satisfação oferecida à justiça divina por meio da morte de Cristo pela humanidade, em virtude do qual todos os verdadeiros penitentes que creem em Cristo são pesso66. ERICKSON, Millard. Dicionário Popular de Teologia. 2011, Mundo Cristão, p. 77. 67. Na versão da CNBB encontramos em Rm 3.25; Hb 2.17; 9.5; 13.11 e em 1 Jo 2.2; 4.10; Na ARC (Almeida Revista e Corrigida), bem como na ACF (Almeida Corrigida Fiel), encontramos apenas em Hb 2.17; Finalmente, na versão da Bíblia literal do Texto Tradicional Anotada de 2009, encontramos somente em Rm 5.11. 68. RIGSBY, Richard. A Expiação. In: DOCKERY, David S.. Manual Bíblico Vida Nova. 2010, Vida Nova, p. 823. 69. PECOTA, Daniel. B.. A Obra Salvifica de Cristo. In: Teologia Sistemáti­ ca. HORTON, Stanley M. (org.). 1996, CPAD, pp. 352,353. 42


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alimente reconciliados com Deus, livrados de toda pena dos seus pecados e feitos merecedores da vida eterna”.70 Falando sobre a universalidade do sacrifício de Cristo, Thomas Summers, outro teólogo metodista do final do século XIX, disse que expiação “é aquela satisfação feita para com Deus pelos peca­ dos de toda humanidade, quer seja pelo pecado original ou pelos pecados atuais, pela mediação de Cristo e, especialmente pela Sua paixão e morte, de maneira que o perdão é gratuito a todos”.71 Arminianos e Calvinistas concordam com a ideia da depravação total e que, portanto, éramos por natureza filhos da ira (Ef 2.3), não havendo um justo sequer (Rm 3.10,11).72 Sendo assim, somente o sacrifício de Cristo poderia abrandar ou aplacar a ira de Deus, reconciliando o Criador com a criatura. Desta forma, podemos concluir, como afirma Rigsby, que “a ideia que está por trás da palavra expiar é reconciliar”, pois “sem uma ação expia­ tória, a raça humana está separada de Deus”.73 Pelo menos nisso gozamos de unanimidade! A questão divergente entre os sistemas monergista e sinergista, no tocante à expiação, está na abrangên­ cia desta. Para os calvinistas, ou melhor dizendo, para os calvinistas de cinco pontos,74 a expiação é de alcance limitado, isto é, somente 70. WATSON, Richard. Atonement. In :_____ . A Biblical and Theological Dictionary. 1832, John Mason, p. 116. 71. SUMMERS, Thomas Osmond. A Complete Body ofWesleyan Arminian Divinity. 1888, Publishing House of the Methodist Episcopal Church, p. 258,259. 72. A doutrina da Depravação Total ainda será abordada no nosso quarto ca­ pítulo. Os conceitos são idênticos, mas alguns calvinistas acusam injustamen­ te os arminianos de crerem numa Depravação Parcial, o que está mais para o semi-pelagianismo, conforme teremos a oportunidade de abordar. 73. RISGBY, Richard. Op. Cit., p 823. 74. A abrangência da expiação divide a opinião nos círculos calvinistas. Al­ guns deles não aceitam a limitação do derramamento do Sangue de Cristo e negam o ponto da expiação limitada. Eles são chamados de calvinistas de quatro pontos e apelidados por alguns calvinistas de “calvinistas de Natal”, em função do trocadilho “Noel” (no L), do inglês, que quer dizer "sem o L” (o L do Limited Atonement - Expiação Limitada). Podemos citar como calvi­ nistas de 4 pontos, Richard Baxter, Moyse Amyraut, John Davenant, Norman Geisler, Charles C. Ryrie e Lewis Sperry Chafer, dentre outros. 43


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para os que foram predestinados para a salvação. Para os arminianos, é de caráter ilimitado, ou seja, Jesus morreu por toda a humanidade. É bom que entendamos o que se expressa em cada teologia no tocante a tal abrangência. Vejamos a seguir. 3.3 Expiação Limitada na Tradição Monergista75 A posição calvinista sobre a expiação limitada está delineada na Confissão de fé de Westminster: “O Senhor jesus, pela sua perfeita obediência e pelo sacrifício de si mesmo, sacrifício que pelo Eterno Espírito, ele ofereceu a Deus uma só vez, satisfez plenamente à justiça do Pai e para todos aqueles que o Pai lhe deu adquiriu não só a reconciliação, como também uma herança perdurável no Reino dos Céus.”76 E no Catecismo de Heidelberg: “Por que Cristo devia sofrer a morte? Porque a justiça e a verda­ de de Deus exigiam a morte do Filho de Deus; não houve outro meio de pagar nossos pecados.”77 Podemos citar, ainda, o Cânone de Dort, o qual descreve em seu segundo capítulo, nove artigos sobre a “morte de Cristo e a re­ denção humana através dela”. O primeiro artigo mostra que Deus não é apenas misericordioso, mas também “supremamente jus­ to”, sendo que sua justiça requer “que os pecados que cometemos contra sua infinita majestade sejam punidos com punições tanto temporais quanto eternas”. Não há possibilidade de escapar do juízo de Deus a menos que lhe seja dada uma satisfação (expiação). 75. Preferi utilizar a expressão “tradição monergista” porque acho injusto chamar o calvinismo de tradição reformada. Os arminianos creem nos m es­ mos princípios da Reforma Protestante (os 5 solas) e integram, sem som bra de dúvidas, a tradição reformada. 76. Confissão de Fé de Westminster. 2011, Cultura Cristã, cap. VIII, parágrafo V. 77. Catecismo de Heidelberg. Pergunta e Resposta 40. 44


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Sendo assim, o segundo artigo mostra que, essa satisfação só é dada através de Cristo. “A morte do Filho de Deus”, diz o terceiro artigo, “é sacrifício único e inteiramente completo, e satisfação pelos pecados; é de valor e merecimento infinitos, mais que suficiente para reconciliar os pecados de todo o mundo.” Embora pareça pender para a ex­ piação ilimitada, o quarto artigo continua o raciocínio do valor do sacrifício de Cristo, como sendo infinito, em virtude da natureza de quem era sacrificado: o Cristo unigênito de Deus - de mesma natureza e essência eterna e infinita com o Pai e o Espírito Santo e verdadeira e perfeitamente homem, o qual sem pecado, morreu por nossos pecados. O quinto artigo resvala a eleição condicional, quando diz que, “é promessa do evangelho que todo aquele que crer no Cristo cru­ cificado não perecerá, mas terá a vida eterna. Esta promessa, jun­ tamente com o mandamento de arrepender-se e crer, deve ser anunciada e declarada sem diferenciação ou discriminação a to­ das as nações e povos, a quem Deus em seu bom propósito enviar o evangelho”. É, porém, a partir do sexto artigo que vemos mais claramente as idéias predestinistas. É tratado aqui do problema da responsa­ bilidade do homem. Verdadeiramente, o calvinismo não nega este fato, porém, o trata de uma forma maquiada, pois o próprio artigo propõe que o não arrependimento dos descrentes não se trata de insuficiência ou deficiência do sacrifício de Cristo, mas da própria falta dos ímpios,78 pois, conforme trata o sétimo artigo, somente eleitos desde a eternidade é que recebem o dom da fé. Ora, se Deus decretou desde a eternidade a reprovação daqueles, não se­ ria a responsabilidade divina ao invés de humana? Não foi Deus quem escolheu a quem daria a fé e a quem não daria? Neste ponto consigo compreender o questionamento de John Wesley: “qual seria o pronunciamento da humanidade (...) a res78. Vale a pena ressaltar que, não queremos com isso, criar um a teologia cen­ trada no homem e nem mesmo coloca-lo como merecedor de alguma coisa. A não aceitação do Evangelho por parte dos impios é uma prova empírica de que, a graça pode ser resistida e, por isso mesmo é que Deus mantém a punição eterna a estes. 45


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peito daquele que, sendo capaz de livrar milhões da morte apenas com um sopro de sua boca, se recusasse a salvar mais do que um dentre cem e dissesse: ‘Eu não faço porque não o quero’? Como exaltarmos a misericórdia de Deus se lhe atribuímos tal procedi­ mento?”.79 O oitavo artigo propõe explicar a eficácia do sacrifício de Cristo: “Porque este foi o plano soberano e o mui gracioso desejo e intenção de Deus o Pai: que a eficácia vivificante e salvífica da preciosa morte de seu Filho operasse em todos os escolhidos, de modo que pudesse conceder-lhes fé justificadora e por meio dela os guiasse infalivelmente à salvação. Em outras palavras, foi vontade de Deus que Cristo através do sangue na cruz (pelo qual ele confirmou a nova aliança) deveria efetivamente redi­ mir de todos os povos, tribos, nações, e línguas todos aqueles, e somente aqueles, que foram escolhidos desde a eternidade para salvação e que foram dados a ele pelo Pai...” O capítulo termina com a consumação do plano de Deus, que não pôde, não pode e nunca poderá ser frustrado. O plano, se­ gundo o último artigo, provém “do eterno amor de Deus por seus escolhidos”, mas é difícil enxergar tal amor com as lentes arminianas, pois o critério dessa eleição vai de encontro com o cará­ ter amoroso de Deus. Se admitirmos essa eleição incondicional, teremos de admiti-la como uma acepção soberana de Deus das pessoas. 3.4 Compreendendo a Expiação Limitada Sproul disse que “há muita confusão sobre o que a doutrina da expiação limitada realmente ensina” 80 Talvez, a pergunta cor­ reta para compreendermos tal doutrina, não seja “por quem Jesus 79. BURTNER, Robert W.; CH1LES, Robert. E. (org.). Coletânea da Teologia de João Wesley. 1995, Colégio Episcopal, p. 47. 80. SPROUL, R. C.. The Truth ojthe Cross. 2007, Reformation Trus: Publishing, p. 142. 46


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morreu?”, mas “por quê?”. Berkhof comenta que, a expiação foi destinada a cumprir três propósitos, a saber: “a afetar a relação de Deus com o pecador, o estado e a condição de Cristo como o Autor Mediatário da salvação, e o estado e a condição do pecador”.81 Com referência a Deus, não no sentido de sua natureza ou atri­ butos, visto que é imutável, mas na relação de Deus com as cria­ turas. Sua ira foi aplacada. Sobre isso, Berkhof diz que “a expiação não deve ser entendida como a causa motora do amor de Deus, pois já foi uma expressão do seu amor”. Com respeito a Cristo, a expiação assegurou “multiforme recompensa”. Foi “constituído Espírito vivificante, fonte inexaurível de todas as bênçãos da sal­ vação para os pecadores”. E, finalmente, no tocante aos homens, a expiação não apenas tornou a salvação possível, mas garantida “àqueles para os quais estava destinada”. Todavia, preciso discordar dele, pois a sequencia dos decre­ tos de Deus, segundo a ótica calvinista, faz do plano da redenção o cumprimento de um elo predeterminado de uma corrente de eventos. Não consigo visualizar um plano de amor, mas um ato mecanicista e deliberadamente soberano. Para que essa “lógica ir­ resistível” - como diz Sproul, fazendo alusão a Lutero - faça senti­ do, é preciso que aceitemos que Deus tenha premeditado (predes­ tinação) a queda de Adão, ao invés de tê-la previsto (presciência), o que inevitavelmente tornaria Deus o autor do mal. E a posição calvinista realmente não foge do raciocínio ante­ rior. De acordo com Driscoll e Breshears, “Deus escolheu certos indivíduos para serem recipientes da vida eterna unicamente com base em seu propósito gracioso”.82 Os calvinistas entendem por gracioso, o fato de que ninguém merece ser salvo. Visto que todos merecem a condenação, é um ato gracioso de Deus escolher al­ guns para serem salvos. Nós concordamos com eles, exceto que, para nós, Deus não escolheu os indivíduos, mas deu Seu Filho

81. BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 201 2, Cultura Cristã, p. 361. 82. DRISCOLL, Mark; BRESHEARS, Gerry. Doctrine: What Christians Should Believe. 2010, Crossway, pp. 267-270.

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Unigênito como “propiciação pelos nossos pecados, e não somen­ te pelos nossos, mas também pelos do mundo inteiro” (1 Jo 2.2). Driscoll e Breshears, dizem ainda, que as principais passagens bíblicas para a expiação limitada são Mt 1.21; 20.28; 26.28; Jo 10.11, 15, 26-27; 15.3; At 20.28; Rm 5.12-19; 8.32-35; 2 Co 5.15; Ef. 5.25 eTt 2.14. Os autores supracitados explicam, na doutrina da expiação li­ mitada, uma segunda vertente calvinista, a qual eles chamam de “expiação limitada ilimitada”, ou mais tecnicamente, “calvinismo modificado”. Essa “revisão” da expiação, se podemos dizer assim, é explicada por eles da seguinte forma: “... ao morrer por todos, Jesus comprou todos como sua possessão, e então aplica seu per­ dão aos eleitos - aqueles em Cristo - pela graça, e aplica sua ira aos não eleitos - aqueles que rejeitam a Cristo”. A conclusão disso é que, “a morte de Jesus foi suficiente para salvar qualquer um, e, (...) eficiente somente para salvar aqueles que se arrependem do seu pecado e confiam nele.” A meu ver, essa “expiação limitada ilimitada” trata-se, na ver­ dade, da própria expiação limitada acrescida da predestinação. Seriam eles calvinistas de quatro pontos ou arminianos enrustidos? Veremos mais adiante, a explicação da expiação limitada, mas posso adiantar que, o arminianismo ensina basicamente a mesma coisa (excluindo a predestinação): Jesus morreu por todos, mas isso não quer dizer que Ele salvou a todos (pois isso seria uni­ versalismo e está fora de questão). Embora sua morte tenha sido por todos, é eficaz apenas para os que se arrependem e creem. 3.5 A expiação Ilimitada na Tradição Sinergista Temos nas palavras de Armínio: “Aquele que diz que o Salvador não foi crucificado pela reden­ ção do mundo todo, leva em consideração, não a virtude do sacramento, mas a situação dos incrédulos, visto que o sangue de Cristo é o preço pago por todo o mundo. A esse precioso resgate são estranhos aqueles que, estando satisfeitos com seu cativeiro, não têm nenhum desejo de serem redimidos, ou, 48


