Trabalho de Projecto

Page 1

Revista trimestral | n.ยบ 76 Janeiro/Marรงo 2009 | e 3,00 (Isento de IVA)

Dossier

O trabalho de projecto Entrevista

Mรกrio Andrea A festa da voz



Sumário Ficha Técnica Directora Maria Emília Brederode Santos Editora Teresa Fonseca Produtor Rui Seguro Redacção Elsa de Barros Secretariado de redacção Carla Delfino Colaboradores permanentes Carlos Batalha, Dora Santos, Teresa Gaspar Colaboram neste número Ana Maria Bettencourt, Ana Roque, Domingues Morais, Escola de Comércio de Lisboa, Filomena Matos, Graça Lobo, José Manuel Nunes de Oliveira, José Moura de Carvalho, Lourdes Fragateiro, Maria Armandina Soares, Natália Pais, Prevenção Rodoviária Portuguesa, Teresa Calçada Revisão António Simões do Paço (Neograf) Fotografia Ana Maria Bettencourt, Carlos Silva, Jorge Padeiro, Pedro Zenkl, Prevenção Rodoviária Portuguesa Ilustração e capa Margarida Moreira, Carla Pott Destacável Serviço Pedagógico Águas Livres Ilustrações de Planeta Tangerina Projecto gráfico Entusiasmo Media/White Rabbit Paginação Atelier Gráficos à Lapa Rua S. Domingos à Lapa, n.º 6 1200-835 Lisboa Impressão Editorial do Ministério da Educação Estrada de Mem Martins, nº 4 – S. Carlos Apartado 113 – 2726-901 Mem Martins Distribuição CTT – Correios Rua de São José, nº 10 1166-001 LISBOA Tiragem 12 500 Periodicidade Trimestral Depósito legal N.º 41105/90 ISSN 0871-6714 Propriedade Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular Av. 24 de Julho, n.º 140 1399-025 Lisboa Preço e 3 (Isento de IVA) Isento de registo ao abrigo do Decreto Regulamentar 8/99 de 9/6 antigo 12º, n.º 1B As opiniões expressas nesta publicação são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente a orientação do Ministério da Educação.

Revista Noesis Redacção Av. 5 de Outubro n.º 107 – 8.º 1069-018 Lisboa Telefone 217 811 600 ext - 2839 Fax 217 811 863 revistanoesis@sg.min-edu.pt

05 Editorial

APRENDER COMO AVENTURA Maria Emília Brederode Santos

06 Notícias... entre nós 09 Notícias... além fronteiras 10 Diário de um professor Lourdes Fragateiro

Para Lourdes Fragateiro, professora e coordenadora da Escola EB1 de S. José, em Lisboa, integrar os alunos na turma requer dar atenção a cada um.

14 Lá fora

Educação para a Inclusão: o caminho do futuro Teresa Gaspar

Dá-se conta das recomendações da 48ª sessão da Conferência Internacional de Educação, organizada pelo Bureau International d’Éducation da UNESCO, sobre as condições necessárias a uma educação inclusiva de qualidade.

16 Entrevista a Mário Andrea

A sua voz é importantíssima, goste dela! Teresa Fonseca

Dar voz à Voz tem sido um dos lemas da vida de Mário Andrea. Como grande impulsionador do Dia Mundial da Voz, tem-se empenhado em que este, à semelhança do que já acontece em Portugal, passe também a ter expressão nas escolas a nível mundial.

22 Opinião

As actividades de enriquecimento curricular Domingos Morais

Ensino artístico... obrigatório? Defende-se a integração da educação artística no tempo curricular, a cargo do professor da turma, com ou sem apoio de professores especializados e um programa de enriquecimento curricular que leve os artistas às escolas.

24 Dossier – Aprender como Aventura

O Trabalho de Projecto Neste Dossier apresentam-se as características do Trabalho de Projecto, descrevem-se experiências em escolas, identificam-se as fases por que deve passar e reflecte-se sobre as condições para o seu êxito.


04 05 Sumário

50 Reflexão e acção

Em busca do segredo finlandês Ana Maria Bettencourt, Maria Armandina Soares, Maria Emília Brederode Santos

Se a escola não começa cedo, as crianças não passam lá mais tempo do que as nossas, não há muitos exames, nem repetências, nem sequer vias diferentes antes do 10.o ano, como consegue a Finlândia ter os melhores resultados nos testes internacionais de desempenho escolar?

56 Meios e materiais 60 Visita de estudo

E não há estrelas no céu… Teresa Fonseca

O Centro de Ciência Viva de Constância dinamiza visitas de estudo, que funcionam como espaço e tempo dedicados à aprendizagem dos fenómenos astronómicos, procurando dar resposta à curiosidade dos visitantes, amadores dessa tarefa de observar os céus.

64 Campanha de sensibilização Segurança das crianças e jovens no trânsito Prevenção Rodoviária Portuguesa

A escola tem um papel insubstituível na educação rodoviária.

66 Com olhos de ver

O vitrinismo, uma ferramenta da actividade comercial Escola de Comércio de Lisboa

A imagem de uma montra serve de ponto de partida para uma reflexão sobre o discurso com o qual a montra interage com o observador.

Destacável

A ÁGUA É UM TESOURO Serviço Pedagógico Águas Livres

Apresenta um conjunto de actividades destinadas aos 1.o e 2.o ciclos do ensino básico, que visam um melhor conhecimento e um maior respeito pelo “Tesouro” que é hoje a água. ERRATA: Na Noesis n.o 75, pagina 13, incluímos fotos de dois alunos exprimindo-se em Língua Gestual Portuguesa (LGP). A tradução das frases está correcta, contudo não devíamos ter individualizado as legendas já que a ordem das palavras na frase em LGP pode ser diferente da ordem em Linguagem Portuguesa verbal.


Editorial

Aprender como Aventura O trabalho de projecto já surge na ficção juvenil: por exemplo, em O Pássaro de Fogo1, “tudo começou” com o “Projecto dos Idosos”, um projecto dos alunos de uma turma com os residentes da Casa de Repouso Mayfield tendo como objectivo “a partilha de experiências entre os novos e os velhos” e “fazer um trabalho que registe as coisas que descobrimos”. Assim se iniciou “um projecto que mudaria a minha vida para sempre”, conta o protagonista e narrador da história. Chasing Vermeer2 ainda é mais explícito: situa-se numa escola de 2.o e 3.o ciclos da University School, Universidade de Chicago, fundada há cerca de um século por John Dewey, que “acreditava no fazer, no trabalhar em projectos para aprender a pensar”. Esse é o contexto para uma história actual: a professora escreve no quadro uma frase-choque – “as cartas morreram”. Depois da discussão que suscita, pede aos alunos que procurem saber, junto de adultos, se alguma vez receberam uma carta que lhes mudasse a vida. E depois que lhe escrevam a ela uma carta que ela não seja capaz de esquecer. E resume assim o trabalho: “Primeiro descubram, depois façam. Quem sabe onde isto nos levará?” Leva-os de facto a uma aventura emocionante no mundo da história da arte, das falsas atribuições de autoria e dos roubos de quadros... com padrões e pentóminos pelo meio e reflexões sobre o acaso e as coincidências. Ficção juvenil que se passa numa escola é vulgar: desde o Céu Aberto e o Em Pleno Azul da Virgínia de Castro e Almeida ao Harry Potter actual, são sobretudo os colégios internos os contextos favoritos de qualquer romance para adolescentes. Mas aqui a aventura é desencadeada pelo próprio trabalho de projecto. E mesmo que na realidade não se descubram quadros roubados de Vermeer ou a capacidade de forjar o nosso próprio destino, qualquer trabalho de projecto pode e deve ser uma aventura – porque a pergunta que o orienta é aberta e verdadeira, a acção tão importante como a investigação para aprendizagens significativas e o final rico e imprevisto. No dossier deste número da Noesis, apresentam-se as características do Trabalho de Projecto, compara-se esta com outras abordagens próximas, descrevem-se experiências em escolas portuguesas, identificam-se as fases por que deve passar e reflecte-se sobre as condições para o seu êxito. Mas a melhor preparação não deve fazer esquecer que, acima de tudo, no Trabalho de Projecto, aprender torna-se uma aventura. É esse o seu traço essencial, o seu mérito, o seu encanto. Maria Emília Brederode Santos

1 2

SINGER, Nicky, O Pássaro de Fogo, Lx, Ed. Presença, 2003 BALLIETT, Blue, Chasing Vermeer, U.K., The Chicken House, 2005.


06 07 Notícias... entre nós

Concurso escolar Criatividade e Inovação

Recursos de Ciências on-line A página Ciências@TIC disponibiliza um con­junto de propostas e recursos para ser utilizado quer em contexto de sala de aula, quer a nível de Área de Projecto ou de clubes existentes nas escolas, com o principal objec­ tivo de apoiar a aprendizagem dos alu­nos em Ciências, a partir da exploração de recursos existentes na Internet. Criadas no âmbito do tema “Sustentabilidade no Planeta Terra”, estas propostas pretendem lançar desafios que coloquem os utilizadores numa posição activa em relação à construção do seu próprio conhecimento, na área das Ciências. Apesar de se tratar de um tema do currículo do 8.º ano de escolaridade, as propostas de actividades facilmente podem ser adaptadas a alunos de outros níveis de ensino. Este site pretende também promover a par­tilha e a troca de experiências entre pro­ fessores, incentivando a divulgação de pro­ jectos desenvolvidos na área das Ciências. :: Para mais informações, consultar http://ciencias.crie.fc.ul.pt

Com o tema Criatividade e Inovação através da Educação e da Cultura, o concurso escolar Criatividade e Inovação é promovido pelo Museu Nacional da Imprensa e destina-se a estudantes dos ensinos básico, secundário e superior, tendo como objectivo levar os jovens a reflectir sobre o impacto dos processos educativos e culturais nos campos da inovação e da criatividade. Os trabalhos, enviados até 7 de Abril, podem ser apresentados em qualquer suporte, desde o papel ao CD-ROM. Os prémios são constituídos por viagens, software educativo, livros e assinaturas de jornais, de acordo com as quatro categorias previstas no concurso: 1.º ciclo, 2.º e 3.º ciclos, ensino secundário e ensino superior. :: Para mais informações, contactar através do telefone 22 530 49 66 ou do e-mail mni@museudaimprensa.pt

Bibliotecas escolares em todas as escolas básicas Todas as escolas dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, escolas básicas integradas e sedes de agrupamento dispõem já de biblioteca integrada na Rede de Bibliotecas Escolares (RBE), desde o fim de 2008. As escolas secundárias, à medida que forem sendo intervencionadas no âmbito do Programa de Modernização das Escolas Secundárias, serão apetrechadas com bibliotecas de qualidade, que passarão a fazer parte da RBE. Uma vez que as sedes de agrupamento dispõem de bibliotecas capazes de servir a escola sede e de apoiar o desenvolvimento de bibliotecas e serviços de biblioteca nas escolas do 1.º ciclo, serão estas o alvo privilegiado da RBE no ano de 2009. Neste momento, em que já existem cerca de 900 bibliotecas em pleno funcionamento em escolas do 1.º ciclo, é a este nível de ensino que será dada maior atenção, incentivando o desenvolvimento de redes concelhias de bibliotecas, em articulação com as respectivas autarquias e bibliotecas públicas, para alargar de forma substancial esta rede. :: Teresa Calçada – Coordenadora da Rede de Bibliotecas Escolares

SELO EUROPEU 2009 ­– Multilinguismo, Criatividade e Inovação O Selo Europeu das Línguas é uma iniciativa da Europa comunitária para reconhecer abordagens criativas que melhoram a qualidade do ensino de línguas, motivam alunos e rentabilizam os recursos disponíveis. Os projectos de línguas devem ser fonte de inspiração para outros e apresentar conteúdos transferíveis. Podem envolver quaisquer línguas (europeias ou não, oficiais ou regionais). Os projectos são avaliados e seleccionados por um painel de peritos externos (nacionais e dos Estados-membros). Podem apresentar candidaturas ao concurso os estabelecimentos de todos os níveis de ensino; organismos de educação ou de formação (públicos e privados); as associações activas na área do ensino/aprendizagem das línguas. :: O regulamento do concurso e mais informação encontram-se disponíveis no seguinte endereço: www.proalv.pt As candidaturas ao concurso de 2009 devem ser enviadas entre 2 de Março e 30 de Maio para o seguinte endereço: Agência Nacional ­– Programa Aprendizagem ao Longo da Vida – Av. Infante Santo, 2 – 4º, 1350-178 Lisboa


Concurso “Inês de Castro”

Pais, professores por um dia É uma iniciativa do Agrupamento de Escolas Cida­de de Castelo Branco que teve início no ano lectivo transacto e que, devido ao interesse que tem suscitado entre pais e alunos, tem continuidade no presente ano. Os pais são professores por um dia, mostrando aos alunos aquilo que fazem­ e aquilo que sabem fazer, seja na sua activida­de profissional, seja nas escolhas da sua vida diária. Os pais mostram a sua experiência e recebem aquilo que as crianças melhor têm para oferecer: a atenção de um público naturalmente aberto à novidade e interessado em conhecer. A troca de experiências e saberes e a aproximação entre a escola e os pais que este projecto propor­ciona são um contributo para a melhoria das rela­ções entre a escola e a família. Como diz o editorial do jornal da escola, “o Agrupamento de Escolas Cidade de Castelo Branco acredita que a consolidação do projecto educativo só é possível se todos – pais, pessoal docente e não docente – se empenharem em atingir metas­ colectivas.” Um projecto como este incentiva e motiva os pais, que assim melhor se inteiram da vida da escola; e alerta-os para a importância de estarem presentes na vida dos seus filhos. Os alunos também se mostram interessados: afinal algumas das vezes são os seus pais quem “dá a aula”! :: Ana Roque

O Plano Nacional de Leitura (PNL) organiza, em conjunto com a Fundação Inês de Castro, o Concurso Inês de Castro, destinado a premiar sítios ou blogues concebidos e elaborados por alunos dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário. O tema central dos trabalhos é o romance de D. Pedro e D. Inês de Castro, podendo as escolas concorrer com sítios e blogues criados por um ou mais alunos, com o acompanhamento de, pelo menos, um professor. As inscrições das escolas devem ser efectuadas em formulário disponível na página do Plano Nacional de Leitura, de 6 de Outubro a 27 de Março de 2009. :: Para mais informações, consultar www.planonacionaldeleitura.gov.pt

Museu Móvel O Museu Carlos Machado, em Ponta Delgada, inaugurou uma carrinha para levar a toda a ilha de S. Miguel peças do museu que possam interessar quem não tem o hábito de visitar museus. A carrinha-museu inaugurou a sua acção nas Sete Cidades, levando uma peça representativa das várias colecções do museu e peças relacionáveis com a freguesia das Sete Cidades. Foi feita uma recolha de fotografias do início do século tiradas naquela localidade (e pertencentes ao espólio do museu), que passaram no ecrã exterior da carrinha. As vitrinas do interior expunham uma pintura - estudo de figura feminina de Os Emigrantes, de Domingos Rebelo; um galho de cedro com cerca de 4000 anos encontrado nas obras do túnel construído nesta localidade; objectos relacionados com as lavadeiras, uma das principais actividades das mulheres daquela vila até meados do século XX; etc. Depois, o Museu Móvel percorreu a costa Norte da ilha, chegando ao Nordeste. “Saímos duas vezes por semana; um dos nossos grandes objectivos é sensibilizar e motivar o público para as questões do património, levamos um ou dois exemplares de cada uma das colecções do museu, abordamos a sua história e a personalidade de Carlos Machado. Levamos também, em formato virtual, uma exposição de retratos e desenvolvemos com o público mais novo ateliers de expressão plástica. O nosso público-alvo tem sido maioritariamente alunos do pré-escolar e do primeiro ciclo e idosos”, segundo Maria Emanuel Albergaria, dos serviços educativos do museu. :: MEBS


08 09 Notícias... entre nós

Programa Competências TIC prevê a certificação de 90 por cento dos professores até 2010 IV Congresso nacional Cientistas em Acção O congresso nacional Cientistas em Acção, destinado a alunos do ensino básico e do secundário, das escolas públicas e das privadas, vai decorrer de 23 a 25 de Abril, no Centro Ciência Viva de Estremoz. Promovido pelo Centro Ciência Viva de Estremoz pelo quarto ano consecutivo, este congresso tem como objectivo desenvolver a partilha de ideias entre os estudantes do ensino básico e do secundário, através da realização de pequenos projectos científicos. Estes projectos devem estar relacionados com o tema do planeta Terra, recorrendo a diversas áreas como a geologia, a física, a química, a biologia e a informática. Devem ser acompanhados por um resumo escrito e enviados, em formato digital, até ao dia 27 de Março. Podem participar neste congresso alunos de todas as escolas, públicas e privadas, dos 1.º, 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário, individualmente ou em grupo (até quatro elementos). Os trabalhos são apresentados sob a forma de actividade experimental, painel ou maqueta e acompanhados de uma breve exposição oral. :: Para mais informações: www.drealentejo.pt AR

O programa Competências TIC, do Plano Tecnológico da Educação (PTE), concebido para integrar os sistemas de formação contínua dos professores e do pessoal não docente, prevê certificar as competências TIC de pelo menos 90 por cento dos professores até 2010. No âmbito do eixo da formação do PTE, o programa Competências TIC tem como objectivo desenvolver e implantar um sistema de formação e de certificação de competências TIC modular, sequencial e disciplinarmente orientado. Para certificar as competências TIC de pelo menos 90 por cento dos professores, o programa prevê três níveis de formação e de certificação. O primeiro nível destina-se à aquisição e à certificação de competências digitais e visa a utilização instrumental das TIC e o domínio de ferramentas de escrita, de cálculo e de comunicação em formato digital. No caso dos docentes, o segundo nível abrange a formação e a certificação de competências pedagógicas com TIC e tem em vista a integração destas tecnologias nos processos de ensino e de aprendizagem. O terceiro nível tem por objectivo a aquisição e a certificação de competências pedagógicas avançadas, procurando que sejam os próprios professores a criar soluções de utilização da tecnologia e de conteúdos de forma inovadora. :: EB

Guias de “Museu, espelho meu...” No âmbito do Ano Europeu do Diálogo Intercultural, que decorreu em 2008, o Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI) e o Instituto dos Museus e da Conservação (IMC) desenvolveram o projecto Museu, Espelho Meu. Uma das especificidades deste projecto é a de cruzar colecções, relacionando objectos que se encontram em museus diferentes. Assim, constituíram-se três circuitos: o circuito de Lisboa, que integra quatro museus (a Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves, o Museu Nacional de Arte Antiga, o Museu Nacional do Teatro e o Museu Nacional do Traje); o do Porto, três museus (a Casa-Museu Guerra Junqueiro, o Museu Nacional Soares dos Reis e o Museu do Papel-Moeda); e o do Algarve, dois museus (Museu Municipal de Faro e o Museu de Portimão). Para cada um destes circuitos foram produzidas três publicações: uma para crianças a partir dos 3 anos; outra, a partir dos 6 anos; e ainda outra, a partir dos 10 anos. Há uma publicação dirigida aos adultos que, em contexto familiar ou escolar, visitem os museus com as crianças ou os jovens. Esta publicação, que serve de apoio à visita, é comum aos três circuitos e inclui um CD áudio. Estes guias, de distribuição gratuita, estão disponíveis nos nove museus participantes. :: RS


Notícias... além fronteiras

Mapa dos recursos aquíferos subterrâneos A UNESCO acaba de publicar o primeiro mapa dos recursos aquíferos subterrâneos de todo o planeta. Coincidiu com a apresentação na Assem­bleia Geral das Nações Unidas do projecto de convenção sobre os recurso aquíferos trans­fronteiriços. Sabe-se que cerca de 96 por cento dos recursos de água doce do planeta estão em fontes subterrâneas, a maioria das quais se situa em territórios de fronteira. Desde 2000 que o Programa Internacional Hidrológico (IHP em inglês) vem estudando os recursos hidrológicos do Planeta e elaborando uma base de dados, já disponível on line, que mostra a localização de cada aquífero. :: Para mais informações, consultar: ww.whymap.org Ana Roque

Portal Europeana - Uma biblioteca digital da União Europeia O portal Europeana apresenta versões digitais de filmes, fotografias, pinturas, sons, mapas, manuscritos, livros, jornais e documentos de arquivo dos vários Estados-membros da União Europeia, numa interface multilingue. Lançado em Julho de 2007, por iniciativa da Comissão Europeia e de seis Estados-membros – Alemanha, Espanha, França, Hungria, Itália e Polónia –, o projecto envolve noventa organizações com acção na área do património e do conhecimento, e visa a construção de uma biblioteca digital que agregue em formato electrónico obras fundamentais da cultura europeia. Os objectivos deste portal são: – Promover o acesso do público em geral à cultura europeia; – Tornar simples e apelativo o acesso aos recursos culturais dos diferentes Estados-membros; – Facilitar o acesso dos investigadores a elementos diversificados, multidisciplina­res e em vários formatos. :: Para mais informações, consultar http://www.europeana.eu/portal/ EB

4 All Ages A Fundação Calouste Gulbenkian do Reino Unido, em parceria com organizações não governamentais, apoia o projecto “4 All Ages ­– Bringing Different Generations Together”. Este projecto desenvolve-se em colaboração com a Counsel+Care, que se ocupa dos proble­ mas dos mais velhos e suas famílias, e tem como finalidade promover as relações intergeracionais, assegurando que a participação de cada uma das gerações seja valorizada e apoiada. Por outro lado, algumas experiências de aproximação entre grupos e gerações mostram que jovens e idosos reconhecem os benefícios do reconhecimento mútuo, como parceiros numa sociedade plurigeracional e pluricultural e estão disponíveis para melhorar a relação entre gerações e construir uma sociedade para todas as idades. :: Para mais informações consulte: www.4children.org.uk Ana Roque

Ano Europeu da Criatividade e da Inovação Imaginar – Criar – Inovar é o lema do Ano Europeu da Criatividade e da Inovação, que decorre em 2009. É uma iniciativa da Comissão Europeia, contando ainda com a participação do Parlamento Europeu, do Comité das Regiões, do Comité Económico e Social, dos coordenadores nacionais em cada um dos Estados-membros e do think tank European Policy Centre como parceiro especial. O Ano Europeu da Criatividade e da Inovação pretende ser uma iniciativa transversal, envolvendo não só a educação e a cultura como também as empresas, os media, a investigação, a política social e regional e o desenvolvimento rural. Campanhas de divulgação e informação, promoção de boas práticas, debates, encontros, conferências, bem como uma série de projectos a nível nacional, regional e europeu são algumas das actividades previstas para o Ano Europeu da Criatividade e da Inovação. :: TF


10 11 Diário de um professor

Diário de

Lourdes Fragateiro Ser professora de uma turma do 3.º ano e, ao mesmo tempo, coordenadora da Escola EB1 de S. José, mais conhecida por escola do Jardim do Tourel, em Lisboa, exige de Lourdes Fragateiro uma grande entrega na procura de respostas às inquietações e problemas que surgem a toda a hora. Para esta professora, integrar os alunos na turma requer dar atenção a cada um. Fotografias de Jorge Padeiro

7 de Setembro

Preparando o regresso…

Tenho de pensar que o próximo ano lectivo de 2008/2009 é tanto meu como dos meus alunos. Ganhámos uma experiência comum em dois anos lectivos e vamos entrar no terceiro ano da nossa convivência e cumplicidade. Comigo eles aprenderam a ler, a escrever e a contar, mas o mais importante foi a construção do grupo, em que o saber estar num colectivo e o respeito pela individualidade de cada um foram as mais relevantes descobertas. A aprendizagem básica preencheu os dois primeiros anos de escolaridade. E agora? Que vamos nós acrescentar a essa aprendizagem básica? Que esperam eles de mim? Temos o programa para cumprir e, além dele, todo um projecto de crescimento do grupo e também um ganhar de experiência da minha parte. Já fui professora de outros terceiros anos, nos meus vinte e nove anos de trabalho. Mas, mesmo assim, sinto-me tensa, insegura. Conheço-os bem, um por um, e vou ter muito prazer em reencontrá-los. E eles a mim, tenho também essa reconfortante certeza.


