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neral Franco estava no comando da nação. E a prova dessa lembrança perene é o filme de Benito Zambrano, ‘LA VOZ DORMIDA’ (2011). A obra, em questão, levou 3 Goyas, e é considerada uma denúncia sobre as atrocidades cometidas por um regime totalitário que chegou ao poder com a ajuda do movimento ultra direitista da Falange Espanhola, das forças militares da Alemanha nazista e da Itália fascista (que buscavam evitar o avanço e a consolidação das ideias comunistas/socialistas). Sob as bênçãos da Igreja Católica que temia as aspirações laicas da esquerda republicana, o modelo de governo adotado por Franco se centrava em um nacionalismo extremo, capaz de aniquilar seu próprio povo em nome do Estado. Mesmo após o fim dessa sangrenta guerra ainda existiam focos da resistência republicana no país, como se denota no realismo fantástico do filme ‘El LABERINTO DEL FAUNO’ (já comentado no CONTRAPONTO, dia 06 – 12.11. deste ano). A diferença entre esses dois trabalhos está, todavia, no grau de agressividade e parcialidade com que os diretores tratam desse conturbado período. Valendo observar que, a ‘LA VOZ DORMIDA’ não tem a pretensão de ser um documentário até porque sua atenção está voltada, essencialmente, às conseqüências da guerra civil no mundo feminino. É com base nesse argumento que se desenrola, desde as primeiras cenas, um forte drama, vivido por duas irmãs, interpretado pelas talentosas Maria Léon (vencedora de um Goya) e Inma Cuesta. Separadas pelas grades de um cárcere, essas personagens são responsáveis pelos poucos momentos de trégua advindos da escassa oportunidade de comunicação nos dias de visita. Claro que

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| Janeiro/Fevereiro/2016

a película também conta com um romance subjacente. Mas, definitivamente, essa tímida estória de amor não consegue ofuscar a trama principal. A dramaticidade sem tréguas atinge, várias vezes, seu ápice. Sobretudo, quando a Igreja Católica se revela coadjuvante ou mesmo protagonista da violência. Isso porque ao invés da Igreja levar conforto espiritual às prisioneiras, ela passa a assumir, em pleno século XX, uma postura, nitidamente, inquisitória. Valendo como agravante o fato de que, em tal caso, o clero não atuou na defesa de seus princípios ou dogmas, mas, a serviço da ditadura franquista. Tal postura, aliás, fica evidente na cena em que as prisioneiras são obrigadas a beijar um boneco de gesso que representaria o menino Jesus. E, como nenhum boneco suporta tanta idolatria forçada, o pobre artefato acaba estilhaçado no chão. Incidente que, considerando a posterior explosão de fanatismo da madre superior, faz com que as carcerárias franquistas pareçam senhoras extremamente dóceis. A obra cinematográfica, em apreço, se junta ao rol dos trabalhos que, em verdade, dispensam maiores interpretações, por abordar uma realidade fática. As maiores vítimas de uma guerra são sempre seus sobreviventes a quem a vida além de incumbir a árdua tarefa de recolher os destroços e enterrar os mortos, impõe a dor das memórias e das ausências. O ‘homem pálido’ que necessita da ajuda de suas próprias mãos para enxergar, parece insinuar que a força do labor manual deve se vincular ao cérebro. Sem falar que, essa mesma criatura funciona como uma clara advertência de respeito à propriedade privada. E, ao abordar proibições e transgressões,

del Toro aproveita a deixa para também fazer referência à temas bíblicos como: expulsão do paraíso, pecados capitais, etc. O mundo místico e o real se aproximam conforme o avançar da trama. E nesse sentido, a cena mais marcante é aquela em que uma mandrágora (planta que, segundo crença popular anseia ser homem e chora quando maltratada) se comunica com o irmão de Ofélia ainda no ventre de sua mãe. Valendo frisar que o rompimento dessa ligação equivaleria, por sua vez, a cisão entre esses dois mundos. Não obstante suas diferenças os dois mencionados universos comungam do raciocínio de que as hierarquias devem ser observadas e seguidas. E, como prova dessa postura, vê-se que, tanto o padrasto quanto o Fauno exigem obediência. Mas, como a obediência cega não faz parte de seu espírito, Ofélia se sacrifica no lugar do irmão recém-nascido, sendo tal desobediência, excepcionalmente, aceita no mundo mágico que a eleva ao status de princesa. O filme peca quando no mundo real, em um momento de romantismo cheguevariano, o cineasta se distancia da realidade e finaliza a obra com a derrota do exército franquista. Tamanho devaneio, provavelmente baseado em um ‘wishful thinking’,não ocorre com ‘LA VOZ DORMIDA’ (Benito Zambrano, 2011), filme espanhol que, utiliza como pano de fundo o mesmo período. De fato, a ausência de conciliação entre as forças republicanas e franquistas é outro ponto em comum entre essas duas películas. E, apesar de desgastado pelo tempo, esse legado de desacordo, ainda hoje parece ganhar corpo nas manifestações separatistas que eclodem nesse país. g


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