Artigo Científico - Cigarro e Cinema, o que mudou

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Faculdade Pitágoras Londrina – Comunicação Social – Publicidade e Propaganda Projeto do Artigo Científico de Conclusão de Curso – 8° Semestre, 2012

CIGARRO E CINEMA, O QUE MUDOU?1 Annelise Rollwagen2 Jessyca Precinato Alcântara3 Kátia Fernanda Moreira4 Winícius de Souza Galvão5

RESUMO Este artigo tem como objetivo uma análise comparativa entre a relação cigarro e cinema. Será apresentado um estudo, por meio da semiótica aplicada Peirciana, dos filmes Bonequinha de Luxo, de 1961, no qual a protagonista Audrey Hepburn interpreta Holly Golightly; e do filme Constantine, de 2005, com Keanu Reeves interpretando John Constantine, também protagonista. A influência do cinema será abordada, analisando e relacionando como era visto o cigarro em duas épocas distintas. Em linhas gerais, conclui-se que na época do filme Bonequinha de Luxo o cigarro era objeto de luxo e sofisticação. E, em contrapartida, nos dias de hoje, é visto como um vilão, com seus malefícios explícitos, como retratado no filme Constantine. PALAVRAS-CHAVE: Semiótica.

Cigarro. Cinema.

Constantine. Bonequinha de Luxo.

ABSTRACT This article aims at a comparative analysis of the relationship between cigarette and movies. Will be presented a study through the application of semiotics, between the film Breakfast at Tiffany’s, 1961, in which the protagonist Audrey Hepburn plays Holly Golightly, and the film Contantine, 2005, with Keanu Reeves playing John Constantine, also the protagonist. Will be addressed the influence of cinema, analyzing and relating how the cigarette was seen in two different seasons. In general, looks like at the epoch of the movie Breakfast at Tiffany's cigarette was an object of luxury and sophistication. And, in counterpart, nowadays, is seen as a villain, with its explicit harm, as portrayed in the movie Constantine. KEYWORDS: Cigarette. Movies. Constantine. Breakfast at Tiffany’s. Semiotics. 1

Projeto do Artigo Científico de Conclusão de Curso – 8° período de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda da Faculdade Pitágoras. 2 Annelise Rollwagen da Silva – Aluna regular do 8° período de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da Faculdade Pitágoras. Email: annelise@rollwagen.com 3 Jessyca Precinato Alcântara – Aluna regular do 8° período de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da Faculdade Pitágoras. Email: jessyca.precinato@hotmail.com 4 Katia Fernanda Moreira – Aluna regular do 8° período de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da Faculdade Pitágoras. Email: katiapublicidade@gmail.com 5 Winícius de Souza Galvão – Aluno regular do 8° período de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da Faculdade Pitágoras. Email: winiciusgalvao@gmail.com 1


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Introdução Este estudo tem como tema fundamental a análise do cigarro no cinema em épocas distintas. Desde o ano de 1895, quando os irmãos Lumière inventaram o cinematógrafo6, o cinema vem se aprimorando e fazendo parte da vida das pessoas. Com a sétima arte as pessoas se entretêm, se informam, e de uma forma inconsciente elas absorvem para seu cotidiano os conceitos retratados nos filmes. O tabaco vem de uma planta chamada Nicotina Tabacum, que até o ano 1498 era desconhecida pelos europeus. É a principal substância do cigarro como conhecemos hoje, e é originária da América. Com a evolução da indústria do tabaco o cigarro ficou frequente no dia a dia das pessoas, começou a ser consumido por homens e mulheres de todas as classes sociais.

Fumar é uma atitude tão comum que ninguém nota como esse gesto é peculiar. Afinal, trata-se de inalar fumaça, algo repulsivo para outros animais. Mas, entre nós, fumar tornou-se tão familiar que algumas cenas cotidianas pareceriam inverossímeis sem umas tragadas. O que seria do cinema sem o cigarro nas cenas de sexo? E dos soldados, sem uma bituca para as longas horas de guarda? Sem falar dos gestos arquetípicos, como distribuir charutos para comemorar um nascimento. (AQUINO; VERGARA, 2003).

