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ADRIANA MARIA DOS SANTOS
Heureusement pour la vie et l’artiste, Il y a la mutation ou la transgression. Olivier de Sagazan O monstruoso provoca e sempre conduz ao sentimento de abjeção à primeira vista. É um sentimento de repulsão, e, como quase tudo que é abjeto, provoca e potencializa ao máximo a noção de abismo, como elaborou Bataille, ao dizer que entre mim e outro existe um abismo, que somos seres descontínuos. Dentro dessa premissa, conceber o monstro como estética do abismo, como visão que potencializa a distância em razão do sentimento de abjeção – e leia-se neste o medo, o pavor, o desgosto, mas também um desejo de não ser, de não permitir que esse ser monstruoso contamine – a ideia da contaminação é, em si, pavorosa, porque limita o poder do indivíduo sobre si mesmo. Trato aqui de alguns conceitos que considero primordiais para pensar a arte: o abismo, a descontinuidade, a abjeção, a contaminação e, por fim, a transgressão. O feio como categoria foi, desde muito tempo, assimilado no campo da estética, e no sistema da arte já não é assunto de debate, uma vez que está incorporado a esse sistema por força de representação. Aos artistas é dado o espaço para tratar do monstro, cuidá-lo, honrá-lo e, se possível, possibilitar um diálogo entre este e o público, que, muito consciente do abismo que o separa do outro, vê-se posto de modo muitas vezes incerto diante da pintura, da escultura ou de outra categoria que faz do monstro seu ícone. Esse diálogo é temerário, uma vez que sempre se pode dar as costas à exposição, ao filme, ao teatro, mas, só após ter-se confrontado, é que vem a reação da negativa, do desafeto, da rejeição. Rejeitar é condição primeira da tomada de consciência do abismo, quando subitamente nos damos conta de que algo nos é demasiadamente denso para sustentar por mais tempo o olhar, então nos jogamos para longe e, rapidamente, com os sentimentos carregados de diferentes pesos, percebemos que o monstruoso está em nós! E aí só nos resta estancar a projeção maldita e buscar refúgio no fora. Porém, ao final do século XIX, com as feiras de monstros na Europa, mais especificamente na França, o olhar do público não era despojado de horror, mas era, também, repleto de uma curiosidade perversa. Jean Jacques Courtine analisa, no volume III da História do Corpo: A história dos monstros é, portanto não só aquela dos olhares postos sobre eles: a dos dispositivos materiais que inscreviam os corpos monstruosos em um regime particular da visibilidade, a história também dos sinais e das ficções que os representavam, mas também a das emoções sentidas à vista dessas
deformidades humanas. Levantar a questão de uma história do olhar diante desta última deixa entrever uma mutação essencial das sensibilidades diante do espetáculo do corpo no decorrer do século XX. (COURTINE, p. 256).