Revista GEMInIS | Edição Especial - JIG 2014

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REVISTA

GEMI n IS [E D IÇ Ã O E S P E CIA L] E xpediente Editor Responsável João Carlos Massarolo Universidade Federal de São Carlos - UFSCar Editor Executivo Dario Mesquita Universidade Federal de São Carlos - UFSCar Conselho Editorial (Copo de Pareceristas): André Lemos Universidade Federal da Bahia – UFBA Antônio Carlos Amâncio Universidade Federal Fluminense – UFF Arthur Autran Universidade Federal de São Carlos - UFSCar Carlos A. Scolari Universitat Pompeu Fabra – Espanha Bruno Campanella Universidade Federal Fluminense – UFF Derek Johnson University of North Texas – Estados Unidos Erick Felinto Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ Francisco Belda Universidade Estadual Paulista - UNESP Gilberto Alexandre Sobrinho Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP Héctor Navarro Güere Universidade de Vic – Espanha Hermes Renato Hildebrand Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP João de Lima Gomes Universidade Federal da Paraíba - UFPB Marcos “Tuca” Américo Universidade Estadual Paulista - UNESP Maria Immacolata Vassalo Lopes Universidade de São Paulo - USP Maria Dora Mourão Universidade de São Paulo - USP Pedro Nunes Filhos Universidade Federal da Paraíba - UFPB Pedro Varoni de Carvalho Laboratório de Estudos do Discurso (Labor) - UFSCar Ruth S. Contreras Espinosa Universidade de Vic – Espanha Sheron Neves Escola Superior de Publicidade e Marketing - ESPM Capa Original Gi Milanetto http://facebook.com/geminisufscar http://www.twitter.com/geminisufscar www.revistageminis.ufscar.br revista.geminisufscar@gmail.com


S umá r io

Apresentação ....................................................................................................................................... 03

Mídia, participação e entretenimento em tempos de convergência Lucia Santaella ......................................................................................................................... 04 Novas práticas, antigos rituais: A organização do cotidiano e as configurações de poder na mídia Bruno Campanella ....................................................................................................................... 08 Algumas Reflexões Metodológicas sobre a Recepção Televisiva Transmídia Maria Immacolata Vassallo de Lopes .......................................................................................... 13 O documentário brasileiro na era do vídeo Gilberto Alexandre Sobrinho ....................................................................................................... 17


Ap re senta çã o É com muito orgulho apresentamos esta Edição Especial impressa da Revista GEMInIS, uma publicação do Grupo de Estudos sobre Mídias Interativas em Imagem e Som – PPGIS/UFSCar. Criada em 2010, a Revista GEMInIS é disponibilizada gratuitamente online, em edições semestrais que abordam os mais diversos temas da convergência midiática e da produção audiovisual em múltiplas plataformas transmidiaticas. Agora, lançamos a revista em sua primeira edição impressa, especialmente editada para a I Jornada Internacional GEMInIS (JIG 2014), que ocorrer entre os dias 13 e 14 de maio de 2014, na Universidade Federal de São Carlos, e tem como tema o “Entretenimento Transmídia”, com o objetivo de debater aspectos importantes da comunicação contemporânea, não somente na sua dimensão histórica, mas também na sua perspectiva política, buscando analisar as novas formas de produção e de circulação dos objetos audiovisuais em rede. Para enriquecer esse debate, trazemos nestas páginas as reflexões de alguns dos convidados da JIG 2014, que abordam por diferentes ângulos a temática do entretenimento nas mídias contemporânea: Lúcia Santaella (PUC-SP), discute sobre a relação entre mídia, participação e entretenimento; Bruno Campanella (UFF), discute sobre as transformações recentes nas práticas de consumo midiático ligadas à emergência de mídias alternativas; Maria Immacolata (USP), reflete sobre as metodologias para o estudo de recepção da televisão transmdía; Gilberto Alexandre Sobrinho (UNICAMP), apresenta a emergência do vídeo no Brasil e investiga suas apropriações nos domínios do documentário. Esta publicação está em suas mãos graças ao trabalho generoso e árduo realizado pela Equipe de Editores. O agradecimento é extensivo aos autores e colaboradores que participaram desta edição especial. A equipe editorial deseja a todos uma boa leitura!

Prof. Dr. João Carlos Massarolo Editor Responsável


Mídia, participação e entretenimento em tempos de convergência Lucia Santaella Pesquisadora 1 A do CNPq, professora titular na pósgraduação em Comunicação e Semiótica e na pós-graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (PUC-SP). Doutora em Teoria Literária pela PUC-SP e Livre-docente em Ciências da Comunicação pela USP.

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prendi com C. S. Peirce a praticar a ética da terminologia. De acordo com esse autor, muitas das discordâncias e desavenças intelectuais são provocadas porque as mesmas palavras são compreendidas com sentidos diversos pelos oponentes, sem que eles se deem conta disso (CP 2.219-226). Portanto, para evitar equívocos desnecessários, tratarei de apresentar o entendimento que tenho de cada um dos termos de que o título deste artigo se compõe para, então, colocá-los em correlação. Isso também se justifica porque cada um desses termos funciona como índice que direciona para o contexto de sua emergência histórica, o que é fundamental para a compreensão dos modos como mídia, participação e entretenimento se encontram hoje interseccionados. De qual mídia estamos falando? De duas décadas para cá, o termo “mídia” foi sendo crescentemente absorvido pela cultura e empregado de maneira cada vez mais genérica, muitas vezes sem a especificação de qual mídia se está falando na profusão de mídias das mais diversas ordens e espécies em que estamos mergulhados. Desde o início dos anos 2000 (ver, por exemplo, SANTAELLA 2001, p. 379, 381; 2003, p. 77-81; 2007, p. 189201), tenho insistentemente chamado atenção para o fato de que há distinções a serem feitas no vasto elenco das mídias, pois essas distinções são capazes de evidenciar lógicas de produção, circulação e recepção fundamentais para evidenciar o modo como cada tipo de mídia funciona socialmente e os usos sociais que enseja. É verdade que alguns autores trabalham com a oposição entre mídias massivas e mídias pós-massivas ou entre velhas mídias e novas mídias (quer dizer, mídias

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pré-digitais e digitais), ou ainda com a oposição entre mídias analógicas e mídias digitais. Thornton (1996 apud PRIMO, 2008, p. 49-50) propõe uma classificação de três níveis midiáticos: mídia de massa, mídia de nicho e micromídia. O primeiro e o segundo nível apresentam uma correspondência com o broadcasting e o narrowcasting, enquanto o terceiro corresponderia a um conjunto de mídias de baixa circulação, produzidas de maneira quase artesanal e não raro por uma única pessoa. Primo (2008) aproveita-se dessa classificação, mas expande o conceito de micromídia para o digital. Assim, os folhetos, um bom exemplo de micromídia para Thornton, dependem de uma distribuição manual. Uma rádio livre ou TV pirata são captadas por uma pequena vizinhança. Já um blog ou podcast teriam o caráter de uma micromídia, mas de alcance planetário. Mesmo sem levar em conta as formações culturais que vieram antes da revolução industrial no século 19, a classificação que desenvolvi (SANTAELLA, 2007, p. 189-201) é mais ampla e mais específica. Ela toma como ponto de partida a emergência histórica de tecnologias de linguagem e de comunicação que marcam o advento de mídias até então inexistentes e criam novas formas e processos sócio-culturais, reprojetando toda a ecologia midiática precedente. Assim, com as tecnologias eletro-mecânicas emergiram o telégrafo, a fotografia, o jornal moderno e o cinema, próprios da cultura da reprodutibilidade. As eletro-eletrônicas trouxeram consigo o rádio, a televisão, o vídeo e a cultura da difusão. Antes da emergência da cultura do computador, o narrowcasting, a máquina de xerox, o controle remoto, o vídeo cassete e outros apare-


lhos de pequena envergadura fizeram surgir o que chamo de cultura das mídias, ou seja, formas de cultura que não são mais massivas, mas ainda não são digitais. Considero importante a atenção a essa fase cultural porque esses pequenos aparelhos foram preparando a sensibilidade do receptor para a era participativa da interatividade inaugurada pelo computador, seus programas, suas plataformas, suas interfaces e seus desdobramentos, na atual era da convergência. Hoje se tornou praticamente impossível considerar qualquer produção midiática, até mesmo este texto que estou aqui escrevendo, que não passe por um processamento digital, em alguma de suas fases de produção ou pós-produção. Isso poderia levar ao argumento de que qualquer esforço classificatório das mídias tornou-se supérfluo. Discordo dessa constatação. Defendo que é preciso levar em conta que cada tecnologia de linguagem deu origem a processos semióticos específicos que são imperecíveis, embora estejam passando por procedimentos tradutórios em mídias digitais. Assim, por exemplo, mesmo que seja considerada a possibilidade de desaparecimento do jornal em papel ou do livro em papel, o jornal na especificidade de sua linguagem e de sua função social irá se preservar, do mesmo modo que a estrutura do livro enquanto informação especializada também não se perderá. Tanto é que estão sendo gradativamente transpostos para o digital. Além disso, as classificações são também importantes para se compreender o advento histórico de questões como o entretenimento e a participação que este artigo visa colocar em discussão. Entretenimento e participação não existiram desde sempre. Eles surgiram no contexto de mídias que trouxeram consigo esses perfis, como se verá a seguir. O advento do entretenimento A mídia inaugural do entretenimento e da diversão foi o cinema, primeiro meio de entretenimento de massa em uma sociedade industrial predominantemente urbana (SKLAR, 1978). Antes dos meios de massa inaugurais, ou seja, jornal e cinema, a cultura se dividia em dois polos perfeitamente separados: a cultura erudita, de elite, tida como superior, cuja vivência se dava em salas de concerto e teatro, nos museus, por meio dos livros etc., e a cultura popular, cultura da oralidade, das ruas, das festas e das danças que emanavam da tradição de um povo. Pode-se considerar o circo e o teatro popular como meios de diversão que antecederam o cinema. Entretanto, foi só com o cinema que a indústria do entrete-

