TCC Arqurb - Ancestralidade Interrompida

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ANCESTRALIDADE INTERROMPIDA: CENTRO CULTURAL PARA POPULAÇÃO INDÍGENA EM ARACRUZ - ESPÍRITO SANTO.



UNIVERSIDADE VILA VELHA

JOÃO LUIZ ANGELI JUNIOR

ANCESTRALIDADE INTERROMPIDA: CENTRO CULTURAL PARA A POPULAÇÃO INDÍGENA EM ARACRUZ - ESPÍRITO SANTO

VILA VELHA 2021



JOÃO LUIZ ANGELI JUNIOR

ANCESTRALIDADE INTERROMPIDA: CENTRO CULTURAL PARA A POPULAÇÃO INDÍGENA EM ARACRUZ - ESPÍRITO SANTO Trabalho de conclusão de curso de graduação, apresentado à faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Vila Velha, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientador: Prof. Dr. Geraldo Benicio da Fonseca

VILA VELHA 2021



JOÃO LUIZ ANGELI JUNIOR

ANCESTRALIDADE INTERROMPIDA

Centro cultural para população indígena em Aracruz - Espírito Santo

Relatório final, apresentado a Universidade Vila Velha, como parte das exigências para a obtenção do título de Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. Geraldo Benício da Fonseca Orientador

________________________________________ Prof. Dra. Melissa Ramos Da Silva Oliveira Avaliador

________________________________________ Prof. Dra. Simone Neiva Afiliações

Parecer da comissão examinadora em 23 de Novembro de 2021: APROVADO ___________________________________________________________________



“Um povo primitivo não é um povo atrasado; sem dúvida pode possuir, em um terreno ou outro, um gênio para a invenção ou a ação que ultrapassa em muito ao dos povos civilizados.” Claude Lévi-Strauss


RESUMO Diante do cenário contemporâneo, faz-se relevante analisar os detalhes ecológicos que antes não eram tratados com prioridade. O fato é que muito da cultura indígena original foi perdida ou sofreu interferências, dificultando no estudo a respeito de seus conhecimentos. O ser que antes era visto como primitivo e desprovido de conhecimentos, cada vez mais se mostra anos à frente, perante uma sociedade que busca uma melhor integração com a natureza e a sustentabilidade, algo para eles é implementado com admirável naturalidade. Esta monografia visa dissertar sobre as soluções arquitetônicas dos povos nativos, para que assim, com novos olhares, se possa reinterpretá-las, de modo que sejam desenvolvidas pesquisas e análises que sirvam como bagagem para transcrever uma filosofia do passado no presente, culminando na proposta projetual do centro cultural para a população indígena localizada no município de Aracruz, Espírito Santo. Em síntese, o conteúdo visa não só ressaltar os pontos históricos e morfológicos, como também servir de inspiração para resgatar nossas raízes. Palavras-chave: Indígenas, nativos, sustentabilidade, centro cultural, raízes.


ABSTRACT Given the contemporary scenario, it is relevant to analyze the ecological details that were not treated with priority before. The fact is that much of the original indigenous culture was lost or interfered with, making it difficult to study their knowledge. The being that before was seen as primitive and lacking in knowledge, increasingly shows itself years ahead, in a society that seeks a better integration with nature and sustainability, something for them is implemented with admirable naturalness. This monograph aims to discuss the architectural solutions of native peoples, so that, with new perspectives, they can be reinterpreted, so that research and analysis can be developed that serve as baggage to transcribe a philosophy of the past into the present, culminating in the proposal design of the cultural center for the indigenous population located in the municipality of Aracruz, Espírito Santo. In summary, the content aims not only to highlight the historical and morphological points, but also to serve as an inspiration to rescue our roots. Keywords: Indigenous, natives, sustainability, cultural center, roots.


SUMÁRIO


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INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................... 12 1.1 - OBJETIVO ........................................................................................................................................................ 13 1.2- OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................................................................ 14 1.3 - METODOLOGIA ............................................................................................................................................... 14 A POPULAÇÃO MATRIZ E SUAS SOLUÇÕES HABITACIONAIS ................. 15 2.1 - ORGANIZAÇÃO ESPACIAL ........................................................................................................................ 17 2.2 - TÉCNICAS CONSTRUTIVAS ...................................................................................................................... 26

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3 3.1 -

estudo de caso em Aracruz ....................................................................................... 31 programa de necessidades ............................................................................................................... 49

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propriedades do sítio escolhido

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CENTRO CULTURAL ho ................................................................................................................

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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referências bibliográficas

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1 - INTRODUÇÃO O prefácio


A consciência dos brasileiros sobre a existência de sua população matriz é um fato inegável. Desde pequenos, em nossas escolas de educação fundamental, contam-nos a história de nosso país: a chegada dos portugueses, o seu poder de navegação, o catolicismo, os templos, igrejas, conquistas, decisões e feitos europeus. Entretanto, muitas vezes (ou todas) nos é passado um panorama romantizado do que realmente ocorreu com a cultura que aqui já residia, colocando o colonizador como o protagonista, enfatizando sua história e se referindo à população indígena como seres primitivos, inferiores, atrasados e desprovidos de conhecimentos. No meio universitário, para os alunos de ensino superior de arquitetura e urbanismo esse cenário não é diferente: nos é ensinado sobre grandiosidades gregas, sobre feitos romanos, a estrutura faraônica dos egípcios, dentre outros povos, e pouco se fala da própria população matriz do Brasil. Outro fato unânime a considerar é que o contato entre a população nativa e a europeia ocasionou a devastação gradativa das atividades desenvolvidas por aquela, assim como sua cultura, sua população, seus ideais e, por conseguinte, sua capacidade de desenvolvimento tecnológico independente. O que, de certa forma, dificultou aos mesmos produzir, desenvolver e registrar sua própria evolução arquitetônica contemporânea autóctone. Atualmente, a população indígena brasileira existente e registrada pela FUNAI (2010) consiste em 817.962 habitantes; tal medição foi realizada com auxílio do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Levando em consideração que, de acordo com o senso do IBGE (2010) no Brasil viviam 190.732.694 pessoas, a população nativa remanescente corresponde a apenas 0,39% da população brasileira total, distribuída em 747 aldeias registradas ao longo do

país. Dentre elas, temos sete aldeias localizadas no norte do estado do Espírito Santo, estado no qual reside o autor desse trabalho, sendo elas tribos das etnias M’byá Guarani e Tupiniquim. A população indígena, contrário a população europeia, discorreu todos seus costumes e cultura voltado as condições locais e climáticas tropicais, sua vestimenta, seus hábitos de alimentação, seu entretenimento, sua medicina, seu lazer e sua arquitetura. O que é um fato muito interessante levando em consideração que nossas maiores influências vieram de fora dessa região, na qual, toda a concepção de vivência é contraposta levando em consideração as condições socioespaciais e ambientais. O que nos leva a refletir sobre muito de nossos costumes atuais, nossa vestimenta, por exemplo; no mercado de trabalho há um padrão “formal” de vestimenta, como: roupas sociais de manga longa, ternos, calças, sapatos fechados, que muitas das vezes causam desconfortos térmicos e até mesmo de odor nos trabalhadores, refletindo em arquiteturas fechadas, escravas de climatizações artificiais, a fim de sustentar um padrão formal europeu de elegância e seriedade. Outro fator que vem surgindo com a atualidade é a questão da sustentabilidade e integração com a natureza, habilidade que a população nativa já praticava com naturalidade. 1.1 - OBJETIVO Entendendo a necessidade da população indígena em retomar seu lugar de direito no país, com o devido reconhecimento histórico, será desenvolvido uma proposta projetual para um centro cultural que represente um espaço significativo para as etnias remanescentes em Aracruz. O conceito de tal edifica-

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ção foi reunir as técnicas e soluções espaciais de diversas etnias que se pôde obter dados de modo a realizar uma reinterpretação dos conhecimentos ancestrais na contemporaneidade, para que sirva de templo do conhecimento dos mesmos, de forma a alimentar a propagar as raízes culturais brasileiras.

tura através de uma visita in loco na aldeia Piraqueaçu - Aracruz/ES; • Por fim, foi realizado uma pesquisa em livros e artigos a respeito das técnicas construtivas do estudo de caso afim de esclarecer pontos históricos e compor a narrativa.

1.2 - OBJETIVo ESPECÍFICO Esta monografia pretende se aprofundar no estudo de algumas etnias indígenas que foram encontradas registros construtivos e morfológicos de modo a trazer à tona conhecimentos que outrora foram deixados de lado, ora por insuficiência de informações, ora pela estrutura social na qual estamos inseridos, no intuito de fomentar a significância dessa cultura para nosso país, visto que se trata da população matriz brasileira, a qual habitou o país por muito mais tempo do que a civilização pós-colonização habita, trazendo consigo uma bagagem muito maior de adaptação e integração com a nossa fauna e flora, conhecimento que há tempos foi negligenciado e/ou tratado por certa parcela da população como primitivo.

“Ignoramos nossas aldeias assim como ignoramos nossas favelas.” -Simone Neiva, “Casas e aldeias guaranis em Aracruz, Espírito Santo”. “Uma terra (quase) sem males”, novembro de 2016.