Com a evolução da indústria cinematográfica, o cinema virou alvo da publicidade. Os publicitários encontraram ali um mecanismo sutil e eficiente de persuadir os telespectadores e conquistar consumidores. Com o cigarro não foi diferente, ele entrou no cinema como produto de status, consumido por personagens formadores de opinião. Criou-se portanto um novo parâmetro entre a ficção e a realidade. Foram escolhidos os filmes Bonequinha de luxo do ano 1961 e Constantine do ano 2005 para fazer a comparação neste estudo. O filme Bonequinha de Luxo é dirigido por Blake Edwards, e a protagonista é Audrey Hepburn. O ator Keanu Reeves é o protagonista do filme Constantine, que é dirigido por Francis Lawrence. Esses filmes retratam épocas diferentes e contextos históricos diferentes. A partir de cenas selecionadas dos dois filmes será feita uma análise com base na semiótica Peirciana, para comparar os dois períodos, suas distintas culturas e suas formas de percepção do fumo.

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Cinematógrafo é um aparelho que permite registrar uma série de fotogramas que criam a ilusão de movimento. (MUSEU DO CINEMA, 2007). 2


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Cinema O cinema nada mais é do que a reprodução de imagens em movimento, captadas e projetadas sobre uma tela. É antiga a busca do homem em registrar o movimento. Indícios históricos e arqueológicos indicam que o desenho e a pintura foram as primeiras formas de representar a dinâmica do homem e da natureza. Histórias eram contadas por meio dessas artes, que se conservaram ao longo do tempo. Em 1895, no dia 28 de dezembro, foi feita a primeira exibição de cinema, graças ao cinematógrafo, invenção dos irmãos Auguste e Louis Lumière. Nesse dia, no Grand Café em Paris, foram exibidos filmes curtos em preto e branco, sem áudio e filmados com a câmera parada.

[...] um homem de teatro que tralhava com mágicas, Georges Mélies, foi falar com Lumière, um dos inventores do cinema; queria adquirir um aparelho, e Lumière desencorajou-o, disse-lhe que o ‘Cinematógrapho’ não tinha o menor futuro como espetáculo, era mais um instrumento científico para reproduzir o movimento e só poderia servir para pesquisas. Mesmo que o público, no início, se divertisse com ele, seria uma novidade de vida breve, logo cansaria. Lumière enganou-se [...]. (BERNARDET, 2006, p.11).

Nesse mesmo dia também foi apresentado um filme em especial que emocionou os espectadores: um trem chegando a uma estação. Ele foi filmado de tal forma que parecia vir em direção à tela e as pessoas que ali estavam. O público ficou tão assustado que correu, em pânico, porta a fora. A novidade para aquelas pessoas não era o trem em movimento, pois era algo que elas já conheciam, e sim a reprodução daquele movimento na tela de cinema. O trem não os atingiu, portanto não passava de uma representação. E cinema é isso: tudo que passa nas telas é “de mentira”, mas parece tão real, enquanto dura o filme, que se pode “fazer de conta” que é de verdade. Essa impressão da realidade é a restituição da vida por meio da ilusão. No cinema, mesmo sendo de mentira, a realidade é imposta, pois é o meio de comunicação que conseguiu representar a vida com o maior grau de realismo possível.

Se é certo que o homem teme ou ambiciona aquilo que vê, então o olhar fascinado do cinema, convertido à hipótese da total visibilidade dos mundos exterior e interior, abre novos horizontes aos limites do seu desejo. (GEADA, 1998, p.10).