nimento como forma de consumo cultural se instalou. Foi também com o cinema que se instaurou a cisão entre a mídia massiva de informação, o jornal, e a mídia de entretenimento, o cinema. Pouco tempo depois, com o rádio e a televisão acessíveis dentro dos lares, a cultura da difusão, que eles instauraram, reforçou sobremaneira as práticas de entretenimento e diversão. Como provedoras permanentes de conteúdos gratuitos, certamente ofertados ao preço dos anúncios publicitários, essas mídias estabeleceram uma relação mais ampla e flexível do público com os bens de consumo cultural. Entretanto, ainda que os canais de televisão promovam um certo grau de mistura de gêneros audiovisuais no nível da oferta (...), suas condições técnicas, econômicas, a lógica de programação e modelo de negócio tendem a nivelar os hábitos culturais em torno de um repertório audiovisual restrito e repetitivo. (SANTINI e CALVI, 2013, p. 175)

Tal situação veio sofrer algumas mudanças com o advento da cultura das mídias. A TV a cabo começou a ampliar as ofertas, dirigindo-se a espectadores específicos. A máquina xerox possibilitou o desmembramento de livros e revistas nas páginas de interesse do leitor, o vídeo cassete, aliado às locadoras de filmes, ampliou a possibilidade de escolha do espectador, tudo isso aumentando a oferta e os graus de liberdade de uso do receptor. Deu-se por iniciado aí um estreitamento da separação prévia, própria da cultura de massas, entre os meios informativos e os meios de entretenimento. Mas foi só o surgimento da internet e o desdobramento de suas plataformas que evidenciaram a incipiência dos graus de liberdade permitidos pela cultura das mídias, pois nesta não haviam ainda soado os sinos da interatividade, participação e da junção da informação e do entretenimento nas mídias do infotenimento que estão tirando o sono de muitos educadores. De Certeau e suas antevisãoes do futuro Antes que o computador tivesse se tornado uma mídia comunicacional planetária e uma metamídia agenciadora de mídias, de Certeau, na sua Invenção do cotidiano, em 1990 [2002], já adivinhava o futuro, antevendo, ainda nas mídias massivas, modos de recepção que viriam se tornar corriqueiros na cultura digital ou cibercultura. Ao questionar sobre aquilo que o consumidor cultural “fabrica”, de Certeau afirmava: A uma produção racionalizada, expansionista, além

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de centralizada, barulhenta e espetacular, corresponde outra produção qualificada de “consumo”: esta é astuciosa, é dispersa, mas ao mesmo tempo ela se insinua ubiquamente, silenciosa e quase invisível, pois não se faz notar com produtos próprios mas nas maneiras de empregar os produtos impostos por uma ordem econômica dominante. (de CERTEAU, 2002, p. 39) Nas maneiras de fazer da apropriação, por meio da “criatividade dispersa, tática e bricoladora”, constituemse as “mil práticas pelas quais usuários se reapropriam do espaço organizado pelas técnicas da produção sóciocultural” (ibid., p. 41). Aí estava antecipada a emergência -- pode-se dizer em progressão geométrica -- da participação, do regime do produssumo e da transmídia. Se, em 1990, de Certeau indagava sobre o que o consumidor fabricava com as imagens, narrativas e legendas jornalísticas recebidas, que táticas utilizadoras empregava à revelia do poder dominador da produção, hoje as mídias digitais dão razão a Walter Benjamin quando preconizou que a vingança viria pela superestrutura, antevisão que recentemente recebeu uma versão mais radical na afirmação de Bentes (2014, p. 7) de que “no capitalismo da informação, a revolução será midiática”. De fato, nas plataformas das redes digitais, o consumo produtivo do usuário “deixa de ser um elemento ‘invisível’ no processo de comunicação para ser instituído como um dispositivo com claros níveis de evidência, organizando novas possibilidades de interação entre a mídia e a recepção” (FAUSTO NETO, 2009 apud JACKS et al., 2012, p. 195). Nesse contexto, como afirmam Jacks et al., ibid., 194, 196), trata-se de atentar para os modos pelos quais o consumidor se apropria dos produtos midiáticos, expandindo-os “através de diferentes plataformas, processo efetivado pela participação ativa dos consumidores/ receptores (respectivamente perseguindo e criando conteúdos por meio de diferentes sistemas de mídia e construindo ou navegando nos fluxos midiáticos existentes)”. Tudo isso só é possível porque vivemos em um novo tempo das mídias. Em tempos de convergência Segundo Jenkins (2008), entender a convergência implica levar em conta as grandes transformações pelas quais opera a lógica da indústria voltada para o consumo cultural. Elaborado por Santini e Calvi (2013, p. 167), o levantamento das plataformas e sistemas de difusão e consumo, com ênfase apenas no audiovisual, que hoje se colocam à disposição do usuário, aponta com clareza

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para o estado atual do potencial da convergência: Conteúdos audiovisuais de televisão na web, gratuitos ou pagos, que se visualizam em um computador, tablet ou celular com conexão a Internet (internet vídeo to PC/mobile: streaming); 2) intercâmbio nas Redes P2P e portais de enlaces (file sharing: download); 3) conteúdos audiovisuais de TV ou vídeo na web, gratuitos ou pagos, que se visualizam em um aparelho de TV (internet vídeo to TV); 4) redes de usuários abertas ou fechadas, como no caso dos jogos online (internet gaming); 5) difusão e visualização de conteúdos nas redes sociais (social networks); 6) difusão de vídeos através do correio eletrônico (web/e-mail); 7) vídeo comunicações, que incluem todas as aplicações de chamadas telefônicas com vídeo, chats e webcams (internet vídeo communications); 8) conteúdos audiovisuais ambientais (ambient video) que correspondem à transmissão de vídeo através da web em espaços abertos ou fechados.

Diante de tal profusão, sem recusar a tradição

dos estudos da indústria cultural da pena de Adorno, é preciso enxergar que, embora ainda se trate de uma indústria, a complexidade do seu funcionamento cresceu em complexidade, e a ela não mais se aplicam cegamente os mesmos conceitos. Sobretudo, cumpre não minimizar a nova figura do prossumidor que tem a seu dispor meios cada vez mais acessíveis para se fazer ouvir, uma prerrogativa que ultrapassa os limites de classes, gêneros e faixas etárias e que tende a apagar as fronteiras entre os privilégios de consumo midiático restrito aos ricos em detrimento dos pobres. Hoje os consumidores aprendem com rapidez espantosa a utilizar as novidades tecnológicas, assumindo um controle sobre os fluxos das mídias em processos dialógicos heterotópicos com outros consumidores, gerando um “encadeamento midiático” (Primo, 2008) que percorre todo o espectro das mídias, partindo das grandes mídias massivas, como a televisão, por exemplo, até a microfísica dos blogs, atualizados em equipamentos sempre à mão. Nesse universo, há uma profusão de histórias a serem contadas, de marcas vendidas, e todos os consumidores se encontram cercados por múltiplos suportes de mídia, tentando chamar a atenção sobre si. Assim, a convergência constitui um processo cultural, e não apenas uma mudança tecnológica, no qual os consumidores são incentivados a se conectarem para ter acesso a informações de seu interesse em meio a conteúdos midiáticos dispersos. (MÉDOLA e CALDAS, 2013, p. 127)


A multiplicação de conteúdos por mídias diversificadas resulta da transmídia, transposição de conteúdos de uma mídia a outra(s), que se constitui no operador mor da convergência, operador que leva os consumidores a assumirem “o papel de caçadores e coletores, perseguindo pedaços de histórias pelos diferentes canais, comparando suas observações com as de outros fãs, em grupos de discussão on-line, e colaborando para assegurar que todos os que investiram tempo e energia tenham uma experiência de entretenimento mais rica”. Fãs de novelas de televisão, por exemplo, “podem capturar amostras de diálogos no vídeo”, resumir capítulos, discutir sobre as cenas mais impactantes, criar fan fiction (ficção de criação dos fãs), mixar a trilha sonora ou gerar trilhas próprias e “distribuir tudo isso ao mundo inteiro pela internet” (Jenkins, 2008, p. 47, 42). Tais comportamentos decorrem do consumo, mas o transformam produtivamente, desencadeando, como foi lembrado por Santini e Calvi (2013, p. 166), a propagação de comentários, histórias e informações secundárias e terciárias sob efeito da “imitação, repetição e reprodução de comportamentos de forma instantânea e distribuída em uma dinâmica de contágio viral”. Desencadeiam também a “escalabilidade de rede” que funciona como uma bola de neve em que “o valor de uma rede aumenta exponencialmente com o número de usuários que a ela se conecta, aumentando assim a quantidade de recursos disponíveis, o que atrai mais usuários” (ibid.).

nomenclaturas, mas também as rotas orientadoras em meio à urdidura crescente de mídias que se entrelaçam. Felizmente, nem os nomes, nem as rotas fazem falta aos jovens, pois é deles o privilégio de compreender pela vivência as emergências do presente.