1.3 - metodologia Tendo esses fatos pontuados, as metodologias utilizadas para o desenvolvimento deste trabalho consistem em: • Foi feita uma análise da estrutura social de diferentes grupos e tribos indígenas a fim de entender melhor as finalidades e morfologias das construções através de livros e artigos de nossa literatura; • A titulo de maior entendimento do cenário indígena atual, foi feito um estudo de caso visando compreender melhor o que foi estudado na litera-

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2 - A POPULAÇÃO MATRIZ E SUAS SOLUÇÕES HABITACIONAIS A história aqui não começou

com Cabral


Como mencionado no capitulo anterior, o contato do colonizador com a população matriz não só resultou na interferência de sua cultura original, como foi responsável pela degradação de boa parte da mesma. Tiago Cordeiro (2020) afirma, em sua matéria da Super Interessante, que no momento em que os Portugueses chegaram ao continente, pouco se importaram em catalogar e estudar a população existente, priorizando apenas a própria sobrevivência. Apenas após 49 anos, com a chegada dos jesuítas, começou a haver algum tipo de interesse em conhecer um pouco mais sobre a cultura dos indígenas. Em síntese, quando começou a se interessar pela vida dos nativos, muito de sua cultura já havia sido transformada devido ao contato com o homem branco, e mesmo assim, a preocupação ainda não era conhecê-los e respeitá-los, e sim sobre como doutriná-los, e como usar artifícios para converter a população ao cristianismo. Quanto mais a população europeia conhecia a cultura dos indígenas, mais eles os reprimiam, e quando os colonizadores já haviam consumido o conhecimento que era necessário para sobreviver no país, os escravizaram. Partindo desses fatos, podemos concluir que não houve muito interesse em conviver harmonicamente com os nativos, muito menos em catalogar a verdadeira história dos mesmos (o que seria impossível para o colonizador, visto que o estilo de vida indígena era motivo de repúdio e considerado uma blasfêmia para a igreja). Esta realidade, unida ao fato de o indígena não ser habituado à escrita, tornou muito difícil a obtenção de conhecimento sobre o que era a verdadeira população indígena antes do contato com o homem branco. Apenas

no século XX, devido ao avanço tecnológico e à contribuição de profissionais de diversas áreas, foi possível, através da história e da arqueologia, a obtenção de dados essenciais para a compreensão dessa população, hoje reconhecida em seus próprios valores. Atualmente, pode-se concluir que a população indígena tem como ancestral mais próximo os asiáticos (Fábio de Castro, 2018), mas como assim? Para conceituar essa história, teremos que fazer uma breve alusão ao início da espécie humana. De acordo com Fábio de Castro (2018), atualmente acredita-se que a espécie Homo Sapiens foi originária do continente africano, e a partir daí foi realizando sua migração (Figura 2), seguindo com sua caminhada pela Europa, Oceania e Ásia. Através do Estreito de Bering, conseguiu atravessar o Oceano Pacífico, chegando ao continente americano. Diversos estudos têm sustentado esta hipótese, embora ainda se discuta a data da primeira migração para a América, e se esta ocorreu em um grupo único ou em levas sucessivas. Por exemplo, um grupo de cientistas dinamarqueses e americanos analisou o DNA dos restos mortais de um bebê encontrado em um sítio arqueológico situado no Alasca. Ele nasceu há 11,5 mil anos - é um dos fósseis mais antigos da América. A análise mostrou que o bebê possui quase o mesmo o DNA dos índios que habitam hoje a América do Norte, só que parte expressiva do DNA desta criança era idêntica à da população que vive na China, comprovando o estreito parentesco da população das Américas com os asiáticos, segundo Fábio (2018).

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Mapa 1: Mapa de migração da espécie humana. Fonte: Blogdobg

2.1 - ORGANIZAÇÃO ESPACIAL Agora devidamente conceituados na linha do tempo, iremos nos aprofundar nos conhecimentos arquitetônicos que foram possíveis obter sobre como essa população vivia antes do convívio com o colonizador. Antes do contato com o homem branco havia cerca de 1.500 línguas diferentes no continente Americano (Tiago Cordeiro, 2020) e mais de 350 etnias indígenas só no Brasil, o que dificultou muito a catalogação e armazenamento de conhecimento dos povos, visto que não havia uma homogeneidade em suas línguas e culturas. Além desse fator, um arquiteto e escritor brasileiro chamado Gunter Weimer (2005) afirma em sua obra que não só as múltiplas etnias e linguagens indígenas dificultaram no aprofundamento do estudo de sua arquitetura, como também, o fato de que estas desenvolveram diversas variantes ao longo do

tempo (WEIMER, 2005). Iniciaremos falando de uma tipologia construtiva utilizada em algumas aldeias, e que Weimer trata ao longo de sua obra como “Casa-Aldeia” ou “Casa Unitária”. Essa tipologia aparece em algumas etnias indígenas e o autor teve oportunidade de visitar algumas delas. Basicamente, as Casas-aldeia faziam parte do cotidiano das tribos que desenvolviam a maioria de suas atividades, sejam domésticas, religiosas, artesanais e etc. dentro de uma única construção. Começaremos falando sobre a tribo dos Tukanos, situados na divisa entre Brasil e Colômbia. A respeito da morfologia construtiva, a Casa-Aldeia dos Tukanos era formada por uma estrutura retangular com um semicírculo aos fundos (Figura 3). A edificação era disposta de duas portas, uma na fachada frontal e outra na fachada dos fundos; a parte triangular, chamada pelo autor de frontão (uma alusão ao frontão encontrado pela história nas civilizações gregas e romanas) ficava de frente para o rio e a parte arredondada ficava de frente para as plantações. Esta disposição refletia os costumes dos indígenas que ali habitavam: os homens - responsáveis pela caça, pela pesca e atividades de reconhecimento da área - localizavam-se na fachada frontal, devido à proximidade com suas atividades, e as mulheres - responsáveis pelo artesanato, pela agricultura e preparo da alimentação - ficariam voltadas para os fundos, onde eram desenvolvidas as plantações. A distinção do espaço entre os homens e as mulheres se dava por meio de cores. O espaço que foi destinado aos homens, era pintado de amarelo; e o espaço destinado às mulheres, era pintado de vermelho. A divisão interna entre as famílias nucleares se dava por biombos (já usados na época para delimitar espaços no interior da edificação) feitos com uma estrutu-

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ra de galhos revestidos com folhas de palmeira trançada. A respeito da cobertura, os mesmos utilizavam duas águas para a parte retangular e uma superfície cônica para o fundo arredondado, utilizando o método de pilares, terças e caibros, revestindo o teto com palha e cipós. As águas do telhado quase chegavam ao chão, resultando em paredes verticais baixas, por vezes menores que uma pessoa.

MULHERES

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Figura 4: Fotografia de indígena Caiapós-xicrin realizando a técnica de palmeira trançada como menciona Weimer. Fonte: Fabíola Silva, 2011.

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Figura 3: Releitura feita pelo autor da planta-baixa desenhada por Weimer (2005) para ilustrar a Casa-Aldeia da tribo dos Tukanos.

Um estudo feito em paralelo com a tribo dos Tukanos levou ao artigo de Fabíola Silva (1998), que foi a responsável pela pesquisa “A Tecnologia da cestaria entre os Xikrin-Kayapó”, que discorre sobre as habilidades e técnicas desenvolvidas por essa tribo. A cestaria é uma prática realizada pela grande maioria das tribos indígenas americanas, que utilizam técnicas passadas entre gerações e materiais diversos para confecção dos mais variados utensílios, como, cestos, esteiras, bolsas e, aparentemente, biombos, como cita Weimer. Dentre os materiais utilizados estão o Junco, Palha, Cana de Bambu, Cana da índia, Salgueiro, Castanheiro, Cerejeira ou a Folha de Palmeira.

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Outro exemplo seria a Casa-Aldeia ou “Strobo”, como a chamam os nativos da tribo Marubo, pertencentes ao grupo dos Índios Pano (denominação dada às tribos indígenas cujo grupo deriva da família linguística Pano, faladas por povos do Brasil, Peru e Bolívia) que fica localizada em Alto Solimões, uma microrregião do estado do Amazonas. Em vista superior, sua morfologia principal se assemelha ao formato de um decágono achatado, com duas portas em cada extremidade (Figura 5). Junto à entrada principal há dois bancos largos de madeira para que os homens e os meninos das tribos façam suas refeições, e que também servem de apoio para realizar as cerimônias e rituais xamânicos. Logo após o banco, há um corredor espaçoso onde as mulheres fazem sua refeição, e que também é um local onde ocorrem ritos cerimoniais. Em ambos os lados desse corredor/sala há nichos, formados pelo conjunto de quatro pilares, onde são encontrados os pertences de cada família nuclear, como redes, fogão, cerâmicas e apetrechos de cozinha. Os recantos próximos às entradas são reservados aos visitantes, e têm forte papel nos rituais xamânicos de possessão,

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Figura 5: Releitura feita pelo autor da planta-baixa desenhada por Weimer (2005) para ilustrar a Casa-Aldeia da tribo dos Marubos.

como afirma Weimer (2005). Cada uma destas casas costumava abrigar um grupo consideravelmente pequeno de indígenas, cerca de 20 a 30. Na tribo dos Ianomâmis, que habitam próximo à divisa de Brasil e Venezuela, a Casa-Aldeia, denominada por eles de “Shabono”, assume uma proposta um pouco diferente. A sua estrutura é pensada para comportar uma população maior de indígenas, cerca de 50 a 100. A respeito de sua morfologia, em planta baixa a Shabono possui um formato poligonal; entretanto, devido à quantidade de lados, quase se assemelha a uma circunferência (Figura 6 e 7). Esta casa-aldeia possui apenas uma entrada, que pode ser fechada por painéis quando necessário; por exemplo, para evitar invasores. Sustentada por pilares de madeira, cada conjunto de quatro pilares (dois da fileira externa e dois da fileira interna) dessa circunferência é responsável por abrigar uma família nuclear. A Shabono possui um pátio central descoberto que tinha a finalidade de permitir a saída da fumaça, assim como permitir a entrada de luz natural e a circulação do vento. Por possuir um formato de circunferência, a sua cobertura reflete uma forma cônica, onde o pátio central seria uma parte fatiada desse cone. A circunferência pode chegar a 20 metros de diâmetro, sendo que a parte descoberta representa 1/4 do diâmetro externo da mesma. A cobertura apresenta inclinação que varia de 25º a 30°, e está estruturada por duas fileiras de pilares, a fileira da extremidade e a fileira central; as externas possuem cerca de 1,5m enquanto as centrais podem variar de 2,4 a 2,7m. As fileiras de pilares distam entre si cerca de 3,5m, suportando caibros que chegavam a um comprimento de até 10m.

