REVISTA

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mes como o de Miguel Guilherme, seguramente uma das mais expressivas vozes da inteligência plástica nordestina a emergir criativamente nos anos 1920 e a se firmar a partir de 1930 quando das mudanças revoucionárias. O paraibano de Sumé, no Cariri paraibano, foi fotógrafo, pintor, escultor, designer, frasista, contista, poeta e cenógrafo. Neste 2015, se completam 20 anos desde a sua morte ocorrida em julho de 1995, período em que pouco se disse a respeito da representatividade de uma obra que se espalhou na região por força da estilística da arte sacra popular que ele praticou, aplicando pinturas em igrejas e capelas de propriedade particular de Sumé, Monteiro, Campina Grande e também em Pernambuco. A última referência institucional específica capaz de dimensionar o talento e a contribuição do artista autodidata, nascido em 1902, e que fabricava em seu ateliê os próprios pincéis e tintas que utilizava, foi de responsabilidade do Museu de Arte Popular da Paraíba, de Campina Grande. Em 1984, a instituição apresentou um catálogo do artista de Sumé, além de integrar algumas de suas obras ao acervo da entidade. Em agosto de 2007, A União Superintendência de Imprensa e Editora imprimiu

o volume «Miguel Guilherme Vive», de autoria de Jacquelline Oliveira e Zito Júnior. Nesse livro de 86 páginas, além de esboços inéditos e reproduções de quadros, há também aforismos, poemas, pequenos «causos» e um conto. Entre as referências esparsas da imprensa estadual, estão as reportagens de 2012, quando das comemorações dos 110 anos de nascimento do artista. Hilton Gouveia assinou para A União um perfil que incluiu também a presença do acervo do artista no Cariri. A propósito do seu engajamento criativo, afirma o próprio Guilherme num poema: «Não sou pintor, nem escultor/nem músico, muito menos poeta/ou escritor sou artista». Multiartista sobre quem eu diria ser um esteta, na perspectiva do que afirma José Rafael de Menezes, em «Três estetas paraibanos»: «O esteta persevera disponível, inquieto e franqueado, em superação dos gêneros. E no entanto é o amadurecido intelectual que tolera e se autolimita, que crê e respeita a dúvida. Um ecumênico e não um ortodoxo». Considero redutor o procedimento acadêmico que limita a expressividade do artista ao gênero naïf, ou primitivo. É ver-

dade que Miguel Guilherme não domina as técnicas acadêmicas, mas não é correto circunscrevê-lo àquela tradição que se caracteriza por densidade psicológica específica, necessidade mínima de múltiplos conteúdos narrativos e pela deficiência na aplicação das cores na dimensão dos classicismos. Há quadros de grande resolutividade quanto às tensões naturalistas-realistas da imagem pictórica na obra do artista de Sumé, a abundância da perspectiva mostra o poder de sua intuição e o ímpeto do observador atento, além da diversidade temática que inclui da cena bucólica naturalista, passando pelo realismo da seca à inventividade do logotipo. Do fotógrafo que se fez referência no Cariri à mesma época em que o meticuloso trabalho artístico de nomes a exemplo de Pedro Tavares e Walfredo Rodrigues explodia no contexto da emergente modernidade urbanística, ao frasista de escopo existencialista - «Se não podermos acrescentar anos à nossa vida, pelo menos vida a nossos anos» - Miguel Guilherme deixa uma obra consistente dentro dos limites do tempo em que viveu e das condições materiais que lhes foram possíveis. Mas, principalmente, deixa uma obra autêntica. g

ARTIGO

O PONTO DE EQUILÍBRIO Alessandra Torres “A pressa é inimiga da perfeição”. Quem nunca ouviu ou constatou que esse famoso ditado popular é completamente verdade? Nenhuma ação apressada, ou quase nenhuma, resulta em bons frutos, muito menos nos mais esperados. Entretanto, hoje, o mundo é da pressa. As pessoas estão mais agitadas, numa correria excessiva e conviver com essa realidade é o dilema de muitos, inclusive o meu. Algumas culturas e a maioria das religiões nos ensinam a sobreviver a todo esse estado de que tudo é para ontem, emprestando sabedoria e o exercício da paciência, mas na prática, há o contrário. Até os momentos de felicidades não são aproveitados em todas as suas minúcias e passemos por ele como locomotivas em busca sempre de algo a mais e o pior é que, muitas vezes, nem percebemos. No trânsito sempre é possível observar uma pressa além do normal, resultando em conflitos, estresse e mortes, muitas mortes

precoces. Só não consigo compreender porque a pressa do outro é maior do que a minha ou vice-versa? E não é, são absolutamente iguais porque o mundo e, até a maior parte dos problemas, também! E eis aí desafio. Os indianos acreditam que a vida acontece em ciclos e o que está ruim, causa aflição ou dor, passará. Isso não significa ficar aguardando o andamento sem agir, representa encontrar um ponto de equilíbrio para compreender que tudo, até a tristeza, a decepção e a dor fazem parte da mesma vida em igual importância para amadurecer e saborear melhor as vitórias, a alegria e os instantes de “nadismo” com prazer. Para encontrar esse entendimento e conviver com a realidade temos que deixar de lado, primeiramente, o egoísmo de achar que só nosso problema é importante e partir para uma convivência harmoniosa com tudo que a vida nos apresenta, sendo agente, mas aceitando e aguardando o movimento da evolução da humanidade.

Algumas pessoas conseguem esse tão almejado estado dedicando-se aos outros, à literatura, à família, procurando seu próprio oceano azul, encontrando uma forma, não de se isolar, mas de viver em sociedade e contribuir. E foi isso que realizou o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Dr. Flávio Sátiro, com a revista Genius, contribuindo para a cultura, para a história de maneira educativa e culta, preservando a memória de fatos e pessoas importantes não apenas para a Paraíba, como também para o mundo, sendo um exemplo para seguir e aplaudir. Dr. Flávio Sátiro, com sabedoria e bondade, encontrou um modo de conviver e contribuir com a humanidade, buscando paz interior para viver nesse mundo da pressa, sem esquecer também do próximo. g

(Transcrito do Jornal CORREIO DA PARAÍBA, edição de 22/03/2015)

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