23 de Setembro

O reencontro

Ao lado dos rostos conhecidos e sorridentes, dois recém-chegados. Um menino chinês de 13 anos com poucos meses de Portugal. Não fala a nossa língua e mal consegue interagir com os colegas. Estes mostram-se muito cooperantes e exercitam-se mimicamente. Apercebi-me de que é um “barra” em matemática, o que poderá ser estimulante para a aprendizagem do resto da turma. É uma criança afável e sorridente. Nenhum sinal de constrangimento. Um aluno veio de outra escola e não participou na história da nossa turma. Vai integrar-se, gradualmente. Faço por que ele se não sinta isolado, embora pressinta que o mal-estar inicial o pode levar a resvalar para a indisciplina. Mas o que mais marcou o nosso reencontro foi a morte da mãe do F. Morreu no começo do ano lectivo. Acompanhei-lhe a doença durante o ano anterior. Falámos com a serenidade possível da doença e de como podia ser abordada com o F. Ele apercebia-se do que se passava e quis que a médica lhe explicasse tintim por tintim toda a história da doença e a sua evolução. O tema da morte marcou a sua presença na aula. Todos falaram e eu também. Num dado momento F. disse: “Esta conversa irrita-me.” E o silêncio tomou conta da sala. Nos dias seguintes, F. abordou esporadicamente o tema. O seu comportamento alterou-se. Na sala trabalhava muito pouco e fora da sala só fazia disparates. A nossa relação complicou-se. Houve momentos em que F. falava do acontecido como algo que lhe fosse exterior. E eu sem coragem, sem saber como actuar. No final da aula ficávamos os dois, mas nunca falávamos do acontecido. 29 de Setembro

Criar laços, “cuidar” das relações

Inicia-se uma nova semana. Chegou mais uma aluna, veio da Guiné. Tem 14 anos e é uma mulher feita. Sente-se, com boas razões, completamente deslocada no meio da miudagem. Tem vergonha de sair ao mesmo tempo que os outros alunos e alunas. Lê com muitas hesitações e escreve com dificuldade. Frequentemente, pergunta-me por que não está na escola dos grandes… A mesma interrogação perpassa no resto da turma. Lidar com a diversidade pode ser um grande desafio para o grupo, mas os conflitos que surgem preocupam-me. A minha turma já não é a mesma. As relações mudaram. É necessário recomeçar. Definir regras e instituir o conselho de turma como espaço de resolução de conflitos e regulação das aprendizagens. Nos anos anteriores, as reuniões aconteciam, mas eram ainda muito controladas por mim. Este ano, o conselho é gerido pelos alunos. Os dois primeiros conselhos de turma foram preenchidos com queixas. Pouco a pouco, as queixas deram lugar a formas/modos de resolver os conflitos. Tem havido um grande amadurecimento na postura e nos discursos dos alunos. Estão mais crescidos e envolvidos neste processo. As aprendizagens realizadas também são objecto de análise. 6 de Outubro

Aprendemos uns com os outros

Relativamente às aprendizagens, a cooperação tem resultado. K., o menino chinês, tem tido apoio de toda a turma e tem dado apoio na área da Matemática. D., a menina guineense, ainda não está integrada.


12 13 Diário de um professor

No conselho de turma, foi importante a D. falar do seu percurso escolar, da sua escola. Por causa da guerra, D. deixou de ir à escola. No conselho, ficou decidido que deveria estar ao pé de uma boa aluna para aprender tudo depressa, para poder ir para a “escola dos grandes”. Fala mais comigo do que com os colegas de turma. Continua a sentir-se muito deslocada. Conseguimos traçar metas e ela esforça-se por cumprir. Se não se fizer nada, perde-se esta aluna. 17 de Outubro

Ser professora e coordenadora

Estou muito cansada. Ainda não fez um mês que as aulas começaram e receio não aguentar este ritmo de trabalho. Ser professora, ter uma turma e a coordenação da escola é muito duro, não pelo trabalho mas pelas inquietações e ralações que surgem constantemente. Ser coordenadora é ter um poder quase nulo, mas é também ser responsabilizada por tudo o que acontece. Torna-se difícil sobreviver às dezenas de ofícios que se tem de escrever para que a fechadura de uma porta seja arranjada ou outras reparações equivalentes. Falta tempo para o mais importante, porque nos desgastamos com os pequenos nadas e os contratempos do dia-a-dia. Só consigo sobreviver ao quotidiano na escola porque há colaboração entre os professores e professoras. Há distribuição de funções e há a necessidade de resolver em conjunto os problemas que, à primeira vista, só têm a ver com um professor, mas são sentidos como um problema da escola. 23 de Outubro

A cidadania constrói-se

Os conflitos na minha turma são muito mais visíveis nos tempos de recreio. O recreio reproduz, amplificado, muito do que se passa na sala de aula. A escola viu aumentado o seu número de alunos, alunos que chegam à escola pela primeira vez, ainda não conhecem as regras e só sabem brincar às lutas. Espelham o que vêem na televisão. Nós temo-nos preocupado com  o envolvimento dos alunos na vida da escola, responsabilizando-os pelos seus actos. Queremos que os nossos alunos e alunas sejam futuros cidadãos e cidadãs intervenientes e responsáveis. É um trabalho que leva tempo, mas acreditamos nele. Estamos, desde o início do ano, a construir regras comuns a toda a escola. Cada turma foi incumbida de “legislar” sobre as regras do espaço comum; depois, divulga às outras turmas. Em cada turma há dois responsáveis que vão rodando entre todos, atentos a que as regras sejam cumpridas. 3 de Novembro

Quem vive a escola

No ano passado, o número de auxiliares de acção educativa reduziu-se. Este ano, a população escolar aumentou, mas os recursos humanos não, o que torna tudo muito mais desgastante. O que mais me incomoda é o facto de a nossa voz de professores quase não ser ouvida, mas se um pai ou uma mãe apresentam uma queixa, temos de fazer relatórios e mais relatórios para justificar o que muitas vezes é óbvio. Somos considerados suspeitos de tudo e de nada. As reuniões têm-me consumido muito tempo e energia e não trazem benefícios para a qualidade do ensino. O que é mais necessário fica por fazer (materiais de qualidade para trabalhar com os alunos, ter tempo para estudar e reflectir sobre o andamento das aulas, etc.).


Bloco de notas

14 de Novembro

“Quero que ela volte”

Hoje a avó da S. veio à nossa escola. Os pais e as mães sempre vieram à nossa escola contar histórias, falar do seu trabalho, fazer bolinhos... Desde o primeiro ano que a avó da S. se dispusera a vir à nossa sala para fazer uns bolos, os “brigadeiros”. O tempo passou e só no dia 14 é que se proporcionou a sua vinda. Avó e neta, por e-mail, prepararam toda a sessão, desde as imagens que iriam ser mostradas às histórias que iriam ser contadas. Como não podia deixar de ser, a S. entregou a cada menino e menina a receita dos brigadeiros. Como os brigadeiros são feitos de chocolate, a avó da S., que tinha chegado de uma visita de trabalho a S. Tomé e Príncipe, trouxe-nos algumas fotografias e livros com informações sobre o ciclo do chocolate, informações que iremos aprofundar no trabalho de projecto. Todos os alunos e alunas participaram activamente na sessão. Muitas perguntas, grande curiosidade. Por fim, fizeram os brigadeiros, que estavam muito saborosos. Foi o momento em que D., a menina guineense, participou com mais interesse e em que falou da Guiné.

A voz e a vez dos alunos e alunas O grupo constrói-se com espaços e tempos para os alunos e alunas falarem do que descobriram e das suas inquietações. Tudo começou no 1.º ano... Professora, eu descobri que “camaleão” tem “cama” e “leão” dentro. Professora, “almofada” tem “fada” dentro. Eu gostaria de contar até ao infinito e, professora, infinito menos infinito é zero? Professora, dois mil e zero. Não, Francisco, dois mil. Então professora, na data lemos dois mil e seis, aqui temos de ler dois mil e zero... Professora, porque é que é o “Livro do Aluno” e não é o “Livro da Aluna”? Porque é que há caderneta do aluno e não há da aluna?

17 de Novembro

É preciso saber esperar…

F., o menino a quem morreu a mãe, chegou atrasado. Alguns alunos e alunas criticaram-no e F. começou a chorar convulsivamente. Saímos da sala e F. contou-me que chegou atrasado porque, quando vinha para a escola, se lembrou da mãe e ficou muito triste e chorou. Mais, chorou comigo e, muito abraçados, falámos… Pediu-me para lhe contar a história (Reviens, Grand-mère, de Sue Limb-Cláudia Munõz, edições Mijade), que fala da morte de uma avó e que eu contava sempre que a algum menino morria a avó ou o avô. A heroína passava a ter o nome da criança. Hoje sim, senti que ganhei F. ::

A vinda da avó da S. vista por D. (guineense): A avó da Sara veio falar sobre o chocolate. O chocolate é feito com um fruto que se chama cacau. Depois de ser colhido é feito em papa, vai para a chocolateira e fica na forma que comemos e é levado para as lojas. A avó da Sara ensinou-nos a fazer brigadeiros. (...) A experiência da avó da Sara é muito bonita. (...) Eu quero que ela volte mais uma vez.


14 15 Lá fora

Educação para a Inclusão: O Caminho do Futuro

Texto de Teresa Gaspar Ilustração de Margarida Moreira

A Conferência Internacional de Educação, organizada pela UNESCO, defendeu a necessidade de flexibilizar os sistemas educativos de modo a reforçar a inclusão, melhorar os resultados da aprendizagem e reduzir as desigualdades.

A 48ª sessão da Conferência Internacional de Educação1 teve como tema a educação inclusiva. Organizada pelo Bureau International d’Éducation (BIE), agência da UNESCO especializada em desenvolvimento curricular, a conferência reuniu os ministros da educação dos países-membros e especialistas de todo o mundo para debaterem o conceito de educação inclusiva, as políticas que estão a ser desenvolvidas, o modo como os sistemas educativos se estruturam e o papel dos professores face à diversidade dos alunos e suas necessidades educativas. A decisão de inscrever a inclusão como tema central da conferência vem na sequência de trabalhos da UNESCO dedicados à implementação de políticas e práticas educativas que promovam a Educação para Todos no Mundo (Jomtien, 1990) e de chamadas de atenção para as situações de exclusão no acesso à educação. Porém, o conceito de inclusão em educação surge inequivocamente ligado à Declaração de Salamanca (1994)2, emitida no final da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, organizada também pela UNESCO, onde se afirma que “... as escolas devem integrar todas as crianças, independentemente das suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Tal engloba as crianças com deficiência e as superdotadas, as crianças que trabalham ou que vivem nas ruas, crianças de origem estrangeira ou de populações nómadas, crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos desfavorecidos ou marginalizados”3. Para além do âmbito restrito da educação especial, a educação inclusiva passa, assim, a ser o princípio orientador de políticas e estratégias que visam eliminar os obstáculos que se colocam a que todos tenham acesso à escola e nela encontrem as condições para realizar o seu processo de aprendizagem.

Ao propor a discussão do tema Edu­ca­ ção Inclusiva, a conferência de 2008 pro­­curou abrir caminho para que a comu­nidade internacional assumisse a necessidade de flexibilização dos seus sistemas educativos, reconhecesse que a razão das escolas está no modo como se adaptam e respondem às diferentes neces­sidades e ritmos de aprendizagem dos seus alunos e aceitasse que podem existir outras práticas de ensi­no, apren­ dizagem e avaliação que, refor­­çan­do a inclusão, melhoram os resul­ta­­dos da aprendizagem e reduzem as desi­gual­ dades. O que é a educação inclusiva? Para compreender toda a amplitude do conceito de educação inclusiva, temos de remontar às questões a que a educação especial foi procurando responder ao longo dos últimos trinta anos. A crítica aos percursos segregados a que estavam obrigados os


Relatório Warnock defende educação de todos na escola regular

alunos com deficiência e o sucesso das primeiras experiências de integração vão dar origem, a partir de 1970, a uma nova perspectiva pedagógica da educação especial (até então demasiado dependente de critérios médico-terapêuticos). Os países do Norte da Europa e os Estados Unidos da América avançam com legislação que concretiza as políticas de inte­gra­ ção escolar, ao mesmo tempo que surgem tomadas de posição veementes a favor e contra a integração e é produzida vasta literatura que procura sistematizar experiências e avaliar a eficácia social das medidas preconizadas. No caso dos EUA, a Lei n.o 94 142 estabeleceu que a educação das crianças e jovens com deficiência entre os 4 e os 20 anos de idade fosse assegurada pelas escolas da rede pública, segundo o princípio da educação apropriada a cada criança, tendo por base um plano educativo individual a desenvolver ao longo de toda a sua escolaridade. Apesar de a ideia da integração ganhar cada vez mais adeptos, era ainda assim considerada como uma questão da esfera da educação especial, à qual caberia assegurar os apoios e recursos especializados que servissem de suporte à integração de alunos com deficiência na escola regular. Será apenas com a publicação do relatório coordenado por Mary Warnock4, em 1979, que ocorrerá a mudança de paradigma no processo educativo de crianças com deficiência. :: A 48ª sessão da Conferência Internacional de Educação realizou-se em Genève, de 25 a 28 de Novembro de 2008. Declaração de Salamanca sobre princípios, política e práticas na área das necessidades educativas especiais, 1994. UNESCO: Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais. 3 Plano de Acção, 3º §. 4 Relatório do Warnock Commitee of Enquiry into the Education of Handicapped Children and Young People. Inglaterra,1979. 1

2

A equipa que elaborou o Relatório Warnock começou por fazer uma análise muito rigorosa das práticas de ensino utilizadas em diferentes categorias de deficiência e dos problemas de aprendizagem existentes nas escolas de ensino regular, bem como das estratégias aplicadas para ajudar os alunos a superá-los, concluindo que apenas nos casos de deficiência grave, com incidência reduzida, se encontravam desvios significativos nos objectivos peda­gógicos prosseguidos. Os investigadores identificaram problemas de apren­ di­za­gem comuns às crianças consideradas normais que fre­quentavam as escolas regulares e às crianças defi­cientes envolvidas em programas de educação especial e concluíram que, ao longo de toda a escolaridade básica, uma em cada cinco crianças apresentaria, em algum momento, necessidades educativas que implicavam a organização de medi­ das educativas adequadas. Partindo daí, defen­de­ ram que a escola deveria saber identificar e res­pon­ der às diferentes necessidades dos seus alu­nos, inde­pendentemente de estas derivarem de uma defi­ ciên­cia ou de qualquer outra situação. Na década de 1980 e até hoje, a ideia de que o processo educativo das crianças e jovens com deficiência deve atender às suas necessidades especiais através de inter­venções centradas na escola, onde um conjunto vasto de recursos educativos apoia o percurso escolar de todos os alunos, foi sendo adoptada. Deste modo, pode-se dizer que a integração de alunos com defi­ ciên­cia abriu o caminho para a educação de todos na escola regular e contribuiu para uma atenção cres­ cente no sentido de proporcionar a melhor educação a cada um, independentemente dos seus diferentes antecedentes culturais, sociais e educa­tivos. É a esta outra maneira de pensar a educação de todos que chamamos educação inclusiva. Essa a razão da dupla mensagem que a Conferência Internacional de Educação procurou transmitir: primeiro, os sistemas educativos onde subsistem numerosas formas de exclusão não são aceitáveis nem têm viabilidade; em segundo lugar, a situação actual exige mudanças de concepção e visão de longo prazo, de modo a criar e a introduzir novas políticas.


16 17 Entrevista Mário Andrea

Mário

Andrea

O Dia Mundial da Voz, com a sua recente expressão nas escolas, através da organização da Festa da Voz, foi o pretexto para conversar com Mário Andrea sobre a sua vida, as suas escolhas e como se tem empenhado, a nível mundial, para dar voz à Voz. Muitos dos nossos profissionais da voz, particularmente os professores, têm encontrado neste especialista um apoio inestimável.

Entrevista de Teresa Fonseca Fotografias de Jorge Padeiro


A sua voz é importantíssima, goste dela! A voz é algo característico do indivíduo. Diz-nos quem ele é, o seu estado de espírito e não só... Então, qualquer distúrbio de voz afecta a comunicação? Através da voz nós transmitimos a maior parte das nossas emoções, mais através da voz do que do olhar ou do sorriso. Diz-se que a voz é o espelho da alma! Todos estamos habituados a ouvir a voz de uma pessoa amiga e percebermos, de imediato, se está bem ou não, isto é, se algo de preocupante se passa. Já todos nós dissemos ou ouvimos dizer: “Não estás bem, hoje não gosto da tua voz!” Foi o reconhecimento de que a qualidade da voz é fundamental para a comunicação humana que levou à criação do Dia Mundial da Voz? Sim. A ideia foi dar visibilidade à voz. Não havia a noção de que a voz exige cuidados, pois é para durar a vida inteira. Na sociedade actual, dominada pela comunicação, quem não tiver capacidade de utilizar a voz correctamente fica limitado na sua vida. Inicialmente, arrancou-se a pensar no diagnóstico precoce do cancro da laringe, uma preocupação para os otorrinolaringologistas num país que, infelizmente, é o terceiro da Europa comunitária com maior incidência deste tipo de cancro. A evolução do conceito do Dia Mundial da Voz passou a trazer mensagens como: oiça a sua voz, cuide da sua voz e goste da sua voz. Todos nós, independentemente da profissão, precisamos da voz para vivermos bem, para comunicar e para ter prazer no que fazemos, seja a nível familiar, social ou profissional. Enquanto presidente da European Laryngological Society, foi o grande mentor da criação do Dia Mundial da Voz. Como é que a ideia foi correndo mundo? O Dia Mundial da Voz é hoje uma iniciativa com repercussões globais. Nele participam países de quase todo o mundo, do Brasil à Austrália, dos Estados Unidos à China e, como não podia deixar de ser, em Portugal tem cada vez mais visibilidade. Comemorou-se, pela primeira vez, em 16 de Abril de 2003, por proposta da European Laryngological Society – na altura em que eu era seu presidente – às mais prestigiadas sociedades científicas mundiais da especialidade, tais como a American Academy of Otorhinolaryngology e a American Medical Association. Com o apoio destas sociedades científicas, a ideia foi-se alargando aos mais diversos países.

Os professores pertencem provavelmente à classe profissional com mais problemas de voz. Foi este facto que levou à organização, a nível nacional, da Festa da Voz nas escolas? Sim, tratou-se mesmo de um grande desafio. Os professores estão, de facto, mais expostos ao uso e abuso da voz – ao esforço vocal, por razões de carga horária, condições das escolas, ambiente da própria sala de aula, com ruídos, etc. A causa mais frequente de um professor deixar de dar aulas, temporária ou definitivamente, está relacionada com problemas de comunicação, de voz, que podem, de repente, tornar-se gravíssimos. Sabemos que a qualidade de uma aula depende do prazer da comunicação, do prazer em transmitir conhecimentos, o que exige que o professor esteja em óptimas condições, que tenha uma voz de qualidade, uma voz que não seja um problema. Organizar a Festa da Voz nas Escolas foi para sensibilizar os professores e os alunos ou pretendia chegar aos pais? O primeiro objectivo foi contribuir para a sensibilização dos professores. Pôr os professores a falar com os alunos sobre os cuidados a ter com a voz faz que fiquem cada vez mais sensibilizados. A transmissão destas mensagens faz que passe a haver uma população, a população escolar, a ter cuidados com a sua própria voz, a saber


18 19 Entrevista Mário Andrea

que não deve gritar, as bebidas que deve beber, os cuidados alimentares, etc. Se ganharmos esta aposta, daqui a uns anos falamos do prazer de ouvir boas vozes, do prazer da comunicação e não de doenças. No ano passado ficámos com uma admiração profunda pelo trabalho que foi feito em muitas escolas, com a criatividade e com a abrangência das actividades que, em alguns casos, para além de todo

o pessoal que trabalha na escola, conseguiu envolver a população. Conseguimos, assim, num projecto conjunto com a Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, e através das escolas, chegar à comunidade envolvente, o que foi fantástico. Houve casos em que as escolas convidaram a população da área a colaborar, a participar em conferências, em mesas redondas, em workshops, em espectáculos... E isto foi mérito dos professores e dos alunos. A Festa da Voz nas Escolas, realizada em Portugal, foi reconhecida a nível internacional? Sim. De tal modo que, em 2009, o Dia Mundial da Voz entra nas escolas europeias. Com o apoio da European Laryngological Society, passa a desenvolver-se o projecto Dia Mundial da Voz nas Escolas, sendo este o primeiro ano em que as comemorações na Europa têm lugar também nas escolas.