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Os Ianomâmis já utilizavam estruturas em balanço, como o exemplo dos caibros, que nas extremidades atingiam um balanço de cerca de 1 metro, enquanto na parte central, junto à cobertura o balanço era de cerca de 5 metros. Após a conclusão da estrutura, a cobertura era revestida de uma paliçada com cerca de 3 metros, onde, devido a disposição das mesmas cerca de 1 a 1,6 metro do beirado da cobertura ficava para fora, formando à margem exterior da edificação uma espécie de corredor lateral. A respeito da construção, ocorria uma divisão de funções: os homens eram os responsáveis pela execução, enquanto as mulheres eram responsáveis pela

Figura 6: Planta de cobertura de uma Shabono. Fonte: 17Revista de Ciências Exatas e da Terra UNIGRAN, v2, n.2, 2013

Figura 7: Corte e fachada de uma Shabono. Fonte: 17Revista de Ciências Exatas e da Terra UNIGRAN, v2, n.2, 2013

coleta dos materiais (madeiras, galhos, folhas de bananeiras e cipós). As Shabonos possuíam vida útil relativamente pequena; cerca de dois anos após sua construção a tribo fazia a queimada da mesma, para em seguida construírem outra em um novo local.

Figura 8: Shabono vista de dentro. Fonte: 17Revista de Ciências Exatas e da Terra UNIGRAN, v2, n.2, 2013

Contrário à ideia das Casas-Aldeia, que visavam o desenvolvimento das atividades de uma tribo concentradas em uma só edificação, as Aldeias consistem em uma estrutura utilizada pela maioria das tribos, que defendem a ideia de diversas edificações, ora para comportar um maior número de integrantes, ora para atender a necessidades particulares de cada tribo. Dentre as tribos que efetuavam diversas construções, uma das mais conhecidas é a dos Tupis-Guaranis. Weimer (2005) os cita em seu livro e faz uma breve alusão histórica sobre os mesmos. Este autor acredita que: “Os indígenas dessa tribo são originalmente do estado do Amazonas, mas existiam desde Alto

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Solimões até as bacias do Paraguai e Uruguai. Devido à magnitude dessa etnia e sua população em constante crescimento, Weimer menciona que:

Contrário às tribos que efetuavam as construções de Casas-Aldeia, e que majoritariamente eram nômades, de acordo com Gunter, os Tupis-Guaranis possuíam um caráter sedentário. Eles também efetuavam as queimadas de suas residências após certo tempo de uso; entretanto, as construíam novamente no mesmo lugar, permanecendo por anos e anos no mesmo local. As edificações feitas pelos indígenas dessa tribo eram realizadas de modo a produzirem praças, sejam estas internas (mais comuns) ou externas. A distribuição das casas era feita sempre de quatro em quatro, alinhadas de forma a gerar uma espécie de quadrado, e assim, ao meio, solidificar sua praça, que era palco para realização de suas fogueiras, rituais, confraternizações e cerimônias religiosas. As casas dispostas neste formato eram chamadas de ‘Oguassu’, ‘Maioca’ ou ‘Maloca’ (que significa casa grande). Dentro das Malocas os espaços internos eram divididos pela própria estrutura que compunha o telhado, refletindo em pilares no interior da edificação. O conjunto dos pilares formam nichos internos, que os indígenas denominavam de Oca (Tupi) ou Oga (Guarani), E cada Oca era destinada a uma família nuclear.

As Malocas podem chegar a 200m de comprimento (Figura 9), podendo chegar a cerca de 300 a 700 indivíduos habitando-a. As atividades desenvolvidas por eles eram consideradas Tabus, como afirma Weimer (2005), pois os homens eram responsáveis pela caça e pela construção, enquanto as mulheres eram responsáveis pela coleta e agricultura. Um não interferia no trabalho do outro,

Figura 9: Construção de uma Maloca. Fonte: Archdaily.

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Um pouco diferente dos Tupis-Guaranis, que realizavam sua disposição de maneira circular temos os Xavantes, indígenas do grupo Jê (tribos que possuem família linguística derivada da Jê), que habitavam o Mato Grosso, a oeste do Araguaia. As disposições do grupo Jê são denominadas ferraduras, devido ao seu formato semicircular (Figura 11). O pátio central era palco das atividades desenvolvidas por eles, como rituais, cerimônias, reuniões e afins, E era denominado Warã. Ao redor do Warã eram dispostas cerca de 20 a 30 casas (Figura 10), distando poucos metros entre si, exceto a hö, que ficava mais ao centro do pátio, e que era destinada aos jovens que estariam fazendo seu ritual de iniciação na tribo. As casas recebiam um tratamento de terra compactada, ou terra batida,

Figura 11: Aldeia Xavante. Fonte: Jean Manzon ,1950.

que basicamente consistia na compressão do terreno para suportar de maneira mais sólida a edificação; o mesmo tratamento era feito no piso do Warã. Com todas as casas voltadas ao pátio central, os indígenas da tribo Xavante realizavam caminhos que partiam de suas residências rumo ao pátio. As aldeias Xavantes, da família Jê, possuíam suas casas em forma de um círculo com cerca de cinco a seis metros de diâmetro, contendo apenas uma porta, que era menor do que A altura de um homem adulto. Segundo uma matéria publicada no blog Arquiteto Fala (2011), o tamanho da porta tinha uma simbologia de respeito, devido ao fato de que quem entrasse deveria se curvar. Essa casa Xavante era responsável por abrigar cerca de duas a três famílias, e o espaço interno entre elas era delimitado por uma esteira.

Figura 10: Casa Xavante. Fonte: desenho de Maria Carolina Young Rodrigues, 2002.

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Os índios Karajás, também do grupo Jê e ocupantes das margens do rio Araguaia, desenvolveram uma forma de aldeia ainda mais complexa. Como o rio está sujeito a uma época de cheia e a outras de estiagem, no período de chuvas construíam casas de uma estrutura sólida, formada por arcos paralelos, cada qual constituído por um par de varas fincadas no chão e vergadas para que pudessem ser amarradas, em suas extremidades, na cumeeira. A fim de manter a constância da curva das varas, a uma altura de cerca de dois metros, elas se apoiavam em terças transversais, de modo que a forma resultante fosse uma abóbada de berço de corte ogival e as empenas fossem fechadas por paredes (Weimer, 2005). Uma das paredes era provida de uma porta baixa, que podia ser fechada para proteção da chuva e do vento. Essas casas eram construídas de maneira a formar duas fileiras, paralelas ao rio, e a uma distância mínima de 30 metros das barrancas do rio. Os primeiros dez metros junto ao rio eram sombreados por grandes mangueiras, e o restante era usado para convívio e descanso nos fins de tarde. As casas, cujo número podia exceder a 50, eram separadas por uma “praça” central de cerca de cinco metros de largura; o comprimento, que correspondia ao da aldeia, podia ultrapassar a distância de 600 metros. Apesar dessa centralização, cada casa tinha sua abertura voltada para o rio, que permanecia como centro referencial da vida da aldeia. Isso significa que, apesar da semelhança formal, essa “praça” não assumia função semelhante à de estruturas semelhantes, presentes em nossa cultura urbana. A construção das casas era uma função exclusivamente masculina, muito embora a “propriedade” das casas fosse feminina e a ordenação delas na aldeia obedecesse a rígidas regras de parentesco. À semelhança dos Xavantes, cada

casa era habitada por uma família extensa, formada por algumas poucas famílias nucleares. Já no extremo sul do país, nas campinas pampeanas, os índios Guaicurus desenvolveram uma técnica de surpreendente atualidade para a construção de suas casas, chamadas de toldos. Em se tratando de uma cultura caçadora, os constantes deslocamentos se impunham como forma de sobrevivência. Temperaturas muito variadas entre o verão e o inverno levaram-nos a inventar uma forma de moradia composta de painéis desmontáveis. Eram três paredes e um telhado que sobressaía na face que ficava aberta. Dessa forma, cada toldo formava uma espécie de nicho que era habitado pela unidade familiar. A montagem desses toldos em fita permitia a economia dos painéis. Originalmente, esses painéis eram compostos de um requadro de madeira vedado com um trançado de palha. Com a introdução de animais de grande porte pelos europeus, a palha foi substituída pelo couro. Essas casas serviam apenas para o descanso e o abrigo contra intempéries. Conforme a temperatura, a abertura era direcionada a favor ou contra o vento. No rigor do inverno, os toldos eram voltados uns contra os outros, de modo que os painéis do telhado formavam duas águas. Sob as saliências dos telhados, formava-se um corredor que dava acesso aos diversos nichos unifamiliares. As extremidades desse corredor eram fechadas por portas de couro, criando um microclima interno com uma temperatura mais elevada. Ressalta Weimer (2005) que essas são apenas algumas tipologias estudadas, dentre uma imensa gama de variantes. Seria impossível analisar todas; entretanto, o pouco que podemos aprender com este conteúdo é fascinante, visto que tal bagagem poderia facilmente refletir em soluções arquitetônicas contem-

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porâneas. De um modo geral, as aldeias citadas aqui possuem como característica uma evolução arquitetônica autóctone, ou seja, sem interferência de outras culturas, mesmo que indígenas. Uma das poucas exceções é a das aldeias xinguanas, nas quais se verifica um cruzamento entre várias culturas e peculiaridades de

Figura 11: Abrigo dos indígenas Pampeanos: à esquerda, um pára-vento de capim; ao centro, um toldo de couro sendo montado em sua versão de inverno, e à direita, o mesmo toldo de couro em sua versão de verão. Fonte: Arquitetura Popular Brasileira, Gunter Weimer. 2005.

diversos grupos linguísticos, que foram adotados por tribos de origens diversas. Suas casas são semelhantes às dos tupis, porém as extremidades são fechadas por semicúpulas, construídas à maneira das dos Jês. Nessas extremidades estendem suas redes ali e preparam suas refeições. Na parte central da casa fica um Jirau, onde são armazenados os mantimentos e outros pertences. O lugar de trabalho é dividido segundo o sexo: os homens ficam com o espaço junto à porta que dá para a praça, e as mulheres, no lado oposto. O número de casas varia de tribo para tribo; porém todas estão dispostas de modo que cerquem a praça. Em meio a ela, de forma excêntrica, está implantada a casa dos homens, na qual são guardados instrumentos musicais e a indumentária cerimonial. Diante dela há um banco em que são tomadas as decisões comuns, especialmente as que digam respeito à caça, privilégio dos homens. Pelo lado inverso, a agricultura é uma atividade exclusiva das mulheres (como na grande maioria das tribos), e da qual os homens eventualmente participam na abertura das clareiras necessárias à plantação. Em razão dessa distribuição de tarefas, o pátio cerimonial é um lugar reservado aos homens, que as mulheres apenas utilizam quando para tanto são convidadas. Inversamente, as mulheres circulam pela periferia das aldeias. Embora as partes das casas sejam identificadas com anatomia masculina, são as mulheres que nela passam a maior parte do tempo, já que os homens só se recolhem a elas para dormir e para atividades cerimoniais. Weimer (2005) afirma que as aldeias do Alto Xingu, de maneira geral, se assemelham nas características citadas.