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As imagens colocadas em movimento preservam a memória de acontecimentos através dos séculos, conservando o contexto histórico daquele momento. As relações socioculturais, políticas e econômicas acabam sendo registradas juntamente com o cinema. Os filmes retratam épocas nas vidas das pessoas, é necessária essa coerência para conferir-lhe credibilidade. E isso não somente na história contada, mas nas características de produção do filme que também marcam essas particularidades. O cinema não nasceu pronto, reproduzindo a realidade, na verdade, isso foi sendo trabalhado com o tempo. O cinema levou algum tempo para se encaixar na sociedade e virar o meio de cultura de massa que é hoje. E os espectadores, quando vão ver algum filme, nem sempre pensam sobre a complexa indústria cinematográfica atrás de tudo. Na publicidade, pessoas e empresas investem nessa grande indústria, e muitas vezes, são elas a razão para alguns produtos, cenas, ou ações de personagens estarem dentro dos filmes. A forma de fazer cinema deixa claro que a linguagem cinematográfica é uma sucessão de seleções e escolhas pensadas. As imagens são escolhidas, sua organização, a forma com que o ator será filmado, o ângulo, etc. Tudo é seleção, feita para que o filme fique mais agradável ao público. Portanto, este processo de manipulação, que existe em todos os gêneros de filmes - da ficção ao documentário - é o que torna ingênua a interpretação do cinema como verdadeiro, por mais real que pareça. O cinema é uma forma de entretenimento e cultura que agrada grande parte da população; ele entra na vida das pessoas como mais um elemento em seu mundo. Porém, muitos espectadores levam para a vida o que veem nos filmes, os personagens e suas atitudes. E diversas vezes, o que era ficção acaba virando realidade.

Bonequinha de Luxo O filme Bonequinha de Luxo (1961) dirigido por Blake Edwards conta a história de uma garota de programa (Audrey Hepburn) que sonha em casar com um milionário e acaba se envolvendo com um jovem escritor (George Peppard) que se tornou seu vizinho recentemente e é bancado pela amante. No filme o cigarro é representado como convenção social, a maioria das cenas o retratam como algo comum, porém de status, “glamuroso”. A protagonista Holly Golightly fuma constantemente, não somente como um vício, mas também para se auto-promover diante da sociedade.

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Figura 1 – Audrey Hepburn, protagonista do filme Bonequinha de Luxo.

Fonte: Bonequinha de Luxo (1961)

Constantine O filme Constantine (2005) é dirigido por Francis Lawrence e conta historia de John Constantine (Keanu Reeves) que é um experiente exorcista que, junto com Angela Dodson (Rachel Weisz), investiga o misterioso suicídio de sua irmã gêmea, Isabel. As investigações levam a dupla a um mundo sombrio, em que precisam lidar com demônios e anjos. O protagonista John Constantine fuma inveteradamente, mesmo sabendo dos riscos que sofre devido ao cigarro. Em várias partes do filme, ele tem crises de tosses com sangramento. Em uma das cenas vai ao médico e é informado que pode morrer por conta do vício, e mesmo assim, sai do consultório fumando. Figura 2 – Keanu Reeves, protagonista do filme Constantine.

Fonte: Constantine (2005)

Cigarro O tabaco é uma planta cujo nome científico é Nicotina Tabacum, da qual é extraída uma substância chamada nicotina. Em doses limitadas, a nicotina é um estimulante, acelerando os batimentos cardíacos e liberando adrenalina na corrente sanguínea. Porém, suas propriedades tóxicas foram demonstradas a partir de pesquisas realizadas na década de 60. O uso da nicotina surgiu aproximadamente no ano 1.000 a.C., nas sociedades indígenas da América Central, em rituais mágico-religiosos com objetivo de purificar, contemplar, 5