16 de Abril Dia Mundial da Voz. A Festa da Voz nas Escolas pode ser realizada durante todo o mês de Abril. Consulte o site: www.diamundialdavoz.com Contém informações e sugestões para que a Festa da Voz na sua Escola seja um êxito.

A generalidade dos professores tem consciência de que a qualidade da voz, além de ser um factor importante no estabelecimento de uma boa relação professor/ aluno, também é facilitadora da aprendizagem? Gostei da pergunta. Primeira questão: teremos nós consciência da nossa própria voz? Quando ouvimos a nossa voz gravada, não gostamos, não a identificamos. Por isso, a evolução do Dia Mundial da Voz conduziu-nos a palavras de ordem como: oiça a sua voz, cuide da sua voz, goste da sua

voz e identifique-se com a sua própria voz. Isto leva o professor a melhorar a sua técnica vocal e a perceber que, para comunicar, a sua voz tem de atrair. Alguns podem ser professores fantásticos, mas, se melhorassem a sua qualidade de voz, comunicavam de forma totalmente diferente a sua mensagem. A voz é que vai criar empatia. A grande esperança é que, com a comemoração do Dia Mundial da Voz nas Escolas, se possa vir a contribuir para uma melhoria da qualidade vocal dos professores, o que se vai reflectir numa melhoria da qualidade do ensino. Quais são os principais factores causadores de problemas de voz nos professores? Em primeiro lugar, fumar, claro! Mas há também factores relacionados com a voz mal colocada, problemas de respiração, falta de descanso, stress, ambientes com ar condicionado, aquecimentos, erros alimentares, locais barulhentos e com falta de limpeza... Há escolas em que as cargas horárias não estão equacionadas para o uso correcto da voz. A sala de professores já não é uma sala de convívio e de repouso, é um centro em que se fala cada vez mais, porque nós não paramos de falar com os colegas ou ao telemóvel e todos sabemos que, assim, chegamos ao fim do dia cansadíssimos porque a voz não parou. Perante este cenário, pergunto eu: há alguma actividade física em que a pessoa possa andar a correr o dia inteiro sem parar? As cordas vocais também têm de parar.


A melhoria da qualidade vocal dos professores reflecte-se numa melhoria da qualidade do ensino.

E a colocação de voz para o telemóvel é completamente diferente, não é? É. Nós temos estado a conversar e estamos numa colocação de voz normal, respiramos, estamos descontraídos. Quando falamos ao telemóvel, muitas vezes estamos em ambientes muito ruidosos em que temos de esforçar bastante a voz, por exemplo, para falarmos na rua com um barulho infernal e para nos fazermos ouvir. A conversa ao telemóvel é mais rápida, acabamos muitas vezes por dar ordens de orientação, comunicar aquilo que vamos fazer ou que queremos que façam. Isto não tem nada a ver com o ritmo da conversa normal. Quando precisamos de conversar escolhemos um ambiente totalmente diferente, da mesma forma que ninguém tem uma conversa, uma conversa mesmo, numa discoteca. Para aqueles professores que já têm problemas, em que consiste a terapia vocal? O trabalho dos terapeutas da fala consiste em ajudar a colocar a voz correctamente para que a pessoa possa desempenhar a sua profissão sem esforço. Aí joga-se com tudo: com a respiração, a postura, a descontracção, o bem-estar, o controle do peso, o combate ao sedentarismo... Nos últimos anos, começou a perceber-se que a terapia devia ter uma abordagem diferente, uma abordagem multidisciplinar da voz. Hoje sabemos que há alterações da voz que podem ser apenas lesões funcionais. Podem surgir pólipos ou nódulos devido a alterações psicológicas que não são detectadas habitualmente pelo médico otorrinolaringologista. O psicólogo passou a ter um lugar importantíssimo nestas equipas multidisciplinares, bem como outros profissionais ligados à voz. Vai aparecer cada vez mais outra profissão, que em português não tem ainda

tradução, que é a pessoa que vai treinar cada um de nós para poder expor e para poder cansar-se menos. A ideia não é tratar, é evitar, é prevenir, pois o que interessa é que possa exercer a sua profissão de professor até quando quiser, mas bem, com prazer, porque a sua voz está óptima. Dá aulas porque gosta, está bem e sente-se bem fisicamente. Estes são conselhos para que os professores tenham quotidianamente cuidado com a voz... Sim. É preciso andar, ter actividade física, melhorar a postura, a respiração, beber água, pelo menos um litro e meio, evitar ambientes muito secos, descansar e, quando digo descansar, refiro-me a dormir, a descontrair. Falou-se de respiração e não se está só a falar em relação à parte pulmonar, pois começa no nariz, e problemas a esse nível trazem dificuldades na colocação da voz. Porquê? Porque se respira mal. Tudo influencia a voz e a voz pode ser melhorada e corrigida. É preciso alertar que há áreas


20 21 Entrevista Mário Andrea

Desde 2007 que os problemas da voz fazem parte da lista de doenças profissionais.

disciplinares mais problemáticas em que os professores têm um esforço de voz muito maior. A pior é a educação física. O professor de Educação Física a trabalhar em ginásios que não têm as características correctas, com música, a fazer ao mesmo tempo exercício físico ou, muitas vezes, a trabalhar ao ar livre com condições atmosféricas nada favoráveis, vai esforçar cada vez mais a voz. O professor de Educação Física, hoje em dia, é daqueles profissionais que exigem uma atenção muito especial em relação aos cuidados que deve ter com o seu meio de comunicação, ou seja, com a sua voz. Havendo uma percentagem significativa de professores com problemas de voz, considera-se que se trata de uma doença profissional? Desde 17 de Julho de 2007 que, através do Decreto-Regulamentar n.º 76/2007, passou a constar da lista das doenças profissionais. Quanto a nós, otorrinolaringologistas, foi

muito importante que as laringites crónicas e as disfonias funcionais, ou seja rouquidão por uso continuado da voz em esforço, sejam consideradas factores de risco. Isto é muito importante porque abarca vários profissionais que usam a voz. Assim, a partir desta data, existe uma lista de doenças profissionais – um documento legal – que os pode auxiliar no sentido de receberem uma compensação pela sua doença. Anteriormente, o Centro Nacional de Protecção contra Riscos Profissionais, na maioria das vezes, compensava os profissionais pela doença, apesar de não estar na lei. A publicação desta lista foi, sem dúvida nenhuma, uma grande vitória para os profissionais da voz. Os factores de risco externos à profissão não são impeditivos da compensação? Para ser considerada uma doença profissional basta um trabalhador

estar exposto ao factor de risco para que se considere que, pelo menos, esse factor de risco é um factor causal. O mesmo acontece com a surdez. Por exemplo, quanto a um trabalhador que tenha uma idade muito avançada e que trabalhe num ambiente ruidoso, às vezes é difícil perceber se está surdo por ter a idade avançada ou por estar exposto ao ruído. Mas basta estar exposto ao ruído para se considerar este como um factor causal. Depois, pode haver factores de risco que agravam a doença profissional e que podem contribuir para que a compensação seja menor. Até agora falámos dos problemas de voz dos professores. Gostaria que nos falasse do protocolo que o serviço tem, há mais de 20 anos, com o Ministério da Educação. No meu serviço, desde há muitos anos, temos lidado com professores que têm problemas de voz e que têm o apoio do serviço no diagnóstico e no tratamento, têm apoio da parte


PERFIL DEFENDE A VOZ PELO MUNDO FORA Corria o ano de 1961, quando Mário Andrea, chegado de fres­co à Faculdade de Medi­cina de Lisboa, se depara com

das técnicas, das terapeutas que trabalham na equipa. A ligação do serviço, hoje Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital de Santa Maria, com os professores e com o ensino é muito mais vasta e com o Ministério da Educação ainda mais. Há 25 anos que existe uma consulta – a consulta de surdez infantil – que foi criada em colaboração com o ensino especial, em que se dá apoio às crianças com deficiências auditivas detectadas nas escolas do país. Ao mesmo tempo, o serviço informa as escolas do número de novos casos de surdez profunda que vão surgindo e da zona do país em que se verificam para serem criadas condições para que essas crianças, quando chegarem à idade pré-escolar, sejam acompanhadas e integradas. Foi a primeira consulta de surdez infantil que houve a nível nacional. Quando esta consulta foi criada, foi exactamente a pensar que havia uma lacuna muito grande em relação à medicina estatal, e isto é responsabilidade do Estado. Hoje, felizmente, já existem mais consultas noutros hospitais. Tem sido uma colaboração fantástica.

um mundo cheio de desafios: viveu variadas expe­riências, a crise aca­dé­mi­ca de 1961-62, fez milhares e milhares de coisas, só não teve tempo para estudar. Chumbou no 1.º ano da faculdade, o que veio a revelar-se positivo. Foram este chumbo e a forma como ocupou o ano da repetência que deter­minaram as suas escolhas futuras, orientando o seu percurso segundo três pilares fundamentais: a investigação, o ensino e a clínica. Começou a colaborar em trabalhos de investigação a partir do 2.º ano da faculdade, vendo o seu nome como co-autor de artigos científicos, pela mão do professor de Anatomia, Armando Ferreira. Foi também este professor que o levou a descobrir o prazer do ensino. Doutorou-se bastante jovem, aos 32 anos, na Faculdade de Medi­ci­na de Lisboa. Vive hoje o Departamento de Otorrinolaringologia, Voz e Per­tur­ba­ções da Comunicação do Hospital de Santa Maria como se fosse a sua casa, conciliando a qualidade assistencial com o ensino e a investigação. A humanização do serviço tem sido uma das suas preocupações e a sala de espera da consulta é dominada por um painel de azulejos lindíssimo, oferecido por Manuel Cargaleiro. É membro de numerosas sociedades científicas internacionais e faz parte do conselho científico de várias revistas da especialidade. Dos inúmeros trabalhos científicos publicados, alguns receberam prémios nacionais e internacionais. Tem ministrado cursos em universidades de renome espalhadas pelo mundo e proferido conferências nos mais importantes congressos

Sempre quis ser médico? Sim, eu sou de uma família de médicos, tanto do lado paterno como materno. Pelos meus 17, 18 anos, tinha duas grandes opções: ou ia para medicina ou ia ser músico. O que é curioso, passados todos estes anos, é que a música continua ligada à minha vida, não só como hobby, mas também profissionalmente. Como otorrinolaringologista, vivo rodeado de músicos, de cantores e de profissionais da voz... Acabaram por ficar profundamente integradas no meu campo profissional as duas vivências – a música e a medicina completam-se e enriquecem-se mutuamente. ::

internacionais. Desenhou, em colaboração com o Prof. Óscar Dias, endoscópios para o estudo dos vários domínios da otorrinolaringologia, desde o nariz à laringe, que permitem observar as alterações celulares e que são comercializados em todo o mundo. O reconhecimento, a nível mundial, do seu mérito leva a que actual­ mente seja o responsável pelas relações internacionais da Euro­pean Laryngological Society, o embaixador do Dia Mundial da Voz. Ao longo da sua vida profissional encontrou três grandes mestres – Armando Ferreira, Nobre Leitão e Yves Guerrier –, que são as suas referências e lhe deram todo o apoio, o estímulo, o incentivo para que pudesse chegar hoje a uma fase da sua vida em que comemora 40 anos de aulas teóricas bem sucedidas. Tem um prazer enorme em sentir que influenciou alunos e que mui­tos ficaram também apaixonados pela otorrinolaringologia. ::


22 23 Opinião

As Actividades de Enriquecimento Curricular

Ensino Artístico... obrigatório?* Os artistas e as artes podem estar mais presentes nas escolas? Eis a pergunta a que este texto procura dar resposta, defendendo a integração da educação artística no tempo curricular, a cargo do professor da turma, com ou sem o apoio de professores especializados. Texto de Domingos Morais (Escola Superior de Teatro e Cinema) Fotografia de Carlos Silva

Podem as artes estar mais presentes nas escolas? A educação (e não o ensino) artística já existe nos programas e deve ser realizada em tempo curricular, pelo professor da turma, com ou sem o apoio de professores de educação artística. Há muito (pelo menos desde 1973, com Veiga Simão) que o sistema de ensino português, à semelhança de outros países europeus, deu – aos programas de expressão e educação artística – tempo, espaços, meios próprios e orientações que podem ser questionadas na sua aplicabilidade, mas têm inegável solidez pedagógica e científica. As escolas superiores de educação continuam a formar professores para o 1.º ciclo com disciplinas que os habilitam a realizar os programas de expressão e educação artística em vigor. É um outro problema se depois, com os sucessivos despachos e normativas, não têm tempo para o fazer. E o ensino artístico? Esse é o que é leccionado nas escolas vocacionais com fins muito próprios. Reconheço haver uma enorme confusão na oferta de ensino artístico que nem sempre visa o ensino vocacional, preenchendo uma função meritória e necessária de propedêutica artística junto de crianças e jovens que só mais tarde optam pelo ensino artístico especializado. E é nessas escolas ou em instalações adequadas que é possível fazê-lo, com profissionais competentes e capazes de fazer bem o que conhecem. Pensar que estes profissionais podem ser transformados em professores de enriquecimento curricular nas escolas do 1º ciclo, sem perceberem qual o seu papel nesse contexto, sem formação pedagógica adequada e mal integrados na equipa pedagógica das escolas pode redundar num enorme desperdício de tempo e de recursos, na inutilidade do trabalho realizado, no soçobrar de uma medida educativa bem intencionada mas muito fragilizada na sua execução.


Podem os artistas e as artes estar mais presentes nas escolas? O acompanhamento que tenho feito nas escolas do 1.º ciclo do concelho da Amadora, de actividades de educação pela arte, no tempo que lhes é dedicado nas franjas horárias da tarde ou da manhã, alertou-me para a urgência e exequibilidade de um programa de enri­quecimento curricular (não só de actividades) que poderia levar os artistas e as artes às escolas. E sublinho que devem ser os artistas e as artes a ir às escolas porque não vejo como se podem levar (todas) as escolas ao seu encontro, sem dinheiro para os trans­portes, com a obrigação de levar um adulto por cada 10 crianças, com a responsabilidade decorrente e as neces­sá­rias autorizações das famílias. Para já não referir as actuais dificuldades de museus e outras instituições em rece­ber centenas ou milhares de alunos na situação de penúria revelada pelo orçamento para essas instituições no ano de 2009. Apesar das dificuldades, nada substitui a visita a uma instituição artística, e estou certo de que muito há a fazer para resolver os obstáculos existentes, começando por dotar as ins­ti­tuições de acolhimento com mais recursos. Mas no imediato pergunto-me se algum do dinheiro gasto nas actividades de enri­quecimento curricular (ou verbas gastas com as artes e a difusão cultural) não poderia ser mais bem empregue numa programação de enriquecimento curricular. Quando olho para as paredes e salas de utilização comum de escolas que são hoje espaços agradáveis e cuidados, raramente vejo iniciativas vindas do exte­rior e pensadas para a infância. Seria tal­vez possível fazer circular por todas as escolas do 1.º ciclo (para não falar das do 2.º e 3.º ciclos), em cada trimestre, três ou quatro exposições com reproduções de pin­tura, desenho, fotografia, escultura ou instalação. Vi em escolas que visitei na Suécia, Dina­marca e aqui ao lado, em Espanha, o acolhimento a iniciativas deste tipo que já faziam parte da expectativa de toda a comunidade escolar; e em Portugal, nos anos 70 pós-25 de Abril (banda dese­nhada e cinema em Torres Vedras e Coimbra, por exemplo). E o mesmo se poderá fazer, sem grandes custos, com uma programação de docu­men­tários de qualidade, escolhidos por uma equipa de programadores com­pe­tentes e sensíveis.

A música ficaria muito bem servida por solistas ou peque­ nos grupos de músicos (recordo o excelente trabalho da Juventude Musical Portuguesa e de Helena Pimentel) com o único critério da qualidade e adequação ao público infantil, em recitais de 20 a 30 minutos para não mais de 30 crian­ ças de cada vez. E o teatro, a dança, o circo, os contadores de histórias... Todos com programas criados para circulação nas escolas. Ou, ainda, reto­mar boas práticas como o envio ou disponibilização na Internet de colec­ções de fotografias digitalizadas de arte e design e artes performativas. Muito do que referi já vai acontecendo em alguns concelhos do país, embora rara­mente assente num programa coerente, para toda a comunidade escolar e sendo objecto de avaliação séria. Seria possível melhorar a programação, fazer circular os bons exemplos, motivar a oferta de mais iniciativas e usar bem os escassos recursos que existem, esbatendo assi­ metrias regionais.

Com cuidado, para não cairmos na ten­tação de tornar obri­ ga­tórias as artes (que não podemos confundir com edu­ca­ ção através das artes). Lembro-me sempre do texto de Karl Valentin (1882/1948) “Porque estão os teatros vazios”, na admi­rável encenação de Jorge Silva Melo, em 1979 (que tam­ bém representou esta cena), no Teatro da Cornucópia, num hilariante discurso de como tornar o teatro (as artes) obri­ ga­tório. Quem viu ou leu esse texto ficou vacinado para a vida.:: * Agradeço a leitura crítica e sugestões dos colegas Elisabete Oliveira, Isabel Aleixo, Isabel Bezelga, José Manuel David, Margarida Rainha, Margarida Teixeira, Maria da Conceição Rolo e Sónia Lucena


24 25 Dossier Trabalho de Projecto

APRENDER COMO AVENTURA

O Trabalho de Projecto O que é um projecto? Para que serve? Quais os fundamentos teóricos do trabalho de projecto? Que competências desenvolve? Que tipo de aprendizagens promove? Como se desenrola? Estas são algumas das questões a que se procura responder ao longo deste dossier. Envolvido na implementação de um modelo de Aprendizagem Baseada em Projectos na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda (Universidade de Aveiro), José Manuel Nunes de Oliveira, no seu texto, dá-nos uma imagem do que está em jogo. Isabel Valente Pires fala-nos de como desenvolver o trabalho de projecto, de acordo com três níveis, defendendo que o último consiste na sistematização do conhecimento, relacionando e organizando a informação recolhida pelos diversos grupos. A prova de que o trabalho de projecto é para todas as idades, está a Escola EB1 de Trajouce, em que os alunos do 1.º ano, organizados em pequenos grupos, realizam trabalhos sobre diversos temas escolhidos por eles. Um exemplo a não perder: o trabalho de projecto sobre a melhoria das acessibilidades na escola e na cidade foi decisivo para a “metamorfose” dos alunos do Curso de Educação e Formação de Operador de Informática da Escola EB 2, 3 Pedro Nunes, de Alcácer do Sal.


26 29

Questões e razões Que se ganha com o Trabalho de Projecto? Maria Emília Brederode Santos, Teresa Fonseca e Filomena Matos

30 33

No terreno Aprendizagem Baseada em Projectos José Manuel Nunes de Oliveira

34 39

Feito e dito Resolver um problema, estudar um tema ou concretizar um sonho Elsa de Barros

40 41

Recursos

42 45

Na Sala de Aula Os primeiros passos no trabalho de projecto Elsa de Barros

46 49

Repórter na escola A metamorfose de uma turma Elsa de Barros


26 27 Dossier Trabalho de Projecto

Questões e razões

que se ganha com o Trabalho de Projecto? Texto de Maria Emília Brederode Santos, Teresa Fonseca e Filomena Matos Ilustração de Carla Pott

O que é um projecto? Qual a sua finalidade na escola? Quais os seus fundamentos teóricos? Que competências desenvolve? Que tipo de aprendizagens promove? Como se desenrola?

Projecto, segundo definição da UNESCO (Glossaire des termes de technologie educative), é uma actividade prática significante, de valor educativo, visando um ou vários objec­tivos. Implica pesquisas, a resolução de problemas e, muitas vezes, uma produção. Uma tal actividade é plani­ficada e conduzida pelos alunos e o professor em conjunto num contexto real e verdadeiro. Numa explicação sucinta das vantagens do Trabalho de Projecto podemos dizer que é bom para envolver os alunos e levá-los a pensar – o que é, obviamente, uma finalidade essencial da escola. Esta finalidade essencial da escola parece­ ser ainda muitas vezes descu­rada em Portugal, se nos lembrarmos do que uma análise mais fina dos resul­tados do PISA e de outros testes internacionais tem revelado. De facto, a grande dificuldade dos alunos portu­gueses nos testes de Matemática situa­va-se na sua capacidade de resolução de problemas e, em Língua Portuguesa, nas capacidades de reflectir e fazer inferências – ou seja, nos dois casos, na sua capaci­ dade de pensar. O relatório Resultados do Estudo­ Internacional PISA 2003 con­sidera, aliás, que “... é absolutamente necessário que os estudantes sejam chamados a utilizar mais frequentemente processos cognitivos de nível mais elevado na resolução de problemas que exijam deles a uti­li­zação simultânea de informação diversa e de conceitos complexos, bem como a avaliação da qualidade da informação fornecida e a produção de argumentação válida 1.”