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após terem sido redimidos, retornam à mesma escravidão. (...) Em relação à extensão e potencialidade do preço e em relação à única causa [geral] da humanidade, o sangue de Cristo é a redenção de todo o mundo. Mas aqueles que passam por esta vida sem fé em Cristo, sem o sacramento da regeneração, são totalmente estranhos à redenção.”83 John Wesley fez suas considerações no seu famoso sermão “Livre Graça”: “E ‘o mesmo Senhor de todos é rico’ em misericórdia ‘para todos os que o invocam’ (Rm 10.12). Mas você diz: ‘Não, ele é tão somente para aqueles por quem Cristo morreu. E eles não são todos, mas apenas alguns, a quem Deus escolheu para fora do mundo, porque ele não morreu por todos, mas apenas para aqueles que foram ‘escolhidos nele antes da fundação do mun­ do’ (Ef. 1.4). Categoricamente contrária à sua interpretação dessas escrituras, é também, todo o teor do Novo Testamento: como são, particularmente, os textos (...) uma prova clara de que Cristo morreu, não só para aqueles que são salvos, mas também para os que perecem: Ele é ‘o Salvador do mundo’ (Jo 4.42). Ele é ‘o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo’ (Jo 1.29). ‘E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo (1 Jo 2.2) ‘Ele’, o Deus vivo, ‘é o Salvador de todos os homens’ (1 Tm 4.10). ‘Ele deu a si mesmo em resgate por todos’ (1 Tm 2.6). ‘Ele provou a morte por todos os homens’ (Hb 2.9).” O manual da Igreja do Nazareno diz em seu artigo de fé sobre a expiação: “Cremos que Jesus Cristo, pelos Seus sofrimentos, pelo derra­ mamento do Seu próprio sangue e pela Sua morte na Cruz, fez 83. ARMINIUS, Jam es. Article XII: Christ has died for all men and for every individual. In: ._____. Works of Jam es Arminius. Volume i, Christian Classics Ethereal Líbrary, p. 227. 49


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uma expiação completa para todo o pecado humano; e que esta Expiação é a única base de salvação; e que é suficiente para cada pessoa da raça de Adão. A Expiação é benignamente eficaz para a salvação [dos irresponsáveis] daqueles incapazes de assumir responsabilidade moral e para as crianças na idade da inocência, mas somente é eficaz para a salvação daqueles que chegam à idade da responsabilidade, quando se arrepen­ dem e creem.”84 No vigésimo artigo de fé dos cânones da igreja Metodista lemos: “A oblação de Cristo, feita uma só vez, é a perfeita redenção, propiciação e satisfação por todos os pecados de todo o mun­ do, tanto o original como os atuais, e não há nenhuma outra satisfação pelo pecado, senão essa."85 Há, também, artigos de fé dos chamados Batistas Gerais, que foram assim chamados em função da crença na expiação ilimita­ da. A confissão de fé Batista de 1689 foi, inclusive, criada, para diferenciar os gerais (arminianos) dos particulares (calvinistas). Embora eu não tenha conseguido localiza-los, o historiador Batis­ ta, W.J. McGlothlin, menciona que, entre os Batistas Gerais foram coletadas sete confissões de fé, um “Credo Ortodoxo” (1677) e três outras obras sem título.86 3.6 Expiação Ilimitada Vamos começar pelo artigo remonstrante. É dito que, “Jesus Cristo, o Salvador do mundo, morreu por todos e cada um dos homens...”. Enfim, Jesus não morreu por um número limitado de pessoas, aquelas que o calvinismo diz que Deus já escolheu desde 84. Manual da Igreja do Nazareno 2009-20) 3. 2009, Casa Nazarena de Publi­ cações, p.28. 85. Cânones da Igreja Metodista 2007-2011. Capítulo 1, artigo 20. 86. MCGLOTHLIN, William Joseph. Baptist Confession of Faith. 1911, Ameri­ can Baptist Society, 1911, p. 368. 50


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a eternidade. Não, Jesus morreu por toda a humanidade. “Porque Deus amou o mundo de tal maneira...” (Jo 3.16a ~ ênfase minha). A palavra mundo ali, é kosmon, que pode ser traduzido como “planeta”, "universo”, “mundo” e “habitantes do mundo”. Não faz sentido Jesus morrer pelo planeta, mas pelas pessoas do planeta sim, portanto, uma expiação ilimitada. Essa expiação traz efeitos condicionais para a humanidade,"... de modo que obteve para todos, por sua morte na cruz, reconcilia­ ção e remissão dos pecados...”. Pedro disse: “Assim como no meio do povo surgiram falsos profetas, assim também haverá entre vós falsos mestres, os quais introduzirão, dissimuladamente, heresias destruidoras, até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição” (2 Pe 2.1 - ênfase minha). A palavra resgatou ali, é agoradzo, cujo significado é literalmente “comprar no mercado”. É a mesma pa­ lavra usada em 1 Co 6.20: “fostes comprados por bom preço”, 1 Co 7.23: “Fostes comprados por bom preço” e Ap 5.9: “...em Teu sangue nos compraste...”. A passagem petrina é uma forte alusão não somente à expiação ilimitada, mas à resistibilidade da graça e à perseverança condicional dos santos. A universalidade da salvação (não confundir com universalis­ mo), pode ser constatada em passagens das Escrituras como Is 53.6; Jo 1.29; 3.15-17; 2 Co 5.14-15; 1 Tm 2.1-6; 4.10; Tito 2.11; Hb 2; 9 2 Pe 3.9; 1 João 2.2; 4.14; Ap. 5.9. Embora seja a expiação de Cristo seja ilimitada, isto é, para toda a raça humana, é limitada condicionalmente, ou eficaz, aos que creem: “...contudo, de tal modo que ninguém é participante desta remissão senão os crentes”. Ou, como disse João, “...para que todo aquele que nele crê, não pereça, mas tenha a vida eter­ na” (Jo 3.16b). A. T. Robertson complementa: “A propiciação ope­ rada por Cristo provê salvação para todos (ver Hb 2.9), contanto que se reconciliem com Deus (ver 2 Co 5.19-21)”.87 Ao passo que a razão primária da morte de Cristo, torna-se algo mecanicista, o mero cumprimento dos decretos de Deus na 87. ROBERTSON Apud CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento Inter­ pretado Versículo por Versículo. 1988, Hagnos, vol. 6, p. 234. 51


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visão calvinista, para os arminianos, “o motivo da expiação en­ contra-se no amor de Deus”88 e do próprio Cristo (cf Rm 5.8; Ef 3.19). Jesus morreu e expiou o pecado da raça humana, “como em Adão todos morrem, do mesmo modo em Cristo todos serão vivificados” (1 Co 15.22). “Isso”, entretanto, explica Wiley, “não quer dizer que toda a humanidade se salvará incondicionalmente, mas apenas que a oferta sacrificial de Cristo satisfez as pretensões da lei divina, de maneira que tornou a salvação possível a todos.” Dessa forma, a redenção “é universal ou geral no sentido de provi­ são, mas especial ou condicional na sua aplicação ao indivíduo.”89 Biblicamente, falando, acredito que o versículo-chave para a expiação ilimitada seja 1 Tm 4.10, ao invés de 1 Jo 2.2. Paulo disse que, Deus “é o Salvador de todos os homens, especialmente dos que creem”. O que Paulo quer dizer, não é que todos serão salvos, mas que através do ato gracioso de Cristo na cruz, a salvação está disponível a todos, pois fomos todos comprados por Seu sangue. Apesar de a expiação ser universal, sua eficácia e seus efeitos (re­ generação, adoção, justificação e santificação) não se estendem a toda à humanidade, mas àqueles que creem. Por isso a distinção paulina entre a humanidade e “especialmente” os que creem. O texto supracitado não necessita de uma exegese baseada na tradução, pois as palavras significam, literalmente, como estão traduzidas. A única exceção que vale a pena comentar aqui, é a palavra “creem”, cuja forma grega é pistõn. No léxico de Strong, encontramos que, pistõn (4103) e pisteuo (4100), fé, vêm ambas da raiz pist-, cujo significado é “persuasão”. A palavra pistõn pode ser ainda traduzida por fiel, confiável ou crente. Parafraseando e ampliando 1 Tm 4.10, Deus “expiou os pecados da humanidade através do sacrifício de Seu Filho Unigênito, mas essa expiação é eficaz apenas para os crentes fiéis, que estão persuadidos a con­ fiarem em Cristo”

88. WILEY, Orton H.. Introdução à teologia cristã. 2009, Casa Nazarena de publicações, p. 235. 89. Ibid, p. 248. 52


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3.7 Considerações finais Voltemos às perguntas da nossa introdução: por quem Jesus morreu? Quais são os efeitos dessa obra? Todos seriam salvos ou há condições? Acredito que, após as exposições do presente capí­ tulo, podemos responder a essas perguntas com embasamento bíblico. Por quem Jesus morreu? “Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem, o qual se deu a si mesmo em resgate por todos, para servir de testemunho a seu tempo” (1 Tm 2.5,6 - ênfase minha). “E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo” (1 Jo 2.2 - ênfase minha). Quais são os efeitos dessa obra? “Porque se nós, quando éra­ mos inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida” (Rm 5.10 - ênfase minha). “Mas todas as coisas provêm de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por Cristo, e nos con­ fiou o ministério da reconciliação; pois que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões; e nos encarregou da palavra da reconciliação” (2 Co 5.18,19 - ênfase minha). Todos seriam salvos ou há condições? “Pois para isto é que trabalhamos e lutamos, porque temos posto a nossa esperança no Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, especialmente dos que creem” (1 Tm 4.10 - ênfase minha). “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3 .1 6 - ênfase minha). “E disse-lhes: Ide por todo o mundo, e pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado” (Mc 16.15,16- ênfase minha). Quem crer será salvo. Esse é um assunto interessante. Pode o homem crer por seu próprio livre-arbítrio? O que é livre-arbítrio? O homem tem livre-arbítrio? Será que ele não tem, na verdade, li­

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vre-agência? O que é livre-agência? O homem está num estado de depravação total ou parcial? O que é depravação total? E parcial? Teremos a oportunidade de falar sobre esses tópicos no nosso pró­ ximo capítulo. Até lá...

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CAPÍTULO 04 Depravação Total Já abordamos, em nossos últimos capítulos, dois pontos do arminianismo: o primeiro a respeito da eleição e o segundo sobre a expiação. Já foi possível constatar que, Deus elegeu corporati­ vamente a Igreja e que Jesus morreu por todos, fazendo expiação pelos pecados da humanidade e tornando a salvação potencial. Aquele que crer será salvo, relatou Marcos, provavelmente sob a supervisão de Pedro (Mc 16.16). Essa passagem nos dá a ideia de que o homem pode escolher positiva ou negativamente a opção de Deus, pois aquele que não crer será condenado. Como entendermos essa questão? O homem, por si só, real­ mente tem condições de escolher a Deus? Até que ponto os efei­ tos da queda atingiram a raça humana? O arminianismo ensina o livre-arbítrio e o calvinismo, por sua vez, ensina a livre-agência. Qual seria a diferença entre as duas terminologias? Veremos, do­ ravante, a explicação da doutrina da depravação total, e as per­ guntas supracitadas poderão ser respondidas no decorrer de nossa exposição. 4.1 Artigo 111 - Remonstrância “Que o homem não possui por si mesmo graça salvadora, nem as obras de sua própria vontade, de modo que, em seu estado de apostasia e pecado para si mesmo e por si mesmo, não pode pensar nada que seja bom - nada, a saber, que seja verdadeira­

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mente bom, tal como a fé que salva antes de qualquer outra coisa. Mas que é necessário que, por Deus em Cristo e através de seu Santo Espírito, seja gerado de novo e renovado em entendimento, afeições e vontade e em todas as suas faculdades, para que seja capacitado a entender, pensar, querer e praticar o que é verdadei­ ramente bom, segundo a Palavra de Deus |jo 15.5].” 4.2 Depravação total no Calvinismo A palavra depravação, segundo qualquer dicionário de portu­ guês, significa, nada mais nada menos, do que corrupção ou per­ versão. É a nossa tendência pecaminosa, nossa inclinação para o mal. É a herança de Adão: “...por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porquanto todos pecaram” (Rm 5.12). Essa tendência pecaminosa pode ser vista até mesmo em se­ res inocentes como as crianças. Qual é o pai que ensina seu filho de dois anos a mentir? Mesmo assim, quando tal criança apron­ ta alguma travessura, ela trata logo de mentir para se livrar da bronca. Quem ensina as crianças a serem desobedientes, egoístas, briguentas, pirracentas e rebeldes? Entretanto, naturalmente, es­ sas mazelas aparecem livre e espontaneamente, cabendo aos pais educar tais crianças. Chamamos isso de pecado original, ou seja, a herança de Adão. Depois da queda, portanto, o homem passou a viver com tendência para o mal, nossa natureza foi corrompida e se tornou propensa para o pecado. Esses conceitos são idênticos nas teologias calvinista e arminiana. Para início de conversa, podemos citar Sproul, presidente da Reformation Bible College e pastor auxiliar da Saint Andrew’s Chapei na cidade de Sanford, na Flórida. Ele disse que não somos pecadores porque pecamos, mas que peca­ mos porque somos pecadores, pois herdamos de Adão uma con­ dição corrupta de pecaminosidade.90

90. SPROUL, R. C. Boa Pergunta! 1999, Cultura Cristã, p.98. 56


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Berkhof salienta que, o pecado de Adão trouxe cinco conse­ quências para a humanidade: 1) a depravação total da natureza humana, 2) a perda da comunhão com Deus, 3) uma consciência corrupta, 4) mortes espiritual e física e 5) expulsão do Éden e proi­ bição de comer da árvore da vida.91 O reverendo Ronald Hanko, pastor da Lynden Protestant Reformed Church, comenta em uma de suas obras que, “a palavra depravação refere-se à nossa pecaminosidade e impiedade” e que usamos essa palavra “para enfatizar o fato de que somos mui­ to ímpios aos olhos de Deus”, estando, consequentemente, “em grande necessidade de sua salvação”.92 Hanko acrescenta, ainda, que a palavra “depravação” asso­ ciada ao uso de “total”, quer dizer três coisas: 1) que todos os homens, exceto Jesus, são depravados e ímpios; 2) todos os atos, pensamentos, vontades, desejos, escolhas e emoções de todos os homens são completamente ímpios aos olhos de Deus e 3) que to­ dos os homens são ímpios em sua totalidade (atos, pensamentos, vontades, desejos, escolhas e emoções). A doutrina da depravação total indica, segundo Berkhof, que “a corrupção inerente abrange todas as partes da natureza do ho­ mem, todas as faculdades e poderes da alma e do corpo” e que “absolutamente não há no pecador bem espiritual algum, isto é, bem com relação a Deus, mas somente perversão”. Não obstante, essa doutrina não implica “que todo homem é tão completamente depravado como poderia chegar a ser”, “que o pecado não tem nenhum conhecimento inato de Deus, nem tampouco tem uma consciência que discerne entre o bem e o mal”, “que o homem pecador raramente admira o caráter e os atos virtuosos dos ou­ tros, ou que é incapaz de afetos e atos desinteressados em suas relações com os seus semelhantes” e nem “que todos os homens não regenerados, em virtude da sua pecaminosidade inerente, se entregarão a todas as formas de pecado”.93 91. BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 2012, Cultura Cristã, p. 209. 92. HANKO, Ronald. Doctrine According to Codliness. 2004, Reformed Free Publishing Association, pp. 113,114. 93. BERKHOF, Louis. Op. Cit., p. 229. 57