Referências BENTES, Ivana. Respeitosamente vândala. Cult, no. 188, ano 17, p. 7-10, 2014 DE CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. 1. Artes do fazer, Ephraim Ferreira Alves (trad.). Petrópolis: Ed. Vozes, 8ª edição, 2002. JACKS, Nilda et al. Circulação e consumo de telenovela: Passione num cenário multiplataforma. Comunicação, mídia e consumo, Ano 9, volume 8, número 26, p. 191210, 2012. JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo, Aleph, 2008. MEDOLA, Ana S. D. e CALDAS, Carlos Henrique S. Videoclipe em ambiente de convergência midiática: regimes de sentido e interação. Comunicação, mídia e consumo, Ano 10, volume 10, número 29, p. 121-141, 2013 PEIRCE, C. S. (1931-58). Collected Papers. Vols. 1-6 ed. Hartshorne and Weiss; vols. 7-8 ed. Burks. Cambridge, Mass.: Harvard University Press.

Nessa grande virada instauradora do entretenimento participativo e criativo, devem ser repensados e expandidos os conceitos tradicionais que costumavam nortear as discussões sobre recepção e consumo midiático, tais como público, audiência, espectadores, produtores, consumidores etc. Diante do cipoal de filamentos participa-

PRIMO, Alex. A cobertura e o debate público sobre os casos Madeleine e Isabella: encadeamento midiático de blogs, Twitter e mídia massiva. Galáxia 16, p. 43-60, 2008.

tivos, é fácil constatar como parece pobre o consensual trinômio da produção, circulação e recepção ou consumo. Hoje esse trinômio se desdobra em uma pluralidade de facetas que se deixam entrever na multiplicação dos meios e processamentos de produção e pós-produção, dos meios de emissão, visualização, distribuição, transmissão, difusão, dos meios de armazenamento, arquivamento, recuperação e dos meios de recepção, troca e compartilhamento. A variabilidade é de tal ordem que põe em falta as nomenclaturas orientadoras. Não só as

______. Culturas e artes do pós-humano. Da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003.

SANTAELLA, Lucia. Matrizes da linguagem e pensamento: sonora, visual, verbal. São Paulo: Iluminuras/Fapesp, 2001.

______. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007. SKLAR, Robert. História social do cinema americano. São Paulo: Cultrix, 1978. SANTINI, Rose Marie e CALVI, Juan C. O consumo audiovisual e suas lógicas sociais na rede. Comunicação, mídia e consumo, Ano 10, volume, 10, número 27, p. 159-182, 2013.

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Novas práticas, antigos rituais: A organização do cotidiano e as configurações de poder na mídia Bruno Campanella Professor do departamento de Estudos Culturais e Mídia e membro do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, ambos da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Introdução

O

presente artigo tem como objetivo refletir sobre transformações recentes nas práticas de consumo midiático ligadas à emergência de mídias alternativas, e como as mesmas afetam os processos de criação e legitimação de uma forma dispersa de poder, tradicionalmente associado aos meios de comunicação de massa. O mito de que meios de comunicação como a TV, o rádio e o jornal funcionam como ligação para uma espécie de “centro do social” tem sido convenientemente endossado pela indústria midiática ao longo da história, uma vez que legitima formações identitárias e modos de narrativa que maximizam interesses comerciais (COULDRY, 2012; TURNER, 2010). O ordenamento de ações cotidianas a partir de categorias baseadas na divisão entre o que está relacionado à mídia, e o que não está, desempenha papel estruturador de uma dinâmica tipicamente contemporânea de poder. Esta dinâmica, contudo, tem se modificado com a popularização das redes sociais na internet. Se, por um lado, o surgimento de novas práticas da audiência têm diversificado as possibilidades de organização do social, por outro, elas parecem reforçar antigas formas de ritualização midiática responsáveis pelo papel preponderante que os meios massivos de comunicação ainda desempenham na sociedade atual. A mídia e o papel das categorias sociais As transformações nas relações de poder na indústria cultural decorrentes da introdução da Web 2.0 têm sido, com frequência, pensadas no contexto das novas possibilidades de produção e consumo midiático. Trabalhos como os de Burgess & Green (2009), Bruns (2008) e Jen-

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kins (2009) enfatizam a democratização das possibilidades de produção e circulação cultural, decorrente de um caráter aparentemente menos hierarquizado da internet e das demais mídias digitais. De acordo com esta perspectiva, o poder dos grandes grupos de comunicação estaria sendo ameaçado pela ação de fãs e usuários de blogs e redes sociais, que além de criar e disponibilizar sem dificuldade seus próprios conteúdos, podem também enfrentar “interesses corporativos [que] contrari[em] o consenso do grupo” (JENKINS, 2009, p. 126). Para alguns desses autores, estamos adentrando um novo mundo em que “movimentos de base” na internet usam sua recém adquirida capacidade de mobilização para (re)negociar o poder sobre a produção cultural, antes controlado por poucos grupos de comunicação. Entretanto, esse tipo de análise, com seus méritos e limitações1, é incapaz de dar conta de todas as questões em jogo nas disputas de poder que atravessam o campo da mídia. O foco nas características tecnológicas e no contexto político econômico dos meios de comunicação, embora fundamental, deixa de fora importantes perspectivas de caráter mais sociológico, capazes de lançar diferentes olhares sobre o debate. A análise do lugar que os meios de comunicação ocupam na formação do cotidiano de seus consumidores, por exemplo, é visto por muitos pesquisadores como fundamental. Os anos 1980 testemunharam um crescente interesse na área de comunicação em relacionar o consumo midiático com o estudo do cotidiano. Benedict Anderson foi um dos pioneiros desta perspectiva. Para o autor, o 1 Ver Campanella (2012) para uma reflexão mais detalhada sobre o assunto.


hábito matinal de leitura dos jornais funciona como uma espécie de cerimônia diária performada na solidão do lar, na qual seus praticantes são cientes de sua simultânea repetição por milhões de pessoas em todo país. O leitor de jornal seria, desse modo, “permanentemente reassegurado de que o mundo imaginado é visivelmente fixado no cotidiano” (ANDERSON, 2006[1983], p. 35-36). De modo similar, Roger Silverstone afirma que “estudar televisão é o mesmo que estudar o cotidiano” (SILVERSTONE, 1989, p. 77). O pesquisador inglês sugere que a presença ubíqua de aparelhos de TV em cafés, shopping centres, bares e, principalmente, na grande maioria dos domicílios os torna indissociáveis da rotina do indivíduo contemporâneo. Ainda segundo Silverstone, as imagens e histórias trazidas pela televisão informam boa parte das conversas que preenchem o dia-a-dia das pessoas. Dentro dessa perspectiva, a TV é vista como um conector basilar do mundo individual do sujeito com o social que o cerca. Simon Frith (1983), por sua vez, afirma que a transmissão radiofônica (e, de forma equivalente, a televisiva) faz mais do que trazer eventos externos para dentro do lar. O pesquisador inglês propõe que essa forma de transmissão dá ao indivíduo a sensação de acesso a um gênero particular de comunidade: a comunidade nacional2. A experiência proporcionada pelo rádio e pela televisão, de acordo com Frith, poderia ser descrita como um tipo de participação pública que oferece diversas formas de prazer à audiência; em especial, ela proporciona “o prazer da familiaridade” (Frith, 1983 apud. Morley, 1992, p. 259). Dayan e Katz (1992) tentam aprofundar o entendimento dessa relação entre indivíduo, sociedade e televisão, quando desenvolvem o conceito de evento midiático. A partir deste, investigam a importância daquilo que chamam de “momentos liminares” da transmissão televisiva (DAYAN e KATZ, 1992 p. 15). Com um arcabouço teórico ligado à antropologia, Dayan e Katz associam as transmissões feitas “ao vivo” de acontecimentos de relevância nacional, ou mesmo mundial, tais como casamentos reais, olimpíadas e funerais de estado às cerimônias realizadas em sociedades tradicionais. Os pesquisadores partem da perspectiva funcionalista de Durkheim (1995 [1912]), para afirmar que tais eventos midiáticos (ou cerimônias televisivas) exibem a performance de atos simbólicos conectados a valores centrais da sociedade a qual pertencem. Por meio da cooperação entre os organizadores desses acontecimentos (tipicamente instituições 2 O argumento de Frith é intimamente conectado às “comunidades imaginadas” descritas por Anderson (1983).