Uma nova dimensão no Trabalho de Projecto? Costuma-se fundamentar o trabalho de projecto nas teorias construtivistas de Piaget e Vigotsky e nas teorias e práticas pedagógicas de Dewey, Kilpatrick e Freinet. Segundo Dewey, por exemplo, os alunos devem: – ser activos para aprenderem e produzirem qualquer coisa; – aprender a pensar, isto é, aprender a resolver problemas; – aprender a viver em sociedade, isto é, aprender a colaborar com os outros.2 Estas ideias, apesar de terem cerca de um século, mantêm-se actuais e o desenvolvimento dos media electrónicos alargou de tal modo as potencialidades do trabalho de projecto que, aos olhos de muitos, esta forma de aprender parece nova. As redes abrem novos canais de comunicação; a Internet permite quase instantaneamente obter informação; com o correio electrónico pode-se entrar directamente em contacto­ com as mais variadas entidades... Em suma, hoje é possível trabalhar em projectos à distância, o que confere uma nova dimensão à aprendizagem através de projectos. Assim, o trabalho de projecto ressurgiu recentemente, com mais força no Canadá, no ensino superior e no ensino profissional, e expandiu-se rapidamente para a esco­laridade básica e secundária, tomando as designações de “Pedagogia de Projecto”, “Aprendizagem Baseada em Projectos”, “Abordagem por Projecto” ou “Trabalho de Projecto”. A diferença entre estes termos corresponde a uma redução da amplitude e intensidade do projecto no currículo: uma peda­gogia de projecto faz do projecto o princípio organizador geral do currículo, enquanto um trabalho de projecto permite a coexistência com outras formas de trabalhar3 – o que será mais consentâneo com o lugar da área de projecto no contexto do currículo dos ensinos básico e secundário.

Como se caracteriza e que aprendizagens promove? O trabalho de projecto assenta em duas orientações fun­ damentais: > por um lado, que as aprendizagens tenham um sentido, um significado, assim motivando os alunos, envolvendo-os, sobretudo aqueles que têm vivido experiências de insucesso na escola. As aprendizagens terão tanto mais significado quanto mais forem necessárias para resolver problemas reais ou para responder a verdadeiras perguntas (isto é, perguntas cuja resposta esteja em aberto, não seja já conhecida); > por outro lado, que as aprendizagens visem o desenvolvimento de competências, hoje consideradas necessárias para se viver satisfatoriamente numa “sociedade do conhecimento”: competências de recolha e tratamento de informação certamente, mas também de colaboração, de tomada de decisões, de actividade mental, de espírito de iniciativa e de criatividade.

Projecto (...) é como que um comprometimento entre a reflexão necessária e a acção desejada... Luíza Cortesão

Finalmente uma terceira orientação “atravessa” as duas primeiras: o trabalho de grupo que, contrapondo pontos de vista diversos, proporciona mais facilmente a identificação de problemas, de questões em aberto, como também o desenvolvimento de competências socia­is, de colaboração e de promoção da auto-estima.


28 29 Dossier Trabalho de Projecto

Com estas características, o trabalho de projecto promove aprendizagens portadoras de significado, globais e integradas, de diferentes dimensões: cognitiva, social e metacognitiva. A dimensão cognitiva diz respeito a questões como: o que se aprende, em que áreas do saber e como se relacionam estas aprendizagens com as anteriores; a forma como os conhecimentos são integrados; e o atingir dos objectivos previstos. A dimensão social trata de aprendizagens relativas às relações com os outros e aos valores (responsabilidade, atitude demo­crática, consciência crítica, atenção aos outros...) Por último, a dimensão metacognitiva tem a ver com a consciencialização dos alunos sobre o modo como se envolvem no projecto: se executam as tarefas de forma rotineira ou se procuram outras respostas; se recorrem a várias estratégias; se trabalham com método; e que processos mentais utilizam.

É a habilidade de trabalhar nas margens que define o possível... A. de Peretti

Como pensar e desenvolver um projecto? Na metodologia de projecto, pede-se ao professor que seja mais um guia e um organizador das aprendizagens e menos um transmissor de conhecimentos. Para isso necessita de, entre outras competências, ser capaz de: > deixar os alunos arriscar, mas não os deixar fracassar; > analisar e pôr em evidência os saberes e capacidades adqui­ridos; > privilegiar os aspectos positivos das aprendizagens; > gerir conflitos e trabalhar em equipa.

Em coerência, ao pensar um projecto deve-se procurar4: ­– ter em conta os interesses e motivações dos alunos, de modo a tornar as aprendizagens significativas, levando-os à compreensão e transformação da realidade que os rodeia; – trabalhar os conteúdos de uma forma integral, sem a fragmentação dos conhecimentos em disciplinas; – partir de uma situação que provoque um “conflito cognitivo” nos alunos, estimulando-os na procura de formas para superar a situação e resolver o problema; – promover o desenvolvimento de atitudes que facilitem a interacção, a cooperação e a solidariedade entre os alunos; – estabelecer com os alunos um conjunto de fases ou etapas por onde terão de passar para a realização do projecto.

Nestas aulas, se assim se podem chamar, é tudo diferente das outras aulas. Combina-se tudo, trabalha-se em grupo, trocam-se impressões com os colegas e com a professora (...), fazem-se muitas actividades; no fundo, são aulas livres onde se tratam temas livres, variados e necessários ao que se decidir fazer. Pode-se trabalhar e aprender dentro e fora da sala de aula e da escola. Alunos do 8.º ano da escola EB 2,3 de Miragaia, 2000


O quadro seguinte apresenta uma síntese destas fases, fazendo-lhes corresponder algumas questões que lhes dão a sua verdadeira dimensão e as competências mais relacionadas com o trabalho que se desenvolve em cada uma delas. Como dizem Elvira Leite e Milice Ribeiro dos Santos: “Com a introdução do projecto na escola (...) não se configura a solução para todos os problemas da esco­­la actual, mas talvez se possibilite o questionamento da rotina, da uniformização, da fronteira disciplinar, da imobilidade e se perspective uma outra postura perante­o ensinar e o aprender.”5 :: Ramalho, Glória (coord.), Resultados do Estudo Internacional PISA 2003, Gabinete de Avaliação Educacional do Ministério da Educação, Lisboa, 2004 2 Sintese proposta por Réginald Grégoire e Thérèse Laferrière, Apprendre Ensemble par Projet avec l’Ordinateur en Réseau, Réseau Scolaire Canadien (RESCOL), 1998  3 Ver Perrenoud, Philippe, Apprendre à l’ école à travers des projets: pourquoi? comment?, Faculté de psychologie et des sciences de l’ éducation, Université de Genève, 2002 4 Adaptado de Tanoni, Cecília e Alonso, Mª Ernestina, El Trabajo por Proyectos en el aula, www.educared.org.ar/aua/2006/secciones/bibliografia.asp 5 in Elvira Leite e Milice Ribeiro dos Santos, Nos Trilhos da Área de Projecto, DGIDC, Ministério da Educação, 2004 1

Principais etapas do projecto, as questões a colocar e competências a desenvolver. ETAPAS DO QUESTÕES A COLOCAR TRABALHO DE PROJECTO

COMPETÊNCIAS** A DESENVOLVER

Identificação e Em dado contexto, que problemas formulação há para resolver? do problema* A qual se atribui prioridade? Quais as manifestações desse problema? O que está na origem dessas manifestações? Como resolver o problema? Quais os objectivos a atingir? O que se deseja como resultado do projecto? Planificação Que actividades desenvolver e como? Quais as etapas do projecto? De quanto tempo se dispõe para desenvolver o projecto? Qual o tempo destinado a cada uma das etapas? Como se distribuem as actividades? De que recursos se precisa? Como obter esses recursos? Como reformular o plano se não se obtiverem os recursos? Desenvolvimento O projecto está a ser desenvolvido de acordo com a planificação? Quais os desvios detectados? Porquê? Como reorientar o trabalho, se necessário?

Pensamento crítico Identificação e análise de problemas Fazer escolhas e negociá-las Recolha, selecção e tratamento da informação Tomada de decisão

Apresentação Que se pretende divulgar? Qual o público-alvo? do projecto Como apresentar o projecto? Em que suporte?

Criatividade Síntese Planeamento e organização Comunicação

Avaliação Conseguiu-se resolver o problema? Que resultados se obtiveram? Que critérios de avaliação? Que instrumentos utilizar? ... Que competências foram realmente desenvolvidas? Que nova orientação tomar? Que novo(s) projecto(s) desenvolver?

... Auto­- e hetero-crítica Análise Síntese Avaliação Projecção

Projecção Organização Avaliação

... Autonomia Cooperação Trabalho em equipa Resolução de conflitos interpessoais Gestão do tempo Realização Recolha, selecção e tratamento da informação Avaliação Flexibilidade

* O problema identificado não deve ser demasiado abrangente, nem demasiado restrito. Deve ainda permitir a sua decomposição em sub-problemas (enunciados em forma de questões). * *Apresentam-se algumas das competências mais relevantes em cada etapa.


30 31 Dossier Trabalho de Projecto

No terreno

Aprendizagem Baseada em Projectos Texto deJosé Manuel Nunes de Oliveira Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda (Universidade de Aveiro) Ilustrações de Carla Pott

A Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda (Universidade de Aveiro) tem, desde 2001, nos seus cursos tecnológicos, um modelo de aprendizagem baseada em projectos. José Manuel Nunes de Oliveira esteve desde muito cedo envolvido no processo de desenvolvimento curricular e de transição para este novo paradigma. Considerando que o trabalho no terreno é transferível para outros níveis de ensino, o autor, com este texto, pretende ajudar a construir uma imagem mais clara do que está em jogo quando se fala em Aprendizagem Baseada em Projectos.


Nos modelos tradicionais parte-se da instrução magistral como fonte de conhecimento, numa estrutura fortemente centrada no professor, mesmo quando envolve componentes laboratoriais. Já no modelo baseado em problemas/projectos, o ponto de partida consiste na apresentação de um problema tanto quanto possível relacionado com situações concretas reais. Será ao tentar encontrar uma solução para esse problema que os alunos, organizados em pequenos grupos, desenvolverão o seu processo de aprendizagem, necessariamente diverso do dos seus colegas ou de um percurso pré-estipulado pelo professor. O facto de os problemas estarem relacionados com situações próximas da realidade é um factor de motivação importante e constitui um ambiente propício para o desenvolvimento de competências transversais: os alunos trabalham em grupo, planeiam o seu trabalho, pesquisam informação autonomamente. É fácil cair-se na tentação de pensar que esta metodologia consiste apenas em escolher um problema/projecto interessante, deixar que os alunos trabalhem sozinhos para encontrar uma solução e, finalmente, avaliar o produto desse trabalho. Tal abordagem é pura e simplesmente irresponsável, potenciadora de aprendizagens desadequadas e de experiências de aprendizagem muito insatisfatórias para os alunos. É essencial estruturar convenientemente todo o processo, como se discute nas secções que se seguem.

No Terreno: a Preparação lanificação prévia é a palavra de ordem em Apren­ dizagem Baseada em Projectos (ABP). Antes de mais, é essencial definir de forma clara os objectivos de aprendizagem do módulo em que se pretende utilizar esta metodologia. Uma lista de objectivos encabeçada pela frase “No final deste módulo, o aluno deverá ser capaz de....” é uma preciosa ajuda no trabalho de planificação que se segue, no acompanhamento do processo de aprendizagem e na avaliação. Uma vez definidos os objectivos de apren­dizagem, torna-se necessária uma primeira previsão dos assuntos a dominar pelos alunos para cumprir aqueles objectivos. Os materiais e estru­turas de apoio correspondentes deve­rão ser completamente preparados pre­viamente. A preparação de actividades/materiais “à vista” é muito pouco reco­­mendável, podendo representar a perda de controlo do processo de apren­dizagem.

P

Um outro aspecto importante prende-se com os recursos físicos a disponibilizar aos alunos. Idealmente, deveria haver um espaço de trabalho para cada grupo de alunos que lhes permitisse reunir sempre que quisessem, e o acesso livre a recursos como laboratórios, biblio­te­cas e meios informáticos. Como as estruturas disponíveis nem sempre o permitem, é importante descobrir for­mas de facilitar o acesso dos alunos a esses recursos, sob pena de não se tirar devido partido das dinâmicas de trabalho auto-dirigido que a ABP poten­cia. Caso sejam identificados outros módu­los que possam servir de suporte ao trabalho dos alunos, a sua articulação deve ser garantida e devidamente orga­nizada, ao nível da abordagem e da disponibilidade dos respectivos pro­fes­sores. Embora esta articulação pareça difícil, a prática mostra que é uma mais-valia enorme, proporcionando contexto e profundidade na aprendizagem.


32 33 Dossier Trabalho de Projecto

O problema a escolher deve ser real, aberto e exigir diversos saberes A escolha do problema/projecto é o impor­tan­tís­simo passo que se segue. Um bom problema deverá: • estar relacionado com situações con­cretas reais que os alunos possam reconhecer como um tema a merecer abor­dagem e que tenha alguma rela­ção com as suas expe­riências de vida; • ser aberto, no sentido em que não deverá ter uma única solução ou um único cami­ nho pos­sí­vel, pro­por­cionando “encr­u­zi­lha­das” perante as quais os alunos sejam forçados a avaliar situa­ções, a argumentar e a fundamentar as suas decisões; • incluir dimensões de multidis­cipli­na­ri­dade, pe­r­­­mitindo a congregação e arti­cu­ lação de saberes diversos, à seme­lhança do que acon­­tece com os problemas com que nos con­­frontamos nas nossas vidas pessoais e pro­fissionais. Os problemas/projectos poderão ser pro­pos­tos pelos pro­fessores ou pelos alunos, caben­do àqueles garantir que possibilitarão aos estudantes atingir os objectivos de apren­di­zagem definidos. É nesta garantia que se expressa o desenho curricular do módulo que, em última análise, se traduz no programa a “cobrir”. Uma tentação comum é a de desenvolver pro­­blemas que exigem que os alunos abordem todos os pontos do pro­grama previsto. Em geral, esses problemas vio­lam o requisito de cor­­responderem a situa­ções reais concretas, parecendo for­ça­dos, soando a falso. Uma das forças da ABP consiste em criar condições para que os alunos se tornem “donos” do seu pro­­ces­so de aprendizagem, desenvolvendo com­­­­­pe­tências de auto-aprendizagem. É mais útil confiar no desenvolvimento destas com­pe­tên­­cias, generalizáveis para outros contextos e outros problemas, do que embarcar na histeria de “esticar” os problemas propostos aos alunos para cobrir todo um programa. A Organização do Processo primeiro passo consiste em explicar claramente aos alunos todo o processo, o que deles se espera e o que pode­rão esperar dos professores envolvidos. Segue-se a formação dos grupos de trabalho e a apresentação dos problemas/ projectos. Os grupos poderão ser formados de modo completamente livre pelos alunos, ou organizados pelos docentes, baseando-se na informação de que dispõem sobre os estudantes para formar grupos mais equilibrados.

O

O trabalho dos alunos passa essen­ cialmente por quatro fases: • Definição do problema, em que os alunos identificam os temas asso­ ciados e estabelecem a ponte com as suas expe­riências e conhecimentos anteriores. • Definição das necessidades de apren­ dizagem, em que os alunos iden­ tificam o que precisam de apren­der para avançar na solução do problema – passo essencial para toma­rem as rédeas do processo. Esta fase desenvol­ ve-se em estreita articulação com a fase anterior. • Exploração e auto-estudo, em que os alunos vão tentar satisfazer as suas necessidades de aprendizagem num processo auto-dirigido. A dis­po­ni­ bilidade dos recursos da escola e o apoio dos professores que orientam o trabalho é essencial. • Aplicação e teste dos resultados, em que os alunos experimentam as soluções que forem desenhando para os seus projectos. Esta fase desen­volve-se em estreita articulação com as duas fases anteriores, num processo dialéctico e interactivo, altamente enriquecedor. É minha convicção que qualquer modelo de aprendizagem baseado em projectos exige a realização de reuniões regulares com os professores responsáveis. Essas reuniões servem para fazer o ponto da situação e discutir as perspectivas de trabalho futuro dos alunos, não invalidando outros contactos e apoios, à medida das necessidades dos alunos.


Constituem ainda um palco privilegiado para o desenvolvimento de técnicas de estruturação do trabalho de grupo e da sua planificação. Proporcionam ainda mais um espaço para o acompanhamento da evolução das aprendizagens por parte dos docentes envolvidos e correspondente feedback atempado. É ainda útil proporcionar momentos em que cada grupo apresenta o seu trabalho aos restantes colegas, potenciando a discussão generalizada e permitindo a disseminação de conhecimentos. O Papel do professor s papéis dos vários agentes alteram-se pro­fun­da­mente: o aluno passa de espectador a actor, a elemento activo e central do processo; o professor passa de “mestre” a “guia”, já que o seu papel é agora o de apoiar o processo de aprendizagem, colocando questões explo­ratórias, guiando sem fazer, questionando sem solu­cionar. Este novo papel do docente é, ao contrário do que possa parecer, extremamente exigente, já que requer uma fle­xi­bi­lidade e disponibilidade bastante superior ao que em geral acontece nos modelos tradicionais, traduzindo-se num efectivo estreitamento da relação professor/aluno. É usual que os alunos, numa primeira fase, reajam nega­ti­vamente a esta nova postura dos professores, que se habituaram a ver como fonte de saberes. É essencial não perder o sentido de direcção neste processo, e manter a confiança nos objectivos finais da ABP.

O

A Avaliação s métodos de avaliação deverão ser ajustados à nova realidade. É fundamental que haja componentes de avaliação individual que permitam distinguir alunos do mesmo grupo, sob pena de se criar um ambiente desequilibrado e potenciador de perfis de aprendizagem desadequados. Toda a estrutura permite o acompanhamento regular da pro­ gressão dos alunos, o que constitui um elemento de avaliação contínua. É usual exigir a construção de um documento escrito

O

que espelhe o processo de aprendizagem, e que pode servir de base a uma discussão oral do trabalho desenvolvido, com o orientador e elementos externos ao processo. Para além da possibilidade de distinguir desempenhos individuais, estes momentos permitem ainda o desenvolvimento de importantes competências comunicacionais. Para além desta estrutura mais con­ven­cional, muitos auto­res defendem que as potencialidades da ABP só são verdadeiramente exploradas quando se incluem com­po­ nentes de auto e hetero-avaliação, que deverão ter con­se­ quências na classificação final atribuída a cada alu­no. Estas formas de avaliação permitem introduzir uma componente de reflexão sobre o trabalho realizado e as interacções intra-grupo. É, no entanto, fundamental que os critérios de avaliação sejam previamente definidos e clarificados, podendo inclusi­vamente ser negociados com os alunos.

A aprendizagem baseada em projectos permite dar resposta aos desafios educativos de uma sociedade glo­balizada. Em Jeito de Conclusão A ABP proporciona um ambi­ente pro­pício ao desen­vol­vi­mento de com­pe­tências trans­versais de forma acom­panhada, e em contexto, sem descurar a essencial aquisição de conhe­ci­men­ tos científicos específicos. Como todos os processos que envolvem mudanças de ati­ tudes, é exigente para alunos e professores, requerendo destes últimos a capacidade de equilibrar o necessário espaço para a dinâmica de progressão auto-dirigida dos alunos com a regulação necessária à organização do processo de aprendizagem. Na minha opinião pessoal, é uma expe­riên­cia moti­­va­dora, que permite dar resposta aos desafios educa­tivos de uma sociedade glo­balizada, mas em que a diversidade de perfis e formações se torna cada vez mais presente. ::


34 35 Dossier Trabalho de Projecto

Feito e dito

Resolver um problema, estudar um tema ou concretizar um sonho Isabel Valente Pires procura desenvolver na prática o trabalho de projecto, de acordo com três níveis, que contemplam a planificação, a realização e apresentação do trabalho, e a sistematização do conhecimento, relacionando e organizando a informação recolhida pelos diversos grupos.

C

Entrevista de Elsa de Barros Fotografias de Pedro Zenkl

omo começou a interessar-se pelo trabalho de pro­ jecto? Comecei a interessar-me por esta temática no projecto Ensinar é Investigar. Fazia parte de um grupo de investigadores que procuravam estudar uma questão criando um modelo pedagógico que permitisse a investigação. Esse modelo pedagógico foi concebido em torno de projectos, com uma amostra de cerca de 300 alunos, distribuídos por diversas escolas públicas. Sistematizámos um modelo pedagógico que se desenvolveu em mais ou menos 15 projectos, entre 1983 e 1987. Todo o currículo do 1.º ciclo era trabalhado através de projectos. No projecto Ensinar é Investigar, o currículo estava organizado por temas e não por anos, porque os projectos eram, para nós, mais importantes do que estar a dividir os conteúdos em 1.º, 2.º, 3.º e 4.º anos. Os alunos estudavam os temas de uma forma gradual, indo do mais próximo ao mais distante e do concreto ao abstracto.