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Em seu comentário sobre Romanos 3.13-17, o clérigo anglica­ no John Stott corroborou com a ideia de Berkhof ao mostrar que, a doutrina bíblica da depravação total “nunca quis dizer que o ser humano é o mais depravado possível. Tal noção e evidentemente absurda e falsa, e basta olharmos ao nosso redor, no nosso dia-a-dia para contradizê-la”, visto que, “a ‘totalidade’ da nossa cor­ rupção tem a ver com a sua extensão (pois ela estraga e distorce todas as partes da nossa natureza humana), ao seu nível de ação (pois corrompe em absoluto cada parte de nosso ser).” Ele citaj. I. Packer, “por um lado ‘ninguém e tão mau quanto poderia ser’, en­ quanto que, por outro, ‘nenhum de nossos atos é tão bom quanto deveria ser’”.94 4.3 Depravação Total no Arminianismo No decorrer do comentário supracitado de Stott, ele diz que, “só tem coragem de contestar [a doutrina da depravação total] quem tem sobre ela uma concepção errônea.” Ele tem razão. Os arminianos não discordam dessa doutrina como veremos a se­ guir. Mas, infelizmente, não sabemos se por preconceitos,95 falta de informação96 ou uma crença cegamente sofismática,97 alguns 94. STOTT, John. A Mensagem de Romanos. 2000, ABU Editora. 95. Não o preconceito discriminatório, m as com idéias preconcebidas. 96. A maioria desses críticos desconhece o arminianismo clássico, tendo por­ tanto, um entendimento preconcebido e consequentemente superficial do assunto. Suas citações não são baseadas em Armínio, nos remonstrantes ou em Wesley. Olson comenta a esse respeito dizendo que, “Algumas acusações dos calvinistas contra a teologia arminiana demonstram quase uma completa falta de conhecimento ou entendimento da literatura arminiana clássica.”. OLSON, Roger. Teologia Arminiana: mitos e realidades. 2013, Reflexão, p. 177. 97. Optei em chamar dessa forma porque alguns calvinistas simplesmente debocham do arminianismo e dos arminianos, demonstrando carência do fruto do Espírito Santo. Até m esm o Solano Portela reconhece que, há no meio calvinista uma arrogância que os leva a atitudes pecam inosas como a "falta de amor no trato” com os nossos irmãos e a “falta de discernimento do que é importante” ou prioritário em nossa fé cristã. Conferir essa reflexão em PORTELA, Solano. O Pecado da Intolerância Fraternal. In: ____ .. 5 Pecados que Ameaçam os Calvinistas. 1997, PES, p. 7. 58


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teólogos calvinistas acham que o arminianismo ensina uma depravação parcial.98 Olson comenta que, “ao contrário da ideia popular sobre o Arminianismo (especialmente entre os calvinistas), nem Armínio nem os remonstrantes negaram a depravação total; eles a afirma­ ram”.99 Sendo assim, penso que seja mais interessante observar­ mos declarações de teólogos arminianos a esse respeito. Vejamos: Armínio disse: “Neste estado [caído], o livre-arbítrio do homem para o verda­ deiro bem não está apenas ferido, enfermo, inclinado, e en­ fraquecido; mas ele está também preso, destruído, e perdido. E os seus poderes não só estão debilitados e inúteis a menos que seja assistido pela graça, mas não tem poder algum exceto quando é animado pela graça divina.”100 Já vimos o que os remonstrantes disseram: “Que o homem não possui por si mesmo graça salvadora, nem as obras de sua própria vontade, de modo que, em seu estado de apostasia e pecado para si mesmo e por si mesmo, não pode pensar nada que seja bom - nada, a saber, que seja ver­ dadeiramente bom, tal como a fé que salva antes de qualquer outra coisa. Mas que é necessário que, por Deus em Cristo e através de seu Santo Espírito, seja gerado de novo e renovado em entendimento, afeições e vontade e em todas as suas fa­ culdades, para que seja capacitado a entender, pensar, querer 98. Ver, por exemplo, Leandro Lima em LIMA, Leandro Antônio de. Calvino Ensinou a Expiação Limitada? Fides Refomata IX, n ° 1 (2004), p. 79. Também conferir o equívoco de Driscoll e Breshears em dizer que a visão arminiana crê que “Nascemos pecadores, m as culpados por nossos pecados, não pelos de Adão” em DRISCOLL, Mark; BRESHEARS, Gerry. Doctrine: What Christians Should Believe. 2010, Crossway, p. 267. 99. OLSON, Roger. Op. Cit., p. 42. 100. ARM1NIUS, Jam es. Disputation 11: On the free will of man and it’s power - Respondem: Paul Leonards. In :_____ . Works ofJam es Arminius. Volume 1, Christian Classics Ethereal Library, p. 384.

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e praticar o que é verdadeiramente bom, segundo a Palavra de Deus [Jo 15.5].” John Wesley, pai do metodismo, disse: “...podemos aprender daí uma grande e fundamental diferença entre o cristianismo, considerado como um sistema de doutri­ na, e o paganismo mais refinado. Muitos dos antigos pagãos descreveram exaustivamente os vícios de determinados ho­ mens. Falaram muito contra a sua ambição ou crueldade, da sua luxúria ou prodigalidade. Alguns ousaram dizer que ‘ne­ nhum homem nasce sem vícios de uma ou de outra espécie’. Mas nenhum deles sabia da queda do homem de modo que nenhum conhecia a sua corrupção total. Não sabiam que os homens estão vazios de todo bem e cheios de toda espécie de mal. Ignoravam totalmente a completa depravação de toda a natureza humana, de todo o homem nascido no mundo, de todas as faculdades de sua alma, não tanto por determinados vícios que reinam em determinadas pessoas como pelo dilúvio geral do ateísmo e da idolatria, do orgulho, da obstinação e do amor do mundo. É esta, portanto, a primeira grande dis­ tinção entre o paganismo e o cristianismo. Um reconhece que muitos homens estão afetados por muitos vícios e mesmo nascem com uma propensão para os mesmos, mas supõe, no entanto, que em alguns o bem natural contrabalança o mal; o outro declara que todos os homens ‘são concebidos em peca­ dos’ e ‘formados em iniquidade’, e que, portanto, há em todo homem uma ‘mente carnal que é inimizade contra Deus...”101 Wiley, teólogo nazareno, disse que, “a depravação é total, visto que ela afeta todo o ser do homem.”102 Isso significa dizer que, 101. BURTNER, Robert W.; CHILES, Robert. E. (org.). Coletânea da Teologia de João Wesley. 1995, Colégio Episcopal, p. 122. 102. WILEY, Orton. Christian Theology. Volume II, 1941, Beacon Hill, pp. 128,129.

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todas as pessoas nascem com inclinações alienadas, intelecto obscurecido e vontade corrompida. “Os homens não apenas nascem debaixo da penalidade da morte como consequência do pecado, mas eles também nascem com uma natureza depravada, que em contraste com o aspecto legal da pena, é geralmente chamada de pecado inato ou depravação herdada.”103 Concluindo esta seção, podemos citar o teólogo arminiano militante, Roger Olson, que observa contundentemente sobre a doutrina da depravação total: “O Arminianismo ensina que todos os seres humanos nascem moralmente e espiritualmente depra­ vados e impotentes para fazerem qualquer coisa boa ou digna aos olhos de Deus sem que haja uma infusão especial da graça de Deus para superar os efeitos do pecado original.”104 Como podemos ver, trata-se de uma acusação injusta e desca­ bida, a alegação de que o arminianismo ensina uma depravação parcial. A compreensão exata da visão arminiana nesse axioma é mui importante para que possamos distingui-la do pelagianismo e do semi-pelagianismo, objetos de estudo em nossa seção seguinte. 4.4 Pelagianismo e Semi-pelagianismo Pelagianismo vem de seu expoente, Pelágio, um austero mon­ ge e popular professor que nasceu provavelmente na Britânia e que viveu em Roma por volta do ano 405. Sua austeridade era puramente moralista, ao ponto de não conseguir conceber a ideia de que o homem não podia deixar de pecar. Seus interesses esta­ vam mais voltados para a conduta cristã e sendo assim, ele queria melhorar as condições morais de sua comunidade. Sua ênfase par­ ticular recaía na pureza pessoal e na abstinência da corrupção e da frivolidade do mundo, resvalando o ascetismo.105 Pelágio negou o conceito de Tertuliano sobre o pecado origi­ nal, contra argumentando que o pecado é meramente voluntário e 103. Ibid, p. 98. 104. OLSON, Roger. Op. Cit., p. 42. 105. MCGIFFERT, Arhur Cushman. A History of Christian Thought, Volume 2. Charles Scribner’s Sons, 1953, p. 125.

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individual, não podendo ser transmitido ou herdado. Para ele, crer no pecado original era minar a responsabilidade pessoal do ho­ mem e não concebia a ideia de que o pecado de Adão tivesse afe­ tado as almas e nem os corpos de seus descendentes. Assim como Adão, todo homem, segundo o pensamento pelagiano, é criador de seu próprio caráter e determinador de seu próprio destino.106 No entendimento pelagiano, o homem não possui uma ten­ dência intrínseca para o mal e tampouco herda essa propensão de Adão, podendo, caso queira, observar os mandamentos divinos sem pecar. Ele achava injusto da parte de Deus que a humanidade herdasse a culpa de outrem e desta forma negava a doutrina do pecado original. Desta forma, Pelágio passou a ensinar uma dou­ trina exageradamente antropocêntrica e focada no livre-arbítrio, ensinando que, ao criar o homem, Deus não o sujeitou como fi­ zera com as outras criaturas, mas “deu-lhe o privilégio singular de ser capaz de cumprir a vontade divina por sua própria esco­ lha”.107 Visto que suas teorias eram baseadas em uma abordagem moralista, ele entendia que a desobediência do homem vinha do exemplo e dos costumes observados ao redor, podendo pela pró­ pria força, alcançar a perfeição mediante grande esforço de sua própria vontade. Enquanto isso, Agostinho, bispo de Hipona, travou uma acirra­ da batalha bíblico-ftlosófica contra as heresias pelagianas. Dentre as principais obras, podemos destacar De peccatorum meritis et remissione et de baptismo parvolorum ad Marcellium libri, De gratia et libero arbítrio liber e De haeresibus. A teologia Agostiniana acerca da Graça é a base da soteriologia calvinista. Em 431 acontece o concilio de Éfeso e as heresias pelagia­ nas foram condenadas. Entretanto, as doutrinas agostinianas não foram aceitas ou oficializadas pela igreja nesse mesmo concilio. Alguns simpatizantes do “doutor da graça”,108 tentaram construir 106. íbid, p. 126. 107. KELLY, J. N. D. Patristica: Origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da f é cristã. Vida Nova, 1994, p. 270. 108. Apelido moderno de Agostinho. 62


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uma ponte entre o Pelagianismo - que negava o pecado original - e Agostinho - que defendia a eleição incondicional sobre o fun­ damento de que todos os descendentes de Adão nascem espiritu­ almente mortos e culpados do pecado de Adão. Embora esse gru­ po tenha ficado conhecido como semi-pelagianos, o termo mais apropriado deveria ser semi-agostinianos.109 Wiley explica que os “semi-agostinianos” sustentavam que, “restou poder suficiente na vontade depravada para dar o primeiro passo em direção à salvação, mas não o suficiente para completá-la. Isso deve ser feito pela graça divina.”110 Como podemos ver, o arminianismo clássico difere drastica­ mente das heresias pelagiana e semi-agostiniana (semi-pelagiana), pois não negamos o pecado original e cremos na doutrina da inabilidade natural.11112Wiley comenta corretamente que, “a verda­ deira posição arminiana admite a plena penalidade do pecado, e consequentemente não minimiza a excessiva pecaminosidade do pecado e nem menospreza a obra expiatória de nosso Senhor Jesus Cristo.”" 2 4.5 Livre-Arbítrio x Livre-Agência Arbítrio significa vontade. A ideia por detrás desse ponto seria a de que o homem possui sua vontade livre para escolher, decidir entre o bem e o mal, entre a salvação e a perdição. A Bíblia nos mostra que, embora a queda tenha afetado a vontade do homem, não o afetou ao ponto de não conseguir ter nenhuma tomada de decisão. Vemos essa verdade quando ela nos exorta a escolher entre a vida e a morte (Dt 30.19), obediência ou desobediência (Dt 109. GONZALEZ, Justo L. Uma História do Pensamento Cristão: De Agostinho às vésperas da Reforma. Volume 2, 2004, Cultura Cristã, p. 56. 110. WILEY, Orton. Op. Cit., p. 103. 111. Trata-se da incapacidade humana em escolher a Deus por sua própria vontade. Os semi-agostinianos erravam ao pensar que, o homem podia dar o primeiro passo por si só. Conferir Jó 14.4; SI 14.1-4; 51.5; Jo 3.6; Rm 3.10-12; 5.12-14, 20; 7.14-25. 112. WILEY, Orton. Op. Cit., p. 132,133. 63


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28), o caminho largo ou o estreito (Mt 7.13,14), o Deus verdadeiro e os falsos deuses (Js 24.14,15) e Deus ou baal (1 Rs 18.21), dentre outras. A inclinação, porém, do ímpio, é para a pecaminosidade (Rm 8.5). Todavia, o debate é muito mais profundo do que estamos abordando. No sistema calvinista, a salvação é operada pela sobe­ rania de Deus e sobre isso, Nicodemus fez uma ilustração, a meu ver, um tanto infeliz.113 Segundo ele, uma multidão de pessoas (a humanidade) está indo em direção a um precipício, mas todas elas estão com vendas nos olhos e tampões nos ouvidos (o peca­ do). Deus fica avisando que Jesus morreu por elas, mas elas não ouvem e nem veem, até que, por um ato soberano de Deus, Ele sacode alguém que escolheu e retira esses tampões e vendas, e dessa forma a pessoa passa a ouvir e enxergar a verdade divina. A infelicidade dessa ilustração é que, se é desejo de Deus que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade (1 Tm 2.4), como entender a escolha arbitrária de uns em detrimento de outros? Isso não é soberania e sim “soberbania”. O arminianismo não nega a soberania de Deus, não alega que as coisas estão sujeitas a um acaso e nem que a teologia é centrada no homem. Antes, cremos que Deus está no controle de tudo sem controlar tudo.114 Olson comenta sobre essa incoerência, argumentando que, “o motivo real pelo qual os arminianos rejeitam o controle divino de 113. NICODEMUS, Augustus. Palestra sobre livre-arbítrio. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v = RSRJV7g-aM4. Acesso em 24 de Fevereiro de 2014. 114. A argumentação calvinista é que os arminianos negam a soberania de Deus quando alegam os que o desejo de Deus é salvar a todos, porém, não consegue fazê-lo. Esse não conseguir salvar, não está diretamente ligado à sua vontade soberana, haja vista que os planos de Deus não podem ser frus­ trados (Jó 42.2), operando Ele, quem pode impedir? (Is 43.13). A questão é que, Deus decidiu dar a salvação de forma condicional. Isso é muito claro em textos como Mc 16.15,16; Jo 3.16 e Rm 10.9-17. Um exemplo da condicionalidade do agir de Deus está em Mt 13.57,58 e seu paralelo em Mc 6.1-6. Jesus queria curar pessoas ali, operar milagres e até m esm o trazer salvação e perdão de pecados, m as não pôde em virtude da incredulidade deles. Será que Jesus deixou de lado Sua soberania? Obviamente que não! 64