governamentais e órgãos internacionais) e as empresas de mídia responsáveis pela transmissão dos mesmos, o público participa de momentos históricos que teriam a função de integrar a sociedade. Couldry (2003; 2005; 2012) se inspira em trabalhos como o de Dayan e Katz – embora não se restrinja a este (ver também CAREY, 2009) – que lidam com “modos rituais de comunicação”, para desenvolver a ideia de ritual midiático. Este é um conceito mais amplo do que aquele apresentado por Dayan e Katz, uma vez que abarca não somente os eventos pontuais descritos acima, mas toda uma gama de situações que inclui, por exemplo, a transmissão de programas confessionais (talk shows), de conteúdos que reivindicam a representação da realidade (reality shows) e a construção de espaços de peregrinação (visitas a estúdios, locações, auditórios etc.). Couldry adota uma perspectiva foucaultiana quando desenvolve um conceito de ritual que enxerga o poder configurado difusamente por todo espaço social, em vez de restringi-lo somente a alguns locais (COULDRY, 2005, p. 63). Os rituais midiáticos, conforme apresentados pelo autor, acabam naturalizando e, em última instância, legitimando o status especial de “representantes do social” assumido pelas empresas da área de mídia. Em vez de ter uma função integradora, as instituições midiáticas – redes de televisão, emissoras de rádio, jornais etc. – contribuem para a própria construção da sociedade. Para tanto, os rituais midiáticos dependem de algumas “categorias de pensamento” (ibid., p. 65). O primeiro, e mais importante, nível de classificação é aquele que estabelece o que está relacionado “à mídia” e o que não está. Assim como a diferenciação feita por Durkheim entre o profano e o sagrado, as categorias de ritual midiático abrangem o mundo social de maneira completa e, embora seja uma ideia construída, ela eventualmente se naturaliza por meio do seu uso repetido. O segundo nível de classificação é diretamente conectado ao anterior, e lida com a noção de hierarquia dentro da mídia. O conceito de “ao vivo”, por exemplo, reforça a crença de que o que é apresentado pelos meios de comunicação tem maior relevância do que aquilo que não é, devido a uma (supostamente) maior conexão com a realidade. Qualquer acontecimento transmitido ao vivo deveria, de acordo com essa proposição, trazer uma perspectiva mais exata do mundo do que a reprodução de algo já acontecido, mesmo que num passado recente. O “comum” (ordinário, usual) é outra categoria explorada por Couldry, e que ganha especial importância dentro da análise que faz de programas como os reality shows. O fato de os participantes geralmente virem de contextos

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pessoais comuns (isto é, não terem conexões com à indústria cultural até a entrada no programa) é fundamental para a reivindicação de que tais programas representam o social. Mesmo porque, ainda de acordo com Couldry, uma das premissas centrais dos reality shows é que eles oferecem um ponto de acesso privilegiado às “realidades da interação humana” (COULDRY, 2002, p. 288). De modo semelhante, o fenômeno das celebridades contemporâneas também é analisado como parte dos rituais midiáticos. A exposição permanente de detalhes de suas vidas privadas cotidianas é fundamental para que as celebridades postulem um lugar privilegiado na representação do social. A presença simultânea em mundos aparentemente opostos – o mundo da mídia e o mundo cotidiano – às coloca em posição de destaque na mitologia hodierna. As reflexões de Couldry sobre as formas midiatizadas de experimentação do cotidiano “comum” transitam dentro de um eixo que conecta teorias informadas por perspectivas que relacionam indivíduo, sociedade e ritual (DOUGLAS, 1984, DURKHEIM, 1995[1912]; TURNER, 1974), com trabalhos que exploram formas de naturalização e legitimação de poder (BARTHES, 1973; FOUCAULT, 1988). A ambiguidade resultante dessa mistura mostra-se clara quando o sociólogo afirma que os “eventos midiáticos [o que também se aplica aos rituais midiáticos] são processos nos quais a sociedade ‘toma conhecimento de si mesma’ (TURNER, 1974, p. 239), ou, pelo menos, assim o parece3” (COULDRY, 2002, p. 285). A parte final da citação acima é a chave para se entender a preocupação central de Couldry acerca das implicações do papel cada vez mais importante dos meios de comunicação enquanto mediadores da relação do indivíduo com a sociedade. As análises do sociólogo dedicam grande atenção aos mecanismos institucionais (da indústria midiática) de representação do social, implícitas no seu “assim o parece”. Ou seja, ele está preocupado com a criação de um poder invisível, baseado na ideia de que os meios de comunicação de massa permitem o acesso a uma “realidade compartilhada”. As categorias descritas por Couldry, no entanto, se referem majoritariamente às mídias tradicionais, descritas por ele simplesmente como “mídias centrais”4 (COULDRY 2005, p. 60). Mesmo em trabalho mais recente, no qual tenta dar conta da expansão da internet na produção do cotidiano (COULDRY 2012), o autor não analisa de modo sistemático o papel das novas plataformas di3 Itálico do autor. 4 Itálico do autor. 10

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gitais na construção do poder difuso das mídias. Considerando a pluralidade de usos que o Facebook, o Twitter e o Instagram vem despertando ao longo dos anos, e da natureza variada das plataformas de exibição de vídeo na internet, como Youtube e Netflix, talvez seja impossível propor uma maneira única de pensar essa questão. Todavia, algumas tendências recentes nas práticas de consumo midiático têm apontado resultados sugestivos. Em recente pesquisa que relaciona o uso de mídias e consumo televisivo, publicada pelo Council for Research Excellence5 (CRE), foi constatado, por exemplo, que metade de todas as atividades de internautas que usam redes sociais enquanto assistem televisão se refere à programação televisiva. Ou seja, uma parcela considerável das pessoas que usam redes como Facebook e Twitter enquanto veem TV costumam comentar ou pesquisar sobre o que estão assistindo. Ainda segundo o estudo, quase 20 por cento das vezes em que um membro da audiência assiste programação televisiva em horário nobre, ele também está usando uma mídia social6. A pesquisa do CRE, realizada pelo segundo ano consecutivo, aponta um crescimento de práticas que relacionam diretamente o consumo televisivo e o uso da internet. No Brasil, esse fenômeno pode ser facilmente percebido em programas de grande repercussão na TV aberta. O último episódio da novela Amor à Vida, produzida pela Rede Globo entre 2013 e 2014, foi marcado pelo beijo de dois personagens gays, Félix e Niko, que tiveram destaque na trama. Durante a transmissão do episódio que foi ao ar na noite do dia 31 de janeiro, a hashtag #BeijaFelixENiko, criada em homenagem ao casal, ficou entre as cinco mais mencionadas no Twitter em todo o mundo7. Isto é, a transmissão em televisão aberta de um conteúdo de grande repercussão nacional foi capaz de desencadear um simultâneo movimento de troca de mensagens e comentários nas redes sociais acerca do programa. Esse tipo de fenômeno é particularmente recorrente em programas de reality show que envolvem algum tipo de competição ao vivo. Durante pesquisa que realizei com fãs do Big Brother Brasil (BBB), entre os anos de 2006 e 2010, foi possível perceber que os momentos de tensão nas transmissões ao vivo, como nas provas de resistência para escolha do líder da semana, nas formações de 5 O Council for Research Excellence é uma organização de pesquisa ligado ao Nielsen Group, que conta com a colaboração de profissionais de mercado e acadêmicos http://www.researchexcellence.com. 6 O estudo do CRE foi realizado majoritariamente com participantes dos EUA e do Reino Unido. 7 http://omemeeamensagem.com.br/tuitada/telespectadoresparabenizam-rede-globo-pelo-beijo-gay-em-final-de-amor-a-vida/


“paredão” ou nas eliminações de participantes, o movimento em fóruns e blogs de discussão crescia substancialmente. O fórum BBB.Lua, o mais popular entre os fãs na época, chegava a alcançar quase 2000 acessos simultâneos8, praticamente o dobro da média registrada em outras ocasiões (CAMPANELLA, 2012). O reality show musical The Voice Brasil, também exibido pela Rede Globo, foi considerado o “Rei do Twitter” em 20139, de acordo com a plataforma analítica TTV, que acompanha a interação entre televisão e mídias sociais10. O programa, em sua segunda edição no país, foi o conteúdo televisivo que gerou a maior atividade naquela mídia social no ano: foram aproximadamente 650 mil comentários, que impactaram mais de dois milhões de usuários de Twitter. Assim como no caso do BBB, grande parte do movimento em redes sociais ligado ao The Voice Brasil ocorre durante as transmissões do programa. A prática de uso temporalmente organizado da internet também tem ocorrido por meio da atuação de fãs de celebridades. Os fãs da cantora de funk Valesca Popozuda, por exemplo, frequentemente combinam horários específicos para “levantar” hashtags que visam dar visibilidade à cantora nas estatísticas de uso das mídias sociais. Em certa ocasiões, o fenômeno é vinculado à participação de Valesca em algum programa de rádio ou TV, em outras, ele ocorre em um dia e horário aleatório, previamente combinado entre seus fãs, para chamar atenção de algum fato dizendo respeito a ela. Foi o que ocorreu às 19:00 horas do dia 5 abril de 2013, quando seus fãs, conhecidos como popofãs, “levantaram” a hashtag “#VALESCANATVXUXA” para ajudar a funkeira a realizar seu antigo desejo de conhecer a apresentadora de televisão Xuxa11. “Levantar” uma hashtag significa, basicamente, publicar em um horário combinado o maior número possível de mensagens indexadas em redes sociais, como Instagram e Twitter, fazendo referência a alguma pessoa ou ação em particular. Enquanto muitas hashtags ligadas a programas televisivos são publicados durante a transmissão do conteúdo em questão, àquelas “levantadas” por fãs que querem dar visibilidade à sua celebridade preferida não necessariamente seguem a grade de programação de um grande veículo de comunicação. Contudo, em ambos os casos, as práticas de uso das mídias