Como se desenvolveu o projecto Ensi­nar é Investigar? Em 1987, terminou a primeira fase, relativa à investigação, e passámos à segunda fase, que incidia na formação de professores. Porquê esta mudança? Porque detectámos que quando chegámos ao final do projecto o resultado mais interessante não era a resposta à questão de investigação, mas sim o sistema de trabalho que tínhamos criado, que permitiu uma formação dos professores que os levou a darem uma volta de 180 graus. Nas suas práticas? Exactamente. Tinham deixado de chegar à aula e debitar, explicar ou dar a matéria, para


passarem a interagir, a colocar desafios, a realizar debates, a ajudar os alunos a organizarem e a sistematizarem o seu pensamento. Neste contexto, pedimos ao Ministério da Educação condições para, durante um ano, formar estes professores para estudarem os fundamentos teóricos do sistema pedagógico. No fim desse ano de estudo, estes formadores foram destacados e cada um deles ficou responsável pela formação de um grupo de professores, fazendo-o da mesma forma como tinha sido formado. Foi, portanto, um sistema em cascata. O projecto Ensinar é Investigar decorreu até quando? A fase da formação decorreu até à década de 90, penso que até 1993. O projecto estava na altura sedeado no Instituto de Inovação Educacional, contando com 14 a 16 professores destacados e com 1200 professores no terreno, distribuídos pelo país, abrangendo cerca de 25 000 alunos. Mais tarde, retomou a prática do tra­ba­lho de projecto quando assumiu a direcção do Colégio de Santa Maria? A primeira coisa que fiz, quando assumi a direcção do colégio, em 2000, foi pro­ curar trabalhar com os professores para perceber quais eram as suas práticas pedagógicas e poder fazer um diagnóstico.

E qual foi esse diagnóstico? Apercebi-me de que o colégio, de uma forma geral, era muito tradicional. Cada professor fazia o seu trabalho dentro da sala de aula, não havendo trabalho de equipa nem debates sobre questões pedagógicas. Tudo decorria como há não sei quantas décadas, como quando eu andava na escola... já lá vão uns aninhos! Quando a Associação 31 de Maio, sem fins lucrativos, comprou o colégio, pensou-se em fazer formação de professores. Perante esse diagnóstico, como passou à fase seguinte, centrada na formação dos professores? Todo o projecto da escola foi construído com os professores. Eu dava formação e fazia propostas que julgava serem interessantes. Se os professores aderiam, muito bem; se não, deixava cair e não insistia. Foi assim que aconteceu com o trabalho de projecto: e foi a grande revolução! Com o trabalho autónomo os pais protestaram, mas o trabalho de projecto foi, efectivamente, a grande revolução. Em que consistiu essa revolução? Foi quando os professores deixaram de chegar à sala de aula para darem a matéria e obrigarem os alunos a estudarem aqueles conteúdos enfadonhos, sem graça nenhuma. Há uma questão muito importante que tem a ver com o trabalho de projecto: por que é que os alunos, quando estão a desenvolver um projecto, só querem trabalhar no projecto e não querem estudar mais nada? Por que motivo se entusiasmam tanto


36 37 Dossier Trabalho de Projecto

As crianças aprendem muito em interacção e esta metodologia faz aumentar a quantidade de estratégias utilizadas.

que contam às famílias tudo o que estão a fazer no projecto? Observando e reflectin­ do, cheguei à seguinte conclusão: qual a pessoa que vai ler Os Maias se alguém lhe contar tudo o que está naquele livro? É evidente que não vai ler, pois a sua curiosidade foi morta. Isto é o que fazem noventa e tal por cento dos professores. Matam a curiosidade dos alunos? Obviamente, pegam num livro e contam tudo o que está lá dentro. Como é que o trabalho de projecto tira partido dessa curiosidade natural? Estimula-se essa curiosidade partindo de algo de que os alunos sabem um pouco, mas levando-os rapidamente a perceber que não sabem tudo, que sabem mesmo muito pouco e que precisam de saber muito mais. Em primeiro lugar, vão dizer aquilo que já sabem, a seguir, vão interrogar-se sobre aquilo que ainda não sabem. Exactamente, trata-se do nível um do trabalho de projecto. Depois de dizerem aquilo que sabem, descobrem que não sabem muitas coisas. Fazem, no fundo, um brainstorming e levantam imensas questões que não sabem sobre aquele tema e que gostariam de saber.

Como se arrumam essas questões? Para arrumar as questões, é preferível recorrer a tiras de cartolina e a bostik do que ao quadro e ao giz, pois estes materiais possibilitam uma maior mobilidade. Quando se pretende organizar as questões que são mais próximas umas das outras por subtemas, basta deslocar as tiras de cartolina para o local pretendido e colá-las com bostik. Isto faz-se por deslocações, com dinâmica. Entramos agora no nível dois? Sim, depois desta primeira fase em que são definidos os subtemas, os alunos organizam-se em grupos de dois ou três Porquê formar grupos de dois ou três alunos? A escolha de dois ou três alunos por grupo para cada subtema permite trabalhar sem grande alvoroço, pois quanto maiores são os grupos, maior é a confusão. Se o grupo for de dois, há um orador e um secretário que podem ir rodando. Podemos introduzir um terceiro elemento, que é o espião. O espião não é clandestino, é aquele que, no momento em que os outros dois estão ocupados, vai pelos outros grupos ver o que estão a fazer e vem contar ao seu grupo. As crianças aprendem muito em interacção e esta metodologia faz aumentar a quantidade de estratégias utilizadas. Esses papéis são fixos ou rotativos? Esses papéis rodam, porque todos os alunos devem praticar a capacidade de liderança, todos devem praticar a capacidade de sistematizar por escrito e todos devem praticar a capacidade de observação. No nível dois, como é que os alunos fazem a pesquisa? Pesquisam em diversas fontes. As próprias salas de aulas estão equipadas


O nível três é aquele que lhes dá a segurança no conhecimento, a profundidade desse conhecimento.

com uma pequena biblioteca e, normalmente, têm um computador. Mas os alunos também têm acesso ao centro de recursos com uma série de computadores ligados em rede e com ligação à Internet. Para além disso, o professor traz sempre os seus próprios documentos, que são um contributo para a pesquisa. Procura-se que o trabalho de projecto seja realizado nos tempos de trabalho autónomo. Depois de os alunos pesquisaram a informação, qual é a etapa que se segue? Têm que a sistematizar. Nem toda a informação recolhida interessa, é preciso seleccioná-la e sistematizá-la para poder ser apresentada. As crianças mais novas, do jardim-de-infância e do 1.º ciclo, normalmente fazem apenas cartazes, mas os mais crescidos, a partir do 5.º ano, começam a apresentar também um trabalho escrito. Na fase da sistematização, o professor tem de dar alguma ajuda? Principalmente aos mais novinhos, aos mais velhos não. É importante que os grupos se preparem para apresentar os seus trabalhos aos colegas. Exactamente, tenho um pequeno filme em PowerPoint, de uma apresentação do 3.º ano de escolaridade, em que se vê já a força com que a criança comunica; já não está constantemente a virar-se de costas para os colegas para mostrar o que está no quadro.

Ela sabe que tem de explicar de modo a que os colegas fiquem a perceber. Fala com uma voz bem colocada e é muito expressiva. O nível dois termina com a apresentação do trabalho? Sim, termina aí. É essa a crítica que muitas vezes se faz ao trabalho de projecto: diz-se que cada grupo só estudou um subtema, só sabe a fundo do seu subtema e que tem um conhecimento muito superficial das apresentações que os colegas fizeram. O conhecimento fica pouco sistematizado? Fica pouco sistematizado, pouco organizado e muito superficial. É aqui que entra o nível três? Sim. Tem como ponto de partida os trabalhos de projecto que os vários grupos de alunos desenvolveram e processa-se em debate em grande grupo. O nível três é aquele que lhes dá a segurança no conhecimento, a profundidade desse conhecimento, o relacionamento desses conhecimentos com outros que já possuem e, no fundo, toda a estruturação dos conhecimentos que os vários grupos adquiriram. Os temas podem ser sugeridos pelas crianças ou são-no sempre pelo professor? Podem ser sugeridos pelas crianças e, muitas vezes, são-no. Quando, por exemplo, nasce um cachorrinho e uma criança o traz para a aula, no jardim-de-infância ou no 1.º ciclo, é evidente que vão querer saber imensa coisa sobre os cãezinhos e sobre todos os outros animais de estimação que as crianças da turma têm. Então, o tema pode surgir naturalmente dos seus interesses, das suas curiosidades. De qualquer maneira, é bom clarificar que não privilegiamos a resposta a problemas, mas sim o tratamento de temas, uma vez que o tempo das crianças é finito e há sempre uma preocupação com o currículo.


38 39 Dossier Trabalho de Projecto

Níveis do trabalho de projecto Nível 1 – Os alunos exprimem aquilo que já sabem sobre um determinado assunto, enumeram aquilo que gostariam de saber, pensam nas estratégias que podem desenvolver para dar resposta às questões e fazem o levantamento das fontes de informação disponíveis. Por exemplo, quando se trata de estudar os animais, os alunos dizem o que sabem sobre este tema, o que gostariam de saber e como pensam organizar-se para aprender. Nível 2 – Divididos em grupos, os alunos realizam o seu trabalho de projecto, procurando dar resposta às questões levantadas e preparando a apresentação final­do trabalho. Relativamente ao estudo dos animais, cada grupo tem de responder a diversas questões sobre­ o animal estudado: qual a forma do corpo, o seu revestimento, a forma de locomoção, a alimentação, a reprodução e a adaptação ao meio ambiente. É com a apresentação do trabalho que, geralmente, termina o trabalho de projecto, sem se passar à fase seguinte, o nível 3. Quando o trabalho de projecto termina neste ponto, os alunos ficam com um conhecimento disperso e pouco consistente, pois sabem muito do tema que trabalharam mas pouco dos temas desenvolvidos por outros grupos. Nível 3 – O nível 3 é aquele que permite a sistematização do conhecimento, fazendo que todos os alunos se apropriem da informação recolhida e trabalhada pelos restantes grupos. Relativamente ao tema dos animais, podem colocar-se tiras de cartolina com bostik na parede da sala onde estão escritos os diver­sos pontos a estudar: forma do corpo, revestimento, locomoção, alimentação, etc. Para cada animal, vai-se pre­enchendo os diversos itens, colando novas tiras de cartolina por baixo e, no fim, relaciona-se e sistema­tiza-se o conhecimento.

Pode haver vários projectos ao mesmo tempo na turma? Pode haver vários, que podem ou não relacionar-se. Por exemplo, se queremos que alunos treinem a comunicação oral, para se prepararem para a vida, podemos propor que cada um escolha um tema que lhe interesse. Claro que nós preferimos temas actuais: a eleição do presidente dos Estados Unidos, as reservas de água e os problemas com a água, mas também pode ser a partir de uma fotografia... Quais são as grandes vantagens do trabalho de projecto para a aprendizagem? Permite aprendizagens mais felizes. Isto é muito importante porque a motivação influencia o grau de conhecimento, o nível das aprendizagens que desenvolvemos. Neste caso, as aprendizagens são mais felizes, mais profundas, mais dominadas no sentido de serem utilizáveis em diferentes contextos, mais estruturadas e mais disponíveis. Que competências é que o trabalho de projecto desenvolve nos alunos? Desenvolve uma série de competências: a competência de colocar problemas, de planear trabalhos, de pesquisar, de organizar a informação, de utilizar diferentes fontes de informação, de trabalhar em equipa, assumindo papéis diferentes dentro da equipa, de comunicar o conhecimento sob muitas formas e de utilizar esse conhecimento em situações diversas e para fins variados. Qual é a importância de desenvolver essas competências no mundo actual em que, cada vez mais, estamos conscientes da nossa ignorância e da fragmentação do conhecimento? O mais importante é que os alunos aprendam a aprender e ganhem um grande gosto por aprender. O período mais sensível da curiosidade para a aprendizagem é entre os cinco e os 12 anos de idade. Assim, se nós aproveitarmos esse período para que a criança adquira uma determinada competência, esta é adquirida com facilidade e perfeitamente integrada. Se deixarmos passar esse período, a partir daí tudo é realizado com esforço e penosamente. Ora, as crianças entram para a escola na altura em que estão ávidas de conhecimento, mas a escola, por vezes, mata essa curiosidade, esse desejo de conhecimento. Se soubermos, durante esse período, estimular, permitir que as crianças construam o seu próprio conhecimento de forma atractiva, como é o caso do trabalho de projecto, elas adquirem competências que lhes ficam para a vida inteira.


O trabalho de projecto permite aprendizagens mais felizes.

No fundo, dá-se aos alunos ferramentas que podem voltar a utilizar se quiserem investigar outros temas. No mundo actual, a organização é fundamental Mas os portugueses são naturalmente pouco organizados, todos temos de aprender a ser organizados. Percebe-se perfeitamente o quanto é importante ensinar os alunos a organizarem os seus materiais, a organizarem o seu comportamento, a organizarem a sua informação, etc. Isto é ainda mais desenvolvido no trabalho autónomo, porque aí têm mesmo de organizar o que têm de fazer em termos de estudo e de trabalho. A responsabilidade e a capacidade de iniciativa são também características fundamentais – são competências essenciais. Ao nível do sucesso escolar, quais são as repercussões desta forma de trabalhar? É evidente que os resultados escolares dos alunos têm vindo a subir de uma forma constante. Isso vê-se através das provas de aferição e também através das provas anuais. Temos o tratamento dos resultados dos alunos, feito até ao ano passado e desde o 1.º ano em que entrámos no colégio. Mas esses resultados não são imediatos. É necessário algum tempo para que se tornem visíveis. É por isso que aconselho outras escolas que queiram experimentar sistemas pedagógicos inovadores a não ficarem angustiadas se, no início, os alunos – porque estão muito preocupados com a aprendizagem de novas competências – não tiverem tanta rentabilidade nas aprendizagens escolares propriamente ditas. Para terminar, em poucas palavras, qual é a grande finalidade do trabalho de projecto? Sou adepta da perspectiva defendida por Paulo Abrantes na sua tese de doutoramento, segundo a qual um projecto é criado para resolver um problema, para estudar um tema ou para realizar um sonho. Realmente, um trabalho de projecto pode ser despoletado por uma destas três coisas, embora o ponto de partida mais comum seja o estudo de temas.

perfil Com licenciatura em Ciências Matemáticas e mestrado e doutoramento em Ciências da Educação, Isabel Valente Pires dedica grande atenção à temática do trabalho de projecto, desde há mais de duas décadas. O desenvolvimento do projecto Ensinar a Investigar, entre 1983 e 1993, levou esta investigadora a contribuir para a criação de um modelo pedagógico baseado na investigação e a investir na formação de professores. Quando, em 2000, assumiu a direcção pedagógica do Colégio de Santa Maria, em Lisboa, apostou na formação de professores necessária para implementar a prática do trabalho de projecto na sala de aula. Actualmente, é professora adjunta na Escola Superior de Educação de Setúbal.


40 41 Dossier Trabalho de Projecto

Recursos

Recursos na Net Na Internet encontram-se diversos sites com informação sobre a Aprendizagem Baseada em Projectos, desde documentos de apoio à fundamentação, até à descrição de projectos desenvolvidos nas escolas.

Microsoft Educação https://www.microsoft.com/portugal/educacao/ No site da Microsoft Educação, na secção “Recursos”, encontra na “Área de Projecto” uma apresentação que descreve e exemplifica uma Metodologia de Trabalho de Projecto com recurso às TIC. Com um carácter mais prático, pode aceder a projectos que, à medida que são descritos, mostram várias ferramentas TIC apropriadas a cada uma das etapas de um projecto.

BIE - Buck Institute for Education http://www.bie.org/ O Buck Institute for Education (BIE) é um instituto de investigação que desenvolve, com outras entidades, propostas de utilização da Aprendizagem Baseada em Projectos nas salas de au­la. A partir da secção “Recursos na Web” pode aceder a outros sites com projectos. Todos estes sites estão em inglês, com excepção do ThinkQuest que se encontra em parte traduzido em português. Destaca-se ainda o “Exemplary PBL Projects” que na secção “Recursos” tem ligações não só a sites como a publicações.

TACT - TéléApprentissage Communautaire et Transformatif/Technology for Advanced Collaborative Teaching http://www.tact.fse.ulaval.ca/ O TACT é uma rede de formação à distância da Universidade de Laval com outras instituições em que uma das preocupações é a aprendizagem colaborativa. Na secção “Recursos” encontram-se, dis­po­­níveis em pdf, diversos documentos, dos quais se destaca “Apprendre ensemble par projet avec l’ordinateur en réseau” de Réginald Grégoire e Thérèse Laferrière (em francês e inglês­).

Eduteka http://www.eduteka.org/ Eduteka é um portal colom­ biano, em castelhano, que ofere­ce gratuitamente uma enor­­me variedade de recursos acompanhados de estudos actua­lizados nacionais e internacionais. Na secção “Recursos” encontra “Projectos de Classe” para trabalho colaborativo e que estão organizados por áreas e por idades dos destinatários. :: RS


AprendIZagem baseada em projectos Guia para professores do ensino fundamental e médio

Buck Institute for Education

Nos Trilhos da Área de Projecto

Artmed (2ª edição), 2008 31,50 e

Elvira Leite e Milice Ribeiro dos Santos Direcção-Geral de Inovação

O conhecimento especializado é

e Desenvolvimento Curricular, 2004

muito importante, mas não menos

Com o livro Nos Trilhos da Área de

aplicar, de resolver problemas, de

Projecto, as autoras visam dar um contributo para a concretização da área curricular não disciplinar Área de Projecto e ninguém melhor que Elvira Leite e Milice Ribeiro dos Santos para o fazer. Elas não só conhecem bem as experiências anteriores como, em 1989, publicaram (juntamente com Manuela Malpique) a obra Trabalho de Projecto, em dois volumes (Ed. Afrontamento, Colecção Ser Professor). Estes livros foram, durante anos, referência fundamental para quem se quisesse aventurar por esses caminhos do trabalho de projecto. Nos Trilhos da Área de Projecto é certamente um recurso indispensável para todos os professores que desejem reflectir e aprofundar a metodologia do trabalho de projecto. Como afirmam as autoras: “Este livro é sobretudo uma proposta de reflexão aberta e flexível, dirigida a todos os docentes (…), como uma referência para a sua intervenção na escola.” A obra está estruturada em cinco capítulos: Metodologia do Trabalho de Projecto; Como Agir na Área de Projecto – Apresentação de uma proposta; Da intenção à concretização – três experiências comentadas; Aprender a caminhar caminhando – Professores em Projecto; e Considerações Finais. De todo o conteúdo do livro, destaque-se: a apresentação dos aspectos mais relevantes da metodologia do trabalho de projecto, envolvendo teoria e prática; as bolsas de textos para reflexão e os relatos comentados de projectos realizados em diferentes escolas. O livro, do princípio ao fim, apela à construção de dinâmicas que desenvolvam a criatividade e a capacidade de intervir. :: A obra foi distribuída gratuitamente às escolas pela DGIDC e os dois primeiros capítulos podem ser descarregados em:

importante é a capacidade de o planificar, de monitorizar e avaliar desempenhos e, por maioria de razão nos dias que correm, a capacidade de comunicar ideias próprias a diferentes públicos. Ora, pela sua natureza, a metodologia de projecto está especialmente vocacionada para o desenvolvimento destas competências, tão úteis no dia a dia, mas sobretudo no exercício de uma cidadania responsável e de um desempenho profissional exigente. Os professores interessados em explorar os fundamentos da aprendizagem baseada em projectos (ABP) e obter apoio na sua aplicação têm à sua disposição um auxiliar incontornável, produzido pelo Buck Institute for Education, que constitui um excelente guia para a organização de um processo de ensino e aprendizagem que assuma a ABP como estrutura nuclear. Incorporando a experiência de professores bem sucedidos na sua aplicação e a investigação recente sobre a aprendizagem dos alunos, este guia esclarece-nos sobre a metodologia, dá-nos uma descrição do processo de concepção e planeamento de projectos, fornece bancos de ideias e disponibiliza, além disso, formulários úteis para orientar a prática. A Internet é aqui um recurso complementar através do site do Buck Institute for Education que disponibiliza material de apoio a este livro, é um ponto de acesso a outros meios e organizações e igualmente proporciona formação para o efeito. Pena é que toda esta informação apenas sirva a quem esteja familiarizado com a língua inglesa. Para obviar este facto, pelo menos a Artmed (editora sedeada no Brasil) publica em português o guia que aqui apresentamos, já em 2ª edição, podendo ser adquirido através da Editora

http://www.dgidc.min-edu.pt/inovbasic/biblioteca/excertos/index.htm

Dinalivro, representante em Portugal da Artmed. ::

MEBS e TF

Filomena Matos (Conselho Nacional de Educação)


42 43 Dossier Trabalho de Projecto

Na sala de aula

Os primeiros passos no trabalho de projecto Têm apenas seis anos e estão a aprender as primeiras letras, mas tal não impede os alunos do 1.º ano da Escola EB1 de Trajouce de já fazerem trabalhos de projecto, organizados em pequenos grupos, sobre diversos temas escolhidos pelas crianças. Texto de Elsa de Barros Fotografias de Jorge Padeiro

Às duas da tarde de quarta-feira, está na hora de retomar os trabalhos de projecto já iniciados, tal como ficou estipulado no plano do dia. Os alunos que nessa semana assumem o cargo de presidentes, Francisco e Miguel, dirigem as actividades. Vão para junto de um armário que tem registados nas gavetas os nomes dos diversos grupos, atribuído de acordo com a temática a estudar, e começam a chamar: “Grupo das borboletas!” Ao ouvirem o nome do seu grupo, Lara e Cláudia levan­ tam-se e dirigem-se para a respectiva gave­ta, de onde retiram as folhas que já escre­ve­ram para o seu trabalho e os livros que estão a utilizar para dar resposta às questões que colocaram. Quando se vão sentar, os pre­­si­dentes nomeiam, um a um, os restantes grupos, indicando aos colegas a ordem pela qual devem ir buscar os materiais para as res­pec­tivas investigações: grupo do corpo humano, grupo das motas, grupo do mun­ do, grupo dos carros e grupo dos mor­cegos. Depois de todos os grupos terem ido buscar os seus materiais, a turma está em condições de dar início a mais uma sessão de trabalho de projecto. Sentados em pequenos grupos, os alunos começam a organizar-se para darem continuidade às tarefas já começadas. Dão uma vista de olhos no plano de trabalho para tentarem perceber o que ainda falta fazer, folheiam os livros abrindo as páginas já marcadas com etiquetas e distribuem entre os membros do grupo as tarefas a realizar. Lara e Cláudia são, sem dúvida, as alunas mais absor­ vi­das pelo trabalho, preocupadas com a preparação da comu­nicação que vão fazer aos colegas daí a dois dias. A pro­fessora da turma, Esmeralda Rami­nhos, sem descurar a atenção que tem de dar a todos os alunos,


disponibiliza-se para apoiar o grupo das borboletas, ajudando as crianças a sis­te­ matizar a informação já recolhida e a dar res­postas às questões ainda em falta. Preparação da comunicação sobre as borboletas “O que é que cada uma de vocês vai mostrar na comunicação à turma?”, per­­gunta a professora, sentada ao pé das duas alunas. Lara pega no acetato que ilustra a metamorfose da lagarta em borboleta e explica, por palavras suas, aquilo que aprendeu, enquanto aponta com o dedo as diversas fases da transformação: “Eu vou dizer que isto é um ovo, depois transforma-se em lagarta, a seguir em lagarta gorda e, por fim, em borboleta”. A Cláudia, por sua vez, mostra um ace­tato com imagens de diversas bor­ bo­letas e enumera: “Existem muitas borboletas diferentes. Há borboletas

azuis, amarelas, verdes, cor-de-laran­ ja, brancas e roxas. E também há bor­ bo­letas às riscas, às bolinhas e outras todas pintadas.” A professora volta a ler o plano de trabalho para se certificar de que todas as perguntas têm resposta ou se ainda falta investigar alguma questão. Relativa­ men­te ao item “O que pensamos sobre o assunto”, as alunas mostram as pági­nas correspondentes aos pon­tos enu­me­ra­ dos, onde está escrito: “Sabe­mos que as borboletas se põem em cima das folhas”, “Nascem dentro de uma coisa amarela e transformam-se em borboletas”, “Têm asas”. Quanto ao ponto “Perguntas para inves­tigar”, a professora questiona as crianças para verificar se são capazes de explicar aos colegas as respostas

às questões que colocaram. “Como se chama a coisa amarela de onde a bor­ bo­leta nasce?”, pergunta Esmeralda Rami­nhos. “Casulo”, respondem pron­ tamente as alunas. “E de que se ali­men­ tam?”, questiona a professora. “A lagarta, de folhas, e a borboleta, do néctar das flores”, diz Lara. “E onde vivem as borboletas?”, interroga a professora, para depois constatar que ainda falta dar resposta a esta questão. “Como vamos fazer?”, devolve a per­ gun­ta. “Vamos procurar nos livros”, pro­põem as crianças, folheando os volu­ mes que utilizaram para o trabalho de projecto, tentando identificar a página com a informação pretendida.