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coda escolha e ação humana é que isso faria de Deus o autor do pecado e do mal. Para os arminianos, tal controle faria de Deus, no mínimo, moralmente ambíguo e, no pior, o único pecador.”115 Ouvi um calvinista dizer que todo mundo nasce arminiano. Essa fala era para dizer que achamos que somos “bons” intrinsecamente, mas não passa de um conceito preconceituoso, pois como já vimos, o arminianismo, corretamente aceita a doutrina da depravação total do homem. A questão é que, ao hipervalorizarmos116a soberania de Deus, estamos dizendo que Adão caiu porque Deus quis, porque Ele planejou, predestinou e decretou a queda do ho­ mem. Não só isso, mas que a humanidade herdou o pecado origi­ nal porque Ele quer, que Ele já queria salvar alguns e outros não e assim por diante. Não é possível visualizar o caráter amoroso de Deus nessa teologia, por mais que nos esforcemos. Se admitirmos tudo isso, inevitavelmente teremos que admitir que Deus é o autor do pecado. Por outro lado, Nicodemus faz outra observação pertinente sobre o livre-arbítrio. Ele inicia explicando que arbítrio vem de árbitro (um juiz de futebol, por exemplo). Para que suas decisões sejam tomadas de forma eficaz, este árbitro precisa estar neutro. Se ele precisar decidir num lance duvidoso, inclinará sua decisão para o time de sua predileção. Perfeito! O arminianismo não nega essa verdade. Armínio disse que a mente do homem natural “é obscura e escura, que suas afeições são corruptas e imoderadas, que sua vontade é obstinada e desobediente e que o próprio ho­ mem está morto em pecados.”117 115. OLSON, Roger. Op. Cit., p. 127. 116. Os pontos calvinistas nasceram de uma resistência aos remonstrantes e por isso, foi uma contramedida que trouxe consigo extremismos. A ênfase na soberania de Deus é um equívoco teontológico. Basta olharmos para a histó­ ria da Igreja. Grupos que valorizaram o caráter bondoso de Deus fizeram da graça motivo para a licenciosidade, grupos que hipervalorizavam a justiça de Deus se apegaram a uma enorme rigidez doutrinária com práticas ascéticas e de autoflagelação, grupos que enfatizaram a escatologia pregaram misticis­ mos incongruentes com a Palavra de Deus, e assim por diante. A soberania de Deus é bíblica, m as está em perfeita harmonia com Seus dem ais atributos. 117. ARMINIUS, James. A letter addressed to Hippolytus A. Collibus. In:_____. Works ofJam es Arminius. Volume 2, Christian Classics Ethereal Library, p. 333.

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É aqui que está um grande equívoco dos calvinistas. Eles pen­ sam que os arminianos embasam seu esquema teológico no livre-arbítrio. Até Nicodemus inicia sua explanação partindo desse pressuposto, quando na verdade, tivemos já a oportunidade de vermos que, o esquema arminiano partiu da eleição. O “compro­ misso com a liberdade da vontade não é o maior valor ou o pri­ meiro princípio da construção doutrinária arminiana.”118 O que queremos, é justamente deixar “Deus ser Deus”:119 “Aquele que não ama não conhece a Deus; porque Deus é amor” (1 Jo 4.8 ênfase minha). Em contrapartida, os calvinistas dizem que o livre-arbítrio é ilusório, que não existe no homem depois da queda,120 pois como disse Lutero, “nascemos escravos”. Ao invés de livre-arbítrio, teríamos livre-agência. Ferreira e Myatt conceituam-na como “a capaci­ dade que a pessoa tem de fazer escolhas sem coerção, de maneira consistente com a sua natureza e os seus desejos. A vontade é con­ dicionada e determinada por uma infinidade de fatores psicológi­ cos, físicos e espirituais, todos os quais, no final, são ordenados não pelo acaso, mas pelos propósitos soberanos de Deus.”121 Se o amado leitor der uma lida na explicação de Reichenbach sobre a visão arminiana de livre-arbítrio, verá que trata-se da mesma coi­ sa.122 O calvinismo, para contrariar o arminianismo, trocou aipim por mandioca. 118. OLSON, Roger. Op. Cit., p. 126. 119. “Deixem Deus ser Deus” foi uma frase de Lutero para os que não acei­ tavam a soberania de Deus. Meu objetivo aqui, é fazer um trocadilho com as palavras do reformador, pois o que mais queremos é justam ente isso. Que Deus seja refletido por quem Ele realmente é: o Deus infinito, transcendente e imanente, cuja essência é o amor. 120. O raciocínio calvinista nos leva a pensar que não havia livre arbítrio nem m esm o antes da queda, pois se tudo estava decretado, planejado e predesti­ nado por Deus, que escolha Adão tinha? Foi um livre-arbítrio ilusório. E isso é inadmissível, pois mais um a vez nos leva a um labirinto em que Deus é o autor do pecado. 121. FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise his­ tórica, bíblica e apologética para o contexto atual. 2007, Vida Nova, p. 749. 122. REICHENBACH, Bruce. Deus limita Seu poder. In: BASINGER, David (Org.). Predestinação e Livre-Arbítrio: quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. 2000, Mundo Cristão, pp. 130-133. 66


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4.6 Considerações finais Como já vimos, o arminianismo nega a heresia pelagiana de que o homem peca pela socialização. Cremos na depravação total, nos efeitos da queda e na inclinação para o mal. Negamos, ainda, a heresia semi-agostiniana, a qual acha que o homem ainda tem condições de dar o primeiro passo para Deus e aceita-lo como seu salvador. Já vimos que o livre-arbítrio do homem está, de fato, afe­ tado pelo pecado e que para o pecador se arrepender e receber a Cristo Jesus precisa de uma atuação divina, afinal, o Espírito Santo é quem convence o pecador. Sendo assim, nosso debate sobre o livre-arbítrio ainda não finalizou-se completamente, pois veremos no nosso próximo capí­ tulo que, o homem por si só, não tem condições suficientes para se achegar a Deus, necessitando do que chamamos no arminia­ nismo, de graça preveniente. O calvinismo, por sua vez, ensina que aqueles a quem Deus elegeu desde a eternidade, recebem de uma graça ao mesmo tempo salvadora e irresistível, ao passo que nós entendemos que essa graça pode ser resistida pelo homem. Portanto, até a próxima...

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CAPÍTULO 05 Graça Preveniente Recapitulando nossas abordagens: falamos inicialmente sobre eleição corporativa de Deus segundo Sua presciência. Em segui­ da, sobre a expiação de Cristo por toda a humanidade. Em nosso terceiro ponto mostramos a inabilidade total do homem em se achegar a Deus. Chegamos, agora, em nosso quarto ponto: a graça preveniente. Poderiamos renomear nossa série de estudos como “doutrinas da graça segundo o arminianismo”.123 Já vimos que calvinistas e arminianos concordam com a dou­ trina da depravação total e que sem a ação divina, o ímpio não tem condições de escolher Deus, pois está inclinado para o peca­ do. Pensando nisso, vêm algumas perguntas em nossas mentes: como acontece a salvação? É um ato monergista ou sinergista? Discorreremos, no presente capítulo, a respeito da ordem da sal­ vação e sobre os conceitos de graça, graça preveniente e graça irresistível. 123. Gostaria de fazer uma ressalva sobre esse ponto. Tradicionalmente, te­ m os as doutrinas arminiana e calvinista como os pressupostos ortodoxos sobre as doutrinas da graça. Embora am bos os pontos de vista sejam prati­ camente opostos, são aceitos como teologicamente corretos pelos eruditos. Atualmente, há vários pregadores que vêm ensinando uma visão da graça que não se encaixa em nenhuma das duas vertentes teológicas. Um desses pregadores é um pastor cingapuriano chamado Joseph Prince, autor do Best-seller, "Destinados a Reinar”. Vale muito a pena alertar aos pastores, líderes e m esm o irmãos na fé que, os ensinos de Prince são recheados de questões heterodoxas e é uma distorção das doutrinas da graça. Para maiores infor­ mações, consultar COUTO, Vinícius. As heresias de Jospeh Prince. Disponível em: http://www.cacp.org.br/as-heresias-de-joseph-prince/. 68


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5.1 Artigo IV - Remonstrância “Que esta graça de Deus é o começo, a continuação e o fim de todo o bem; de modo que nem mesmo o homem regenerado pode pensar, querer ou praticar qualquer bem, nem resistir a qual­ quer tentação para o mal sem a graça precedente (ou preveniente) que desperta, assiste e coopera. De modo que todas as obras boas e todos os movimentos para o bem, que podem ser concebidos em pensamento, devem ser atribuídos à graça de Deus em Cristo. Mas, quanto ao modo de operação, a graça não é irresistível, por­ que está escrito de muitos que eles resistiram ao Espírito Santo.” 5.2 Ordo salutis Ambas as posições (calvinista e arminiana) possuem sua ló­ gica. A teologia calvinista começa seu raciocínio pela corrupção humana em Adão. Esta depravação total, não apenas da vontade, mas do pensamento, atos e emoções do homem, é um impedi­ mento para o próprio homem de se achegar a Deus. Porém, Deus já havia decretado desde a eternidade, salvar alguns destes peca­ dores que não merecem a salvação, visto que “todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Rm 3.23). Se Deus já havia elegido essas pessoas, pois está no controle de tudo, Ele consolida Seu plano através do sacrifício de Cristo por essas pessoas. Real­ mente não faz sentido Cristo morrer por outras pessoas, se essas outras pessoas não serão salvas, seria desperdiçar o Sangue de Jesus. Visto que nem mesmo os eleitos são capazes de se voltarem para Deus, é necessário que uma obra divina os liberte do domínio do pecado. A esta obra, os calvinistas chamam de “graça irresis­ tível”. Uma vez que a pessoa irresistivelmente está em Cristo, ela não cai desta graça. Em contrapartida, a lógica arminiana toma outro rumo: so­ mos sim, eleitos. Não individualmente, mas corporativamente. Não segundo a vontade soberana de Deus,124 mas segundo Sua 124. Refiro-me aqui à ideia de que Deus soberanamente elege alguns para a salvação e outros para a danação. Obviamente que, a prevalência da vontade soberana de Deus é constatada em toda a Bíblia (cf Is 43.13; Jó 42.2). 69


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presciência. Deus está no controle de tudo, sem controlar tudo. A eleição da Igreja é baseada no amor de Deus que excede todo entendimento (Ef 3.19), o qual “amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (jo 3.16). Jesus “é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo” (1 Jo 2.2). Jesus morreu por todas as pes­ soas e isso torna a salvação potencial a todas as pessoas. A eleição é condicional, “quem crer (...) será salvo, mas quem não crer será condenado” (Mc 16.16), pois “todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Rm 10.13). Todavia, o homem foi afetado pela queda de Adão e a humanidade está corrompida pelos efeitos do pecado, não havendo “quem entenda” ou que “busque a Deus” (Rm 3.11). Somente um ato gracioso de Deus para convencer o homem do pecado, da justiça e do juízo. Chamamos esse ato de “graça preveniente”. Se o salvo pode cair dessa graça ou não, será assunto para nosso último capítulo. Ambas as lógicas nos levam a uma sequencia salvífica também diferente. A essa sequencia chamamos de ordo salutis, expressão latina cujo significado é “ordem da salvação”. Hoeksema, teólogo calvinista, define a ordo salutis como “o arranjo ou a ordem na qual os vários benefícios da salvação em Cristo são aplicados ao pecador eleito.”125 O erudito arminiano, Olson, conceitua-a como “uma tentativa de colocar em ordem lógica e não cronológica, os eventos que antecedem, que ocorrem durante e que sucedem a salvação inicial de uma pessoa”.126 Embora tenhamos uma sequencia lógica, não há uma crono­ logia que pode facilmente ser delineada, pois os acontecimentos são simultâneos, ou seja, “não ha intervalo de tempo na obra da salvação em nossos corações — com a única exceção da santifica­ 125. HOEKSEMA, Herman. Reformed Dogmatics. 2004, Volume 2, Reformed Free Publishing Association, p. 16. 126. OLSON, Roger. Na Arminian Ordo Salutis (Order of salvation). Dispo­ nível em: http://www.patheos.com/blogs/rogereolson/2013/08/an-arminian-ordo-salutis-order-of-salvation/. Acesso em 07/03/2014.