8 Dados referentes à oitava edição do programa. 9 http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/ noticias/2014/03/10/The-Voice-Brasil-e-o-rei-do-Twitter-.html 10 https://twitter.com/TTV_SocialTV 11 http://www.proppi.uff.br/ciberlegenda/popozuda-popofas-e-posts

digitais são organizadas em torno de categorias ligadas aos rituais midiáticos descritos por Couldry. O pertencimento às mídias, especificamente às “mídias centrais” – como a televisão e a revista – e, do mesmo modo, a transmissão “ao vivo” são elementos fundamentais que atravessam as práticas descritas neste trabalho. Os usos das mídias sociais feitos por fãs de programas televisivos e de celebridades sugerem que o poder disperso dos meios de comunicação tradicionais vem ganhando diferentes tonalidades no mundo hodierno. Mesmo que as mídias digitais tenham aberto novas possibilidades para a realização de escolhas individuais, algo sem precedentes na história (ANDERSON, 2008), a atual produção e circulação cultural independente tem, em muitos casos, reproduzido valores ligados às formas de organização do social historicamente adotadas pela indústria midiática. A ideia de que o acesso mais direto às celebridades, assim como aos programas televisivos – especialmente aqueles exibidos ao vivo – representam uma espécie de ponte para o centro da sociedade não mostra sinais de esgotamento mesmo na era da democratização das mídias. Não é de surpreender, portanto, que grandes grupos de comunicação não vejam os novos processos de produção alternativa como ameaça. Ao contrário, muitos deles buscam desenvolver novos conteúdos que reforçam a ideia de “acontecimento”, de “ao vivo” e de pertencimento ao “mundo da mídia” como modo de organizar as práticas cotidianas da sociedade (YTREBERG, 2009).

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Bruno Campanella // Novas práticas, antigos rituais: A organização do cotidiano e as configurações de poder na mídia

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Algumas Reflexões Metodológicas sobre a Recepção Televisiva Transmídia Maria Immacolata Vassallo de Lopes Professora titular da Escola de Comunicações e Artes da ECA-USP.

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os atuais estudos de televisão, um traço comum e permanente, e por isso, talvez o mais importante, tem sido a preocupação com o grau e o modo de participação das audiências diante das mensagens emitidas. Retendo a dimensão comunicacional desses estudos, é possível afirmar que em países como o nosso, de modernização tardia e excludente, o que interessa não é apenas identificar e descrever (repetidamente) as dinâmicas dessa participação, mas propiciar meios para ampliá-la e qualificá-la com vistas a uma cidadania mais abrangente. Para perseguirmos esse objetivo, torna-se imprescindível ajustar o foco dos “television studies” com o presente da “sociedade de rede” (Castells) e sua “ecologia dos meios” (Postman). Nela, é possível destacar, em princípio, dois momentos nas relações da audiência com a televisão: antes e após a entrada da participação do receptor nos processos que incentivam a transmidiação e a interatividade. 1. Estudos de recepção e novas mediações Nos dias que correm, porém, esse cenário passa a alcançar outro patamar de trânsito, já que a tela está em toda parte e pode ser levada com cada usuário-internauta para onde quer que seja. E essas telas são muitas: estão no celular, na TV, no computador, nos games, no cinema, na memória. Assim, elas permitem o surgimento de uma nova ambiência, um “sensório envolvente”, que está em todo lugar a todo tempo.1 Esse caráter complementa as novas construções de identidade, novos sensórios (no sentido apresentado por

1 Essa ambiência tem sido designada de diversas formas, como por exemplo, entorno tecnocomunicativo (Martín-Barbero), bios midiático (Muniz Sodré), terceiro entorno (Javier Echeverría).

Benjamin), que se formam a partir dessa realidade modificada tecnologicamente e produzem, por meio das também novas mediações digitais, outros meios de ser e estar na sociedade, conforme Martín-Barbero: Essa reconfiguração encontra seu mais decisivo cenário na formação de um novo sensorium: frente à dispersão e à imagem múltipla que, segundo Benjamin, conectavam “as modificações do aparelho perceptivo do transeunte no tráfego da grande cidade”, do tempo de Baudelaire, com a experiência do espectador de cinema, os dispositivos que agora conectam a estrutura comunicativa da televisão com as chaves que ordenam a nova cidade são outros: a fragmentação e o fluxo. (1998: 64)

É possível transportar essa idéia desenvolvida acerca dos meios tradicionais para a lógica da sociedade em rede multiconectada que traz, especialmente por meio do uso do computador e do celular, o acesso às novas mídias digitais que, na ficção televisiva, se materializam na TV digital, na TV pela internet, na convergência midiática, enfim. Novas formas de práticas e novos tipos de relações sociais emergiram por meio do desenvolvimento dos meios de comunicação, permitindo novos modos de interação. Há pouco tempo restrito às classes socioeconômicas privilegiadas, esse mundo digital chega aos que têm menor poder aquisitivo e cria massa de consumo para essas tecnologias. Dentre outros fatores, isso decorre muito especialmente da competitividade tecnológica e dos usos da tecnicidade (Martín-Barbero; Rey, 2001) por onde passa hoje em grande medida a capacidade de inovar e de criar. Porque, de acordo em esse autor, a tecnicidade é menos assunto de aparatos que de operadores perceptivos e destrezas discursivas. Trata-se de uma tecnicidade cognitiva

Maria Immacolata Vassallo de Lopes // Algumas Reflexões Metodológicas sobre a Recepção Televisiva Transmídia

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e criativa (Scolari, 2004). Confundir a comunicação com as técnicas e os meios, resulta tão deformador como pensar que eles sejam exteriores e acessórios à comunicação.

duto passível de trânsito em todas elas como observamos no momento atual. Amplia-se, desse modo, a fluidez e a possibilidade de caminhos de múltiplas direções.

A estratégica mediação da tecnicidade se coloca atualmente em um novo cenário, o da globalização, e em sua conversão em conector universal do global (Milton Santos). Isso se dá não só no espaço das redes informáticas como também na conexão dos meios – televisão e telefone – com o computador, restabelecendo aceleradamente a relação dos discursos públicos e os relatos (gêneros) midiáticos com os formatos industriais e os textos virtuais. As perguntas abertas pela tecnicidade apontam então ao novo estatuto social da técnica, ao restabelecimento do sentido do discurso e da praxis política e ao novo estatuto da cultura e da estética.

Neste breve apanhado fizemos uma reflexão que é de ordem epistemológica visto que incide sobre o compreender a televisão, dentro da perspectiva de mudança em que o cenário comunicativo vem sendo definido pela transmidiação. A reflexão que deve seguir é sobre o investigar a recepção da televisão, enfatizando igualmente as mudanças que nos parecem necessárias na reflexão metodológica da pesquisa de recepção em tempos de convergência dos meios, conteúdos e formatos (Ruddock, 2007). 2

De fato, não se trata simplesmente do envio de mensagens através de máquinas ou do trânsito de códigos em nível global, mas também da penetração em mundos simulados e da criação de ambientes em realidades virtuais, da criação de outras narrativas. Além disso, a relação entre o indivíduo e a máquina não ocorre de modo único e particular, mas numa interação comunitária, em rede. Os indivíduos interagem, influenciam-se reciprocamente, negociam no marco destas redes. A esse conjunto de inteligências reunidas, Lévy (2003: 28) define como inteligência coletiva, “uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências.” Isso poderia explicar a fascinação que exercem as interfaces, como a televisão e as demais telas, sobre os receptores, ainda segundo Lévy: Sou captado pela tela, a página, ou o telefone, sou aspirado para dentro de uma rede de livros, enganchado a meu computador. A armadilha fechou-se, as conexões com meus módulos sensoriais estão estreitas a ponto de fazer-me esquecer o dispositivo material e sentir-me cativado apenas pelas interfaces que estão na interface: frases, história, imagem, música. Mas, inversamente, a interface contribui para definir outros modos de captura da informação oferecido aos atores da comunicação. Ela abre, fecha e orienta os domínios da significação, de utilizações possíveis de uma mídia. (2003: 180)