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Outra tipologia de casas que requer uma atenção especial são as casas subterrâneas; estas ora são encontradas isoladas, e ora são encontradas em forma de aldeias. Essas são tipologias encontradas majoritariamente nos estados de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina (CADERNOS DO CEOM, 2003). Consistem em verdadeiras casas circulares escavadas na terra. Podem, em alguns casos, ser cavadas em rocha basáltica; em outros, em basalto composto ou rocha mole de arenito (cf. Schmitz 1988:92; Rohr 1984:82). Possuíam dimensões variáveis entre 2 e 13 metros de diâmetro, com profundidade entre 2,5 a 5 metros de altura, havendo casos registrados de até 6 metros. Segundo a descrição de alguns pesquisadores, com base nas casas melhor conservadas, sobre a cova circular erguia-se uma cobertura de folhas sustentada por uma armação de madeira, em parte fixada na base, em parte fixada nas laterais. Em algumas casas os arqueólogos mencionam uma espécie de revestimento de piso e, em outras, revestimento de pedra nas paredes, ou em parte delas. De acordo com o texto publicado na revista Cadernos do CEOM (2003), essa tipologia construtiva era encontrada, em grande parte, sendo construída pela etnia indígena dos Kaingang, uma sociedade Jê meridional. A respeito do uso dessas construções, o autor explica que não há exatidão nos dados, afirmando que alguns pesquisadores dizem que as construções eram para habitação, e outros dizem que eram estruturas apenas para ritos cerimoniais, chegando à conclusão de que eram utilizadas para as duas finalidades. Segundo o arqueólogo Padre Rohr, “as casas subterrâneas são atribuídas às populações Jês ou Kaingang, que ocupavam o planalto antes da conquista

e representam uma invenção engenhosa do homem pré-histórico contra as nevascas e os ventos gelados dos invernos rigorosos das grandes altitudes” (Rohr 1984:82). Juracilda Veiga (2003) traz dados coletados pelo cabo Schmitz, que afirma que a data mais antiga registrada de uma casa subterrânea indígena latino americana data por volta de 440d.c., sendo uma das mais antigas tipologias indígenas que foram catalogadas.

Figura 12: Corte de uma casa subterrânea grande. Fonte: Fernando La Salvia, 2008.

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2.2 - TÉCNICAS CONSTRUTIVAS Discutir organizações sociais e técnicas construtivas vernaculares indígenas é algo complexo e delicado, visto que, além da escassez de informações, se trata de um organismo vivo, que a todo o momento sofre interferências e alterações. Tratar de todas nessa obra seria tecnicamente impossível; o objetivo desta monografia é trazer a problemática para reflexão, e usar alguns exemplos encontrados na literatura para fundamentar o enredo. Um dos livros mais completos, E que foi pioneiro no estudo das tecnologias construtivas indígenas, foi escrito por Costa e Malhano (1978). Esta obra retrata algumas etnias indígenas em sua totalidade, possuindo um capítulo para cada tema relacionado, desde arte plumária e corporal à culinária e cestaria. O capítulo 1 - Habitação indígena brasileira; nele, os autores discorrem sobre a morfologia de aldeias e casas, disposição das edificações em uma tribo etc., mas o que mais nos interessa para essa etapa são as tecnologias construtivas, mais especificamente, a metodologia que os indígenas do Alto Xingu e do Araguaia utilizavam de fato para confeccionar suas edificações. Como foi visto no subcapítulo anterior, os indígenas do Alto Xingu eram conhecidos pelo seu vasto grupo de integrantes, sendo um dos maiores já estudados; também vimos que suas tipologias construtivas assemelhavam-se às dos tupis-guaranis. Além disso, pela grande quantidade de habitantes nativos, muita das vezes, outras etnias faziam parte dessa somatória, unindo também seus conhecimentos e técnicas construtivas, de forma a gear um produto alóctone indígena. Em síntese, os Xinguanos possuíam conhecimentos sobre diversas etnias. Como pudemos observar anteriormente, todas as edificações ilustradas possuíam em sua composição galhos e troncos de madeira, como também a palha. Gunter Weimer (2005) chega a categorizar a arquitetura indígena como

uma espécie de pau-a-pique, técnica que se assemelha à taipa de mão, que consiste basicamente em uma estrutura de galhos estrategicamente posicionados para comportar camadas de barro argiloso. No entanto, o pau-a-pique indígena, segundo Weimer, considera o revestir dessa estrutura sendo feito com a palha ou folhas diversas. Outro fato interessante a se ressaltar é que para os indígenas, muitas vezes, não existia distinção clara entre parede e telhado. Na maioria das vezes, os dois eram trabalhados da mesma maneira, por meio de estruturas de galhos e troncos revestidos por algum material de origem vegetal. Sendo assim, iniciaremos falando do elemento que era responsável pela rigidez estrutural dessas edificações, onde qualquer descuido poderia comprometer toda uma edificação: as amarrações. As amarrações se fazem presentes nas construções indígenas desde o comportamento estrutural até o revestimento de suas paredes e cobertura. Costa e Malhano (1978) ressaltam que em todas as tipologias já estudadas as amarrações eram feitas utilizando a escolha certa dos mais variados tipos de cipós. No quesito estrutural, as amarrações eram utilizadas isoladas apenas em galhos leves, onde não havia tanta necessidade de preocupação com momentos fletores (Figura 13, letra A), para os engastes em estruturas de grande porte, que necessitavam de uma maior rigidez estrutural eram utilizados os encaixes (Figura 13, letra B); a união entre amarração e encaixe permitia que essa população pudesse ousar mais em suas construções. Dentre os encaixes, Costa e Malhano (1978) trazem informações sobre três tipos diferentes. O primeiro deles é o encaixe de topo (Figura 14, letra B), que basicamente consistia na secção do topo de uma peça de madeira ao centro, de forma a permitir um encaixe que sobrasse um espaço para firmar a peça, que também pode ser visto

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Figura 13: Encaixes e amarrações. Fonte: COSTA E MALHANO, página 45. 1978.

na figura 13 onde o mesmo é utilizado com o auxílio de uma amarração. Esta técnica é mais comumente encontrada entre os indígenas do Alto Xingu e entre os Tukanos. Por ser a técnica estrutural mais consistente, os encaixes de topo geralmente eram empregados nas estruturas de grande porte, assim como nas cumeeiras de seus telhados e coberturas. O outro tipo de encaixe utilizado, que desta vez é mais recorrente entre os Tyriós, é o encaixe lateral (Figura 14, letra A), que apesar de reforçar a estrutura (quando mesclado com a técnica de amarração), não era empregado nas estruturas que exigiam maior suporte de peso; os mesmos eram comumente utilizados nos frechais das coberturas, assim como nas paredes de vedação. O 3º. encaixe apresentado era fornecido diretamente da natureza. Esse encaixe se assemelha ao encaixe de topo; entretanto, os galhos eram criteriosamente selecionados para que contivessem uma espécie de forquilha em sua extremidade (Figura 14, letra C). O melhor disso é que, além de ser fornecido pelo próprio entorno, sua estrutura dispensava a utilização de amarrações. Os índios Karajás eram detentores desse conhecimento, que pode ser encontrado também entre os Tapiparés. Levando em consideração que boa parte das construções possuía um caráter curvo ou arqueado, fazia-se necessário a utilização de galhos mais flexíveis, assim como o bambu, para assim fazer seu reforço com as amarrações nas estruturas recém-alocadas. No que se diz respeito ao revestimento da cobertura e paredes, iniciaremos falando dos painéis de folhas. Como já mencionado no subcapítulo de organização espacial, foi dito que os painéis de folha de palmeira eram utilizados nas casas-unitárias dos Tukanos como forma de composição do interior das edificações. Esta etapa o trará de uma forma mais detalhada e ilustrada.

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De acordo com Costa e Malhano (1978) o procedimento de confecção dos painéis dava-se pelo entrelaçamento das pínulas de duas folhas de palmeira, de modo a formar painéis que são aplicados sobre a estrutura, para assim, serem presos utilizando a técnica do enlace (Figura 15, letra A). Os Tiriyós utilizavam essa técnica para revestir as cumeeiras e também o encontro das paredes com o solo. Os Tukanos a utilizavam, juntamente com a técnica de enlaçamento, para fixação desses painéis nas laterais da casa. A fixação das folhas de palmeira também ocorria isolada, podendo estas serem fixadas na horizontal, ressignificando o talo da folha como uma espécie de ripa para parede; nesse caso as pínulas eram dobradas pra baixo (vertical) e eram amarradas com os cipós (Figura 15, letra B); Ou também poderiam ser fixadas na vertical, de modo que passe por cima de uma ripa da cobertura até a segunda ripa subjacente, de forma a voltar para a primeira ripa, onde será fixada por meio de enlaçamento (Figura 16, letras A1, A2 e A3). O primeiro tipo de fixação isolada é encontrado entre os Karajás, como revestimento de parede e entre os Tukanos, que a usam na cobertura. Já o segundo tipo também é encontrado nos Karajás; entretanto, é utilizado somente na cobertura. Variantes desse segundo tipo são encontrados entre os Xavantes e os Tiriyós, afirmam os autores. As folhas de palmeira podem também serem fixadas na vertical apenas pelo topo do talo com o auxílio de cipós, colocando em seguida, sobre estas primeiras folhas, outras folhas de palmeira, formando uma segunda camada (Figura 16, letra B). Esta modalidade pode ser encontrada entre os Tapirapés. Ocorre ainda o revestimento da cobertura com o Capim-Sapé (assim como Piaçava ou Capim Santa Fé, como menciona Weimer, 2005), o qual é preso à estru-

tura através do enlaçamento dos tufos na mesma; é possível encontrar essa técnica entre os indígenas do Xingu (Figura 17 letra A). Falaremos, agora, de um tipo de amarração que pode ser observado na cobertura das aldeias-casas (Shabono) dos Ianomâmis, conhecimento fornecido na obra de Chagon (1977). Nesta técnica, os indígenas utilizavam o cipó como uma espécie de ripa, onde

Figura 14: Encaixes e amarrações 2. Fonte: COSTA E MALHANO, página 46. 1978.