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ção, já que ela é um processo iniciado na conversão, mas que só encontrara sua consumação nos novos céus e terra.”127 Na elaboração de Calvino, teríamos a ordem da salvação da seguinte forma: 1) União Mística; 2) Fé; 3) Arrependimento; 4) Reconciliação; 5) Regeneração e 6) Justificação St Santificação.128 Strong seguiu quase que o mesmo raciocínio, exceto que sepa­ rou a justificação da santificação e afirmou o seguinte arranjo: 1) Eleição; 2) Vocação; 3) União com Cristo; 4) Regeneração; 5) Con­ versão (arrependimento e fé); 6) Justificação; 7) Santificação e 8) Perseverança.129 Mais próximo ainda de Calvino está Berkhof, que seguiu ordenou a salvação da seguinte maneira: 1) União Mística; 2) Regeneração e Vocação Eficaz; 3) Conversão (arrependimento e fé); 4) Justificação; 5) Santificação e 6) Perseverança dos santos.130 A Confissão de fé de Westminster, principal declaração de fé utilizada pelas igrejas reformadas, ou melhor, calvinistas, e princi­ pal declaração adotada oficialmente pela IPB (Igreja Presbiteriana do Brasil), enumera em seus capítulos de X a XVII (exceção do XVI que fala de boas obras), sua ordo salutis: 1) Vocação Eficaz; 2) Justificação; 3) Adoção; 4) Santificação; 5) Fé Salvadora; 6) Arre­ pendimento e 7) Perseverança dos santos. Do lado arminiano podemos citar a ordem de Olson; 1) Graça eletiva de Deus em Cristo de todos os que creem nele; 2) Expiação de Cristo, reconciliando todos os pecadores da morte; 3) Graça preveniente dada por Deus aos pecadores por meio da Palavra (chamando, convencimento, iluminação, capacitação); 4) Conver­ são (arrependimento e fé) capacitado pela graça preveniente; 5) Regeneração, justificação, adoção, união com Cristo, habitação do Espírito Santo; 6) Santificação e 7) Glorificação.131

127. FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise his­ tórica, bíblica e apologética para o contexto atual. 2007, Vida Nova, p. 737. 128. lbid, p. 738. 129. STRONG, A. H. Teologia sistemática. Volume 2, 2007, Hagnos, pp. 13991558. 130. BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 201 2, Cultura Cristã, pp. 383-504. 131. OLSON, Roger. Op. Cit., idem. 71


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John Wesley cita em seu sermão “Sobre a realização da nossa própria salvação”, uma ordo simplificada: 1) a Graça preveniente (salvadora); 2) a Graça convencedora (arrependimento e fé); 3) a Justificação e 4) a Santificação.132 Obviamente que podemos acres­ centar aqui a presciência como sendo o primeiro item e a glorifica­ ção como sendo o último. Ward, teólogo wesleyano, enumera a ordo da seguinte forma: 1) Presciência divina; 2) Graça Preveniente; 3) Graça Convencedo­ ra; 4) Graça Justificadora (Santificação Inicial); 5) Regeneração; 6) Crescimento na Graça; 7) Inteira consagração; 8) inteira Santifica­ ção; 9) Crescimento na Graça e 10) Glorificação.133 Podemos retirar dessa lista os itens 6, 7, 8 e 9. Os itens 6 e 9 porque tratam de um crescimento espiritual, não necessariamente um evento que caracterize a salvação, mas o efeito da mesma e os itens 7 e 8 porque são doutrinas mais específicas do wesleyanismo a respeito da segunda bênção ou batismo no Espírito Santo. Estes últimos principalmente não devem fazer parte desta lista porque senão teremos que admitir que todos os cristãos têm de passar por essa experiência e tenho certeza, como bom teólogo nazareno, que não era isso que Ward queria dizer em sua exposição. Pode parecer à primeira instância que, “a ordem dos tratores não altera o barulho”,134 mas a ideia desse processo salvífico é importante, pois como comenta o reverendo Ronald Hanko, a or­ dem da salvação “descreve a obra do Espírito de Deus em nós”.135 Olson complementa sua importância na área missiológica, pois seu impacto é diretamente proporcional ao nosso entendimento e atuação na evangelização dos perdidos, visto que “sem arrepen­ 132. BURTNER, Robert W.; CHILES, Robert. E. (org.). Coletânea da Teologia de João Wesley. 1995, Colégio Episcopal, p. 130. 133. WARD, David B. Wesleyan Theology of Salvation and Preaching. Dis­ ponível em: http://wesleyansermons.com/2013/08/26/wesleyan-theology-of-salvation-and-preaching/. Acesso em 07/03/14. 134. Trocadilho com a frase que aprendem os no ensino fundamental para as operações matem áticas de multiplicação: “a ordem dos fatores não altera o produto", ou seja 8 x 3 é a m esm a coisa que 3 x 8 . 135. HANKO, Ronald. Doctrine According to Godliness. 2004, Reformed Free Publishing Association, pp. 185,186.

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dimento e fé, capacitados pela graça preveniente, não se pode ser totalmente salvo”.136 Outro exemplo de sua importância é o caso da justificação, a qual “deve preceder a santificação, caso contrá­ rio temos a doutrina Romana da justificação pelas obras.”137 Conforme vimos, a principal diferença entre a ordem da salva­ ção nas teologias arminiana e calvinista se dá no tocante à rege­ neração. Para os calvinistas ela se dá antes do novo nascimento e para os arminianos, depois. Estes creem que o Senhor atua inicial­ mente com a graça preveniente e então capacita o homem a crer. Depois de receber a Cristo é que ocorrem os demais pontos da nossa ordo salutis (arrependimento, fé, regeneração, justificação, adoção, união com Cristo e habitação do Espírito Santo). Aqueles, por sua vez, creem que primeiro Deus regenera o homem, o qual somente depois do novo nascimento é que recebe fé para se arre­ pender, sendo justificado e santificado. A tese calvinista é mais primordialmente baseada em Rm 8.29,30, entretanto, Paulo não está interessado ali em formar uma ordo, mas em dar um panorama da obra de Cristo e seus efei­ tos para com os redimidos. Ademais, se colocarmos a fé depois do novo nascimento, contrariaremos não as palavras de Armínio, Wesley ou outro teólogo, mas a própria Palavra de Deus, como podemos observar em passagens escriturísticas como Mc 1.14,15; At 2.38; 11.21 e principalmente Rm 10.9-15. Inevitavelmente, se a fé vem depois do novo nascimento, não há necessidade de pregar o Evangelho, pois com ou sem a pregação a pessoa será salva em algum momento em função dos decretos divinos.138 5.3 A Graça Irresistível Berkhof explica que, graça irresistível “não significa que o ho­ mem não possa opor-se à sua execução até certo ponto, mas signi­ 136. OLSON, Roger. Op. Cit. Idem. 137. HANKO, Ronald. Op. Cit., p. 186. 138. Vale ressaltar que, os calvinistas não ensinam que a pessoa é salva sem a pregação do Evangelho. Para eles, a pregação é meio que Deus escolheu. Todavia, é inevitável que não raciocinemos conforme propus quando analisa­ mos a ordo calvinista. 73


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fica, sim, que a sua oposição não prevalecerá. Tampouco significa que Deus, na execução do Seu decreto, subjuga de tal modo a von­ tade humana que seja incoerente com a liberdade da ação huma­ na. Significa, porém, que Deus pode exercer e exerce tal influência sobre o espírito humano que o leva a querer o que Deus quer, SI 110.3; Fp 2.13.”139 Para ele, não significa, ainda, “que seja uma for­ ça determinista a compelir o homem a crer contra a sua vontade, mas significa que, pela mudança do coração do homem, torna-o perfeitamente desejoso de aceitar a Jesus Cristo para a salvação e de prestar obediência à vontade de Deus.”140 Donner, outro teólo­ go calvinista, diz que “é impossível para o homem eleito resistir à graça de Deus que opera nele a fé e a salvação.”141 Ferreira e Myatt fazem distinção entre duas graças: a comum e a especial: a primeira atinge a todos os homens; até refreia o pecado, mas não muda a natureza; restringe a manifestação do pecado, mas não a extingue e é resistível, podendo efetuar mu­ dança apenas moral e não espiritual, pois não provoca mudanças internas no coração do pecador. A segunda é dirigida somente aos eleitos; redime e perdoa; e irresistível e muda o coração do homem e tomando-o desejoso de crer e se arrepender.142 Acredito que esteja bem claro até aqui o entendimento calvi­ nista da depravação total. Visto que o homem não tem condições de escolher a Deus, pois foi afetado pela queda, precisa, primeiro, nascer de novo. Visto ser assim a posição calvinista, asseveram Ferreira e Myatt que, “sem a obra poderosa e irresistível do Espiri­ to Santo, o homem não pode fazer nada em relação à salvação”.143 É até lógico que depois que a pessoa tenha sido regenerada não consiga resistir à graça de Deus, mas a Bíblia contradiz esse pen­ samento em duas situações: 1) a regeneração é posterior à conver­ são e à fé e 2) a graça pode ser resistida. 139. BERKHOF, Louis. Op. Cit., p. 108. 140. Ibid, p. 403. 141. DONNER, Theo. A Soberania de Deus e a Responsabilidade do Homem. 2005, Hagnos, p. 10. 142. FERREIRA; MYATT. Op. Cit., p. 690. 143. Ibid, p. 459. 74


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A primeira afirmação volta nosso debate para a ordo salutis. Marcos coloca uma ordem simples no ide de Jesus: primeiro se crê, depois a pessoa é salva e não o inverso (Mc 16.16). Em Rm 10.11-15, Paulo elabora uma sequencia missiológica invertida, a qual podemos reorganizar da seguinte forma: o missionário é en­ viado - a Palavra é pregada - o Evangelho é ouvido - o Evangelho é crido (ou rejeitado) - aquele que crê passa a invocar o Nome do Senhor - quem invoca nasceu de novo e é salvo. A segunda nos dá uma prévia do que é a graça preveniente. Vejamos o que Paulo disse aos romanos: “Ou desprezas tu as ri­ quezas da sua benignidade, e paciência e longanimidade, igno­ rando que a benignidade de Deus te conduz ao arrependimento? Mas, segundo a tua dureza e teu coração impenitente, entesouras ira para ti no dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus, que retribuirá a cada um segundo as suas obras” (Rm 2.4-6 - grifos meus). A graça podendo ser resistida é encontrada em diversas passagens da Escritura como Mt 11.20-24; At 7.51; 13.5-11; 23.19; Rm 11.22; 1 Co 10.1-12 e 2 Tm 3.1-8. Como já vimos, o calvinismo exalta a Soberania de Deus aci­ ma de todos os demais atributos. Erickson explica que um dos conceitos mais importantes “do calvinismo é a soberania de Deus. Ele é o Criador e o Senhor de todas as coisas e, por conseguinte, é livre para fazer tudo o que deseja. Ele não está sujeito nem deve explicações a ninguém. Os homens não estão em posição de jul­ gar a Deus por aquilo que ele faz”.144 Seu apelo bíblico para essa posição são as passagens de Mt 20.13-15 e Rm 9.20,21, as quais são conhecidas respectivamente, pelas epígrafes de “parábola dos trabalhadores da vinha” e “vasos de honra e vasos de desonra”. O problema dessas passagens é que elas não estão sendo usa­ das para a mesma finalidade que Erickson as usa. A primeira é para ilustrar que haverá pessoas que se converterão a Cristo mais próximo da hora da morte do que outros. Alguns terão uma vida inteira para trabalhar na seara do Senhor, mas outros vão receber 144. ERICSON, Millard. Introdução à Teologia Sistemática. 1992, Vida Nova, p. 383. 75


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a Jesus nos instantes finais, como foi com o ladrão da cruz. Quem merece mais a salvação? O que nasceu num lar cristão ou o que se converteu aos quarenta e cinco do segundo tempo? Portanto, essa passagem reforça a soberania de Deus quanto ao ato final da salvação e não quanto a uma possível predestinação. A segunda passagem é o corolário calvinista. Sempre que eles querem defender a dupla predestinação, a passagem preferida de­ les é o capítulo 9 de Romanos. Entretanto, é completamente nítido o fato de que, Paulo está mostrando aos judeus que os propósitos de Deus não falharam. Seus compatriotas eram arrogantes e acha­ vam que para alguém ser salvo deveria se tornar um judeu (prosélito) e observar a Lei. Paulo combateu este “outro evangelho” em todas as suas cartas (exceto a carta pastoral de Filemon). No capítulo 9 de Romanos ele explica que, embora Israel tenha sido a nação eleita, nem todos os israelitas são de fato israelitas (v. 6). Daí então, ele mostra a soberania de Deus em relação à rejeição de Is­ rael e em favor da Igreja. Esaú e Jacó não devem ser interpretados individual e isoladamente, mas corporativamente. Este representa a nação de Israel e aquele a nação dos Edomitas. Espiritualmen­ te falando, este representa a classe dos salvos e aquele a classe dos perdidos. Tal capítulo, portanto, não reforça a predestinação individual, mas corporativa, tema que já abordamos em nosso pri­ meiro segundo capítulo. Podemos comprovar essas verdades nos versículos 25-33: “Como diz ele também em Oséias: Chamarei meu povo ao que não era meu povo; e amada à que não era amada. E sucederá que no lugar em que lhes foi dito: Vós não sois meu povo; aí serão chamados filhos do Deus vivo. Também Isaías exclama acerca de Israel: Ainda que o número dos filhos de Israel seja como a areia do mar, o remanescente é que será salvo. Porque o Senhor executará a sua palavra sobre a terra, consumando-a e abreviando-a. E como antes dissera Isaías: Se o Senhor dos Exércitos não nos tivesse deixado descendência, teríamos sido feitos como Sodoma, e seríamos semelhantes a Gomorra.

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Que diremos pois? Que os gentios, que não buscavam a justiça, alcançaram a justiça, mas a justiça que vem da fé. Mas Israel, buscando a lei da justiça, não atingiu esta lei. Por que? Porque não a buscavam pela fé, mas como que pelas obras; e tropeça­ ram na pedra de tropeço; como está escrito: Eis que eu ponho em Sião uma pedra de tropeço; e uma rocha de escândalo; e quem nela crer não será confundido.” Enquanto o calvinismo enxerga a salvação como efeito da exe­ cução da soberania de Deus em Seus decretos eternos, não po­ dendo o homem resistir ao chamado evangélico, o arminianismo concorda com a depravação total, mas enxerga a eleição de forma corporativa, presciente e sinergista através da atuação da graça preveniente. Vejamos na próxima seção a explicação do conceito arminiano. 5.4 A Graça Preveniente Antes de mais nada, é mister que expliquemos o conceito de graça preveniente. Armínio disse que, “concernente à graça e ao livre-arbítrio, isto é o que eu ensino conforme as Escrituras e o consentimento ortodoxo: o livre-arbítrio é incapaz de iniciar ou aperfeiçoar alguma bondade verdadeira e espiritual, sem a graça (...) Essa graça [preveniente] vem antes, acompanha, e segue; ani­ ma, assiste, opera em nossa vontade, e coopera para que a nossa vontade não se torne vã.”145 No quarto artigo da remonstrância lemos que, “esta graça de Deus é o começo, a continuação e o fim de todo o bem; de modo que nem mesmo o homem regenerado pode pensar, querer ou praticar qualquer bem, nem resistir a qualquer tentação para o mal sem a graça precedente (ou preveniente) que desperta, assiste e coopera. De modo que todas as obras boas e todos os movi­ mentos para o bem, que podem ser concebidos em pensamento, 145. ARMINIUS, James. A letter addressed to Hippolytus A. Collibus. In:_____. Works of Jam es Arminius. Volume 2, Christian Classics Ethereal Library, p. 333.