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proteger e fortalecer os ímpetos guerreiros; além de acreditarem que ela tinha o poder de predizer o futuro. A partir do século XVI, o seu uso foi introduzido na Europa por Jean Nicot (inspiração para o nome do componente químico nicotina). Nicot foi um diplomata francês vindo de Portugal, que levou as sementes de tabaco do Brasil, em 1561, para uma corte francesa. O tabaco difundiu-se rapidamente, atingindo a Ásia e a África, no século XVII. No século seguinte, surgiu a moda de aspirar rapé 7, ao qual foram atribuídas qualidades medicinais, pois a rainha da França, Catarina de Médicis, utilizava-o para aliviar suas enxaquecas. No século XVII, surgiu o cachimbo na Espanha. Já em fevereiro de 1843, a então rainha da França, Marie-Amelie, organizou um leilão para arrecadar fundos para uma ilha caribenha devastada por um furacão e, entre os lotes selecionados, estavam 20 mil cigarros enrolados em papéis decorativos com filtros de madeira. Assim, o hábito de fumar fez sua aparição nos grandes círculos sociais da Europa. No início, os cigarros eram enrolados a mão por trabalhadores e soldados; a primeira máquina de enrolar surgiu em 1844. Com o passar dos anos, as máquinas foram evoluindo e produzindo cada vez mais, potencializando assim o comércio do cigarro. Seu uso espalhou-se por todo mundo a partir de meados do século XX, com ajuda de técnicas avançadas de divulgação e comunicação que se desenvolveram nesta época. A partir da década de 60, surgiram os primeiros relatórios científicos que relacionaram o cigarro ao adoecimento do fumante. Apesar de hoje existirem trabalhos comprovando os malefícios do tabagismo à saúde do fumante e do não-fumante exposto à fumaça, o hábito de fumar permanece. Estima-se que cerca de 1 bilhão de homens e 250 milhões de mulheres são fumantes em todo o mundo, tornando a nicotina uma das drogas mais consumidas segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde). De acordo com o INCA (Instituto Nacional do Câncer) o tabagismo gera uma perda mundial de 200 bilhões de dólares por ano, sendo que a metade dela ocorre nos países em desenvolvimento (INCA, 2012). Este valor, calculado pelo Banco Mundial, é o resultado da soma de vários fatores, como o tratamento das doenças relacionadas, mortes de cidadãos em idade produtiva, maior índice de aposentadorias precoces, aumento no índice de faltas ao trabalho e menor rendimento produtivo.

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Rapé (fr râpé) Tabaco em pó, para cheirar, ou que se toma pelo nariz; (MICHAELINS, 2000).

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Apesar dos bilhões de fumantes pelo mundo, o ato de fumar, hoje, não é mais visto com o mesmo “glamour” de décadas anteriores. Agora, em alguns países como Brasil, Canadá, Estados Unidos, Inglaterra, Irlanda, Uruguai e Itália é proibido fumar em ambientes públicos fechados, como bares, restaurantes e casas noturnas; os fumantes são obrigados a se retirarem para fumar dificultando cada vez mais o hábito. No entanto, um artigo do Bulletin of the World Health Organization (WHO) deixa essas teorias de que o cigarro está perdendo as forças um tanto confuso, principalmente no que se diz respeito às mulheres, já que o artigo relata que o cigarro voltou a ser um símbolo de status entre elas. Nos Estados Unidos dos anos 1920, era comum ver mulheres da alta sociedade fumando um cigarro com “toda a pose”. Atualmente, segundo a organização, em países mais pobres onde as mulheres estão conquistando mais liberdade, elas escolheram adquirir o hábito. Foi estimado que os homens sejam cinco vezes mais propensos a fumar que as mulheres, mas, nos países onde as mulheres têm mais poder, a diferença está diminuindo ou já não existe.