44 45 Dossier Trabalho de Projecto

Mas, enquanto preparam a resposta, Lara e Cláudia não resistem a confessar que daquilo que gostaram mesmo foi “das borboletas a sério que a professora trouxe para a aula, já mortas e presas a um vidro”, pedindo para as irem buscar. “Gostei muito de ver as borboletas. Estou habituada a gostar de borboletas”, conclui Cláudia, com um sorriso rasgado.

Esmeralda Raminhos Em discurso directo Através do trabalho de projecto, os alunos desenvolvem competências significativas em termos de aprendizagem. Antes de iniciarem o trabalho de projecto, estabelece-se a ligação com o programa do 1.º ciclo, com o objectivo de identificar os conteúdos que vão ser trabalhados. Têm de aprender a pesquisar a informação em diversos suportes, como livros, jornais e revistas, CD-Roms, DVDs ou outras fontes. Depois de pesquisarem, têm de seleccionar a informação pretendida, sublinhando aquilo que lhes interessa e procurando o significado das palavras que não conhecem. A seguir, é necessário sintetizar e organizar a informação seleccionada, antes de passar à fase da preparação da comunicação. Para realizarem a comunicação, recorrem a diversas técnicas, como por exemplo mostrar acetatos ou expor cartazes, PowerPoints ou realizar experiências, entre outros. A comunicação principia com a apresentação do trabalho, à qual se segue o debate com os colegas e com a professora e, por fim, a avaliação, nas modalidades de auto- e hetero-avaliação. O grupo que apresentou a comunicação prepara uma ficha informativa para distribuir pelos colegas, que é acompanhada por um questionário sobre o tema do trabalho de projecto.

O orgulho de quem ensinou o que fazem os aviões Francisco e Alexandre, do primeiro grupo que apresentou uma comunicação à turma, na semana anterior, não conseguem dis­far­çar o orgulho que sentem. “Ensinámos o que os aviões faziam e porque tinham uma coisa em baixo tipo balões”, diz Francisco. “É para aterrarem”, continua Alexandre. “Olha que são só alguns: os hidroaviões”, cor­ri­ge-o o colega. Francisco continua a dar explicações, visi­vel­mente satisfeito por poder mostrar aquilo que aprendeu: “Aprendemos para que é que os aviões têm asas. É para voarem e depois conseguirem baixar e levantar. Têm uma parte mais fininha e uma mais grossa para o ar passar mais depressa e conseguirem estar lá em cima.” “Também aprendemos os nomes dos avi­ões”, recorda Alexandre. “Hidroaviões, a jac­ to, avionetas...”, enumera Francisco. “E ficá­mos a saber que há outros meios de trans­ porte, além dos aviões: comboios, barcos, motas, carros, bicicleta, a pé”, prossegue, antes de fazer um balanço. “Gostei de fazer este trabalho, porque falei nas coisas que já passei na minha vida... por exemplo, quan­do fui à Suíça de avião.” Na mesa ao lado, Miguel, Luís e David discu­tem acaloradamente sobre os carros, o tema que escolheram para a sua investigação. “Há carros que andam muito rápido”, constata Miguel. “Isso não é bom, podem ter um acidente”, adverte Luís. “E se a pessoa não tiver o cinto pode morrer”, interrompe Miguel, para depois concluir que se “deve usar o cinto”. “E também tem de se seguir os sinais de condução”, conclui David.


Os restantes grupos da sala afadigam-se para dar resposta às questões dos seus projectos.

Mas a sua sabedoria não fica por aqui: “Os pneus têm de ser escolhidos de acordo com o terreno: neve, areia, estrada. E há rodas finas, grossas, outras assim-assim, pequeninas, com quadrados ou com riscas”, diz Miguel. Quanto a Luís, acrescenta: “Há muitas marcas: Peugeot, BMW, Opel, Golf, Fiat e Mercedes.”

Depois, com um ar sério e atarefado, começam a folhear os livros que têm em cima da mesa. “A professora emprestou-nos dois livros, e a biblioteca, outros dois. Nós tiramos apontamentos sobre os carros”, concluiu Luís.

Um processo que conduz à autonomia Os restantes grupos da sala afadigam-se para dar resposta às questões dos seus projectos, respectivamente sobre os morcegos, o mundo e o corpo humano, uns com maior autonomia do que outros, mas todos com vontade e curiosidade de dar resposta àquilo que querem saber. Ainda no início do 1.º ano, numa escola situada num meio sócio-económico desfavorecido, estes são os primeiros passos no sentido do trabalho de projecto, dados com a dificuldade acrescida de quem ainda não domina a leitura e a escrita. “Quando os alunos estão comigo desde o 1.º ao 4.º ano, chegam a fazer 20 ou 30 trabalhos de projecto. O importante é que façam muitos projectos para terem oportunidade de irem melhorando. Antes de dominarem a leitura, precisam muito da minha ajuda, mas depois vão-se tornando cada vez mais autónomos até que, no 4.º ano, já conseguem trabalhar com grande autonomia”, explica Esmeralda Raminhos. “Enquanto ainda não sabem ler, tenho de ser eu a escrever o plano do projecto, de acordo com aquilo que já sabem sobre o assunto e o que pretendem investigar. A seguir, vão identificando nos livros as páginas relacionadas com o projecto e assinalamnas com etiquetas. Eu leio-lhes essas páginas, peço-lhes para dizerem por palavras deles aquilo que perceberam e escrevo”, prossegue a professora. Os alunos escrevem as conclusões a que chegaram, ilustram as páginas do seu trabalho e preparam a comunicação à turma, recorrendo a técnicas diversificadas, sugeridas pela professora e inspiradas em trabalhos de anos anteriores, disponibilizados para consulta na sala de aula. ::

O plano do projecto Antes de darem início ao trabalho de projecto, os alunos planificam o trabalho a realizar, de acordo com os seguintes itens: O que pensam sobre o assunto? Neste item, escrevem aquilo que já sabem sobre um determinado tema. Perguntas para investigar Os alunos enumeram as questões às quais gostariam de dar resposta ao longo do trabalho. Conteúdos do programa a aprender para ensinar Estabelecem a relação entre as aprendizagens a realizar e os conteúdos do programa do 1.º ciclo. Onde e como vamos investigar Identificam os livros ou outras fontes de informação às quais vão recorrer para pesquisar a informação necessária para dar resposta às questões levantadas.


46 47 Dossier Trabalho de Projecto

Repórter na escola

A metamorfose de uma turma A implicação dos alunos da turma do Curso de Educação e Formação de Operador de Informática da Escola EB 2, 3 Pedro Nunes, de Alcácer do Sal, num projecto de melhoria das acessibilidades na escola e na cidade, no âmbito do concurso Escola Alerta!, foi decisivo para a mudança de comportamento destes jovens com reflexo nas aprendizagens. Texto de Elsa de Barros Fotografias de Jorge Padeiro

Há um antes e um depois para os alunos do Curso de Educação e Formação (CEF) de Operador de Informática da Escola EB 2, 3 Pedro Nunes: o antes de terem participado no concurso Escola Alerta! e o depois de terem sido premiados pelo trabalho desenvolvido no âmbito dessa iniciativa. O comportamento foi a primeira coisa que mudou, e essa mudança foi determinante para melhorar o desempenho escolar da turma. Foram, aliás, os problemas de comportamento que estiveram na base da proposta lançada aos alunos pela professora de Informática, Paula Pereira, para a participação num projecto que implicava a sensibilização para a deficiência e o repensar das acessibilidades na escola. “Os professores estavam bastante preocupados com o comportamento desta turma, que tinha diversas participações em todas as disciplinas e uma assiduidade muito irregular. O percurso escolar dos alunos era marcado pelas retenções e a sua auto-estima estava muito em baixo”, explica. Ana Paula Grosso, a professora de Físico-Química, resolveu aliar-se à colega de Informática para tentarem resolver os problemas de comportamento e motivarem os alunos para uma actividade concreta. “Vimos nesta possibilidade uma forma de agarrar a turma e de marcar a diferença”, justifica. Nas palavras desta professora, “foi um modo de tentar aumentar a auto-estima dos alunos, de os levar a aplicar os conhecimentos de informática e de os sensibilizar para a diferença, sobretudo dos jovens portadores de deficiência”.


Mas nem tudo foi um mar de rosas. No início, quando desafiaram os alunos para participarem no projecto, estes ficaram de pé atrás. No entanto, à medida que foram desenvolvendo o trabalho, os jovens começaram a passar por aquilo que as professoras denominam por “metamorfose”. Com que linhas se tece a metamorfose? No ano lectivo seguinte, depois de os alunos terem sido premiados no concurso Escola Alerta!, diz quem os conheceu que já não parecem os mesmos. “No princípio do ano passado, nem se conseguiam sentar”, recorda Paula Pereira. Ana Paula Grosso salienta a evolução da turma desde essa altura: “Neste ano, têm comportamentos adequados, adquiriram competências sociais, cumprimentam quando entram na sala e melhoraram a auto-estima. O desempenho melhorou nas técnicas de informática e em todas as outras disciplinas.” Os próprios alunos reconhecem que mudaram, o que contribuiu de forma decisiva para terem uma melhor imagem de si próprios e para ganharem motivação acrescida para participarem em novos projectos. “A participação no projecto foi muito importante, porque nos surpreendemos a nós próprios”, refere Mara, de 18 anos. “Não estávamos à espera de conseguirmos o que conseguimos: o primeiro lugar! Agora sabemos que temos capacidade para fazer mais e para participar em mais projectos.” João, de 17 anos, concorda com a colega: “Levou-nos a acreditar que é possível levar um projecto até ao fim e que podemos fazer novos projectos”. Ruben, de 16 anos, é da mesma opinião: “Passámos a acreditar mais no nosso trabalho e a ter mais confiança para realizarmos projectos destes.” Quanto a João, não foi apenas esse aspecto que se alterou: “Mudou­a nossa maneira de lidar com as pessoas, sem as julgar nem criticar.” Sara, de 17 anos, também valoriza esta vertente mais humanista: “Foi importante para ajudar outras pessoas, os invisuais e os deficientes motores, para preparar a escola para outros alunos que possam ser deficientes motores. Passei a olhar para essas pessoas com outros olhos, a com­preendê-las melhor, a perceber o que sentiam no meio de nós, ‘normais’.” Entretanto, faz uma pausa, e acrescenta, com uma expressão reflexiva: “Mudei. Mas não mudei muito, porque na verdade já tinha essa sensibilidade de ajudar outras pes­ soas.” Com uma visão abrangente, Ruben, de 16 anos, acha que “o pro­jecto foi importante para a escola”. João, ao seu lado, vai mes­mo mais longe, ao acrescentar: “E para as gerações futuras.” O melhor de cada um Como é possível uma mudança tão visível de comporta­mento? Eis a pergunta­que ocorre de imediato. A resposta a esta questão está na forma

Os próprios alunos reconhecem que mudaram, o que contribuiu de forma decisiva para terem uma melhor imagem de si próprios e para ganharem motivação acrescida para participarem em novos projectos.


48 49 Dossier Trabalho de Projecto

como as professoras lançaram e organizaram todo o trabalho. Uma vez lançado o desafio de pensar as acessibilidades na escola e na zona envolvente, as docentes deram margem para que os jovens apresentassem as suas ideias e sugestões, apropriando-se verdadeiramente do projecto. “Todas as ideias são aceitáveis”, era uma das frases que costumavam dizer aos alunos para os incentivar a apresentar propostas.

Embora a princípio um pouco reticentes, os jovens começaram, gradualmente, a aderir e a entusiasmar-se com o desafio, principiando a organizar-se e a unir esforços para atingir os objectivos, tirando partido do talento de cada um. A valorização do talento de cada aluno foi precisamente uma das grandes apostas das professoras. “Na turma, que é muito heterogénea, cada um tem um talento e deve mostrar aquilo que tem de melhor”, salienta Ana Paula Grosso. “A Sara, por exemplo, tem especial talento para a escrita, para a poesia e para a narrativa. O Hugo tem jeito para resumir ideias impor­tantes em poucas palavras. A Mara é uma especialista em informática. Já o Frederico e o Milton são bons na parte téc­nica da informática. Quanto ao Ruben, ao Fábio e ao João, são muito pragmáticos, encontrando soluções para os problemas práticos.” Começar pelo mais próximo O levantamento dos problemas e a proposta de soluções teve início com as situações que estavam mais próximas dos alunos, na própria escola, tendo como principais protagonistas a D. Dália, telefonista invisual, e o Eduardo, um colega do 8.º ano também invisual. O ponto de partida consistiu em falar com a D. Dália e com o Eduardo para perceber quais os principais problemas com que se defrontavam para depois tentar encontrar respostas adequadas para os resolver. O barulho foi a principal barreira identificada pela D. Dália, que explicou que os cegos precisam de muito silêncio para se conseguirem concentrar.

Perante esta questão, os alunos fizeram um cartaz para colocar junto do PBX apelando ao silêncio. Tirando partido do seu jeito para a escrita e para inventar frases, o Hugo e a Sara criaram a mensagem escrita no cartaz, que a Mara e o Marco compuseram do ponto de vista gráfico, dando uso aos seus conhecimentos de informática. Quanto ao colega Eduardo, a barreira apontada foi a dificuldade em fazer amigos, a que se somavam outras, como a inexistência de livros e de revistas adequados para invisuais, bem como o desejo de participar em eventos desportivos. Sensibilizados com estas questões, logo os colegas passaram à acção. Primeiro, falaram com o professor de Educação Especial, que dá apoio ao Eduardo, para tentarem compreender melhor o que era a deficiência visual, e depois pensaram em formas de minimizar as barreiras identificadas pelo Eduardo. Todos passaram a ter mais cuidado com o Eduardo, nos corredores ou na cantina, e deram um grande destaque ao seu grande amigo e ajudante, o Leonardo, o colega que o espera à porta das aulas para o acompanhar nas deslocações na escola, embora o Eduardo faça questão de garantir que se orienta muito bem no espaço. Como reconhecimento do apoio dado pelo Leonardo ao Eduardo, a turma CEF organizou uma cerimónia na sala de aula, durante a qual lhe atribuiu um diploma pelos importantes serviços prestados, para grande orgulho do homenageado. Para resolver a questão da leitura, reservaram na biblioteca da escola o Cantinho do Eduardo, que equi­param com livros e revistas em braille, pro­curando enriquecer o espólio através de pro­ to­co­los com diversas entidades para a doação de novos volu­mes e através da assinatura de revistas. Relativamente à questão desportiva, endereçaram um pedido à ACAPO para que fizesse uma demonstração do jogo goalball, incentivando a prática da modalidade na escola.


Do próximo para o distante A entrevista a um deficiente motor que tinha­trabalhado na escola levou a turma a tomar consciência das barreiras existentes no estabelecimento e a propor soluções para as eliminar. Actividades aparentemente tão banais como ir ao jardim, beber água pelo bebedouro, ir ao campo de jogos, ir ao bar ou à papelaria ou até pendurar a roupa nos cabides do balneário do ginásio podem ser complexas ou mesmo impossíveis para quem tenha de se mover numa cadeira de rodas. Para grandes problemas, grandes soluções – foi o que pensaram os alunos ao assinarem protocolos com o conselho executivo a acordar a construção de rampas de acesso ao jardim,­ ao campo de jogos e a um dos bebedouros, e o rebaixamento dos balcões do bar, da papelaria e dos cabides dos balneários. Faltava ainda resolver o problema dos buracos no pavimento da escola, mas quanto a essa questão, o Ruben, o Fábio e o João decidiram meter mãos à obra, sem mais demoras. Calceteiros por um dia, pediram ao jardi­neiro pedras­ e areia para preencher os buracos que, a seguir, taparam com o cimen­to que lhes deram numas obras realizadas nas imediações da escola. A entrevista ao antigo funcionário da escola levou os alunos a reflectir nas barreiras que os deficientes motores encontravam em Alcácer do Sal e, também nesse campo, foi necessário arregaçar as mangas. De passeio pela cidade, foi feito o levantamento dos problemas a resolver e das propostas de solução, que passaram por estabelecer protocolos com a Câmara Municipal e com outras entidades para construir rampas de acesso nos locais necessários, terminar passeios e pavimentos, colocar passadeiras e edificar protecções junto ao rio. Nem acreditavam que tivessem ganho! Para concorrerem ao Escola Alerta!, não era necessário mais nada: bastava recolher todo este trabalho, desde o princípio ao fim, num CD-Rom e apresentá-lo a concurso. Para tal, os alunos meteram-se em brios e deram uso aos seus conhecimentos de informática. Mara teve um papel determinante na realização do vídeo, dos slides e das animações para o CD-Rom mas, como reconhece, “todos participaram, todos fizeram um bocadinho”. Do que os alunos não estavam à espera era mesmo de ganhar o concurso. Durante a cerimónia da sessão regional, à medida que iam nomeando os participantes e vencedores, começando pelas menções honrosas, sem pronunciarem o nome da Escola EB 2, 3 de Alcácer do Sal, começaram a inquietar-se, julgando que o seu trabalho tinha sido perdido ou até que não tinha sido entregue. Quando, por fim, os chamaram para receber o

Para concorrerem ao Escola Alerta!, não era necessário mais nada: bastava recolher todo este trabalho num CD-Rom e apresentá-lo a concurso.

primeiro prémio, ficaram sem reacção. Como recorda a professora Paula Pereira, “não acreditavam que tivessem ganho” e foi só quando saíram do edifício que expressaram a sua alegria, gritando, saltando, abraçando-se. “Os alunos sentiram que eram reconhecidos na escola e que tinha sido ultrapassada a conotação negativa relativamente aos CEF, que a partir daí passaram a ter muito melhor imagem. Deram entrevistas ao jornal local, foram fotografados, ganharam dinheiro que foi utilizado para comprar uma câmara de filmar para a escola e receberam cada um o seu diploma”, refere Ana Paula Grosso. Este ano, os jovens sentem-se completamente à von­­tade para participar noutro projecto e até já ambi­­cionam, à partida, o primeiro prémio a nível nacio­­nal. Eles, que não acreditavam que pudessem alguma vez ganhar um concurso, sentem que têm tan­tas hipóteses como todos os outros. E por que não? ::


50 51 Reflexão e acção


EM BUSCA do

Segredo Finlandês A Finlândia, como bem se sabe, é campeã mundial nos testes internacionais de desempenho escolar. Isto é, os seus alunos de 15 anos tiveram os melhores resultados nos testes de Matemática, Língua Materna e Ciências organizados pela OCDE em 2000, 2003 e 2006. Desde então, políticos, educadores, investigadores e jornalistas têm procurado descobrir as razões desse êxito escolar dos jovens finlandeses. Texto de Ana Maria Bettencourt, Maria Armandina Soares e Maria Emília Brederode Santos Fotografias de Ana Maria Bettencourt


52 53 Reflexão e acção

A

s razões avançadas para explicar o êxito – em termos de qualidade das aprendizagens e de generalização dessa qualidade – dos jovens finlandeses nos testes internacionais do Program for International Student Assessment (PISA) vão desde o clima frio e escuro que levaria os jovens a ficarem em casa a estu­dar, à longa e vasta tradição de leitura dos finlandeses ou ao desenvolvimento económico súbito da Finlândia graças à Nokia e ao surto tecnológico. Mas... e a escola? Não negando estes contributos exteriores objectivos, mesmo se indirectos, qual o papel da escola neste êxito escolar dos finlandeses? A verdade é que aquilo que se sabe sobre o sistema educativo finlandês parece contrariar o que muitos pensam que contribui para o sucesso escolar e uma melhor educação. De facto, na Finlândia, > a escolaridade obrigatória só começa aos 7 anos (embora um ano “preparatório” seja hoje universal); > existe um professor generalista único para os seis primeiros anos de escolaridade; > as turmas não são particularmente peque­nas; > os alunos não estão mais horas na escola nem têm menos férias e feriados do que os nossos; > não existe inspecção nem avaliação de professores; > só existem exames nacionais no final do secundário e ninguém reprova ao longo da escolaridade obrigatória; > não existem vias escolares diversificadas senão­ a partir do 10.º ano de escolaridade...