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eles fixavam os cabos esticados sobre os caibros, com uma distancia de mais ou menos 20 cm entre eles, desde a base do beiral até o topo que se projeta além da terça, o que contribui para a leveza da armação sobre a estrutura da Shabono. Desta forma, são dispostas diversas camadas sobrepostas, a fim de tornar a cobertura totalmente impermeável.

Figura 16: Amarrações para folha de palmeira e sobreposições de camada das folhas. Fonte: COSTA E MALHANO, página 48. 1978.

Figura 15: Painel trançado de palha, e folha de palmeira utilizada na horizontal com auxílio de amarrações. Fonte: COSTA E MALHANO, página 47. 1978.

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Figura 17: Amarrações dos tufos de folha de palmeira e cipó sendo usado como ripa para amarração. Fonte: COSTA E MALHANO, página 49. 1978.

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3 - estudo de caso em aracruz A aldeia Piraqueaçu m’byá guarani


A fim de compreender melhor como funciona a estrutura social e a morfologia das moradias dos indígenas contemporâneos, no dia 01 de maio de 2021 viajei ao norte do estado do Espírito Santo, onde há uma tribo indígena chamada Piraqueaçu (devido a um rio local). De acordo com o site da prefeitura de Aracruz, esta tribo é uma das poucas (além das localizadas no Amazonas) no Brasil que são autorizadas à visitação. Assim que cheguei à aldeia fui muito bem recebido pelo Cacique Pedro e seus filhos, Atife e Henrique, que me deixaram à vontade para andar pela tribo. De início, no portal de entrada, pude notar uma cobertura sobre um telhado duas águas, com as terças, caibros e ripas fixadas umas nas outras por meio de pregos. A técnica de revestimento da cobertura utilizava tufos de piaçava amarrados com linha. As laterais desta estrutura, para compor o fechamento da entrada, possuíam duas paredes, de aproximadamente 3 metros, feitas com a técnica da taipa de mão (Figura 18). Passando pela entrada pude observar pergolados feitos com o próprio tronco. O cacique ressaltou que eles usam muito a madeira de eucalipto. Entrando na aldeia, pude me deparar com cerca de quatro ocas espaçadas entre si; a tipologia construtiva delas assemelha-se com a dos Xavantes, só que ao invés de utilizar galhos curvados em forma de abóbada, eles eram usados retos, de modo que os caibros fossem fixados na horizontal, para assim revesti-los com os tufos de piaçava enlaçados (Figura 19). Outra tipologia que pude observar também se assemelha as casas feitas no Alto Xingu, entretanto, em proporção menor (Figura 20). As ocas dessa aldeia do grupo M’bya Guarani eram individuais e unifamiliares, distintas da maloca com ocas internas separadas por nichos tal como relatado nas obras pesquisadas; acredito que esta tipologia resulte de influência do con-

Figura 18: Portal de entrada da aldeia Piraqueaçu contendo cobertura revestida de piaçava, paredes em taipa de mão e pergolado feito com madeira de Eucalipto. Fonte: Acervo do autor

Figura 19: Ocas da tribo Piraqueaçu do grupo M’bya Guarani. Fonte: Acervo do autor

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Figura 20: Cacique Pedro caminhando e ao fundo uma oca à maneira dos indígenas do Alto Xingu, entretanto, em menor proporção. Fonte: Acervo do autor

Figura 21: Pequeno Atife sentado na rede à frente do local de cerimônias e rituais. Fonte: Acervo do autor

tato com o homem branco. Atife e Henrique discorreram detalhadamente sobre alguns aspectos da aldeia. Segundo eles, Além das ocas, havia outras construções na aldeia: o espaço de rituais, onde eram feitas as festas e confraternizações, envolvendo dança e música (Figura 21); os mesmos citaram a dança do guerreiro, mas disseram que normalmente acontece à noite, também me foi dito que a aldeia produzia artefatos para a venda, assim como as outras aldeias da região, dentre eles estava o arco e flecha indígena, que me foi oferecido pelo preço de R$50,00; além do espaço de rituais, os aldeados possuíam uma construção destinada à alimentação (Figura 31), onde dispunham diversos bancos para que os indígenas pudessem realizar suas refeições. Já a preparação do alimento era feita em outra construção, local onde estavam concentradas as mulheres presentes no momento (Figura 35), de acordo com o cacique Pedro, a produção de alimento era feita inteiramente por elas, enquanto os homens procuravam conseguir dinheiro para compra de matéria prima para produção, em partes, como afirmou Atife, os mesmos comiam animais silvestres, tal como caranguejos caçados ali mesmo, nas margens do rio Piraqueaçu. Também função dos homens era de realizar as construções na aldeia, coincidentemente, durante minha visita estava sendo realizada a construção de uma nova edificação, destinada a moradia de um encarregado do cacique, no intuito de fazer a vigília da tribo durante a noite, visto que segundo ele a tribo sofria com furtos noturnos de seus artefatos; a edificação de vigília, também feita de taipa de mão, era constituída de quatro paredes uma porta e uma janela, a cobertura também foi revestida de piaçava. Quando cheguei à aldeia eles já haviam erguido a estrutura e estavam revestindo com o barro argiloso (Figura 34). Fora esta, havia mais outra

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casa, no mesmo modelo, de taipa de mão, próximo ao local de alimentação e produção do alimento. A taipa de mão é uma técnica milenar, que se utiliza de treliças de galhos, posteriormente revestidas com barro argiloso. Sua exata origem é desconhecida; de acordo com um artigo publicado no Vivadecora (2020) essa técnica era utilizada pelos romanos no continente europeu, assim como há registros de que no continente africano também, muito antes do contato com os colonizadores. O artigo também cita sobre a utilização dessa técnica no continente asiático, pelos chineses. Em minhas pesquisas não pude desvendar se no Brasil essa técnica já havia sido utilizada, embora a lógica estrutural para construção indígena fosse semelhante, diferindo apenas no revestimento, que ao invés de ser com barro argiloso era feito com as folhas. Com isso, podemos chegar à conclusão de que essa técnica construtiva foi disseminada aqui pelos colonizadores europeus e pelos escravos africanos. Além destas edificações citadas, a aldeia Piraqueaçu possuía também uma oca revestida com bambu, também com cobertura de piaçava (Figura 24). Entretanto, sua estrutura principal era feita com madeira de eucalipto. O bambu, embora não encontrado nas pesquisas, poderia muito provável ter sido utilizado para a construção em algumas das 350 etnias indígenas que habitavam o país, de acordo com um artigo publicado em 2017 “Bambus no Brasil - Da biologia à tecnologia” confirma que o Brasil é detentor de 258 espécies de bambu sendo delas 165 endêmicas (exclusivas de uma determinada região geográfica), como os bambus do gênero Guadua, muito usados na construção; Outro fator que o artigo aponta é que uma das maiores florestas nativas de bambu do planeta se localiza na Amazônia Sul-Ocidental, que engloba parte do estado do Amazonas e Acre. O artigo afirma também que, de acordo com

Figura 22: Pequeno Atife se exibindo por conseguir subir alto na árvore. Fonte: Acervo do autor

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sítios arqueológicos no Equador, existem registros de que na América Latina o bambu é utilizado para construção há cerca de cinco mil anos. Continuando pela caminhada na tribo Piraqueaçu, me deparei com a edificação que mais me chamou atenção, por ser uma variante não vista em minhas pesquisas e por possuir um caráter mais contemporâneo; esta edificação era destinada também a dormitório; a mesma dispunha de uma cobertura escalonada, onde o local de habitação era apenas no segundo andar. Olhando por baixo se pode notar a escada feita em madeira subindo para o pavimento superior (Figura 25 e 26); não pude olhar dentro por questões de privacidade. A estrutura dessa edificação basicamente consistia em duas fileiras de pilares, onde a fileira externa, distando cerca de 2m da interna, subia o equivalente a um pé direito, no intuito apenas de comportar a cobertura, já a fileira interna subia até o segundo andar, equiparando a dois pés direitos. O fechamento do abrigo, que foi realizado de maneira a comportar apenas o segundo pavimento, deixando o térreo livre e permitindo o acesso por uma escada, possuía o fechamento inteiramente em tábuas de madeira, se estruturando nos pilares adjacentes. Nesta aldeia, os banheiros eram feitos em alvenaria, acredito que para comportar as tubulações e garantir o saneamento da mesma; o local de banho, ao lado dos banheiros, possuía um ‘muro’ feito de eucalipto e piaçava entrelaçada, onde os indígenas tomavam seu banho. Além das edificações citadas, os aldeados dispunham de um espaço para churrasco, feito em cobertura de duas águas e cobertura do capim (Figura 28). Os encaixes da maioria das edificações correspondiam perfeitamente às pesquisas, contendo os encaixes laterais e de topo (Figura 29 e 30). Entretanto, nenhuma delas possuía a amarração na estrutura em si, sendo substituído

diretamente pelos pregos, ora por facilidade de execução, ora por maior durabilidade e resistência às intempéries. Depois das observações sobre as construções, tive a oportunidade de fazer duas trilhas com o Atife e o Henrique. Estes me levaram ao local onde morava uma cobra, que outrora havia sido assassinada pela tribo, me mostraram armadilhas para pombos e armadilhas para caranguejos guaiamuns, que habitam a região; além disso, me levaram até as duas árvores mais antigas da aldeia, e que possuem cerca de mais de 200 anos. Também fui levado ao lago, conhecido por abrigar uma família de crocodilos; os mesmos indígenas mencionaram também que na selva habitam uma onça e diversas cobras. Ao percorrer a aldeia pude observar também a disposição de diversas fogueiras já apagadas, mas exalando fumaça, segundo eles o intuito das mesmas era de afastar insetos indesejados. Perguntei ao cacique a respeito da pesca, E o mesmo ressaltou que estava muito fraca, mas que os mesmos dispunham de barcos e canoas para realizar passeios pelo rio Piraqueaçu e ir para outras aldeias (Figura 36). De uma maneira geral, todos na tribo tinham suas funções, em partes bem semelhante às pesquisas feitas, as mulheres responsáveis por cozinhar, colher frutos e produzir artesanatos, como os homens estavam encarregados pelas construções e produção das armas (que atualmente produzidas apenas para venda, como o exemplo do arco); entretanto, a caça não era algo muito praticado, com o que pude notar, os homens eram responsáveis por conseguir dinheiro para, em boa parte, a compra da matéria prima para a produção do alimento; segundo o cacique Pedro, uma das principais fontes de renda da aldeia era o próprio turismo, que enquanto fraco era complementado com um trabalho ou outro na cidade mais próxima.