Cinema e Cigarro O cinema é um meio de comunicação e lazer que encanta a todos desde sua criação. Foi e é um grande influenciador de opiniões e, graças a isso, também é um ótimo impulsor de vendas de vários produtos e diversos segmentos da indústria. Um dos produtos a utilizar o poder do cinema foi o cigarro, sempre presente nas produções desde seu início, utilizado como símbolo de glamour. No auge de suas aparições entre os anos 1930 e 1960, as produções hollywoodianas tinham o fumo como imagem de sucesso, dinheiro e superioridade. Já fora das telas, o tabagismo servia como instrumento de interação social. Os filmes eram cheios de mulheres sofisticadas, homens charmosos, mocinhos e criminosos, e em comum, todos fumavam e frequentavam ambientes esfumaçados com ar de mistério e poder. (LUCCA, 2011). Quando os atores, ídolos cinematográficos, eram vistos fumando, tanto interpretando seus personagens, quanto em suas vidas pessoais, acabavam sendo grandes influenciadores. A sociedade, tentando espelhar a beleza do cinema, adquiria os hábitos de seus atores preferidos. Mas, com o passar das décadas, isso mudou. Por volta dos anos 1990 a legislação norteamericana agiu severamente com a indústria do tabaco, representando uma grande “virada” para a imagem do cigarro, passando de atraente para mal feitor. E, desde então,

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a relação cigarro cinema vem se alterando, o cigarro é tratado como vilão, com seus malefícios expostos para que todos vejam.

Semiótica A semiótica pode ser definida como a ciência que investiga todas as linguagens possíveis, e que tem como objetivo examinar os modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção, de significação e de sentido. Para entender esses fenômenos é preciso recorrer à fenomenologia. Segundo essa linha de pensamento, um fenômeno é uma experiência ligada à mente do homem, e a fenomenologia, a descrição e análise dessas experiências de acordo com três características definidas por Charles Sanders Peirce: Primeiridade, Secundidade e Terceiridade. Primeiridade é uma qualidade sensitiva, ou sensação percebida. Resume-se na ideia daquilo que independe de algo mais; o primeiro é espontâneo e imediato, original e livre. Primeiridade é a compreensão superficial de um texto ou imagem. Os sentimentos ou as qualidades puras incluem-se na categoria das primeiridades. Secundidade é reação, resposta. O nome de uma coisa ou fato é uma relação de duplo termo. Assim, a percepção sensível que permite conhecer os eventos ou sua mudança (troca de estado, troca de posição, referencial) constitui-se na categoria da secundidade. Terceiridade é uma camada de inteligibilidade ou pensamento em signos, através da qual representamos e interpretamos o mundo. Segundo Pierce (1999), o signo é entendido como algo que representa alguma coisa (objeto) que ali não pode estar; signo é, portanto, uma representação de algo que, sob certo aspecto ou de algum modo, representa alguma coisa para alguém; isto é, cria na mente do intérprete (receptor, decodificador) um sinal equivalente ou, talvez, um signo “melhor desenvolvido”. O signo é tríadico, ou seja, pode ser analisado em três formas: 1) Em si mesmo, pelas características que possui; 2) Pelo que ele remete ou representa, a ideia que pode sugerir sobre ele, ou pelo que pode ser designado; 3) Pelos vários tipos de interpretação que cada pessoa possa ter do signo; são todas as características que representam ao indivíduo. Ele possui aspetos sensoriais, pois pode ser percebido gustativa, olfativa, tátil, auditiva e visualmente. “Todo signo tem, real ou virtualmente, um preceito de explicação segundo o qual ele deve ser entendido como uma espécie de emanação. São três os tipos de emanação que

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o signo pode assumir, configurando-se em Ícone, Índice ou Símbolo.” (BONI; TEIXEIRA, 2012). Ícone é um signo que é uma imagem. Caracteriza-se por uma associação de semelhança, independe do objeto que lhe deu origem, quer se trata da coisa real ou inexistente. Índice é um signo que é um indicador. Relaciona-se efetivamente com o objeto, por proximidade. Aquilo que desperta a atenção num objeto, num fato, é seu índice. Símbolo é o signo que é uma abstração de um concreto. Refere-se ao objeto que denota em virtude de uma lei, e, portanto, é arbitrário e convencionado; a possível conexão entre significado e significante não depende da presença (ou ausência) de alguma similitude. Enquanto o índice define proximidade, o símbolo, não.