A essas ideias, Martín-Barbero e Rey (2001:184) complementam: “o questionamento das novas tecnologias de comunicação nos obriga, assim, a analisar os diferentes registros desde os quais elas estão remodelando as identidades culturais.” A partir dessa perspectiva, podemos pensar que talvez nunca tenhamos acompanhado tão intenso fluxo de conteúdos que perpassam diferentes mídias e, reinventando-se a partir de cada uma delas, se tornam um pro14

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Temos manifestado preocupação constante com a metodologia empregada nas pesquisas de Comunicação, com referência particular à fragilidade metodológica das pesquisas empíricas (Lopes, 2010), demasiadamente preteridas pelo recurso ao ensaísmo na produção de conhecimento sobre as audiências; à uniformização do formato das pesquisas (o estudo de caso), à abordagem exclusivamente qualitativa; aos resultados mais descritivos que interpretativos; e, por fim, reconhecimento marginal da importância de seus aportes ao estado do conhecimento da recepção da televisão no campo da Comunicação. 2. A pesquisa de recepção da televisão e os novos meios: entre tradição e inovação É possível dizer que entre nós os estudos da comunicação e dos meios ainda são praticamente monodisciplinares e monomidiáticos, salvo as exceções de sempre. Ademais, esses estudos, ao alcançar a comunicação digital interativa, passaram a ocupar-se com os “novos meios” e, como que passaram a decretar a morte dos “velhos meios”, suprimindo a atenção com o que está acontecendo com os meios massivos.3 Há, portanto, que se criticar modismos e dualismos e ter consciência de que investigar a complexidade que os estudos de recepção da televisão têm alcançado exige que se coloque na agenda de trabalho a releitura de teorias e conceitos à luz do cenário atual, acompanhada de um olhar acurado e crítico sobre as novas propostas de análise transmídia. Essa é a premissa epistemológica que norteia as considerações que se seguem. 2 Se bem que o binômio teoria-metodologia seja indissolúvel, esse autor muda a maneira de enfocar suas análises sobre os estudos de recepção, de modo a distinguir as tradições e correntes teóricas presentes nesses estudos dos problemas metodológicos envolvidos no trabalho de campo com a audiência, incluindo um projeto próprio de pesquisa com jovens e tecnologias. 3 São poucos os livros que confrontam de forma transversal as mudanças que ocorrem nos meios massivos dentro do conjunto do ecossistema da comunicación como o de Carlón e Scolari (2009).


3. A pesquisa de recepção da televisão e os usos das novas mídias A nosso ver, o ambiente constituído pelos novos meios e pela transmidiação estende o escopo e a importância dos argumentos presentes na tese da “audiência ativa”. Se é assim, a multiplicação dos usos e a crescente interatividade fazem com que as pesquisas dos usos e da recepção dos meios, ainda considerados marginais no conjunto dos estudos de Comunicação, passem a ter uma oportunidade histórica de alcançar a condição de mainstream. Audiências e usuários viabilizam-se como sendo muito ativos – seletivos, auto-dirigidos, produtores bem como receptores de textos. São também crescentemente plurais e múltiplos, ainda que diversos, fragmentados e individualizados. Se assim é, defendemos aqui a tese de que as categorias-chave - escolha, seleção, gosto, fans, intertextualidade, interatividade - que têm movido a pesquisa de recepção de televisão são mais, e não menos significativas no ambiente das novas mídias. Ao mesmo tempo, as agendas teórica e política dessas pesquisas alcançam uma relevância renovada, levantando questões relativas à globalização de conteúdos perniciosos, regulação da mídia, participação em cultura compartilhada, à argumentação informada e democrática, etc. O que queremos dizer é que o ambiente dos novos meios exige mais do que nunca o enfoque teórico e complexo das mediações na recepção de televisão, pautado por um protocolo multi-metodológico para sua pesquisa empírica.4 Diante das novas mídias, necessitamos de respostas a perguntas novas do tipo: como as pessoas seguem os caminhos do hipertexto? Isso acrescenta novas dimensões de escrita? Há novas práticas emergentes de leitura? São elas mais propensas a visões alternativas e inclusivas da diferença e da desigualdade? Em termos mais gerais, quais são as habilidades e práticas emergentes dos usuários das novas mídias? Como as pessoas fazem leituras variadas da world wide web? Que práticas envolvem o uso da web, e-mail, chat e assim por diante? Que competências ou letramentos estão desenvolvendo as pessoas? A tradição da pesquisa de audiência ou de recepção da televisão, embora tenha adotado em geral uma abordagem mais cultural, revelou conexões paralelas entre as convenções da televisão e as estratégias de decodificação – os assistentes de telenovela, por exemplo, constroem compreensão dos personagens, dos enigmas sobre os segredos, antecipam o gancho, fazem suposições sobre o final de uma subtrama, lembram, a partir de eventos reais significativos, episódios passados, etc, tudo em

4 Um exemplo de protocolo multi-metodológico foi elaborado por nós para realizar uma pesquisa de recepção de telenovela (Lopes et al., 2002)

conformidade com as convenções do gênero (Lopes et al, 2002). Toda essa tradição está aí para ser mobilizada e inovada para o necessário envolvimento com a pesquisa na web, com as telas do computador e do celular, com as práticas dos jogos on-line. No ambiente transmidiático parece que as pessoas se envolvem progressivamente com mais conteúdos do que com formatos ou canais – grupos musicais, telenovelas ou times de futebol favoritos, onde quer que se encontrem, em qualquer meio ou plataforma. Estudos de fãs tornam-se cada vez mais importantes à medida que as audiências se fragmentam e se diversificam. Quanto mais os meios se tornam mais interconectados, são os conteúdos que crescentemente interessam ao fã que passa a segui-los em toda as mídias, envolvendo-os perfeitamente também às suas comunicações face-a-face. Isso não quer dizer que a forma não seja importante. Nos estudos de televisão, o conceito de gênero tem sido fundamental para pensarmos a interação texto e leitor. Segundo Livingstone (2004), os estudos de recepção que têm tido por base a vigorosa metáfora texto-leitor podem ser particularmente aptos para enfocar as novas interfaces tecnológicas e seus conteúdos. Certamente os textos dos novos meios colocam desafios específicos: eles são freqüentemente de natureza multimodal, hipertextual e efêmera; mesclam produção e recepção e resultam no aparecimento de novos gêneros e facilitam a convergência de práticas que já foram distintas. Segue-se então a pergunta necessária: de que maneira o consolidado repertório conceitual da abordagem texto-leitor - com sua ênfase na abertura, indeterminação, endereçamento textual, modos interpretativos e leituras preferenciais – pode ajudar no desenvolvimento de uma análise integrada de textos das novas mídias e audiências televisivas? É o que se trata de testar através de pesquisas empíricas que se dediquem a explorações metodológicas inovadoras.

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SCOLARI, Carlos. Hacer clic. Hacia una sociosemiótica de las interacciones digitales. Barcelona: Gedisa, 2004.


O documentário brasileiro na era do vídeo Gilberto Alexandre Sobrinho Professor do Instituto de Artes/Unicamp. Co-autor dos livros Televisão: formas audiovisuais de ficção e de documentário, volumes II e III (Socine) e autor do livro O autor multiplicado: um estudo sobre os filmes de Peter Greenaway (Alameda)

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istoricamente, em seu surgimento, o vídeo foi inaugurado após a televisão e ficou diretamente associado a ela. Ele integrou-se às tecnologias da comunicação e da informação que, além de incrementarem o poder do Estado e das grandes corporações privadas, também foi ao encontro do ativismo político ensejando práticas reivindicatórias, no espírito contestatório do final da década de 1960. O vídeo também foi apropriado artisticamente e entrosou-se com artistas da arte contemporânea interessados em experiências de linguagem com tecnologias da imagem em movimento. O cinema também não ficou incólume ao contato com o vídeo. O termo vídeo, do latim videre, ver, é escorregadio em sua definição, além de haver uma identidade ativada em certos contextos da palavra vídeo, isoladamente, também contempla a videoarte, a videoinstalação, programas alternativos de televisão, TV de rua, vídeos em canais únicos e múltiplos, vídeo institucional, câmeras de vigilância etc. O vídeo alimenta um campo permissivo de possibilidades nos formatos e resultados finais, daí a dificuldade em estabelecer suas diferenciações. O meu objeto de estudo, circunscrito no contexto de emergência do vídeo no Brasil, como mídia, dispositivo e linguagem, é o desenvolvimento de documentários. Para uma compreensão geral do fenômeno que investigo é preciso circunscrever melhor alguns antecedentes que marcam essa abertura para construções narrativas em diretrizes diferenciadas, os lugares da realização e da circulação do vídeo e também o passo adiante que estaria no horizonte dessa produção: as relações entre as narrativas documentárias e as construções de políticas de identidade. Por mais óbvio que isso possa parecer, é preciso con-

textualizar a discussão a partir da televisão, e avançar o debate sobre os antecedentes nos domínios do documentário que se pautavam pela reação deslocada em relação aos modelos padronizados. Dessa forma, foram nos anos 1970 que se testemunhou grande desenvolvimento e expansão da televisão brasileira. É justamente nessa conjuntura que se desenvolveu os programas Globo Shell Especial e Globo Repórter. Os programas ofereciam uma resposta criativa no campo do documentário televisivo, sendo que isso só se tornou possível pela participação ativa de realizadores afeitos com certos procedimentos estabelecidos pelo Cinema Novo, em que se negociava com a vontade de promover um diagnóstico crítico sobre a realidade brasileira, preservando-se, em alguma medida, a individualidade criadora na lide com os temas. Ambos os programas situam-se num quadro de transformações profundas da televisão brasileira em que podemos destacar: por meio das iniciativas do Estado autoritário, a criação da Embratel e o desenvolvimento de uma estrutura que permitiu a criação de redes nacionais de TV, sendo a Rede Globo, protagonista desse processo; a reestruturação das grades das emissoras que começaram a dar maior atenção à programação jornalística e certo recuo em relação aos programas de auditório que possuíam forte presença na programação e na audiência; a formação de um poderoso quadro de artistas, ao longo dos anos 1960, onde destacamos os cineastas cinemanovistas, que possuíam grande prestígio interno e externo, mas ainda não gozavam de visibilidade de seus trabalhos junto ao grande público; o desejo dos militares e executivos da Rede Globo em aproximar TV e cinema; a essa conjuntura, coaduna-se, primeiramente, o desejo da multinacional Shell em agregar valor à mar-