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Figura 23: Portal de entrada feito com pergolados de Eucalipto. Fonte: Acervo do


Figura 24: Oca feita com estrutura de madeira e revestida de bambu; cobertura seguindo o conceito de caibros e ripas revestidos de piaçaca amarrada. Fonte: Acervo do autor


Figura 25: Oca com níveis escalonados. Fonte: Acervo do autor


Figura 26: Estrutura interna da Oca escalonada contendo melhor visualização do compartimento de habitação. Fonte: Acervo do autor


Figura 27: Pequeno Atife carregando varas de bambu para auxílio de construção de taipa-de-mão. Fonte: Acervo do autor


Figura 28: Espaço de churrasco da Aldeia. Fonte: Acervo do autor


Figura 29: Encaixe de topo com auxílio de pregos. Fonte: Acervo do autor

Figura 30: Encaixe lateral com auxílio de pregos. Fonte: Acervo do autor


Figura 31: Espaço de refeições. Fonte: Acervo do


Figura 32: Estrutura de madeira da cobertura do espaço de refeições; neste caso foi utilizado caibros auxiliares de sustentação para aguentar as largas ripas com piaçava amarrada; podemos ver também os encaixes laterais compondo as terças de maneira unânime. Fonte: Acervo do autor


Figura 33: Casa de taipa de mão. Cacique Pedro informou que esse estabelecimento está sendo construído para vigília da aldeia Fonte: Acervo do autor


Figura 34: Exato momento onde foi iniciado o revestimento da casa. Fonte: Acervo do autor


Figura 35: Local onde as mulheres preparam os alimentos. Fonte: Acervo do autor


Figura 36: Local onde os barcos da aldeia ficam armazenados. Fonte: Acervo do autor.


4.1 - programa de necessidades A fim de fomentar uma melhor interação entre a população urbana e a população matriz brasileira, será desenvolvido nos capítulos posteriores um estudo projetual baseado nas pesquisas feitas a respeito de como vivia essa população no passado e como ela sobrevive no presente, interligando caraterísticas tradicionais e contemporâneas. A partir desse estudo de caso pudemos perceber que muito da tradição construtiva foi mantida. Ao mesmo tempo, foi possível perceber que muito foi reinterpretado, refletindo em morfologias e técnicas adaptadas pela adoção de alguns recursos que são facilitadores para a execução. Pudemos perceber também técnicas vernaculares que não são de matrizes indígenas sendo incorporadas em suas construções, ora pela globalização e acesso à informação, ora por associação ao conceito de integração com a natureza, harmonia e sustentabilidade. Diante desses fatores e com o estudo feito, o programa do centro cultural indígena de Aracruz visa atender as necessidades reais da população matriz, de modo a fomentar o turismo e facilitar o acesso ao entendimento dos princípios dessa civilização ancestral, tendo como cargo chefe o “salão dos artesanatos”. Neste espaço serão expostos os trabalhos manuais e artesanais que, de um modo geral, toda população indígena de Aracruz produz: entalhamento em madeiras, confecção de tecidos, arte da cestaria, arte plumária, pintura corporal, arcos, acessórios etc. A venda desta produção artesanal servirá como alicerce para movimentação de recursos financeiros para manutenção da obra arqui-

tetônica desenvolvida. O programa também traz um espaço para cozinhas e alimentação, onde serão feitos e comercializados pratos diversos, visando proporcionar uma melhor relação da população urbana com a culinária indígena. Outro espaço que será implementado é o salão de danças e rituais que, de uma maneira geral, é acompanhado por uma poderosa fogueira. Além destes, o centro cultural terá salas educativas que servirão tanto para educação da própria população indígena a respeito de seus costumes e valores, quanto para conscientização da população visitante a respeito da mesma. Como forma de lazer e contemplação, o centro cultural também terá um espaço de redes que servirá para conectar ainda mais a população presente com as raízes dessa cultura. Também estão inclusos neste programa salas para depósito de alimentos, depósito de material didático, banheiros e postos de vigia. Estes postos servirão para patrulha e proteção do estabelecimento, tendo em vista que o Cacique Pedro mencionou que sua aldeia já teve diversos invasores e pessoas tentando roubar artefatos. A seguir, podemos visualizar dois mapas que irão ajudar na melhor compreensão do espaço, sendo o mapa 2 responsável pela visualização das cidades adjacentes à reserva indígena, e o mapa 3 responsável pela relação entre o sítio escolhido e 4 das 7 aldeias localizadas em Aracruz, sendo elas: Piraqueaçu, Boapy Pindo, Tekoá Porã e Irajá.


Mapa 2: Mapa macro mostrando cidades ao entorno do sítio. Fonte: Elaborado pelo autor


Mapa 3: Mapa de relação entre aldeias existentes x sítio. Fonte: Elaborado pelo autor


4 - propriedades do sítio escolhido


O sítio designado para comportar o centro cultural indígena foi escolhido de modo a atender a toda população indígena que reside em Aracruz/ES. Está localizado aproximadamente ao centro de 4 das 7 aldeias da reserva, sendo elas as aldeias Irajá, Tekoá Porã, Boapy Pindo e Piraqueaçu, justamente para facilitar o acesso e manutenção da edificação; dista cerca de 800 metros ao norte da ponte José Ferreira Lamego e cerca de 1,3 quilômetros ao sudeste da base oceanográfica da UFES e do Hotel Coqueiral, mais especificamente, ao lado do restaurante Estação Carioca (conforme ilustrado no mapa 3). Dispõe cerca de 4mil metros quadrados de área, sendo ele, topograficamente falando, um levíssimo aclive, podendo facilmente trabalhar um nivelamento. Quando se trata de vegetação, o terreno está rodeado de árvores de tamanhos e espécies variadas, formando uma imensa massa vegetativa, auxiliando no conforto termico e visual, assim como o restante da região. Esta vegetação será utilizada para a composição do projeto paisagístico. Seu acesso se dá por uma estrada de chão que liga na BR ES-010. Quanto aos usos do entorno, em um raio de um quilômetro há praticamente apenas a Estação Carioca, e as aldeias Piraqueaçu e Boapy Pindo, tendo como urbanização mais próxima a cidade de Santa Cruz. O terreno é de fácil acesso para qualquer cidadão que esteja procurando conhecer um pouco mais sobre a cultura indígena, devido a sua proximidade à BR ES-010. Além disto, a área escolhida é próxima de maior parte das aldeias que ali existem, facilitando sua manutenção e apropriação por parte dos habitantes das mesmas. A área é ampla e apresenta topografia favorável para construção da arquitetura e trabalho do paisagismo, além do fato de que a própria paisagem natural ajudará a compor o cenário.

No que se diz respeito à legislação de Aracruz, a região na qual o terreno se localiza não está designada como zona urbana edificável, sendo identificada no mapa como reserva indígena. Portanto, para esse cenário foi adotada a legislação vigente do plano diretor de Aracruz (atualizado em 05 de outubro de 2020) para a ZHI - Zona de Interesse Histórico, refletindo nos coeficientes construtivos do grupo 3 de apoio ao turismo, sendo assim, temos um coeficiente de aproveitamento (CA) máximo de 1,2, UMA taxa de ocupação (TO) máxima de 60%, taxa de ocupação mínima de 10%, gabarito de pavimentos limitado a 3, altura máxima da edificação não estipulada, afastamento frontal de 3 metros, lateral e fundos com 1,5 metros.

Figura 37: O terreno se localiza à direita da estrada de chão. Fonte: Google Street View.


Mapa 4: Mapa para análise do sítio. Fonte: Elaborado pelo autor


Mapa 5: Imagem aérea do terreno x entorno. Fonte: Google Maps.


5 - centro cultural ho

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De maneira geral, a concepção foi pensada de modo a empregar materiais orgânicos e técnicas vernaculares desenvolvidas por ascendentes diretos da população indígena, os asiáticos. Realizou-se um estudo referente a essas tipologias construtivas, na qual se notou certa semelhança com as técnicas construtivas produzida pelas populações indígenas estudadas, como por exemplo, a utilização de galhos e folhas, ressaltando a utilização em massa do bambu por parte dos asiáticos, conforme afirma Roberval Padovan (2010) em seu trabalho de conclusão de curso. Observou-se que os asiáticos utilizam em suas coberturas a mesma técnica utilizada pelos indígenas, referente a realização de amarrações dos tufos de capim nas ripas para revestimento das coberturas. Conforme mencionado no capítulo 2, a conexão ancestral da população indígena com a asiática é muito estreita, fato que justificou e estimulou pensar como teria sido o avanço das técnicas construtivas da população indígena, caso a mesma não tivesse sido perseguida e dizimada pelos colonizadores. O centro cultural HO ou RÓ - palavra que surge no dialeto xavante, cuja tradução significa “tudo” ou “mundo”-, nasceu com a ideia da síntese cultural das etnias indígenas, a fim de proporcionar um macro entendimento dos conceitos observados nos estudos feitos. A morfologia matriz, de onde todo o restante derivou, teve como fruto a planta baixa geral do espaço em formato semicircular, ou como menciona Weimer (2005) para descrever a disposição espacial das aldeias Jês, “ferradura”. No entanto, contrário à solução espacial desta etnia, que se organizava em aldeias, propriamente dito, foi adotado a solução das Casas-aldeia, como pudemos observar, por exemplo, com os Marubos. O pátio central descoberto foi outro ponto marcante nesta proposta de edificação,

Figura 38: Aldo’s Kitchen. Fonte: IBUKU em Bali, Indonesia.