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devem ser atribuídos à graça de Deus em Cristo. Mas, quanto ao modo de operação, a graça não é irresistível, porque está escrito de muitos que eles resistiram ao Espírito Santo.” Phillip Van Limborch, teólogo remonstrante, explicou a salva­ ção sinergista e coadunou com a ideia anterior dizendo que, a “graça não é solitária, ainda que seja a principal causa de salvação; A cooperação do Iivre-arbítrio se dá em função da graça como uma causa primária, pois, a não ser que o livre-arbítrio seja ani­ mado pela graça preveniente, ele não é capaz de cooperar com a graça.”146 Pope a explicou como sendo “a causa única e eficiente de todo bem espiritual no homem: início, continuidade e consumação da religião na alma humana” e ainda a “manifestação da influência divina que precede a completa regeneração” a qual “não recebe nenhum nome especial na Escritura, mas é assim descrita de ma­ neira que garante a designação usualmente dada a ela de Graça Preveniente.”147 Os teólogos metodistas Klaiber e Marquardt, dizem que “a gra­ ça preveniente (prévia) de Deus nos chama ao primeiro impulso interior de agradar a Deus; ela produz o primeiro clarão de en­ tendimento da vontade de Deus; ela desperta em nós um sincero desejo de libertação do pecado e da morte e nos impulsiona ao arrependimento e à fé.”148 Olson, referindo-se a Wiley, teólogo nazareno, observa que, “a graça preveniente não interfere na liberdade da vontade. Ela não verga a vontade ou torna certa a resposta da vontade. Apenas capacita a vontade a fazer a escolha livre quer seja para cooperar quer seja para resistir à graça. A cooperação não contribui para a salvação, como se Deus fizesse uma parte e os humanos a outra. Antes, a cooperação com a graça na teologia arminiana é sim­ plesmente não resistência à graça. É simplesmente a decisão de 146. LIMBORCH Apud POPE, Willian Burt. Systematic Theology. Volume 2, 2004, Holiness Data Ministry, p. 59. 147. Ibid, p. 250. 148. KLAIBER, Walter; MARQUARDT, Manfred. Viver a Graça de Deus: um com­ pêndio de teologia metodista. 1999, Editeo, p. 81. 78


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permitir que a graça faça sua obra ao reunir a todas as tentativas de auto justificação e autopurificação e admitindo que somente Cristo possa salvar. Todavia, Deus não toma esta decisão pelo in­ divíduo; é uma decisão que os indivíduos, sob o impulso da graça preveniente, devem tomar por si mesmos”.149 Olson a define como aquela graça de Deus “convincente, con­ vidativa, iluminadora e capacitadora, que antecede a conversão e torna o arrependimento e a fé possíveis”.150 O manual da Igreja do Nazareno a define como a graça que antecede, prepara e capacita o homem para “converter-se do pecado para a retidão, a crer em Jesus Cristo para perdão e purificação dos pecados e a praticar obras agradáveis e aceitáveis”.151 Wiley define a graça preveniente como aquela “que ‘precede’, que prepara a alma para sua entrada no estado inicial da salvação. É a graça preparatória do Espírito Santo exercida para o homem enfraquecido pelo pecado. Pelo que se refere aos impotentes, é tida como força capacitadora. É aquela manifestação da influência divina que precede à vida de regeneração completa.”152 John Wesley foi muito claro ao expressar-se que a salvação é “simplesmente pela sua graça, pelo seu livre amor, pela sua imere­ cida misericórdia” e “que Deus concedeu ao homem um meio de reconciliar-se com Ele, para que não fôssemos separados da sua mão e completamente apagados da sua memória”.153 Ele explica, ainda, que “todo o homem tem um certo grau de livre-arbítrio que lhe foi restaurado pela graça [preveniente]”.154 “Embora não tenha poder absoluto sobre a minha própria mente por causa da corrupção da minha natureza”, diz Wesley, “contudo, através da graça de Deus que me assiste, tenho poder de escolher e de fazer o bem ou o mal”.155 149. OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão, 201 3, pp. 46,47. 150. ibid, p. 45. 151. Manual da Igreja do Nazareno, p. 29. 152. WILEY, Orton. Introdução à Teologia Cristã. 2009, Casa Nazarena de Pu­ blicações, p. 272. 153. BURTNER; CHILES. Op. Cit., p. 62. 154. Ibid, p. 125. 155. Ibid, p. 126.

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Claramente, Wesley entendia que a graça pode ser resistida. Dizia ele: “Estou certo de que não há homens vivos que não te­ nham ‘resistido ao Espírito Santo’ muitas vezes e tornado sem efeito ‘o conselho de Deus contra eles’. Estou persuadido de que todos os filhos de Deus tiveram, alguma vez ‘a vida e a morte pos­ tas perante eles’, a vida eterna e a morte eterna, e que ouviram em si mesmos a voz de reprovação”. E usa, inclusive, das palavras de Agostinho para elaborar suas idéias: “aquele que nos fez sem nós não nos salvará sem nós”. Portanto, não faz sentido que Deus escolha alguns para serem salvos em detrimento de outros, pois “assim do mesmo modo que Deus converteu tantos a si (...) sem dúvida, pode converter nações inteiras ou todo o mundo, e é tão fácil para Ele converter um mundo quanto uma só alma”.156 5.5 Equívocos sobre a graça preveniente Temos, como toda teologia oposta, visões distorcidas sobre a graça preveniente. As principais incongruências calvinistas a res­ peito de nossa doutrina se dão em virtude da origem da fé, a fé como obra e uma suposta negação da doutrina sola fide e a biblicidade da graça preveniente. Donner, por exemplo, expõe sua ideia sobre a questão da fé partindo de um questionamento dicotômico: primeiro, a origem desta e segundo, a relação entre a fé e a depravação total: “...a dificuldade é que muitos consideram a fé como uma obra, uma condição a qual o homem deve cumprir para ser salvo. Visto desta perspectiva, o texto de Efésios 2.8,9 soa estranho. Neste texto Paulo enfatiza cinco vezes: pela graça — não de vós -é dom de Deus — não das obras — para que ninguém se glorie. Na verdade, não é o homem e sim Deus quem é res­ ponsável pela nossa salvação. Agora devemos nos aprofundar mais com relação ao relacionamento entre a fé e a graça de Deus. Podemos ser guiados pela pergunta: De onde vem a fé? 156. Ibid, p. 136.

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Se for certo que o homem se apropria da salvação por sua fé em Jesus Cristo, qual é a fonte dessa fé? Por causa do que já foi dito sobre o problema do homem, seria muito surpreendente verificar que o homem mesmo fosse capaz de ter fé em Deus. Se aceitarmos o veredicto de Paulo em Romanos 3.10,11: Não há justo, nem sequer um. Não há quem entenda; não há quem busque a Deus, é difícil crer que o homem por si só possa reco­ nhecer sua necessidade de salvação e colocar sua fé em Jesus Cristo para a salvação. A natureza do homem se opõe a Deus. Quando nos é dito no evangelho de João: E o julgamento é este: A luz veio ao mundo, e os homens amaram antes as trevas que a luz, porque as suas obras eram más (Jo 3.19)” 157 Primeiramente, podemos avaliar a relação entre a fé e a depravação total. Embora acredite que essa questão já esteja mais do que esclarecida em nosso quarto capítulo, penso que vale a pena observarmos as palavras do própirio Armínio a esse respeito: “Esta é a minha opinião sobre o livre-arbítrio do homem: Em sua condição primitiva, conforme ele saiu das mãos de seu criador, o homem foi dotado de tal porção de conhecimento, santidade e poder, que o capacitou a entender, avaliar, consi­ derar, desejar, e executar o bem verdadeiro, de acordo com o mandamento a ele entregue. Todavia nenhum destes atos ele poderia fazer, exceto através da assistência da Graça Divina. Mas em seu estado caído e pecaminoso, o homem não é ca­ paz, de e por si mesmo, pensar, desejar, ou fazer aquilo que é realmente bom; mas é necessário que ele seja regenerado e renovado em seu intelecto, afeições ou vontade, e em todos os seus poderes, por Deus em Cristo através do Espírito Santo, para que ele possa ser capacitado corretamente a entender, avaliar, considerar, desejar, e executar o que quer que seja ver­ dadeiramente bom. Quando ele é feito participante desta re-157

157. DONNER, Theo. Op. Cit., p. 54.

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generação ou renovação, eu considero que, visto que ele está liberto do pecado, ele é capaz de pensar, desejar e fazer aquilo que é bom, todavia não sem a ajuda continua da Graça Divi­ na”158 No tocante à origem da fé salvadora, confirmamos que ela é incontestavelmente divina. Ele é o autor e consumador da fé (Hb 12.2). Mas ela é gerada através da capacitação que o Espírito Santo produz no homem mediante a graça preveniente. Essa ca­ pacitação, entretanto, não quer dizer que a pessoa será coagida a crer. A pessoa poderá resisti-la. Donner, entretanto, afirma equivo­ cadamente que, “o homem se salva quando permite que a graça opere nele”.159 Todavia, não é isso que o arminianismo clássico e tampouco wesleyano ensinam! Inequivocamente, a salvação não vem do homem, é dom de Deus (Ef 2.8,9). John Wesley disse que, “de vós mesmos não vem nem a vossa fé nem a vossa salvação, mas são o dom de Deus; dom livre e imerecido; a fé pela qual sois salvos e a salvação que Ele vos dá, sendo isto do seu próprio agrado, um simples favor seu”. Ele con­ clui mostrando que, “o fato de crerdes é um exemplo da sua graça; o de serdes salvos porque credes, é um outro.”160 As palavras de Wesley já são suficientes para contradizer a opinião mal informa­ da dos proponentes calvinistas. Outro equívoco se dá em função da terminologia “prevenien­ te”. Para alguns teólogos como Campos, Erickson e Enns, o fato dessa expressão não estar contida na Bíblia desabona a doutrina. Para Campos os arminianos “não podem apelar para textos da Escritura que apontam de modo convincente para a doutrina da graça universal”.161 Erickson diz que “não há nenhuma base clara e 158. ARMIN1US, James. A Declaration of the Sentiments of Arminius on Revision of the Dutch Confession & Heidelberg Cathecism. In :_____. Works of Jam es Arminius. Volume 1, Christian Classics Ethereal Library, p. 174. 159. Ibid, p. 58. 160. BURTNER; CHILES. Op. Cit., p. 63. 161. CAMPOS, Heber Carlos de. A Graça Preveniente na Tradição Wesleyana. Fides Reformata XVII, n° 1 (2012), p. 32.

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adequada na Escritura para este conceito de uma capacitação uni­ versal” e alega que, não importa quão atraente seja essa teoria, ela “simplesmente não é ensinada explicitamente na Bíblia”.'62 Enns conclui, dizendo, “não há, entretanto, nenhuma indicação clara desta espécie de graça preveniente na Escritura”.162163 Essa argumentação, por mais bereana que tente ser, é imperti­ nente, pois a própria expressão da teologia calvinista, “graça irre­ sistível”, encontra-se na mesma situação. Além do mais, sabemos que o fato de uma expressão não estar na Bíblia, não torna a dou­ trina antibíblica. É o caso da doutrina da Trindade, por exemplo. 5.6 Considerações finais A expressão “graça preveniente” pode não ser biblicamente encontrada, mas isso não quer dizer que seu conceito não esteja na Bíblia. Ao olharmos para a Palavra de Deus, compreendemos claramente a inabilidade natural do homem (]ó 15.14; SI 14.1-4; 51-5; Jo 3.6a; Rm 3.10-12; 5.12-14, 20a; 7.14-25), sua responsabi­ lidade moral (Ez 18; Rm 6.15,16,23; 11.22; 2 Co 10.1-12; Tt 2.1114), a livre graça de Deus a todos (Jo 1.12,13; Rm 5.6-8,18; 1 Co 2.9-14; 2 Co 5.18,19; Cl 1.21-23) e a salvação pela graça mediante a fé (G1 5.6; Ef 2.8-10; Fp 2.12,13). Até aqui aprendemos o seguinte; somos eleitos segundo a presciência de Deus. Cristo morreu pela humanidade. Esta não tem condições de dar um só passo em direção ao Criador. Mas o Senhor capacita a humanidade a escolher entre a salvação e a per­ dição através de sua graça preveniente. Resta, ainda, um ponto. Será que depois que a pessoa é regenerada, justificada, adotada e santificada, ela pode cair da graça e vir a perder a sua salvação? A resposta para essa pergunta fica para nosso próximo encontro. Até lá...

162. ERICKSON, Millard J.. Christian theology. Volume 3, 1984, Baker Book House, p. 925. 163. ENNS, Paul. Moody Handbook of Theology. 1989, Moody Pubiishers, p. 499.

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CAPÍTULO 06 Perseverança dos santos Finalmente chegamos ao último ponto do arminianismo: a perseverança dos santos. Esse assunto é também conhecido como “segurança da salvação” ou “segurança eterna”. Os assuntos discu­ tidos aqui, dizem respeito à possibilidade de apostasia do cristão e à potencial perda da salvação. Se o cristão pode perder sua salva­ ção, como podemos ter certeza dela, visto que esta é uma doutri­ na pregada tanto por calvinistas quanto por arminianos? Será que “uma vez salvo, salvo para sempre”? Champlin comenta que, essa questão “é um antigo campo de batalha da teologia cristã, com exércitos bem postados de ambos os lados, atrás de seus textos de prova bíblicos”.164 Este é, talvez, o ponto mais difícil de se discutir, pois envolve muitos conceitos e a forma como conceituamos as terminologias pode fazer uma enorme diferença. Se perguntarmos, por exem­ plo, um verdadeiro cristão perde sua salvação? Seria possível que um arminiano dissesse inequivocamente: claro que sim! Todavia, se ele é um verdadeiro cristão, ele permanece selado com o Es­ pírito Santo, penhor (garantia) da nossa salvação. Em contrapar­ tida, se perguntarmos: um verdadeiro cristão pode cair da graça, apostatar-se da fé e desviar-se de Cristo, vindo nesse caso a perder 164. CHAMPLIN, Russel Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Volume 6, 1991, Candeia, p. 131.

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a salvação? Aí a pergunta muda de figura, pois estamos posicio­ nando o questionamento para uma perseverança condicional do cristão. Vamos deixar para responder a essas perguntas mais adiante. Por enquanto é válido comentar que o arminianismo clássico não opinou claramente a esse respeito. O arminianismo wesleyano, por sua vez, diz que sim, o cristão pode cair da graça. E o calvinismo defende que o cristão (o verdadeiro) nem cai da graça e nem perde sua salvação. Portanto, para finalizarmos nossos estudos, vale a pena verificarmos todas as posições e chegarmos numa conclusão o mais biblicista possível. Vejamos... 6.1 Artigo IV - Remonstrância “Que aqueles que são enxertados em Cristo por uma verda­ deira fé, e que assim foram feitos participantes de seu vivificante Espírito, são abundantemente dotados de poder para lutar contra Satã, o pecado, o mundo e sua própria carne, e de ganhar a vitória; sempre - bem entendido - com o auxílio da graça do Espírito San­ to, com a assistência de Jesus Cristo em todas as suas tentações, através de seu Espírito; o qual estende para eles suas mãos e (tão somente sob a condição de que eles estejam preparados para a luta, que peçam seu auxílio e não deixar de ajudar-se a si mes­ mos) os impele e sustenta, de modo que, por nenhum engano ou violência de Satã, sejam transviados ou tirados das mãos de Cristo Qo 10.28], Mas quanto à questão se eles não são capazes de, por preguiça e negligência, esquecer o início de sua vida em Cristo e de novamente abraçar o presente mundo, de modo a se afastarem da santa doutrina que uma vez lhes foi entregue, de perder a sua boa consciência e de negligenciar a graça - isto deve ser assunto de uma pesquisa mais acurada nas Santas Escrituras antes que possamos ensiná-lo com inteira segurança.”