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ca, patrocinando documentários realizados por artistas engajados com questões nacionais, sendo que a empresa também já tinha estabelecido vínculo com o cinema, por meio de sua Filmoteca Shell; finalmente, há forte relação entre realização audiovisual e os temas da nação, algo que assinalou ao material relações de continuidade com matizes do cinema moderno brasileiro. Assim, os cineastas na televisão imprimiram forte marca pessoal nos modos de produção dos documentários. Característica intrínseca da produção independente é a lide com baixos orçamentos e equipes reduzidas, algo

em que o experimentalismo aparecia de forma contundente, por via da montagem, com associações metafóricas perturbadoras, meio pelo qual endereçava sua crítica política. Outro expoente do núcleo carioca foi Eduardo Coutinho. Sabe-se que foi durante a experiência no Globo Repórter que ele realizou sua aprendizagem e aperfeiçoou seu método como documentarista. Cabra Marcado para Morrer, lançado em 1984, possui muitas características decorrentes dos trabalhos prévios feitos para a televisão. Os usos do som direto e da câmera de 16mm foram particularmente mobilizados para dar voz aos sujeitos,

continuado no interior da maior emissora do país. Além disso, levaram a cabo a pesquisa de linguagem e, conforme se nota nos trabalhos mais destacados, assumiram contornos autorais em parte das obras. O que constatei em alguns trabalhos (Sobrinho, 2010, 2011, 2012a, 2012b, 2012c, 2012d e 2013) foi o forte pronunciamento crítico sobre questões que afetavam a sociedade brasileira e que impressiona, justamente pelo contexto de exibição, principalmente, em comparação com os programas do Globo Repórter, que seguiram desde os anos 1980 até a atualidade. A busca por padronização na linguagem e o protagonismo dos jornalistas transformaram o que era múltiplo em algo fortemente institucionalizado, ou seja, narrativas audiovisuais uniformizadas e discursos neutralizados. Desde o Globo Shell Especial, os núcleos de produção dividiram-se em São Paulo e no Rio de Janeiro1. O Núcleo carioca ocupou-se da maior parte das pro-

valorizando-se o sentido de uma conversa “informal” que ativava uma encenação com o real rica em significações. As imagens e os sons de Coutinho informavam sobre os procedimentos do cinema moderno veiculados na televisão brasileira, daí o surgimento de uma televisão moderna e experimental. As relações de classe e o interesse no universo sertanejo pautavam o vocabulário do diretor nessa fase. Seis dias de Ouricuri (1976) e Teodorico, o Imperador do Sertão (1978) são os pontos fortes de sua produção. No entanto, pobres e ricos não possuíam o mesmo tratamento e abordagem, sendo o processo de narração declaradamente a favor dos sujeitos economicamente excluídos e politicamente dominados.

duções, e dali podemos enfatizar os trabalhos de Walter Lima Junior e Eduardo Coutinho.

Batista de Andrade preocupava-se em estabelecer múltiplos pontos de vista sobre os acontecimentos narrativos, com predileção para temas sociais, urbanos e tinha interesse especial nas periferias formadas a partir das migrações. O diretor assumia em alguns documentários uma forma dialogada bastante característica, conhecida como cinema de intervenção, onde ele e a equipe intervinham de forma propositada no acontecimento, com o objetivo de extrair mais significados e promover questionamentos. Em seus filmes, utilizava câmera na mão e som direto, promovendo um corpo a corpo com real, em que o corpo e a voz do cineasta dialogava criativa e criticamente com os sujeitos documentados. O Caso Norte (1977) é um marco no documentário nacional, recupera expedientes brechtianos para a construção de uma encenação reflexiva, um marco no uso do docudrama.

Walter Lima Júnior realizou o documentário Arquitetura, transformação do espaço (1971), para o Globo Shell Especial, em que já aparecia a temática urbana, cara ao diretor, sendo tratada de forma complexa nas relações entre passado e presente, história e sociedade, economia e política. Para recuperar outro exemplo, ele realizou, posteriormente, para o Globo Repórter, a Trilogia da poluição (Poluição sonora (1973), Poluição do ar (1973) e Poluição das águas (1974)) sendo uma série também voltada para os contextos urbanos, onde o diretor assumiu uma postura bastante crítica sobre os processos de desenvolvimento industrial e urbano e a qualidade das vidas das pessoas, na ressaca do milagre brasileiro. Trata-se de um diretor No Globo Shell Especial (1971-1973) havia 02 núcleos de produção: a Blimp Film, em São Paulo e o Departamento de Reportagens Especiais, no Rio de Janeiro. Para o Globo Repórter (1973-1982), foram fixados 03 núcleos de produção: a Blimp Film, em São Paulo, a Divisão de Reportagens Especiais, em São Paulo, e a Divisão de Reportagens Especiais, no Rio de Janeiro. 1

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Esse veio crítico também acometia João Batista de Andrade que, juntamente com outros profissionais da Divisão de Reportagens de São Paulo, realizava trabalhos mais investigativos, com forte crítica social. João

Esses diretores eram contratados, portanto, puderam estabelecer rotinas e continuidades de produção, o que também favoreceu o estabelecimento de percursos estilísticos singulares, pelo trabalho com a linguagem. Nos documentários destacados, encontramos forte diálogo


dessa produção televisiva com alguns dos filmes documentários brasileiros da década de 1970 estudados por Jean-Claude Bernardet (1985), ratificando-se outras tendências da produção brasileira, nos descolamentos com a década anterior. Ainda com o uso do 16mm, compondo um marco na composição de novos procedimentos no documentário, foi realizado de forma independente Conversas no Maranhão (1977/81), por Andrea Tonacci. Trata-se uma narrativa seminal para os rumos do documentário em sua relação com o outro e a maneira como o subtexto das construções identitárias se desenvolveria. O filme registra acontecimentos tensivos relacionados à demarcação de terras dos índios Canela Apãniekra, no Maranhão. Em sua encenação, a câmera e o gravador são destinados à fala do outro em sua espessura, o que adensa sua natureza documental, no intento de defender o outro (índios Canela), entendido como uma comunidade que necessitava de voz e de proteção, diante de acontecimentos violentos (um massacre acontecido na década anterior) e o avanço na possibilidade de perda de seus territórios. Outro documentário dirigido por Andrea Tonacci também se voltou para questões indígenas, numa abordagem singular. Os Arara (1981/1982) foi co-produzido pela TV Bandeirantes e se trata de uma série de duas partes com uma terceira não terminada, há o que Andrea chama de material bruto e que não foi montado. O cineasta acompanhou um grupo da FUNAI interessado em conhecer hábitos, aproximarse e proteger um grupo conhecido como Arara, no Pará. Testemunhamos a equipe colhendo os índices de sua passagem pela floresta até que o encontro finalmente ocorre, no entanto os telespectadores não puderam ter acesso a essas imagens, pois esse conteúdo fazia parte justamente do material não montado. Os dois documentários aliam o encontro entre realizadores, antropólogos e sertanistas com alguns povos indígenas mediados pela imagem em movimento, com o som sincronizado. Pelo acesso pioneiro aos recursos de gravação e reprodução do vídeo, os objetivos do cineasta eram circunscritos à produção de registros por parte dos próprios sujeitos, fazendo-os participar de processos de reconhecimento pela imagem e documentação de suas reivindicações. Assim, esses documentários buscavam alinhar a experiência da realização com o ativismo político declarado, numa intenção de criar condições de empoderamento desses sujeitos, na e pela imagem. Em ambos documentários, observamos uma defesa dos interesses dos povos indígenas manifesto de maneira complexa. O narrador não os isola e faz uma defesa positiva de seus