Figura 39: Sangkep. Fonte: IBUKU, Indonesia.

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Mapa 06: Mapa de implantação do centro cultural Ho. Fonte: Produzido pelo autor.

tendo como cargo principal um paisagismo exuberante e a fogueira para os rituais das tribos. Contudo, não somente no pátio central descoberto o paisagismo foi evidenciado, o mesmo foi distribuído ao longo de toda a edificação, no intuito de reforçar o pertencimento à natureza e integração. Assim como a morfologia matriz da planta baixa foi inspirada em soluções adotadas por algumas etnias, com a disposição dos espaços e salas internas não foi diferente, ao canto esquerdo, foi realizada uma disposição se assemelhando aos tupis-guaranis, onde as edificações eram distribuídas de forma a tornar um pátio interno, nestas salas foram concentrados os espaços administrativos e educacionais, entretanto foram pensados de forma a servir como espaços multiuso atendendo as demandas das populações indígenas remanescentes em Aracruz de uma maneira geral, contemplando uma sala destinada ao Cacique, que poderia ser utilizada pelo Cacique responsável por ministrar eventos e/ou reuniões de qualquer tribo, o programa contempla também uma sala de apoio à equipe administrativa que, no caso, seria o grupo de pessoas engajadas na organização das atividades ali desenvolvidas. As salas multiuso foram pensadas para comportar pequenas turmas de ensino, este ensino poderia ser entre todas as faixas etárias, desde a educação das crianças, até os mais adultos; também foi pensado para que servisse de auditório para palestras culturais. Vale ressaltar que se organizadas em fileiras a sala chega a comportar 20 cadeiras, entretanto, a escolha para organização espacial seria de forma livre, podendo se reunirem em círculos, ou até mesmo sentados no chão em almofadas. O depósito de materiais foi pensado para que comportasse o possível material didático apresentado, mas também devendo

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abrigar colchões e sacos de dormir, para que caso houvesse algum período de dificuldade, as tribos pudessem se alojar ali, seja nas salas multiuso, seja no salão de eventos sazonais; vale ressaltar que os banheiros -feminino e masculino- contemplam chuveiros para que possam suprir essa eventual necessidade dos mesmos. O salão de artesanatos foi outro ponto forte na concepção desta edificação, motivado pela diversidade artística e cultural desenvolvida por essas etnias, nele seriam expostas todo e qualquer tipo de arte indígena produzida, sendo também, um dos pontos mais relevantes para captação de renda; para isso, foi pensado em nichos, inspirados nos biombos de folha de palmeira trançada, como menciona Weimer (2005) e Costa & Malhano (1978) de maneira a formar corredores de exposição, podendo, eventualmente serem realizados layouts livres e naturais para demonstração. Para acompanhar os nichos de biombos, esteiras de palha foram colocadas no chão de forma a marcar as exposições. Ao lado do salão de artesanatos, foi inserido um refeitório com o intuito de suportar tanto os eventos sazonais quanto às necessidades cotidianas de alimentação das aldeias que ali residirem, a edificação de apoio às essas necessidades contém um depósito de alimentos anexado uma cozinha, uma área de serviço à frente do depósito de lixos, dois banheiros acessíveis e um espaço para fogão a lenha. O fogão a lenha, sendo uma realidade já utilizada pelas aldeias se localiza próximo ao espaço dos assentos e mesas para alimentação, no qual, foi pensado de forma a comportar uma alimentação coletiva, hábito que já ocorre de maneira natural entre os integrantes das aldeias. Aliado às mesas, possui, na ponta direita da planta baixa geral, um espaço para redes, elemento que se faz presente na grande maioria da literatura que se

têm sobre as comunidades indígenas, além de ser reproduzida em massa na sociedade contemporânea. E por fim, e não menos importante, a guarita para vigia localizada logo na entrada da edificação principal, edificação de apoio que surgiu com o relato do Cacique Pedro devido aos invasores que realizavam furtos de seus artefatos. A base de concreto da edificação, feita com fundação radier positiva, que se fez necessária devido à quantidade de matéria orgânica envolvida nas estruturas e vedações do projeto; os compostos inorgânicos do concreto funcionam como barreira para que nenhuma forma de vida indesejada penetre facilmente nas edificações, além disso, a fundação foi revestida em sua unanimidade com poliuretano líquido de cimento queimado da suvinil, para facilitar a limpeza e reforçar a sua impermeabilização. Para a vedação da grande maioria das paredes dos espaços internos foi utilizado a técnica da taipa de pilão moldado in loco, sendo revestidas em sua face externa com bambus seccionados ao meio, salvo as paredes que se fizeram necessário a prumada de tubulações, onde foi utilizado vedações em alvenaria cerâmica também revestidas externamente. Foi adotado como partido projetual a vedação superior de todas as edificações internas com lajes impermeabilizadas apoiadas e moldadas in loco, devido aos fatores de isolamento acústico e proteção contra animais e insetos indesejados, tendo também sua forração interna com bambu; estas também servirão de apoio para as caixas d’águas localizadas em cima do banheiro e da cozinha. No subterrâneo, próximo à cozinha estará localizada duas cisternas para armazenamento de água, uma para o retorno do espelho d’água e outra para o abastecimento do estabelecimento, sendo a cisterna de bombeamento do espelho d’água abastecida pelo lago

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Figura 40: Planta baixa geral do centro cultural Ho. Fonte: Produzido pelo autor.

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atrás do terreno (mapa 05). A respeito da iluminação, esta foi pensada de modo a manter o caráter estético e unidade de composição da edificação, onde, nos locais que se fez necessário uma iluminação difusa foi utilizado um bambu com cerca de 1,5m de comprimento contendo lâmpadas tubulares, e nos locais onde se fez necessário iluminações cênicas também foi utilizado bambus cortados, no entanto, com tamanho de cerca de 40cm e pendentes, contendo lâmpadas bulbo e acabamento com corda. Para a iluminação do caminho de entrada, foi utilizado spots de piso rentes ao guarda-corpo de bambu, no intuito de não ofuscar o espaço para trânsito dos usuários; para o paisagismo, de maneira geral, foi utilizado espetos de jardim para as vegetações arbustivas e spots de piso para iluminação da copa das árvores de grandes porte, tendo como unanimidade a temperatura de 4200k (branco quente). As espécies ornamentais escolhidas para a composição do paisagismo externo a edificação consistem em: Cocos nucifera, Syagrus romanzoffiana, Philoden-

Figura 41: A esquerda o bambu inteiro, ao centro as seções, a direita os feixes. Fonte: Bamboou

dron Ondulatum, Philodendron martiaum, Colocasia gigantea, Estrelitzia Reginae, Musa Ornata e Ravenala madagascariensis,

já para a parte interna da

edificação foram escolhidas as: Davallia fejeensis, Asplenium nidus, Cyclanthus bipartitus, Polypodium persicifolium, Calathea zebrina, Calathea ornata, Calathea picturata Argentea e Ctenanthe setosa.

A cobertura geral da edificação principal foi inspirada no mesmo elemento que aparece de maneira unânime nas coberturas indígenas estudadas, a folha. Partindo do princípio da folha, três delas foram repousadas sobre a parte administrativa/educacional e o salão de artesanatos, a quarta folha foi posicionada no refeitório e local de recreação; com o intuito de sustentar a morfologia desta

Figura 42: Exemplo de curvatura do bambu sustentada pelas amarrações alternadas. Fonte: Bamboou.

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Figura 43: Exemplo de treliça auto portante com cabo de aço. Fonte: Bambutec.

Figura 43: Treliça perfeitamente executada. Fonte: Bambutec.

cobertura foi utilizado o bambu por toda ela. Para entender como funciona a estrutura das coberturas em bambu, primeiro é necessário entender que, atualmente a construção de bambu possui diversas vertentes, entretanto, em sua maioria, a utilização do bambu se dá, de maneira estrutural, sendo este quando a própria cobertura é a estrutura da mesma (solução que já era adotada, por exemplo, pelos tupis-guaranis e pelos jês), que consiste, basicamente, na armação de diversos arcos com varas flexionadas e fincadas no chão (figura 39); ou as estruturas em bambu funcionam de maneira auto-portante, ou seja, as coberturas se mantêm estruturadas independentemente dos pilares, sendo estes usados apenas para fixar a cobertura na altura desejada, como é o caso da proposta feita para o centro cultural e também no anfiteatro realizado pela Bambutec (figura 43). Após entender as filosofias da estrutura de bambu se faz necessário entender como elas são executadas e quais técnicas são utilizadas para permitir exuberantes formas orgânicas e nada convencionais. O bambu foi popularmente difundido na construção vernacular pelas suas excelentes propriedades de resistência aos momentos e pela versatilidade de uso, o bambu inteiro, aquele que foi utilizado à sua maneira como encontrado na natureza e feito o devido tratamento, possui certa flexibilidade, entretanto, sua propriedade mais admirada na construção com bambu é a excelente capacidade de suportar cargas e resistir aos ventos e desaprumos. Já as seções (figura 41), funcionam com outras propriedades, esta técnica de utilização do bambu consiste na divisão do bambu em diversas seções de forma a diminuir a área de rigidez do bambu, permitindo assim, uma flexibilidade muito maior, e por último, temos os feixes (figura 41); estes são derivados das

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COBERTURA EM PIAÇAVA RIPAS PARA AMARRAÇÃO MANTA IMPERMEABILIZANTE ESTEIRA DE BAMBU PARA ACABAMENTO TERÇAS E CAIBROS DE BAMBU SUSTENTADOS PELOS PILARES CILÍNDRICOS

Figura 44: Vista explodida para explicação da cobertura. Fonte: Elaborado pelo autor.