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6.2 A posição calvinista Para os calvinistas, não há possibilidade do verdadeiro cris­ tão165 cair da graça, pois sua perseverança final está “fundamen­ tada na eleição eterna de Deus”.166 É o que vimos em nosso se­ gundo capítulo. Ensinar algo que contrarie esse posicionamento, gera uma inconsistência lógica. Se Deus em Seus decretos eternos e soberanos elegeu o salvo, realmente não faz sentido que este caia da graça. Alguns até poderíam pensar na possibilidade de uma predestinação para a apostasia, mas na lógica calvinista não espaço para esse pensamento, visto que os demais pontos estão interligados. Já que nosso assunto é a perseverança dos santos, vejamos algumas definições dessa doutrina na visão calvinista. Hoeksema define-a como sendo “uma ato da graça de Deus pelo qual ele pre­ serva os crentes e santos em Cristo Jesus, em seu poder por meio da fé, até o fim para a salvação e glória, de forma que eles lutam o bom combate da fé, e de forma que nunca possam cair da graça uma vez que receberam.”167168 A. A. Hodge, por sua vez, define-a como “a contínua operação do Espírito Santo no crente, pela qual a obra da graça divina, ini­ ciada no coração, tem prosseguimento e se completa. Os crentes continuam de pé até o fim, porque Deus nunca abandona sua obra.”'68 165. Os calvinistas gostam de reforçar a expressão “verdadeiro cristão" ou ou­ tras similares, a fim de mostrar que, embora empiricamente vejamos pessoas que se apostatam da fé, esses não eram “verdadeiros cristãos”. A passagem bíblica mais usada por eles para defender essa ideia é l Jo 2.19: “Saíram dentre nós, m as não eram dos nossos; porque, se fossem dos nossos, teriam perma­ necido conosco; mas todos eles saíram para que se manifestasse que não são dos nossos.” Explicaremos essa ideia logo adiante. 166. HOEKSEMA, Herman. Reformed Dogmatics. 2004, Volume 2, Reformed Free Publishing Association, p. 176. 167. Ibid, p. 175. 168. HODGE Apud FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual. 2007, Vida Nova, p. 883. 86


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A definição de Berkhof não é diferente: “A doutrina da perse­ verança dos santos tem o sentido de que aqueles que Deus rege­ nerou e chamou eficazmente para um estado de graça não podem cair nem total nem definitivamente, mas certamente perseverarão nele até o fim e serão salvos para toda a eternidade”.169 Trata-se da “contínua operação do Espírito Santo no crente, pela qual a obra da graça divina, iniciada no coração, tem prosseguimento e se completa.”170 Berkhof diz, ainda, que a doutrina da perseverança “não pre­ tende ensinar apenas que os eleitos serão certamente salvos no final, (...) mas ensina mui especificamente que aqueles que uma vez foram regenerados e chamados eficazmente por Deus para um estado de graça, jamais poderão cair completamente desse estado e, daí, deixar de alcançar a salvação eterna, apesar de po­ derem, às vezes, ser dominados pelo mal e cair em pecado.”.171 Uma vez definida a doutrina, podemos verificar que a posi­ ção calvinista realmente não concebe a ideia de que o verdadeiro cristão possa cair da graça. O Cânone 5.9, do Sínodo de Dort, por exemplo, declarou que, “os crentes podem estar certos e estão certos dessa preservação dos eleitos para a salvação e da perse­ verança dos verdadeiros crentes na fé.” Ainda segundo o cânone, “esta certeza ocorre de acordo com a medida de sua fé, pela qual eles creem que são e permanecerão verdadeiros e vivos membros da Igreja, e que tem o perdão dos pecados e a vida eterna.” A confissão de fé de Westminster declara que, “os que Deus aceitou em seu Bem-amado, os que ele chamou eficazmente e santificou pelo seu Espírito, não podem decair do estado da gra­ ça, nem total, nem finalmente; mas, com toda a certeza hão de perseverar nesse estado até o fim e serão eternamente salvos.” Conforme já vimos, “esta perseverança dos santos não depende do livre arbítrio deles, mas da imutabilidade do decreto da eleição, procedente do livre e imutável amor de Deus Pai, da eficácia do 169. BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 2012, Cultura Cristã, p. 501. 170. Ibid, p. 502. 171. Ibid, p. 501. 87


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mérito e intercessão de Jesus Cristo, da permanência do Espírito e da semente de Deus neles e da natureza do pacto da graça”. Bem, na prática, vemos pessoas que chegam em nossas igre­ jas, ficam cheias de fé e acabam depois de certo tempo abando­ nando a Cristo. Como o calvinismo explica isso? Ferreira e Myatt comentam que, a posição calvinista “não ensina que todos que professam a fé cristã são sustentados em sua peregrinação para 0 céu”, pois “a apostasia é um perigo real dentro da comunida­ de cristã. Muitos já professaram as realidades do evangelho como verdadeiras, mas, em algum momento, abandonaram a fé e mor­ reram fora da igreja e longe dos ensinos evangélicos.”172 Destarte, o calvinismo faz distinção entre os verdadeiros e os falsos cristãos. Os primeiros não apostatam da fé, pois receberam a fé salvadora. Todavia, o segundo grupo tem algum tipo de fé espúria ou temporária. Os que “apostatam da fé”, portanto, na verdade não apostatam da fé, pois não tinha fé salvadora para se apostatarem. Segundo os calvinistas, é isso que João queria dizer em sua primeira epístola quando declarou a respeito dos gnósticos: “Saí­ ram dentre nós, mas não eram dos nossos; porque, se fossem dos nossos, teriam permanecido conosco; mas todos eles saíram para que se manifestasse que não são dos nossos” (1 Jo 2.19). Só que para admitirmos isso, João teria que se contradizer no verso 24; “Portanto, o que desde o princípio ouvistes, permaneça em vós. Se em vós permanecer o que desde o princípio ouvistes, também vós permanecereis no Filho e no Pai.” (grifos meus).173 Um dos maiores problemas relacionados a esse tipo de pensa­ mento é uma tendência ao antinomianismo, ou seja, um relapso para com a santificação. Algumas pessoas ficam psicologicamente 1 72. FERREIRA; MYATT. Ibid, p. 884. 173. O texto grifado mostra claramente a condicionalidade da perseverança. A conjunção “se" (èáv - translit. ean), é uma partícula condicional, que se­ gundo o léxico de Thayer (1437 no léxico de Strong), refere-se ao tempo e à experiência, introduzindo algo futuro e potencial, portanto, não determinado. Podemos comparar o uso d essa conjunção condicional em passagens como Mt 6.22,23; 17.20; Lc 10.6; Jo 7.1 7; 8.54; At 5.38; At 13.41; Rm 2.25 e 1 Co 9.16, dentre outras. 88


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confortadas com a “segurança” da sua salvação que vivem como se não houvesse problema nenhum praticar o pecado. Gosto das palavras de Ferreira e Myatt: “Afirmamos que não existe perseve­ rança sem santificação, pois não existe justificação sem regenera­ ção. Toda árvore boa produz fruto bom.”174 6.3 A posição arminiana clássica A posição arminiana clássica não difere “exatamente” da po­ sição calvinista no tocante à perseverança dos santos. Digo isso porque Armínio não chegou a se posicionar se o cristão pode ou não cair da graça. Vejamos algumas de suas considerações sobre a perseverança dos santos em suas declarações a respeito da Con­ fissão Holandesa e do Catecismo de Heidelberg.175 Armínio começa suas ponderações dizendo que, depois que a pessoa é regenerada, ela recebe a capacitação de Deus para lu­ tar contra o pecado e contra as tentações do inimigo de nossas almas. Não se trata, portanto, de uma capacidade própria, mas de uma capacitação do Espírito Santo. Nas palavras de Armínio, “as pessoas que foram enxertadas em Cristo pela fé verdadeira, e foram, dessa forma, feitas participantes de seu Espírito vivificante, possuem poderes [ou força] suficientes para lutar contra Satanás, o pecado, o mundo e sua própria carne, e obter a vitória sobre estes inimigos - todavia não sem a assistência da graça e o mesmo Espírito Santo.” Essa capacitação também vem da ajuda de Cristo, que “pelo seu Espírito, as assiste em todas as suas tentações, e lhes propor­ ciona a pronta ajuda de sua mão; e, visto que elas se encontram preparadas para a batalha, imploram sua ajuda, e se não estive­ rem em falta com elas mesmas, Cristo as preserva de cair.” Jesus disse que ninguém arrebata Suas ovelhas de Suas mãos (Jo 10.28) e Armínio concorda com isso, quando diz: “Então não é possível 174. FERREIRA; MYATT.Op. Cit., p. 884. 175. ARMIN1US, Jam es. A Declaration of the Sentiments of Arminius on ReVision of the Dutch Confession & Heidelberg Cathecism. In :_____ . Works of Jam es Arminius. Volume 1, Christian Classics Ethereal Library, p. 176.

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que sejam, por quaisquer das astutas ciladas ou poder de Satanás, seduzidas ou arrancadas das mãos de Cristo.” Satanás e suas hostes malignas não são nem de longe mais fortes que nosso Cristo. A ideia dualista176 ensinada pelos movi­ mentos de batalha espiritual, de que o diabo está numa constante queda de braço com Deus é errada, é um sincretismo do maniqueísmo.177 Nós, arminianos, não cremos que o diabo, juntamente com seus anjos caídos, tenha poder para tomar uma ovelha das mãos de nosso Sumo Pastor. A ideia é se a própria pessoa, por negligência, influência ou outros fatores internos el ou externos, possa vir a decidir abandonar a Cristo. Armínio não tinha isso ainda delineado e disse; “... julgo ser útil e será um tanto necessário em nossa primeira assembléia [ou Sínodo], estabelecer uma diligente pesquisa nas Escrituras, se não é possível que alguns indivíduos, pela negligência ao abandonar o começo de sua existência em Cristo, apegar-se novamente ao presente mundo mau, desviar da sã doutrina que lhes foi uma vez entregue, perder uma boa consciência, e fazer com que a graça divina seja ineficaz.” O próprio Armínio nunca havia ensinado que “um verdadeiro crente pode, total ou finalmente, abandonar a fé, e perecer”, mas a presença de passagens esciturísticas que ensinam esse aspecto o deixavam balançado, ao ponto das “respostas a elas que tive a oportunidade de ver não se mostraram, em minha opinião, con­ vincentes em todos os pontos.” “Por outro lado”, dizia Armínio, 176. O dualismo é a ideia de duas forças iguais e opostas que estão em cons­ tante ou eterna disputa. 177. Maniqueísmo movimento fundado por Mani, que foi considerado com o último dos gnósticos. Ele nasceu por volta de 216 d.C. na Babilônia e ensina­ va que Deus usou diversos servos, como Buda, Zoroastro, Jesus e, finalmente, ele m esm o, o profeta final (paracleto, como ele afirmava). Dizia, ainda, que o universo é dualista, isto é, existem duas linhas morais em existência, dis­ tintas, eternas e invictas; a luz e as trevas. Segundo os maniqueístas, essas duas forças cósm icas eram iguais, porém, opostas entre si. As idéias de Mani foram refutadas por Orígenes e Agostinho, sendo ainda rejeitadas pela Igreja por contrariar a Soberania de Deus em controlar todas as coisas, além de ser satanás uma mera criatura, diferentemente da forma como o consideravam. 90


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“certas passagens são fornecidas para a doutrina contrária [da per­ severança incondicional] que merecem especial consideração.” Embora Armínio não tenha se posicionado sobre a condicionalidade da perseverança, ele sabia que tanto a salvação quanto a preservação dos santos “tem seu fundamento na presciência de Deus, através da qual Ele conhecia desde toda a eternidade aqueles indivíduos que, através de sua graça preventiva, creriam, e através de sua graça subsequente perseverariam (...) Ele também sabia quem não iria crer e perseverar."178 Podemos ver que os remonstrantes, como bons discípulos, se­ guiram o mesmo caminho de Armínio: “...quanto à questão se eles não são capazes de, por preguiça e negligência, esquecer o início de sua vida em Cristo e de novamente abraçar o presente mundo, de modo a se afastarem da santa doutrina que uma vez lhes foi en­ tregue, de perder a sua boa consciência e de negligenciar a graça - isto deve ser assunto de uma pesquisa mais acurada nas Santas Escrituras antes que possamos ensiná-lo com inteira segurança.” 6.4 A posição arminiana wesleyana Uma vez salvo, salvo para sempre? A resposta de Armínio e dos remonstrantes seria “não sei”, ou “precisamos estudar melhor esse assunto”. John Wesley, por sua vez, respondería de forma di­ ferente: “não!”, pois dependería de certos fatores. Wesley foi ordenado clérigo anglicano e como ministro da Igreja da Inglaterra, ele sabia que sua denominação era confes­ sionalmente calvinista (vide o artigo XVII), todavia, ele “rechaçava a doutrina calvinista da perseverança final, assim como também reprovava a predestinação absoluta”, visto que “ao aceitar a liber­ dade e a responsabilidade do homem como ponto de partida na vida cristã, o Espírito Santo não podia posteriormente despojá-lo depois dessas prerrogativas tão perigosas. A possibilidade da apostasia, tão claramente ensinada nas Escrituras, é uma admoestação constante para todos”.179 178. ARMINIUS, James. Op. Cit., p. i 70. 179. LELIÉVRE, Mateo. João Wesley: Sua Vida e Obra. 1997, Vida, pp. 364-365.