Cenas Selecionadas Através da semiótica aplicada, com base em Santaella (2004), será feita uma análise de cenas selecionadas de ambos os filmes, para comparar o contexto cigarro e cinema ao longo dos anos. Foram escolhidas duas cenas de cada filme e, delas, foram retirados dois frames que servirão de base para a análise semiótica.

Do filme Bonequinha de Luxo (1961), foram retiradas as seguintes cenas: 1ª Cena – A personagem principal, Holly Golightly, está no quarto do personagem Paul Varjak, após entrar pela janela, fugindo de seu apartamento e do senhor que está a sua espera na sala de estar. Eles estão fumando, bebendo e conversando sobre diversos assuntos até que Holly percebe ser 4h30 da madrugada. Ela pergunta se pode ficar junto com Paul. Então, ele a abraça, pega sua bebida e seu cigarro. Enquanto, ela adormece em seus braços, ele continua fumando. Figura 3 – Sequência de frames da 1ª cena selecionada.

Fonte: Bonequinha de Luxo (1961)

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A personagem Holly, apesar de estar em um encontro íntimo e com roupas íntimas (robe), está bem arrumada, com seu cabelo penteado de forma elegante e fumando um cigarro, que é símbolo de sofisticação. Deitada ao lado de seu amigo, ambos estão fumando, costume que não acontece só publicamente, mas também na vida privada dos personagens. A cena com o personagem Paul com seu torso nu, para a época, era chocante, pois remete à sexualidade e traz indícios de um possível ato sexual. Esse índice de sexo representa a Secundidade segundo Pierce, porque é a primeira reação do espectador. É a compreensão lógica dessa nudez parcial. Quando a personagem Holly deita em seus braços, o personagem Paul, mesmo depois de tirar o cigarro dela para poder dormir, continua tragando o seu. Esse abraço passa uma imagem protetora e acolhedora. Consequentemente, estende a mesma ideia para o cigarro, como um símbolo de tranquilidade. 2ª Cena – Durante uma festa em sua casa, a personagem Holly Golightly vai ao encontro do personagem Paul Varjak para conversar sobre a festa e seus convidados, enquanto ambos fumam (Holly utiliza uma piteira) e bebem. Então, chega um convidado com uma caixa cheia de bebidas, e Holly e Paul vão andar pela festa e cumprimentar os outros convidados. Figura 4 – Sequência de frames da 2ª cena selecionada.

Fonte: Bonequinha de Luxo (1961)

A cena se passa em uma festa que a personagem Holly organiza em seu apartamento para as pessoas da alta sociedade. Mesmo não tendo tanto dinheiro quanto seus convidados, ela se porta de forma elegante, sempre bem vestida e com joias. Todos os personagens estão com roupas de gala e joias exuberantes, bebendo uísque e champagne, que são bebidas fortes e caras. Esses elementos representam luxo e riqueza, são símbolos, que se manifestam na Terceiridade, interpretações dos objetos que 10


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compõem a cena. Não está escrito, nem dito, que são pessoas ricas, mas isso está representados através desses objetos. A piteira enorme que a personagem principal usa representa um símbolo fálico. A forma elegante como que ela a manuseia e a leva a boca representam a sensualidade e sexualidade. Esse elemento pode ser interpretado como Secundidade, pois a sensualidade implícita é o primeiro impacto causado pela piteira, é uma compreensão espontânea e imediata.

Do filme Constantine (2005), foram retiradas as seguintes cenas: 1ª Cena – O personagem John Constantine (Keanu Reeves) está sentado sozinho em seu apartamento fumando e bebendo, quando percebe uma aranha em cima da mesa. Então, ele dá o último gole em sua bebida e usa o copo para prender e asfixiar o inseto, soprando fumaça dentro do copo. Após isso, ele diz: “Bem vinda a minha vida”. Figura 5 – Sequência de frames da 1ª cena selecionada.