Então? Se a escola não começa cedo, se os meninos não passam mais tempo na escola, se não levam muitos trabalhos para casa nem têm muitos exames, a que se deve que aprendam mais – e porventura melhor – do que os outros? Desenganem-se os leitores: nós também não descobrimos o “segredo fin­ landês”! Mas da visita a várias escolas do ensino básico e secundário, das conversas com professores, alunos e directores de escola, das reuniões e debates a que assistimos, pudemos identificar algumas características quer organizacionais, quer curriculares, quer, mais latamente, de ambiente, de atitude e de filosofia que parecem ser mais explicativas do êxito escolar finlandês do que aquilo que é muitas vezes tido por “factores de excelência”.

Tranquilidade e bem-estar: a escola-casa Tranquilidade é a primeira impressão que se recolhe das escolas finlandesas. Tranquilidade, sossego, calma. Quase não há barulho sem que se possa dizer que reine o silêncio. Aparentemente também não há tensões nem stress – embora os dois episódios recentes de tiroteio em escolas finlandesas levan­tem justificadas apreensões. As escolas que visitámos – de vários níveis de ensino – são todas aquilo a que em Portugal chamaríamos “escolas pequenas”: entre 200 e 360 crianças no máximo. Estas crianças são enquadradas por um elevado número de adultos (professor-tutor, professores especializados, auxiliares de educação, psicó­logo, assistente social, enfermeiro...) e raramente se juntam. Há a preocupação de ter grupos de crianças “geríveis”. O refeitório, por exemplo, funciona por turnos. Desde há 60 anos que as escolas finlandesas oferecem a todos os alunos uma refeição quente por dia. Este facto é motivo de orgulho para os finlandeses. A nós, mais do que a alimentação (surpreendeu-nos a ausência de sopa e de fruta!), in-


teressou-nos a forma de gestão: os turnos começam às 10.30 da manhã e vão até às 14 horas, conforme o número total de alunos. O intervalo para a refeição é de meia hora e há sempre adultos com os alunos: professores, auxiliares ou outros; todos beneficiam da refeição grátis como compensação pelo enquadramento proporcionado aos alunos. O nível de ruído é controlado através de um dispositivo luminoso que deve estar sempre verde. Se passa a amarelo logo alguém chama a atenção. O vermelho é alarme que obriga todos a baixarem a voz. Há uma preocupação com o aspecto e a estética da escola e das salas de aulas que, por vezes, quase parecem salas de estar de uma casa particular. Os alunos tanto podem estar a trabalhar na sala de aula – onde aliás circulam com à vontade – como procurarem maior concentração num corredor. Sapatos e botas ficam no hall de entrada para não sujarem o chão. E as cortinas nas janelas, as jarras de flores, os pianos e os quadros e painéis, tudo contribui para a escola ter um ar familiar e caseiro.

Flexibilidade e diversidade: uma rede de apoios extraordinária

Os alunos tanto podem estar a trabalhar na sala de aula como procurarem maior concentração num corredor.

Está-se na escola para aprender – com gosto e com trabalho mas ao nível e ao ritmo de cada um, com as ajudas que se revelarem necessárias. As turmas têm um número diferente de crianças e professores conforme as necessidades. A turma maior tinha 29 alunos, mas uma classe preparatória (para os que não estão preparados para entrar no 1.º ciclo) ou de Finlandês 2.ª língua (para crianças imigrantes recém-chegadas) tem seis a oito crianças e dois professores. Se uma turma incluir uma criança com necessidades educativas especiais não pode contar mais de 20 alunos e a criança tem que ter sempre um acompanhante adulto. O número de adultos por turma também varia: há o professor da turma, o professor-tutor, que é permanente. Pode haver um par pedagógico (dois professores por turma) sempre ou conforme as disciplinas. Há o professor de ensino especial que às vezes acompanha os alunos com NEE na aula, outras vezes retira-os da turma para uma aula à parte; há os acompanhantes (“auxiliares de educação”, que nos pareceram muito bem preparados) que acompanham e apoiam crianças com NEE ou imigrantes ou outras ainda na aula regular.


54 55 Reflexão e acção

Qualquer dificuldade tem resposta imediata. As repetências praticamente não existem.

Estas várias modalidades de apoio podem mudar ao longo do ano. A orientação geral é a da integração com sucesso. Para isso mobilizamse todos os recursos (interiores ou exteriores à escola) e estratégias possíveis e vai-se avaliando a sua eficácia. Se determinada actividade não se revela útil, muda-se para outra. Pelo contrário, se o problema parece estar resol­vido e o aluno em condições de acompanhar os colegas da sua idade (por exemplo, se já aprendeu o finlandês suficiente para compreender pelo menos algumas matérias), é integrado na turma regular em todas ou só nalgumas disciplinas, seja qual for a altura do ano.

Qualquer dificuldade tem resposta imediata: num primeiro momento o aluno recorre ao professor da disciplina, num segundo momento tem apoio de um professor especializado. Há um trabalho muito próximo com os pais no sentido de estes procurarem alguma recuperação durante as férias. Algumas escolas oferecem “escolas de Verão”. As reprovações e repetências praticamente não existem. As avaliações são objecto de análise com cada aluno mas não são afixadas. As provas de aferição nacionais existem para orientação da escola.

Autonomia orçamental e pedagógica O currículo é definido a nível nacional pelo National Board of Education. O orçamento das escolas obedece a critérios transparentes e objectivos que têm em conta o número de alunos e que é acrescido consoante o número de alunos com NEE e de alunos imigrantes. As escolas podem decidir se preferem reduzir o número de alunos por turma ou aumentar o número de professores, recorrer ao apoio de outros profissionais (professores especializados, psicólogos, técnicos de serviço social…) ou ainda a mais assistentes. A responsabilidade pela contratação dos professores é local (escola/município) e há um período probatório de seis meses findo o qual o professor ou não é contratado ou se torna efectivo. Para além da verba destinada ao pagamento do pessoal, as escolas recebem uma verba importante (entre 60 mil e 70 mil euros/ano) para materiais e livros­ (todo o material necessário – manuais, papel, canetas, é fornecido gratuitamente ou emprestado aos alunos), visitas de estudo, acampamentos, etc. Os professores podem optar pela continuidade com a sua turma ao longo de seis anos ou pela especialização nos primeiros ou nos últimos anos. A organização da sala de aula tem a marca de uma pedagogia activa, caracterizada pela responsabilização de alunos e professores pelas aprendizagens. Os alunos estudam de modo relativamente independente. A autonomia das escolas, instituída nos anos 80, obriga à sua auto-avaliação. Maus resultados nas provas de aferição constituem um indicador para as autarquias e o Ministério da Educação da necessidade de maiores apoios. Ou seja: avalia-se para melhorar, não para sancionar.


Esta parece ser, aliás, a filosofia geral da escola finlandesa: é sempre possível aprender mais e melhor. A função da escola é ajudar todos a aprender – e não sancionar, seleccionar e excluir. Não se comparam alunos nem escolas. As avaliações nacionais de desempenho escolar são por amostra e pretendem identificar as áreas que requerem aperfeiçoamento. O segredo finlandês Quando perguntámos a directores de escola o segredo do êxito escolar finlandês, responderam-nos: “Os professores, a qualidade dos professores.” E porquê? “Porque têm muito boa formação.” Procurámos saber mais sobre essa formação. Têm todos formação superior. Os educadores de infância fazem um bacharelato (três anos); os professores dos primeiros seis anos do ensino básico têm uma formação de cinco anos em educação (mestrado). Os professores do 3.º ciclo e do secundário têm um mestrado na disciplina que ensinam e estudos pedagógicos. A formação inclui observação de aulas nos três primeiros anos e um trimestre de estágio nos dois últimos anos. Tem uma forte componente didáctica graças à qual os professores são capazes de diferenciar métodos e materiais de acordo com as necessidades dos alunos. Três conteúdos pedagógicos foram identificados como fundamentais: base social e ética do trabalho dos professores (por exemplo, competências de colaboração); compreensão do processo de aprendizagem; e prevenção de dificuldades de aprendizagem.

Para outros, como um responsável da formação de professores de Helsínquia (segundo relato de Guy Lévy “Retour de Finlande” in Enjeux Pédagogiques, Bulletin de la Haute Ecole Pédagogique de Berne, du Jura et de Neuchâtel, Nov. 2008, n.º 10, pp. 26-27), o segredo residiria na abordagem sócio-construtivista subjacente ao ensino e aprendizagens dos alunos e que se concretizaria na sensibilização para a dimensão epistemológica de cada disciplina, nas “interrogações fundadoras”; no reconhecimento das representações dos alunos e no assentar nelas as novas aprendizagens; na dimensão social das aprendizagens, no aprender com os outros; na preocupação com o significado do que se aprende, do saber como pilar da dignidade humana; na pedagogia do risco que esta abordagem requer como requer uma atitude do professor que tem que reconhecer não saber tudo. Como dizia o director da Escola Aurora: “Um dos aspectos mais importantes numa escola do século XXI é um professor não ter vergonha de não saber o que fazer com cada criança.” Não descobrimos o segredo finlandês mas: > professores que não receiam enfrentar as suas dúvidas, > uma extraordinária rede de apoios > e uma atitude de responsabilidade positiva da escola face ao direito à educação de todos os alunos são certamente ingredientes do êxito escolar finlandês. ::


56 57 Meios e materiais

Boletins marcantes Discretamente, modestamente, publicaram-se em 2008 dois novos boletins que, pela sua qualidade, merecem destaque

O

BOLETIM Rede Inclusão, da Associação Cidadãos do Mundo – http://redeinclusão.web.ua.pt – nasceu em Julho de 2008 para dar a conhecer “as inúmeras respostas dadas nos países de língua oficial portuguesa às crianças vulneráveis e em risco de exclusão, (...) que podem constituir factores de mudança e de progresso”. A “maior dificuldade” da sua feitura é também a sua característica mais marcante: “partilhar, à distância, experiências, conhecimentos e práticas, no domínio da educação para todos”, dos diferentes PALOPs. Assim, o Boletim nº 1 inclui textos sobre experiências de inclusão educativa tanto em Portugal como nas Bijagós, tanto em Moçambique como em Angola, e tratando da alfabetização de crianças e jovens de famílias migrantes, do nascimento da língua gestual na Guiné-Bissau ou do projecto Onjila em Angola. Um boletim que marca!

Pode ser consultado no site da Associação ou solicitada a sua versão impressa a Ana Maria Bénard da Costa, R. Gago Coutinho, n.º 6, 2710-566 Sintra ou ainda para anambc@sapo.pt.

Um outro novo boletim tem o nome pouco atraente de InfoCEDI mas é excelente. Trata-se de um periódico digital mensal do Centro de Estudos e Documentação do Instituto de Apoio à Criança (IAC). O Boletim do IAC é uma publicação antiga e já bem conhecida que vai dando conta de todas as actividades deste instituto. Este novo

boletim é diferente, não só pelo seu suporte digital, como pela sua natureza: cada número incide sobre um tema e apresenta vários documentos e links com ele relacionados. Assim, temas como “a segurança infantil na Internet”, a “obesidade”, “o abandono escolar” ou “a educação para os Direitos Humanos e da Criança” foram abordados ao longo de 2008. A propósito de cada tema inclui-se a sua definição, leituras recomendadas (com a possibilidade de ligações digitais), uma cronologia de acontecimentos, a principal legislação portuguesa em vigor, actividades e textos do IAC e de outras organizações e ainda seminários, cursos e acções de formação. Assim, cada número deste boletim constitui uma excelente introdução ao respectivo tema. Pode pedi-lo para iaccdi@netcabo.pt Finalmente, aproveitando a boleia destes novos boletins, recordemos um, já antigo, mas sempre com interesse: o Boletim do Centro Nacional de Cultura, trimestral, com 12 páginas sóbrias onde se dá notícia das principais actividades desta instituição, se anunciam e calendarizam os “Passeios de Domingo” e os cursos e conferências a terem lugar em Lisboa e no Porto. Assim se cumpre o voto de “Cultura como instrumento para a felicidade, como arma para o civismo, como via para o entendimento dos povos” de que nos falava Helena Vaz da Silva. :: MEBS


Livros

Mediações Arteducacionais

Escola da Ponte: formação e transformação da educação

Arquimedes da Silva Santos

José Pacheco

Edição da Fundação Calouste Gulbenkian (2008)

Editora Vozes (2008)

12,50 e

19,00 e

Este é um livro que nos informa sobre o Movimento de Educação

A Escola da Ponte nasceu da vontade de José Pacheco de criar

pela Arte em Portugal nos últimos 50 anos. Trata-se de um

uma escola diferente: uma escola onde não existissem anos de

verdadeiro convite à reflexão sobre uma temática complexa

esco­laridade, turmas ou salas de aula tradicionais e onde as

e delicada, recomendado para os que pretendem seguir

apren­dizagens acontecessem através do trabalho em grupos hete­

uma filosofia educativa capaz de conduzir à vivência estética,

rogéneos. Dentro de cada grupo era feita uma gestão dos tempos

indispensável à realização integral do homem.

e dos espaços que permitisse momentos de trabalho individual,

Nele se apresenta, como promotora de um verdadeiro sentido

a pares, em pequeno grupo e de participação no colectivo.

democrático da arte, a importância da sua relação com a

Esta obra dá-nos conta do percurso da Escola da Ponte

educação e se evidenciam as instituições e os profissionais

ao longo de mais de 30 anos, dos problemas com que os

que, em contextos muito variados, têm garantido a sua

professores se depararam, da forma como os ultrapassaram

continuidade em Portugal, ao longo dos anos.

e, sobretudo, dos instrumentos de que se muniram e que

Actualização de posições já assumidas pelo autor desde os

construíram para dar resposta a esta nova escola que

anos 60 sobre a compreensão do ser humano na sua dimensão

pressupõe uma outra organização, uma outra cultura, um outro

biológica, psicológica e social, situado num tempo e num

tipo de relação e um outro modo de reflectir sobre as práticas.

espaço identificador, condicionante e transformador, valoriza

Escola da Ponte: Formação e Transformação em Educação é

a infância e as relações afectivas como determinantes da

um livro que, como afirma o autor, “incide sobre a reelaboração

personalidade, a arte como sinergia do fazer, do sentir e do

da cultura pessoal e profissional, no contexto de uma formação

pensar e defende uma perspectiva pedagógica que, tendo como

indissociável da ideia de mudança escolar e social” e descreve “

ponto de partida a expressividade, torna possível a Educação

um dos modos de fazer coincidir a formação de professores com

pela Arte e na sequência desta a Educação Estética.

a construção autónoma de uma profissionalidade responsável”.

A formação do autor em Medicina (pedopsiquiatria) e

O modelo de formação adoptado deu significado à actividade,

psicopedagogia ajuda-nos a compreender a sua aproximação à

permitindo que os professores tivessem o controle e a condução

arte-terapia, como processo de intervenção face às perturbações

do processo. Tratou-se de uma formação transformadora.No

expressivas e dificuldades de comunicação e a sua valorização

fundo, é uma obra para fazer pensar. Segundo José Pacheco,

pioneira da emoção no desenvolvimento humano.

“terá valido a pena o investimento de tempo e energias, se

Na parte final figuram referências, contributos, actos

outros tornarem seus os intentos breves deste estudo, os

institucionais que constituem um válido testemunho de

conduzirem para novas interrogações. As práticas da Escola da

pesquisa e organização documental e crítica face às políticas

Ponte e de outros grupos de professores poderão abrir espaços

públicas que, em épocas diferentes, não reconheceram

alternativos de formação, onde se confrontem diferentes

completamente, ignoraram ou até contrariaram o papel da

racionalidades, onde se produzam juízos e interrogações sobre

Educação pela Arte. ::

quem é e como é formado”. ::

Natália Pais

TF


58 59 Meios e materiais

DVD

Software

Os Coristas

Software livre nas escolas

Christophe Barratier (2004) 21,90 e

O projecto Science, Education and Learning in Freedom (SELF): http://selfproject.eu/) editou em 2008 o livro Introduction to

Clément Mathieu aceita trabalho de supervisor num colégio

Free Software, disponível para descarga gratuita no respectivo

interno de reeducação de menores. O sistema é repressivo,

sítio. Aí, repesca-se a definição de software livre dada por

mas ele vai familiarizar os alunos com a magia do canto e

Richard Stallman, que gravita em torno de quatro dimensões

transformar as suas vidas.

de liberdade: (a) a liberdade de utilização de um programa em

Este filme, que se tornou num sucesso estrondoso em

qualquer lugar, para qualquer propósito e para sempre; (b) a

França, é um daqueles objectos artísticos que toca os alunos,

liberdade para estudar a forma como esse programa funciona e

em especial no 3.º ciclo, já que muitos se identificam com

para o adaptar às nossas próprias necessidades, o que implica

alguns dos alunos do filme. Mesmo não sendo provável terem

acesso ao código-fonte; (c) a liberdade de redistribuição de

vivido situações tão drásticas, há nestas idades uma natural

exemplares, e assim ajudar amigos e vizinhos; (d) a liberdade

interrogação sobre questões morais ligadas ao conceito de

de aperfeiçoamento do programa e da disponibilização pública

injustiça e sonham encontrar um professor como aquele, com

destas melhorias, o que implica, mais uma vez, o acesso ao

uma relação próxima, um herói, em alguns casos uma figura

código-fonte. Estas liberdades são concedidas ao utilizador com

paterna substituta.

base em licenças de utilização que as permitem e asseguram.

Daí que se sugira uma análise da obra em termos narrativos

Estas e outras informações sobre software livre (incluindo

que identifique as personagens principais (o professor e o

também software de distribuição gratuita, já editado em CD)

aluno que se tornará maestro), o vilão (o director do colégio), o

podem ser lidas no sítio da Equipa de Recursos e Tecnologias

contexto social (pós-guerra, jovens desfavorecidos), a forma de

Educativas da Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento

contar o filme (em flash-back), a originalidade/surpresa do final

Curricular: http://softlivre.crie.min-edu.pt/index.php.

(percebemos que o narrador é o miúdo que é “adoptado” pelo

Neste sítio, pode ainda encontrar informação sobre programas,

professor), o tema (o papel do professor como determinante no

constituindo alternativas claras e interessantes aos seus

crescimento e o papel da arte como transformadora). De notar,

congéneres comerciais, que podem ser descarregados

igualmente, as questões da pedagogia como resolução de

gratuitamente e utilizados por professores e alunos na sua

comportamentos desviantes e do coro como trabalho de grupo,

actividade de ensino e de aprendizagem. Encontrará listas

onde temos que encontrar a cadência do grupo, adaptando o

anotadas de sistemas operativos e de programas organizados

nosso próprio ritmo para a solução comum – a harmonia.

por áreas (entre outras, apresentação electrónica, desenho

Será igualmente muito interessante comparar este filme com

vectorial, programas de navegação na Rede, ferramentas de

o clássico Cinema Paraíso de Giuseppe Tornatore – desde a

escritório – alternativas à ubíqua suite da Microsoft –, folhas de

estrutura narrativa em flash-back ao tema do papel do tutor, à

cálculo, processamento de imagem, de áudio e de vídeo). ::

escolha do actor e, claro, ao papel das expressões artísticas na possibilidade de mudança (música em Os Coristas, cinema em Cinema Paraíso). :: Graça Lobo Cineclube de Faro

José Moura Carvalho Equipa de Recursos e Tecnologias Educativas/ Plano Tecnológico de Educação Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular


Livro + CD Áudio

Site

Histórias de Cantar

www.e-escola.pt

Margarida Fonseca Santos

Instituto Superior Técnico (2008)

Juventude Musical Portuguesa (2008)

O e-escola é um portal do Instituto Superior Técnico que

23,10 e

divulga conteúdos científicos de biologia, física, matemática,

Histórias de Cantar é um livro de canções escritas para aqueles com quem a autora foi trabalhando ao longo da sua vida. É um livro de canções muito bem escritas, acarinhadas, cuidadas, especiais para todos os meninos! São 12 canções com temas sobre a amizade, a natureza, a família, a fantasia… Para além das belas ilustrações, o livro é acompanhado pelas letras e partituras. Nestas últimas estão registadas a melodia, acompanhamento para piano e cifras para guitarra. Por outro lado, o CD é composto por 24 faixas das quais 12 são instrumentais, permitindo a interpretação das mesmas de uma forma bastante satisfatória por qualquer professor que não especificamente um profissional do ensino da música. O valor do canto na sala de aula não deve ser menosprezado. A criança desenvolve o seu ouvido musical, a forma como sente as coisas, a maneira de se expressar e de se emocionar; como recurso, a canção permite um sem número de possibilidades pedagógicas. Trata-se de um conjunto de canções com arranjos de notável perspicácia estilística que se ajustam naturalmente às letras. Pela multiplicidade de temas, é muito fácil a sua integração em projectos mais abrangentes que não só o ensino da canção. Projectos que abranjam a música, a dança, a escrita, o teatro e as artes plásticas permitem o desenvolvimento de diversas competências e que cada criança dê os seus contributos. No final do livro há um partilhar de algumas experiências vividas pela autora e seus alunos que ajudam a desbravar caminhos e a tornar a escola um local onde realmente se aprende. São caminhos que resultaram na composição de canções – provavelmente aquelas que ouvimos nesta obra –, na concretização de projectos multidisciplinares, na dinamização de ateliers onde a escrita e a música seguem a par e passo. :: Carlos Batalha Escola EB 2,3 de Vialonga

química e ciências da engenharia. Os destinatários deste portal são os professores do ensino básico e do secundário que dispõem, assim, de uma ferramenta de apoio às suas actividades. Também se destina àqueles alunos do ensino secundário que sentem grande curiosidade pelo que os rodeia e pretendem ir mais além. Claro que se destina ainda a muitos outros: alunos do ensino superior, alunos e professores dos PALOP… O espaço dedicado à biologia aborda diversos temas, nomeadamente os relacionados com a microbiologia, a biologia molecular e a engenharia genética. Quanto ao da física, a principal intenção é que o visitante se envolva na experimentação. Já o espaço da matemática fornece ferramentas poderosas para compreender e mudar o mundo, tratando os temas da lógica e fundamentos e da análise matemática. E o da química? Aborda conteúdos variados, que vão desde as reacções químicas à tabela periódica, passando por técnicas de laboratório. Por último, o espaço das ciências de engenharia mostra-nos como “a engenharia é a disciplina e a arte de combinar conhecimentos técnicos e científicos.” O e-escola apresenta os conteúdos de cada área científica organizados segundo três domínios: Tópicos, Personalidades e Destaques. No domínio dos Tópicos incluem-se descrições teóricas, exemplos e demonstrações, actividades práticas, actividades de auto-avaliação e de aplicação de conhecimentos. Cada tópico é classificado de acordo com o nível de dificuldade (básico, intermédio e avançado). Nas Personalidades apresentam-se biografias dos cientistas mais relevantes em cada uma das áreas. No domínio dos Destaques disponibilizam-se, entre outros documentos, artigos de divulgação científica. :: TF


60 61 Visita de estudo Centro de Ciência Viva de Constância

E não há estrelas no céu... O Centro de Ciência Viva de Constância, um espaço construído de raiz para o desenvolvimento de actividades ligadas à astronomia, procura dar resposta à curiosidade dos visitantes, amadores dessa tarefa de observar os céus. Para os alunos das escolas, sobretudo a partir do 3.º ciclo do ensino básico, dinamiza visitas de estudo, que funcionam como espaço e tempo dedicados à aprendizagem dos fenómenos astronómicos. Texto de Teresa Fonseca Fotografia de Jorge Padeiro

Como fazer a marcação de uma visita de estudo? Através do telefone 249 739 066 e posteriormente efectuando a confirmação para o fax 249 739 084 ou para a seguinte morada: Centro Ciência Viva de Constância – Parque de Astronomia, Apartado 46, 2250-909 Constância. O que se deve indicar? O nome da escola que organiza a visita de estudo, o contacto do professor responsável, o dia e hora pretendidos, o número de participantes na visita e o seu nível de escolaridade.