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Nisso diferiu-se o arminianismo clássico para o arminianismo wesleyano. Enquanto o primeiro não se posicionou em relação à potencialidade da perda da salvação, o segundo emitiu sua ideia. Em seu sermão “Pensamentos Sérios Sobre a Perseverança dos Santos”, Wesley externou seu ponto de vista a respeito da doutrina que estamos abordando: “Se as Escrituras são verdadeiras, aqueles que são santos ou justos no julgamento do próprio Deus; os que possuem a fé que purifica o coração, que produz uma boa consciência; os que são ramos da verdadeira videira, de quem Cristo diz: ‘Eu sou a videira, vós as varas’; os que de tal modo conhecem a Cristo que, através desse conhecimento, escaparam da poluição do mundo; os que veem a luz da glória de Deus no rosto de Jesus Cristo e que são participantes do Espírito Santo, do testemu­ nho e dos frutos do Espírito; os que vivem pela fé no Filho de Deus; os que são santificados pelo sangue da aliança, podem, contudo, cair e perecer eternamente. Portanto, aquele que está em pé veja que não caia.”180 Ouvimos, às vezes, alguns calvinistas dizerem que a possibi­ lidade de perder a salvação anula a certeza desta. Mas não é as­ sim que pensamos. Lemos em Efésios 1.13,14 que, “tendo [vós] ouvido a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, e tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa, o qual é o penhor da nossa herança, para redenção da possessão de Deus, para o louvor da sua glória.” Enquanto o cristão é moradia do Espírito Santo, ele tem a ga­ rantia da salvação, até porque Ele testifica conosco que somos filhos de Deus (Rm 8.16). Porém, quando a pessoa se apóstata da fé e perde a maravilhosa presença do Espírito Santo, não tem mais essa garantia (cf SI 51.11), “porque é impossível que os que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se fi­ 180. BURTNER, Robert W.; CHILES, Robert. E. (org.). Coletânea da Teologia de João Wesley. 1995, Colégio Episcopal, p. 179. 92


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zeram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus, e os poderes do mundo vindouro, e depois caíram, se­ jam outra vez renovados para arrependimento; visto que, quanto a eles, estão crucificando de novo o Filho de Deus, e o expondo ao vitupério” (Hb 6.4-6). Se por um lado ouvimos esse tipo de crítica dos calvinistas, Wesley questiona a certeza salvífica por parte deles. Antes de ler­ mos o que Wesley disse, vejamos uma importante consideração de Ferreira e Myatt a respeito da perseverança dos santos: “Devemos afirmar que estar em união com Cristo e fazer uma profissão de fé não são a mesma coisa. Entre os que professam o cristianismo e exteriormente parecem ser cristãos genuínos, haverá pessoas que fingem desenvolver a fé cristã. Existem outras que acreditam que estão honestamente professando a fé cristã mas, na verdade, cultivam uma fé espúria, defeituosa. Falta algum elemento essencial em seu entendimento do evan­ gelho; por isso, a fé por elas exercida não chega a incluir fidutia. Assentir intelectualmente, sem colocar toda a confiança em Cristo, não é a genuína fé salvadora.”181 Fidutia, para eles (Ferreira e Myatt), significa dizer “que hou­ ve um arrependimento profundo e confiança total somente na obra de Cristo, em nada mais, para a salvação. Isto significa que a pessoa se entregou completamente a Cristo, repudiando sua vida anterior, não apenas em palavras, mas de coração.” O problema é que as pessoas na igreja (com i minúsculo), acham, boa par­ te delas, que tiveram esse arrependimento, que se entregaram totalmente a Cristo e que estão repudiando sua vida anterior de todo coração. Como ter certeza da salvação, já que essas mesmas pessoas não sabem quem são legitimamente os escolhidos pelos decretos divinos? E se elas estiverem enganando-se a si mesmas? Essa era a crítica de Wesley. Vejamos:

181. FERREIRA; MYATT. Op. Cit., p. 885. 93


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“Ah! pobre predestinista! Se o Sr. é sincero para com a sua dou­ trina - a eleição, ela não pode confortá-lo! Pois, quem sabe se o Sr. não pertence ao número dos eleitos? Se não, o Sr. também está no sumidouro. Qual é a sua esperança? Onde está o seu socorro? Deus não representa socorro para o Sr. O seu Deus! Não, ele não é seu, nunca foi e nunca será. Ele que o fez, o criou, não tem piedade do Sr. Ele o fez para este fim: condená-lo; para atirá-lo de cabeça para baixo no lago que arde com fogo e enxofre! Este foi preparado para o Sr. desde que o mun­ do começou a existir! Para este o Sr. está reservado em cadeias de trevas até que o decreto se cumpra, até que, de acordo com a sua vontade eterna, imutável e irresistível, o Sr. gema, uive e se contorça nas ondas de fogo e diga blasfêmias contra o seu desejo!”182 Pope, teólogo metodista, referiu-se à graça preservadora em sua teologia sistemática, dizendo que “esta graça é, como já foi visto, forte e persistente; embora seja poderosa e duradoura, é, ainda, condicional”.183 Ele complementa, dizendo que o aspecto incondicional da graça “deve ser dita no tocante à provisão ao mundo, bem como para a Igreja Mística, mas para os indivíduos é condicional”,184 ou seja, no sentido corporativo, ela é incondicio­ nal, mas no sentido particular, ela é condicional. Os metodistas e todas as suas ramificações seguiram Wesley e acreditam que a apostasia total é uma possibilidade, enquanto muitos Batistas livres seguiram Arminius ou mesmo mantiveram a perseverança dos Calvinistas. 6.5 A posição escriturística Vejamos alguns textos bíblicos usados por ambas as partes para defender suas posições. Comecemos com as passagens mais usadas pelos calvinistas: 182. BURTNER; CHILES. Op. Cit., p. 51. 183. POPE, Willian Burt. Systematic Theology. Volume 3, 2004, Holiness Data Ministry, p. 95. 184. Ibid, p. 96. 94


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Salmo 37.28: “Pois o Senhor ama a justiça e não desampara os seus santos. Eles serão preservados para sempre, mas a descen­ dência dos ímpios será exterminada.” Basta lermos o contexto, para sabermos que o Salmo não se refere a uma preservação no sentido salvífico e sim de posteridade. Jeremias 32.40: “farei com eles um pacto eterno de não me desviar de fazer-lhes o bem; e porei o meu temor no seu coração, para que nunca se apartem de mim.” Esta é uma profecia de res­ tauração dejudá. Ainda que a espiritualizemos para a Igreja, teríamos que interpreta-la isolada e literalmente. Deus também disse que a circuncisão, a celebração da Páscoa e a guarda do Sábado eram estatutos perpétuos (Gn 17.7-13; Êx 12.14; 31.16), por que não tomamos essas passagens como literais? Outra passagem áurea do calvinismo para a segurança eterna, é João 6.37: “Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora.” É óbvio que o próprio Jesus não lança ninguém fora. A própria pessoa é que, por fatores internos e externos, decide abandonar a Cristo. Podemos ver que as perseguições (Mt 13.21), os cuidados desse mundo e as rique­ zas (Mt 13.22) são exemplos de fatores externos, como aconteceu com Demas (2 Tm 4.10) e com outros irmãos que se escandalizam nas igrejas (Rm 14.15). Há, Ainda, João 10.27-29: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu as conheço, e elas me seguem; eu lhes dou a vida eter­ na, e jamais perecerão; e ninguém as arrebatará da minha mão. Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai.” Já falamos sobre isso. Podem ser ajustadas todas as forças espirituais para tentar apostatar um filho de Deus, mas nem mesmo essa união seria capaz de prevalecer contra nosso Senhor e Cristo. Filipenses 1.6: “...aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até o dia de Cristo Jesus”. Trata-se de um trecho da saudação de Paulo, na qual ele encoraja a Igreja de Filipos. Não devemos interpretar como uma saudação técnica, com ênfase doutrinária. Digo isto porque se admitirmos uma perseverança

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incondicional no texto supracitado, em Fp 4.1, Paulo encoraja desnecessariamente aos mesmos irmãos a permanecerem firmes (perseverarem) no Senhor. Admitimos que Fp 1.6 fala de perseve­ rança, mas não necessariamente num sentido técnico. Paulo não fala da incondicionalidade dela aqui. Pecota, por exemplo, teólogo das Assembléias de Deus nos EUA, denominação que se identifica com a teologia arminiana, comenta que a passagem “refere-se à operação contínua do Espírito Santo, mediante a qual a obra que Deus começou em nosso coração será levada a bom termo”.185 Em contrapartida, vejamos algumas das passagens que o arminianismo utiliza para embasar a perseverança condicional dos santos. Devemos começar pela ideia de que Deus nos guarda através de Sua graça. Não somos árvores independentes, mas enxertadas na videira verdadeira, sem a qual nada podemos fazer. Pedro disse que somos guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação que está preparada para se revelar no último tempo (1 Pe 1.5). Ora, se é mediante a fé, então somos guardados enquanto houver fé salvadora. Jesus disse que, “aquele que perseverar até o fim, esse será sal­ vo” (Mt 10.22). Apesar dos calvinistas insistirem em dizer que essa passagem está no contexto de perseguição, essa salvação não é a salvação da perseguição, da espada, pois alguns morrerão durante a perseguição (v. 21). A salvação aqui é justamente a salvação eter­ na. Podemos comparar com a igreja em Esmirna. Eles eram mui perseguidos por causa do Evangelho, mas Jesus os encorajou a permanecerem firmes. Estes que perseverassem, de modo algum sofreriam o dano da segunda morte (Ap 2.11). Em uma passagem semelhante, Jesus alerta que por se multiplicar a iniquidade amor de muitos esfriará, mas quem perseverar até o fim será salvo (Mt 24.12,13). O autor da carta aos hebreus disse que devemos viver pela fé, pois Deus não tem prazer naquele que recua, isto é, que desiste de Cristo. Isso nos mostra a possibilidade de recuar, de cair. Ele con­ 185. PECOTA, Daniel B. A Obra Salvífica de Cristo. In: Teologia Sistemáti­ ca. HORTON, Stanley M. (org.). 1996, CPAD, p. 376.

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clui, dizendo: “Nós, porém, não somos daqueles que recuam para a perdição, mas daqueles que crêem para a conservação da alma” (Hb 10.39). Paulo disse que devemos estar atentos aos livramentos de Deus e vigilantes o tempo todo, para não cairmos como caíram os israelitas no deserto: “Aquele, pois, que pensa estar em pé, olhe não caia” (1 Co 10.12). Pedro ainda diz de homens que chegaram a ter “escapado das corrupções do mundo pelo pleno conhecimento do Senhor e Sal­ vador Jesus Cristo”, mas depois de serem seduzidos pelos praze­ res que o pecado e suas transgressões proporcionam, ficaram “de novo envolvidos nelas e vencidos, tornou-se-lhes o último estado pior que o primeiro”. Pedro diz, duramente, que “melhor lhes fora não terem conhecido o caminho da justiça, do que, conhecendo-o, desviarem-se do santo mandamento que lhes fora dado”, pois cumpriu-se um provérbio sobre eles: “Volta o cão ao seu vômito, e a porca lavada volta a revolver-se no lamaçal” (2 Pe 2.20-22). Podemos ver o povo de Israel abandonando ao Senhor para seguir outros deuses (Jz 2.12,13; 2 Cr 24.17-21). Paulo disse que os que estavam dando ouvidos ao evangelho legalista, o da circun­ cisão (o outro evangelho), estavam separados de Cristo e haviam caído da graça (G1 5.4). Discorrendo com os fariseus, Jesus deixou-lhes bem claro que se não cressem nEle, morreríam nos seus pecados. Alguns dos que ouviam Seu sermão creram e Jesus lhes disse: “Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sois meus discípulos” (Jo 8.31). Mais uma vez aparece a conjun­ ção “se”. Se eles permanecessem seriam verdadeiros discípulos, se não permanecessem não seriam. Duas últimas passagens que nos interessa são a diretiva de Tiago e a possibilidade de termos o nome riscado do livro da vida: “Meus irmãos, se alguém dentre vós se desviar da verdade e al­ guém o converter, sabei que aquele que fizer converter um peca­ dor do erro do seu caminho salvará da morte uma alma, e cobrirá uma multidão de pecados” (Tg 5.19,20). “O que vencer será as­ sim vestido de vestes brancas, e de maneira nenhuma riscarei o seu nome do livro da vida; antes confessarei o seu nome diante de meu Pai e diante dos seus anjos” (Ap 3.5). Sobre o nome ser 97


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riscado do livro da vida podemos, checar, ainda, SI 69.28 e Êx 32.30-35. Erickson, teólogo calvinista, comenta em uma de suas obras que, a apostasia é uma situação hipotética, algo que não acon­ tecerá ao verdadeiro cristão,186 todavia, o próprio significado da palavra apostasia em sua forma original já elimina essa hipótese. Paulo disse que “em tempos posteriores, alguns se apostatarão da fé” (1 Tm 4.1). A palavra apostatarão ali, é apostêsontai e provém de aphistêmi (“partir”, “ir embora”). Ela transmite o conceito de modificar a posição em que a pessoa está de pé, ir embora, sair, deixar algo.187 Por isso, concordamos com Dale Moody e acredita­ mos que seja difícil compreender por que tais alertas teriam sido dados, caso o crente não pudesse se desviar.188 6.6 Considerações finais

Somos chamados, iluminados, capacitados e mantidos na pre­ sença do Senhor por Sua graça. Aliás, Sua graça é exposta desde o início do plano da redenção: nós não merecíamos, mas Deus pro­ meteu enviar Seu próprio Filho em nosso favor. “Justificados, pois, pela fé, tenhamos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo, por quem obtivemos também nosso acesso pela fé a esta graça, na qual estamos firmes, e gloriemo-nos na esperança da glória de Deus. (...) Pois, quando ainda éramos fracos, Cristo morreu a seu tempo pelos ímpios. Porque dificilmente haverá quem morra por um justo; pois poderá ser que pelo homem bondoso alguém ouse morrer. Mas Deus dá prova do seu amor para conosco, em que, quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós. Logo muito mais, sendo agora justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira” (Rm 5.1,2,6-9).

186. ERICKSON, Millard. Does It Matter What I Believe? 1992, Baker Book House, p. 134. 187. PECOTA, Daniel B. Op. Cit., p. 377. 188. MOODY, Dale. The Word o f Truth: A Summary o/Christian Doctríne Based on Biblical Revelation. 1981, Eerdmans, pp. 350-354. 98


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A manutenção da nossa salvação é divina, mas com a coo­ peração humana. Somos exortados a perseverar, e convictos no Senhor, podemos questionar: “quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada?” Se sabemos em quem te­ mos crido, podemos estar bem certos de que, “nem a morte, nem a vida, nem anjos, nem principados, nem coisas presentes, nem futuras, nem potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor” (Rm 8.35, 38, 39).

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Pastor, teólogo, professor, escritor e pesquisador. Graduou-se em Adm inis­ tração de Empresas pela Universidade Castelo Branco e em Teologia pela Facul­ dade Nazarena do Brasil. Possui pós-graduação em Ciências da Religião pela Universidade Cândido Mendes e em História da Teologia pela FaeteSF. Atualmente está realizando Mestrado em Ciências da Religião pelo Seminário Nazareno de las Américas de Costa Rica. É pastor titular da Igreja do Nazareno em MG e palestrante nas áreas de apologética cristã, teologia sistemática, teologia arminiana e administração Financeira doméstica, além de articulista da Revista Defesa da Fé.


A teologia arminiana é muitas vezes desconhecida no meio protes­ tante e é caricaturada, constantemente, de forma precipitada. Calvinistas equivocam-se sobre conceitos fundamentais de nosso pensamento e até mesmo alguns irmãos que se intitulam arminianos fazem confusão sobre nosso posicionamento. O objetivo primário desta obra é esclarecer o povo cristão e dar as diretrizes e os rudimentos do pensamento arminio-wesleyano. Este livro é indicado para seminaristas, estudiosos das doutrinas da graça e, sobretudo, para os membros de denominações con­ fessionalmente arminianas em sua soteriologia.

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