Fonte: Constantine (2005)

A cena começa mostrando o lado de fora do apartamento do personagem John, com letreiros de neon queimados. Em um âmbito geral, o local em que ele vive representa decadência, como se fosse o interior do próprio personagem. O personagem, em todo momento, mostra-se aflito e estressado pela vida que leva. Quando ele prende a aranha dentro do copo, tenta passar todos esses sentimentos para o inseto. A aranha representa uma predadora no mundo animal, assim como ele, John, é um caçador de demônios. Ao prender a aranha e soltar fumaça dentro do copo, é como se descontasse nela tudo o que ele sente, como se prendesse e sufocasse ele mesmo. Nesse caso, o cigarro não é apenas um vício, mas também uma “maldição” que ele não consegue se libertar. A fumaça é um índice de “coisas ruins”, como a falta de ar e a poluição. 11


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A cena toda está em Terceiridade, porque ela é composta de elementos que representam algo que não está explícito, mas faz parte do filme. São elementos que, sob certo aspecto, têm interpretações distintas. 2ª Cena – Os personagens John Constantine e Angela Dodson estão na oficina do personagem Beeman após descobrirem sua morte. Então, John pega equipamentos e instruções para montar uma arma para eliminar o demônio Balthazar e se vingar pela morte de seu amigo. Ao testar a arma, ele atinge a embalagem de cigarro, e a cena mostra em close na advertência dos malefícios de fumar: “Fumar causa câncer de pulmão, doença cardíaca, enfisema e pode complicar a gravidez”. Figura 6 – Sequência de frames da 2ª cena selecionada.

Fonte: Constantine (2005)

O personagem, que se mostra o tempo todo frustrado e irritado torna-se raivoso e violento. Em uma sala cheia de objetos, ele pega justamente uma arma de fogo, que é ícone que fere, índice de violência e símbolo de guerra. Pensando em seu inimigo Balthazar, ele vira-se e atira com a arma de uma maneira violenta e irracional, atingindo seu outro inimigo: um maço de cigarros. Esse é um ato de Primeiridade, já que não foi pensado. A cena prossegue, em Secundidade e Terceiridade, passando os malefícios que o cigarro causa para a saúde. Secundidade porque há uma compreensão da cena, e de tudo que se pode perceber de imediato dela. E, Terceiridade porque, ao mostrar os malefícios do cigarro, o telespectador lê e compreende o que está sendo passado, fazendo uma análise disso.

Considerações Finais Diferente de Bonequinha de Luxo, em que o cigarro era um símbolo social, onde todos fumavam e bebiam de uma forma elegante e alegre, o filme Constantine demonstra uma 12


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pessoa isolada, que vive no seu próprio mundo obscuro, obsecado por conseguir sua salvação. Nas festas do primeiro filme, por mais que as pessoas não se conhecessem, estavam compartilhando do mesmo símbolo, como uma celebração. Já no segundo, o personagem está, quase sempre, fumando sozinho e entediado. No primeiro longa, o ato de fumar e de beber eram um dos requisitos para se viver em sociedade. Todos no filme, além de exibirem as belas roupas e joias, exibiam também o “glamour” de fumar, e as consequências ruins do cigarro eram deixadas de lado, como se não existissem. Já em Constantine, o indivíduo está “no fundo do poço” e o cigarro, para ele, é como uma “válvula de escape”. Para a sociedade, tanto ele quanto o cigarro representam a escória. Ao contrário de Bonequinha de Luxo, o segundo filme tem consciência dos problemas que o cigarro causa, tendo advertências a todo momento. Sendo assim, no final do longa, após conseguir sua salvação e garantia de uma vida melhor, John larga o vício. Dessa maneira, concluímos que a imagem do cigarro alterou-se drasticamente no período de cinco décadas. A mudança é resultado de vários estudos sobre o cigarro e suas consequências e, também, da maior divulgação desses efeitos. São influências culturais e governamentais que auxiliaram nessa mudança. Diferente do passado, agora as pessoas fumam sabendo o que esse vício pode lhes causar.

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