Pela estrada fora, seguindo as indicações das placas, chega-se ao Alto de Santa Bárbara. No meio do nada, surge o Centro de Ciência Viva de Constância – Parque Temático de Astronomia. É aqui, em contacto com a Natureza, que há ocasião de participar em actividades de observação e interpretação de fenómenos do quotidiano relacionados com a astronomia, usufruindo para isso de equipamentos na sua maioria instalados ao ar livre. Deste centro fazem parte um auditório, um observatório solar, um planetário e vários módulos exteriores, que vão desde uma representação do sistema solar a um relógio de sol analemático, passando por um modelo da esfera celeste. Ao longo do ano, o Centro de Ciência Viva de Constância disponibiliza aos amantes da astronomia diversas iniciativas, tais como: colóquios e conferências, cursos de noções básicas, visitas guiadas ao Parque de Astronomia e sessões no Planetário e no Observatório Solar. O público escolar goza de um tratamento privilegiado, havendo a preocupação por parte do serviço educativo de, quando da descrição dos diferentes módulos, fazer a exploração dos conceitos científicos envolvidos em articulação com os conteúdos curriculares. O Centro Ciência Viva de Constância organizou o seu sistema de visitas de forma a conseguir dar resposta ao maior número de pedidos. Neste sentido, as visitas terão a duração máxima de 1 hora e 30 minutos, e poderão incluir visitas ao parque exterior e sessão de planetário. As visitas nocturnas constam de observações astronómicas à vista desarmada, com binóculos e telescópios.


Uma aventura em cinco etapas O dia estava cinzento, a chuva teimava em cair, mas os alunos do 10.º ano, das turmas A e B, da Escola Secundária de Alcanena desceram do autocarro prontos a enfrentar a chuva miudinha. Chegaram acompanhados por vários professores e foram rece­ bidos por Máximo Ferreira, coordenador científico do centro. Eram muitos! Foram divididos em dois grupos, que seguiram percursos diferentes, continuando um deles com Máximo Ferreira e com as professoras de Física e Química, Margarida Nunes e Suzel Frazão, e o professor de Biologia, António Santos. Este grupo dirigiu-se rapidamente para o auditório, porque o tempo assim obrigava, onde iria assistir a uma palestra. Coisa séria... que iria ajudar os alunos a melhor compreenderem o que têm estudado.

1. Será que as bailarinas estudam Física? Máximo Ferreira, senhor de um grande poder de comunicação, recorrendo a uma linguagem simples e clara, foi envolvendo todos os participantes, deixando-os em suspenso com as histórias que ia contando. Falava com naturalidade da formação das galáxias, dos vários tipos de galáxias, da nossa galáxia – a Via Láctea – das nebulosas e das estrelas. Colocava questões aos alunos que, muito prontamente, respondiam, evidenciando bons conhecimentos. O relato das histórias que as estrelas contam foi um momento alto da palestra: saber que o brilho, a coloração e a dimensão têm a ver com a sua história de vida; saber que, com o envelhecimento, as estrelas entram numa fase de instabilidade, comprimindo-se e expandindo-se, tal como as bailarinas que começam a fechar os braços e a rodar cada vez mais depressa, foi aliciante para os alunos. A questão “Será que as bailarinas estudam Física?” serviu, assim, de mote à introdução das histórias de vida das estrelas – desde o seu nascimento até à morte. Mas as estrelas contam outras histórias: contam histórias e lendas de outras épocas, dos povos que então viviam e vislumbravam nos céus a representação de deuses, de animais, de utensílios... dizendo-nos muito sobre eles.


62 63 Visita de estudo Centro de Ciência Viva de Constância

01 Por último, o debate incidiu sobre a composição da luz, como estudar radiações que a atmosfera não deixa passar e os elementos químicos presentes nas fontes que emitem luz.

02

03

3. ... como a seguir está a chover 2. Tão depressa o sol brilha... A chuva “molha tolos” continua a cair. Os alunos, seguindo Máximo Ferreira, dirigem-se, entusiasmados, para o exterior, tão afoitos como se o sol estivesse a brilhar. Vão caminhando e, ao longo de todo o lado esquerdo do recinto, mesmo no seu limite, surge a representação do sistema solar em que a distância entre os planetas se encontra à escala, o mesmo não acontecendo às dimensões. Máximo Ferreira diz: “Fizemos batota!” De seguida pergunta: “Porquê?” Então, Ruben afirma: “Se os tamanhos fossem à escala, haveria planetas muito pequenos e outros muito, muito grandes.” Inês, seguindo o raciocínio do colega, exclama: “Claro!” Em jeito de brincadeira, falam, a propósito de Plutão, de planetas da primeira e da segunda divisão, como se de clubes de futebol se tratasse. Continuam a viagem e aproximam-se, agora, do relógio de sol analemático. Admiram a complexidade da peça. Altura em que Francisco diz: “Se o Sol está mais alto, a sombra é mais curta.” Observam, ouvem a explicação sobre o funcionamento do relógio e concluem que a hora varia consoante a longitude.

Começa a chover com mais força. Abrem-se alguns guarda-chuvas e enfiam-se os capuzes das gabardines. Agora a paragem é junto da esfera celeste que se mostra imponente, com os seus aros de 7,5 metros de diâmetro. Identificam o meridiano do lugar, o equador celeste, os trópicos e os círculos polares. Falam do Sol, dos equinócios e dos solstícios. Máximo Ferreira desafia os alunos para uma viagem no tempo até ao geocentrismo, reflectindo sobre o papel da religião na travagem do heliocentrismo. Vasco da Gama, o rei de Melinde e muitos outros saem das páginas de Os Lusíadas de Luís de Camões e marcam presença no debate. A idade dos alunos não importa. Estes sentem-se espicaçados a experimentar, a tocar e a fazer comentários. Olhando em redor, Ana comenta: “Vamos ver a Terra. Ela roda... Aqui está Portugal!” Os alunos sobem a rampa que lhes dá acesso ao globo terrestre e de onde podem fazê-lo rodar em torno de um eixo. Observam os continentes e os oceanos. O grupo desloca-se mais para a frente e para o centro do recinto e depara-se com o carrossel do Zodíaco, que permite estudar os movimentos de rotação e translação da Terra. Ana é convidada a sentar-se numa cadeira por Máximo Ferreira, que lhe propõe: “Imagina-te a Terra.” Gargalhada geral! Atentos, os alunos vêem a Ana a vivenciar os movimentos da Terra e a observar as fases da Lua. Terminado o percurso, os jovens, motivados, trocam ideias sobre tudo aquilo que viram e ouve-se Duarte a afirmar: “Isto é muito giro! Nem sei como não conhecia.”


04

4. Observando o céu profundo O frio e a chuva ficam para trás. Os alunos entram num corredor estreito e baixo, passam uma porta que dá acesso a uma instalação praticamente soterrada e parecida com uma semi-esfera. A toda a volta da sala existem bancos onde os alunos se sentam, formando um círculo. No centro está instalado um equipamento que permite simular o céu observável a qualquer hora, data ou latitude. Entraram no Planetário. Em silêncio, os alunos escutam Mário Loureiro, coordenador pedagógico, que faz uma pequena introdução ao que irão observar. De seguida, a sala começa a escurecer até ficar totalmente às escuras. O ambiente é absolutamente impróprio para claustrofóbicos. A pouco e pouco, o “céu” começa a iluminar-se e surgem milhares e milhares de “astros”. Todos, de cabeça no ar, olhando para cima, observam o universo. Mário Loureiro lança questões aos alunos, conta-lhes histórias e lendas sobre as estrelas, as constelações e os seus nomes, os signos do Zodíaco... Os jovens vão-se envolvendo, fazendo perguntas e satisfazendo a sua curiosidade. Em dado momento Daniel questiona: “Por que é que a estrela polar não muda de posição?” O animador, utilizando o exemplo de uma pessoa a rodar debaixo de um candeeiro, dá uma explicação clara que todos entendem. A sessão terminou e os alunos começam a sair. Vera comenta: “Valeu a pena vir. Aprendi algumas coisas e outras, já sabia.” De seguida, Carolina acrescenta: “Gostei muito do Planetário pois vimos como as estrelas se movimentam.”

05

Os alunos foram percebendo que as fronteiras das áreas de conhecimento são mesmo muito ténues.

5. O Sol é fundamental Os alunos dirigem-se, por último, para um novo espaço – o laboratório solar – que está equipado com um espelho no exterior para captar diariamente a luz solar e cuja cúpula é móvel para permitir observações através de telescópio. Sandra Xisto, coordenadora pedagógica, partilha com os alunos a sua decepção por estes não poderem fazer as experiências habituais: “É uma pena, hoje não há sol. Não podemos fazer as experiências, mas vou explicar-vos o funcionamento de todo o equipamento.” Começam, então, as explicações. Os jovens vão tirando dúvidas. Falam de reflexão da luz, espectros de absorção solar e de emissão, de elementos químicos presentes, da superfície solar, da fotosfera e da cromosfera, das manchas solares... A troca de ideias foi continuando e, a pouco e pouco, os alunos foramse apercebendo de que as fronteiras das áreas de conhecimento são mesmo muito ténues. Os conceitos de astronomia entrecruzam-se com os da física, da química e da matemática. A visita de estudo termina e os alunos começam a dirigir-se para o autocarro. É hora de balanço. As professoras de Física e Química, visivelmente satisfeitas, fazem os seus comentários. Assim, Margarida Nunes afirma: “Achei muito interessante e importante para os alunos, em termos de consolidação das matérias dadas.” Por último, Suzel Frazão acrescenta: “Os alunos aderiram muito bem e até podem despertar para outros interesses, abrindo novos horizontes.” ::


64 65 Campanha de sensibilização

Segurança das crianças e jovens no trânsito Os índices de sinistralidade nas estradas do nosso País continuam elevados. A escola tem um papel insubstituível na sua redução através da educação rodoviária. Como peões, passageiros ou condutores, muito há para aprender. Texto da Prevenção Rodoviária Portuguesa Fotografia cedida pela Prevenção Rodoviária Portuguesa

Em Portugal, no ano de 2007, morreram 24 crianças com idades até aos 14 anos, 206 ficaram gravemente feridas e 3505 sofreram ferimentos ligeiros, o que faz dos acidentes rodoviários uma das principais causas de morte infantil e juvenil, provocando incapacidades permanentes e tempo­rá­ rias que constituem encargos sociais e económicos muito pesados para as famílias e para a sociedade em geral. A vulnerabilidade que caracteriza a inserção das crianças no trânsito e os riscos a que são sujeitos diariamente são, por norma, subestimados no nosso País. As crianças não estão preparadas, em termos físicos e psí­qui­ cos, para enfrentar, em segurança, o trânsito com todas as suas exigências, e como são por natureza irrequietas e de um modo geral não identificam os perigos, não compreendem as verdadeiras exigências do trânsito. Por este motivo, podem adoptar comportamentos inseguros, especialmente perante as situações de trânsito mais complexas, pelo que é preciso conhecer as características e perigos que as crianças enfrentam e que condicionam a sua inserção segura no trânsito. Como peões, dada a sua baixa estatura, são vistos pelos condutores com mais dificuldade, frequentemente tarde demais. Por outro lado, as crianças julgam que, ao verem, também estão a ser vistas, confundindo “o ver” com o “ser visto”. Isto é mais frequente e muito mais preocupante durante a noite. As crianças têm um campo de visão cerca de 30 por cento mais estreito do que os adultos, pelo que só vêem bem em


frente, ficando a informação lateral por processar. Pelo menos até aos 10 anos, as crianças devem caminhar sempre acompanhadas por adultos, que devem ser modelos ao nível do comportamento, preparando-as para a integração segura e progressivamente autónoma no trânsito. Como passageiros, as crianças devem ser sistematicamente protegidas de for­ ma adequada ao veículo em que cir­culam. Nos veículos automóveis, crianças com menos de 1,5 metros de altura ou menos de 12 anos de idade devem ser sempre transportados em sistemas de retenção adequados ao seu peso e tamanho, devi­ da­mente colocados. Num acidente a 50 quilómetros por hora, uma criança que não esteja devi­da­­mente segura pode sofrer ferimentos seme­ lhantes aos que poderia ter se caísse de um terceiro andar de um prédio. E os jovens? Os passageiros com mais de 12 anos ou 1,5 metros de altura devem viajar sem­pre com o cinto de segurança bem colocado. O cinto de segurança é a principal medida de segurança passiva e tem salvo muitas vidas! Particularmente no que diz respeito aos jovens entre os 15 e os 19 anos, o número de vítimas aumenta de forma significativa. Em 2007, morreram 38 jovens, 278 ficaram feridos gravemente e 3428 com ferimentos ligeiros. Também no trânsito os jovens apre­sen­ tam características muito dife­ren­tes das crianças, sendo fre­quen­te­men­te con­du­ tores de veículos a motor. Têm prazer em conduzir com muita velo­­ci­dade. Têm tendência a testar as suas capacidades e as capacidades dos veículos que

conduzem. Revelam inexpe­riência no desempenho da tarefa da condução, tendem a impressionar os outros, principalmente os seus pares, e a desvalorizar as referências fami­lia­res. Iniciam consumos de álcool e eventualmente de outras substâncias que perturbam de forma importante as suas capacidades psicomotoras.

Educação rodoviária A integração efectiva da educação rodo­ viária no sistema educativo é indis­ pensável para minimizar os riscos decor­ rentes das características das crianças e dos jovens e o impacto que estas têm na sua segurança no trânsito. A família é a primeira responsável pela educação rodoviária. As primeiras apren­­ dizagens e as mais duradouras e signi­ ficativas fazem-se através da obser­vação de comportamentos e atitudes dos pais. Entidades responsáveis pela gestão e segurança do trânsito e demais orga­ nis­mos da comunidade civil devem desem­penhar um papel fundamental na segurança rodoviária. No entanto, a escola tem um papel insubs­tituível. Enquanto ambiente pri­­­­­vi­­le­giado para a exploração da edu­­ ca­­ção rodoviária, compete-lhe a tare­ fa complexa, mas ali­ciante, de dar con­­­tributos profícuos, envol­vendo a comunidade escolar e a comunidade

educativa alargada na problemática da prevenção e educação rodoviárias. A realização de acções pontuais e espo­ rá­dicas, em determinada altura do ano lectivo, é insuficiente para treinar crianças e jovens para comportamentos seguros no trânsito. A intervenção educativa tem que ser assente no desen­ volvimento de projectos de educação rodoviária integrados no projecto curri­ cular de escola e turma, a realizar ao longo do ano lectivo, com recurso a actividades desenvolvidas em sala, em ambiente simulado e no trânsito. É fundamental que haja a aquisição de conhecimentos, desenvolvimento de capacidades e mudanças de atitudes, para que as crianças e os jovens adqui­ ram competências sociais e psico­mo­ toras enquanto passageiros, peões e condutores, que lhes permitam ter com­ portamentos adequados a cada situação com que forem confrontados. ::


66 67 Com olhos de ver

O Vitrinismo Uma ferramenta da actividade comercial

Texto da Escola de Comércio de Lisboa Fotografia Jorge Padeiro Montra realizada pela Visual Attack – Agência de Comunicação em Visual Merchandising

O vitrinismo, tal como hoje o concebemos, surge em Portugal nos meados do século XX, com a emergência de lojas como os Armazéns do Chiado e o Grandela, que proporcionaram um uso mais imaginativo do espaço, não confinando a sua utilização exclusivamente a aspectos funcionais. A importância das montras foi crescendo directamente na proporção do tamanho dos espaços. Hoje em dia, para vender com sucesso um produto é necessário que sejam criadas experiências agradáveis para o consumidor. Concebidas e produzidas de acordo com os objectivos comerciais inerentes a cada ponto de venda, as montras são construídas como discursos de manipulação, cujo objectivo é o de provocar diversas acções, conduzindo o potencial consumidor à compra. A montra deverá desencadear uma sequência de atitudes no observador, as quais vulgarmente denominamos como o efeito de AIDA: A – Atenção; I – Interesse; D – Desejo; A – Acção. O produto é envolvido neste artifício do espaço da montra – fronteira entre a rua e o interior da loja. Um lugar especial, pensado e destinado para um propósito específico. Um espaço com características próprias, o palco onde se desenvolve a acção. Da plateia espera-se uma resposta emocional, resultante dos estímulos recebidos. A tensão entre o factual e o ficcional remete para o inconsciente do observador, uma leitura subjectiva das suas aspirações e desejos. Para que tal possa acontecer, o vitrinista deverá articular dois tipos de fazeres: um persuasivo e outro interpretativo. Em ambos os casos, será necessário inserir no discurso da montra elementos que façam dela uma ferramenta eficaz para atrair o público, criando expectativas de ordem diversa nos sujeitos que interagem com o discurso-montra. Como discurso, no âmbito da comunicação, a montra tem o papel do fazer persuasivo que corresponde a um fazer crer, e o observador, interagindo com ela, tem o papel do fazer interpretativo que corresponde, por sua vez, ao acto de crer. Enquanto actividade, o vitrinismo está profundamente relacionado com áreas tão diversificadas como o design, a arquitectura e o marketing. Vários aspectos relacionam estas áreas, mas o seu principal elo de ligação é a comunicação visual. Para um vitrinista a melhor recompensa pelo trabalho que desenvolve não advém exclusivamente dos comentários favoráveis ao resultado final. É pelo resultado mais ou menos imediato nas vendas e pela projecção da imagem comercial do ponto de venda que o grau de satisfação emerge. São estes dois aspectos que permitem ao vitrinista medir a intensidade dos aplausos da plateia.


Sugestões de actividades 1. Mostre a imagem aos alunos e organize um debate em torno das seguintes questões: – Esta fotografia é de uma montra de que tipo de loja? Uma sapataria? Uma loja de mobiliário? Uma loja de roupa? – O que se pretende vender? Uma marca? – Que consumidor quer cativar? Conservador ou radical? Urbano ou rural? Jovem ou mais idoso? Classe baixa, média ou alta?

– Que elementos na montra revelam que estes produtos se destinam ao perfil de consumidor identificado? – A sobriedade das cores escolhidas e o número reduzido de elementos de décor utilizados têm alguma relação com o consumidor que se pretende cativar? 2. Peça aos alunos para fazerem um esboço de uma montra – tema livre ou orientado. Discuta os resultados obtidos.


Não deixe de ler o próximo número! Tema do dossier:

Criatividade e Inovação (n.º 77, 2009)

Se tiver sugestões de temas a abordar ou conhecer práticas de escolas que considere importante divulgar, envie-nos para o mail: revistanoesis@sg.min-edu.pt Quer ser assinante da Revista Noesis? Fotocopie, preencha o cupão e envie para: Espaço Noesis Av. 24 de Julho, 140 c 1399-025 Lisboa

1 Ano 10,00 e 2 Anos 19,00 e A partir do n.º Nome:

Assinatura da Revista Noesis | Trimestral

Morada: Localidade:

Código Postal:

Telefone/telemóvel: E-mail: Contribuinte n.º Cheque n.º

Banco

(passado à ordem de Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular)

Data:

Assinatura:


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.