Figura 45: Corte da edificação. É possivel através deste notar a treliça acompanhando a curvatura da casca Fonte: Elaborado pelo autor.

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seções e possuem uma propriedade de flexão muito maior do que as outras opções. Vale ressaltar que todas essas opções possuem altíssima resistência à flexão, entretanto, quanto menor a área de influência do bambu, mais flexível ele será. As seções e os feixes obrigatoriamente são utilizados de maneira conjunta, ou seja, necessariamente elas são amarradas em emaranhados, à título de melhorar sua resistência aos momentos, já o bambu inteiro, não possui essa necessidade exclusiva, embora o bambu em sua forma original seja sim fixado à outros quando os arcos estruturais devem vencer vãos bem maiores e com maiores cargas. Outra técnica muito utilizada, tanto no bambu em sua forma inteira, quanto nas seções e nos feixes, são as amarrações contrárias (figura 42), estas amarrações são feitas de maneira consecutiva e alternadas, de modo a sustentar o arco em sua forma flexionada. Uma técnica bem peculiar, que foi utilizado no projeto do centro cultural para sustentar a curvatura das coberturas de maneira auto portante se trata de uma técnica confeccionada por um estúdio brasileiro chamado Bambutec, este estúdio desenvolveu uma treliça feita em bambu com auxílio de cabos de aço de forma a sustentar a curvatura da cobertura do seu projeto de maneira auto-portante, como podemos observar a figura 43 e 44. Quanto às junções dos bambus, estas já são mais difundidas na construção com bambu comparado às técnicas apresentadas anteriormente para realização de formas livres não convencionais, tendo em vista que a construção com bambu já ocorre há milênios, sendo estas feitas com cortes específicos no bambu e auxílio de elementos metálicos, como ganchos e parafusos para realizar os encaixes e/ou anexar um bambu ao outro (anteriormente com amarra-

Figura 46: Exemplos de corte de encaixe para o bambu. Fonte: Pequeño Manual de La Guadua

Figura 47: Exemplo projeção de gancho e parafuso. É possível notar também neste exemplo a projeção de um pedaço maciço de madeira para melhorar a fixação. Fonte: Archdaily

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ções), como podemos observar nas figuras 46 e 47; para auxiliar na propriedade mecânica das junções a grande maioria acompanha com pedaços maciços de madeira ou até mesmo outro bambu com uma bitola inferior. Agora que brevemente conceituados a respeito das técnicas construtivas do bambu podemos prosseguir com a explicação da cobertura projetada para o centro cultural. Como mencionado anteriormente possuímos quatro coberturas morfologicamente semelhantes à folhas; as três folhas repousadas sobre ao salão de artesanatos funcionam de maneira idêntica, diferindo apenas no tamanho delas; a cobertura central tem um tamanho consideravelmente maior no intuito de sustentar o conceito proposto e evidenciar a entrada do monumento, as duas coberturas adjacentes foram, além de colocadas no mesmo nível tiveram um tamanho reduzido para auxiliar na enfatização da cobertura maior; estas coberturas possuem, como “terça de cumeeira” (analogia com telhado convencional para facilitar o entendimento) a treliça de bambu à maneira como foi demonstrado estúdio bambutec, a partir desta treliça central foi feito uma ramificação com “caibros” levemente flexionados para baixo com o auxílio das amarrações alternadas; foi utilizado “caibros” de tamanhos diferentes, maiores ao centro da cobertura e diminuindo gradativamente quando próximos às extremidades de maneira a flexionar os “frechais” proporcionando uma estrutura crua morfologicamente semelhante à uma folha, seguidos de “vigas” perpendiculares para o suporte dos momentos nos “caibros” e proporcionar uma estrutura auto portante elevada (Figura 49). Após a realização da estrutura da cobertura principal foi utilizado esteiras de palha emendadas por toda extensão pregadas sobre os “caibros” para realizar o acabamento inferior e estético para o usuário; acima das esteiras de palha

foi utilizado uma lona ou manta impermeabilizante a título de segurança quanto à entrada de umidade no estabelecimento, após a manta impermeabilizante foi pregado as ripas nos caibros revestidas com tufos de capim santa fé ou piaçava, de forma a gerar a sobreposição de camadas e reforçar a impermeabilização; por fim, os bambus foram fixados com cortes boca de pescado (figura 46) e parafusados com ganchos e parafusos conforme a figura 47, tendo em seu interior um pedaço de madeira maciça para melhorar as propriedades de fixação. Sendo o esquema anterior a lógica de construção das três coberturas semelhantes, com a quarta cobertura ocorreu de maneira mais simples; tanto os “frexais” quanto a “terça de cumeeira” foram feitos com um emaranhado de feixes utilizado pela admirável flexibilidade e resistência que esta técnica possui, adendo ao fato de que seria perfeitamente executável conforme foi concebido o estudo preliminar, partindo da “terça de cumeeira” foi ramificado os “caibros” com o bambu inteiro; após a execução dos “caibros” foi seguido à mesma maneira das outras coberturas; uma “viga” perpendicular aos caibros para sustentação seguido com esteiras de palha pregadas, manta impermeabilizante e, por fim, foi pregado as ripas com emaranhados de capim santa fé ou piaçava. O fato das coberturas funcionarem de maneira auto portante não as insenta da utilização de pilares, sendo assim, os mesmos foram distribuidos de forma estratégica no intuito de suportar tanto as “terças” e “frexais” quanto os “caibros”; estes pilares serão estaqueados in loco dentro de cilindros moldados com concreto armado, no intuito de melhorar suas propriedades de fixação e proteger da ação da matéria orgânica.

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Figura 48: Fachada principal do centro cultural Ho, nesta imagem é possível observar o escalonamento das coberturas, o paisagismo geral e iluminação de entrada. Fonte: Elaborado pelo autor.

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Figura 49: Paisagismo central do pátio de exposição dos artesanatos, a esquerda podemos ver as salas multi uso, a direita podemos ver os biombos e as coberturas com iluminação tubular encasulada no bambu. Fonte: Elaborado pelo autor.

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Figura 50: Refeitório da edificação, neste podemos observar ao fundo o fogão a lenha com churrasqueira e as luminárias pendentes com lâmpada bulbo. Fonte: Elaborado pelo autor.

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Figura 50: Espaço das redes. Nesta imagem fica extremamente claro quando mencionado no texto as vigas perpendiculares na cobertura para sustento. Fonte: Elaborado pelo autor.

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Figura 51: Exemplo do interior de uma sala multi uso onde a taipa ficaria aparente. O interior de todos os módulos internos terá estética semelhante Fonte: Elaborado pelo autor.

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Figura 52: Fachada dos fundos onde é possível visualizar a edificação no geral com seu paisagismo e fogueira ao ar livre para rituais Fonte: Elaborado pelo autor.

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6 - considerações finais


Tendo em vista as análises realizadas nesta monografia, considerando o objetivo adotado para inspiração e início da elaboração da proposta projetual pode-se concluir que atualmente a população indígena remanescente busca fortemente reforçar os traços de seus antepassados inclusive e principalmente na arquitetura, como pudemos observar no capítulo 3 do estudo de caso da aldeia piraquêaçu, onde foi possível identificar morfologias arquitetônicas que se identificam fielmente com os estudos sobre seus antepassados. No entanto, olhando por outro lado, pode-se identificar um desejo profundo de inovação em sua construção, seja pela implementação de banheiros ou pela edificação escalonada construída pelos mesmos (figura 25), que não foi encontrada em nenhuma literatura. Nota-se um grande esforço dessa população em manter suas raízes adaptando-se quando necessário, o que levou a concluir que a utilização de técnicas contemporâneas para implementação do bambu seria de fácil aceitação. É impossível negar que a influência do colonizador no modo de habitar indígena foi de extremo impacto e conflito cultural, fazendo o mesmo por a teste seus

valores e crenças ao invés de seguir o fluxo natural de seu desenvolvimento como civilização. O fato é que os dados a respeito da população indígena foram cruelmente apagados em sua grande maioria, nos levando a crer que uma ampla análise desta população, correlacionando com a sua trajetória como ser humano no globo terrestre se fez mais coerente o apoio no referencial histórico dos asiáticos. O centro cultural Ho de início foi concebido no intuito de levar estas informações com extremo valor a população brasileira interessada em resgatar suas raízes, de modo a refletir como toda a nossa estrutura acadêmica -desde o fundamental ao superior- é tendenciada a categorizar esta admirável população como seres inferiores, não civilizados, e sem valor cultural suficiente para serem aprofundados e incorporados na nossa estrutura social. Os mais sinceros agradecimentos a todos que perderam um tempo de sua vida para dar uma chance às intenções e perspectivas propostas nesta monografia; este trabalho se trata apenas de uma inspiração... Para um grande passo.


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Habitação indígena brasileira - Costa e Malhano

https://www.historiadobrasil.net/indiosdobrasil/#:~:text=%2D%20Diversos%20 povos%20ind%C3%ADgenas%20habitavam%20o,da%20ca%C3%A7a%2C%20 pesca%20e%20agricultura.&text=Os%20rios%2C%20%C3%A1rvores%2C%20 animais%2C,para%20a%20vida%20destes%20%C3%ADndios.

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https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/165714/1/26392.pdf

https://www.vivadecora.com.br/pro/arquitetura/taipa/#:~:text=Qual%20 a%20origem%20da%20taipa,muito%20antes%20da%20coloniza%C3%A7%C3%A3o%20europeia.

Trabalho de conclusão de curso: O bambu na arquitetura, por Roberval Bráz Padovan

Dossiê super interessante - Os primeiros brasileiros (Abril, 2020)

http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas

Livro Arquitetura popular brasileira de Gunter Weimer

Livro Viagem ao Brasil de Hans Staden

https://www.blogdobg.com.br/aborigenes-australianos-os-verdadeiros-descobridores-do-brasil/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Panos

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http://arquitetofala.blogspot.com/2011/12/arquitetura-indigena-no-brasil.html

https://pt.slideshare.net/liladonato/sistemas-construtivos-tradicionais-no-brasil-

-arquitetura-indgena


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