interesses, mas confronta suas demandas com os supostos “brancos”, produzindo, exatamente, uma tensão produtiva que reafirma, no esteio do pensamento de Stuart Hall (2013, p. 94), a identidade dessas comunidades: “Uma identidade cultural particular não pode ser definida apenas por sua presença positiva e conteúdo. Todos os termos da identidade dependem do estabelecimento de limites – definindo o que são em relação ao que não são”. Enfim, na experiência pioneira de Andrea Tonacci, os agenciamentos com os dispositivos cinematográfico e videográfico puderam ativar uma série de procedimentos considerados participativos, descentralizados e que figuram como uma prática que estabelece reconfiguração na relação com o outro, demarcando uma relação singular entre o documentário e as construções de identidade. Foi no começo dos anos 1980 que, de fato, o vídeo eclodiu como um novo meio capaz de projetar mudanças no audiovisual no Brasil, com presença na programação da televisão brasileira (os coletivos TVDO e Olhar Eletrônico participaram dos programas Mocidade Independente TV Bandeirantes – e Comando da Madrugada – TV Gazeta – respectivamente), o estabelecimento de um circuito alternativo de produção, distribuição e exibição (o surgimento do Festival Videobrasil em 1983 e da Associação Brasileira do Movimento do Vídeo Popular – ABVMP, em 1984) e o surgimento de novos realizadores que iriam estabelecer uma pauta diferenciada para o audiovisual brasileiro. Nesse contexto, surgem realizadores e coletivos interessados em construir narrativas documentárias, edificadas a partir da tecnologia eletrônica do vídeo, com demandas circunscritas em ações nas comunidades das periferias das grandes e pequenas cidades, nos grupos indígenas espalhados pelo país, junto aos movimentos sociais de negros, mulheres e trabalhadores sindicalizados etc. Enfim, há um quadro diversificado, múltiplo e atomizado de práticas que incluem, de forma acentuada, o documentário. O vídeo é, assim, um participante ativo no encontro das reivindicações dos sujeitos. O documentário nutre-se de uma transformação em suas demandas e os resultados são narrativas que registram, dialogam e intervém num cenário em transformação. Longe de esgotar o tema, destaco essa participação ativa em três frentes: o feminismo, o movimento negro e as representações e reivindicações das periferias. No conjunto de realizadoras feministas destaco o coletivo Lilith Video, fundado em 1983, em São Paulo e formado, entre outras, pelas realizadoras Jacira Melo, Márcia Meireles e Silvana Afram. Trata-se de um grupo que estabeleceu uma rotina de produção a partir de 1985, buscava

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oferecer pontos de vista alternativos sobre as mulheres e ativava um processo de produção com colaboração entre o estado, TV aberta e a produção independente, sendo beneficiária da criação, em 1985, do Conselho Estadual da Condição Feminina e Saúde da Mulher, órgãos vinculados ao Governo do Estado de São Paulo. Entre os documentários realizados, destaco: Contrário ao amor (1986, Jacira Melo) é sobre a violência doméstica praticada contra a mulher, e se estrutura a partir de entrevistas, depoimentos e breves performances das vítimas de maridos ou companheiros. São mulheres que recorreram à recém criada Delegacia da Mulher em São Paulo, sendo os dados fornecidos pela instituição; Beijo na boca (1987, Jacira Melo) é sobre as prostitutas da região da Boca do Lixo, no centro de São Paulo, e sua estrutura também recorre a entrevistas, depoimentos e performances sobre os seus cotidianos na prostituição e avança para uma crônica do bairro, de uma perspectiva de mulheres num universo completamente machista; Meninas (1989, Jacira Melo) também narra sobre a prostituição, desta vez em ruas do centro de São Paulo, com meninas, inclusive, menores de idade, o foco é o seu cotidiano, as expectativas para o futuro, os sentimentos sobre a vida e presença da AIDS. Nos três documentários, o discurso se organiza pela articulação dos registros dos espaços e personagens, breves performances para a câmera, depoimentos e entrevistas e uso de canções, esses procedimentos atendem a uma agenda, sobretudo, política que destaca, organiza e discute questões diretamente relacionadas às mulheres em firme propósito de visibilidade, aprofundamento e reivindicação de direitos e garantias, geralmente, não contemplados em espaços do audiovisual. Os documentários Raça Negra (1988, Nilson Araújo) e As Divas Negras do Cinema Brasileiro (1989, Vik Birckbeck e Ras Adauto) são contundentes narrativas sobre as questões dos afro-brasileiros num contexto que tornou público em várias frentes algumas demandas histórias: o centenário da Abolição da escravatura. O primeiro trabalho citado é uma produção independente, com vistas a compor um painel histórico e atual das condições de vida da população negra, em vários extratos sociais. O segundo documentário desenvolveu-se no coletivo Enúgbárijo Comunicações, do Rio de Janeiro, que buscava uma ampla articulação nacional, por meio da gravação e da exibição dos acontecimentos ligados às minorias sociais tais como as mulheres, o indígena e, sobretudo, o negro. Nesse documentário, são alinhavadas entrevistas e performances de atrizes negras brasileiras do cinema, do teatro e da televisão, entre as quais Zezé Motta, Ruth de Souza, Léa

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Garcia, Zenaide Zen e Adele Fátima. Em relação às representações e reivindicações das periferias, gostaria de assinalar que essa demarcação circunscreve narrativas que buscam dar voz, dialogar e estabelecer no centro da imagem sujeitos e acontecimentos que são silenciados ou tutelados pelas grandes corporações midiáticas. Os documentários e reportagens desenvolvidas por duas organizações não-governamentais pautam-se por esses princípios e o resultado é o salto significativo para o panorama das representações nos domínios do documentário, onde estão em foco questões sociais e políticas. Assim, o CECIP – Centro de Criação de Imagem Popular, do Rio de Janeiro, foi criado desde o ano 1986, e desenvolve, no âmbito do audiovisual, ações ligadas à construção da cidadania em produções documentárias e ficcionais. Entre as atividades realizadas nos anos 1980, destaco a produção da TV Maxambomba, cujo realizador à frente do projeto é Walter Filé. Essa foi uma das experiências fundamentais de televisão de rua, onde se produzia e se exibia em praça pública, narrativas relacionadas à Baixada Fluminense. Entre as narrativas documentárias, podemos resgatar a série de documentários Puxando Conversa, sobre compositores e cantores de samba. Eduardo Coutinho, um dos fundadores do CECIP realizou algumas importantes obras nesse contexto tais como Santa Marta - Duas Semanas no Morro (1987), co-produção com o ISER e Boca de lixo (1992), entre outros. Vinculada ao Centro Cultural Luiz Freire, de Olinda, desenvolveram-se os trabalhos da TV VIVA, desde 1984, com Eduardo Homem e Claúdio Barroso, à frente. Tratava-se também de uma TV de rua, onde se desenvolveram vários formatos para projeções ao ar livre. Nos domínios não-ficcionais, a série com o personagem Brivaldo fazia a crônica dos acontecimentos da época. Ao todo se produziu muito material, sendo constante esse trabalho de visibilidade e diálogo com espaços e sujeitos nas ruas, nos centros e periferias. O documentário A sangue frio (1989, Eduardo Homem) agrega-se a esse material como um relato investigativo e polifônico sobre a ação de grupos de extermínio na grande Recife. Com esses exemplos procurei demonstrar a diversidade de enfoques e um olhar ampliado sobre as construções de identidade no audiovisual, potencializados pelo vídeo em encontro com as demandas sociais. Portanto, ao observar essas e outras dinâmicas no quadro do audiovisual brasileiro nas décadas de 1980 e 1990, considero pertinente avançar nas relações do vídeo a partir do surgimento de realizadores e coletivos independentes interessados em explorar o dispositivo video-


gráfico, sendo que as questões estéticas e de linguagem e as políticas das identidades atravessam os trabalhos, desde a visibilidade afirmativa dos espaços e questões ligados às periferias até as representações de grupos minoritários e suas demandas particulares, o que resulta num quadro diversificado, contrastante e desafiador às representações dominantes e normativas.

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voz do documentário, no encontro da fotografia com a televisão. In: Josette Monzani, Luciana Corrêa de Araújo, Suzana Reck Miranda.. ...[et al.]. (Org.). Estudos de cinema e audiovisual Socine estadual São Paulo. Socine, 2012, p. 134-144.(c) SOBRINHO, G.A. . Sobre corpos e imagens: os documentários televisivos de Walter Lima Júnior, no Globo Shell Especial e no Globo Repórter (1972-1974). In: Borges, Gabriela; Pucci Jr., Renato Luiz; Sobrinho, Gilberto Alexandre (orgs.). (Org.). Televisão: Formas Audiovisuais de Ficção e de Documentário Volume II. Campinas, Faro (PT), São Paulo: Unicamp, U.Algarve, Socine, 2012, p. 73-86.(d) SOBRINHO, G.A. Sobre televisão experimental: Teodorico,o Imperador do Sertão, de Eduardo Coutinho, e o Globo Repórter. Revista Eco-Pós, v. 13, p. 67/02-84, 2010. SOBRINHO, G.A . Telas em mutação: da memória da TV às memórias dos sertões. Doc On-line, n. 15, dezembro 2013, www.doc.ubi.pt, pp. 359 – 384.

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