Revista Nova Ágora n.º 5

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© Paulo Abrantes

Não poderemos também deixar de mencionar as sevícias que têm sido praticadas com os CRI. A primeira machadada da tutela registou-se quando estes foram impedidos de apoiar as crianças da educação Pré-Escolar, o grau de ensino onde tudo começa, onde há que desenvolver e treinar competências fundamentais para o percurso escolar de qualquer criança; a segunda machadada foi o corte na verba para pagar aos terapeutas. E mais: pegaram nas listas das crianças propostas para terapias e, sem nunca as terem visto, sem nada saberem a seu respeito mas com um «olho clínico» brutal e uma calculadora à mão para as continhas de dividir e multiplicar, distribuíram terapias de 30 minutos semanais, por uns e por outros, sem que alguém conseguisse perceber o critério utilizado. O que são 30 minutos de terapia por semana? Dirão os conformistas: «se não tivesse nada, era muito pior!» Pois é. E assim se tem feito a Inclusão de pé descalço. Pouquinho para não fazer mal, nem nos habituarem à fartura. As consequências desta política estão bem patentes no recente estudo encomendado pelo ME «Avaliação das Políticas Públicas – inclusão de alunos com NEE. O caso dos Centros de Recursos para a Inclusão». Aqui se assume que, de entre os fatores que se revelam impeditivos das políticas inclusivas, a falta de recursos materiais e humanos leva a apoios de «baixa abrangência, duração e frequência.» Diz ainda o referido estudo que «Face à escassez dos recursos disponibilizados, a parceria AE/CRI opta (i) pela redução do rácio de horas de apoio por aluno, (ii) pela reorganização de apoios individuais para apoios prestados em grupos, (iii) pela priorização de alunos – com base em diferentes critérios definidos pelas parcerias (…)». Apontamos, desde já, dois erros grosseiros: em primeiro lugar a parceria AE/CRI não opta! Come e cala! Em segundo lugar, a parceria AE/CRI não define critérios nenhuns para priorização de alunos. Volta a comer e calar! Já no capítulo das recomendações referem que «Deveriam ser disponibilizados todos os apoios previstos no sistema a todos os alunos com NEE que deles precisem». Parece cinismo.

Também o Relatório sobre Portugal para o Estudo sobre as políticas dos Estados Membros relativas a crianças com deficiências (Parlamento Europeu – Comissão LIBE, 2014) refere, na página 48, que «De um modo geral, os direitos das crianças com deficiência estão garantidos na legislação portuguesa, mas a aplicação prática de muitos deles continua a ser problemática. (…) Legislação recentemente aprovada sobre educação inclusiva previu a integração acentuada de crianças com deficiência em escolas regulares. Todavia, a maioria das escolas regulares não possui a qualidade e quantidade de recursos (técnicos e humanos) necessários para proporcionar os cuidados adequados às crianças com deficiência. Este facto compromete a qualidade da sua educação e tem como consequência que muitas crianças regressem a instituições de assistência social, após concluírem a escolaridade.». Haja alguém que encara esta questão com honestidade e lucidez! Ao ponto de concluírem que «os direitos das crianças com deficiência estão garantidos e beneficiam, de um modo geral, de uma proteção jurídica satisfatória….» Também o Dr. José Morgado, no seu blog «Atenta Inquietude», refere no artigo publicado em 7 de junho de 2016 (OUTRA HISTÓRIA DA INCLUSÃO) que «A educação inclusiva e a equidade em educação não decorrem de uma moda ou opção científica, são matéria de direitos, pelo que devem ser assumidas através das políticas, e discutidas, evidentemente, na sua forma de operacionalizar. Aliás, poderá afirmar-se, citando Biesta, que a história da inclusão é a história da democracia, a história dos movimentos que lutaram pela participação plena de todas as pessoas na vida das comunidades, incluindo, evidentemente, a educação. Nesta perspetiva, e apesar de excelentes exemplos de boas práticas os tempos que vivemos, são também tempos de exclusão, de competição, de desregulação ética e de oscilação de valores que atingem, evidentemente, os mais frágeis, caso das crianças e jovens com necessidades educativas especiais e as suas famílias.» No passado dia 5 de junho, foi a vez da Associação Nacional de docentes de educação especial, PIN-PRO-INCLUSÃO, assumir, publicamente, a sua posição sobre os valores e as práticas no apoio a alunos com dificuldades escolares, incluindo os alunos com NEE, abrangidos pela Educação Especial. Nesse documento, afirmam verdades irrefutáveis: «a inclusão não pode ser “mais um” projeto da escola; ela implica uma modificação em toda a escola. (…) continua a existir um longo e difícil caminho para que o nosso Sistema Educativo seja efetivamente justo, inclusivo e equitativo.» Num artigo de opinião, publicado no jornal Público, de 9 de outubro de 2013, David Rodrigues referia-se à Inclusão como sendo uma planta desidratada que estavam a matar, restringindo-lhe a água de que tanto necessitava. Apesar dos estudos e pareceres atrás citados, três anos depois, a questão continua a impor-se: será que ainda vamos a tempo de salvar a planta?

(*) Professora no Agrupamento de Escolas Martinho Árias - Soure e coordenadora de Educação Especial.


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