Outrora: Crônica de uns dias Perdidos

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Outrora:

CrĂ´nica de uns dias perdidos



Marcel Leônidas Padilha e Assis de Sá Carneiro

Outrora:

Crônica de uns dias perdidos

FuturArte Poesia

EDITORA MULTIFOCO Rio de Janeiro, 2016


EDITORA MULTIFOCO Simmer & Amorim Edição e Comunicação Ltda. Av. Mem de Sá, 126, Lapa Rio de Janeiro - RJ CEP 20230-152

CAPA E DIAGRAMAÇÃO REVISÃO

Natalia Maria Rosa Junqueira

Natali Sorrentino e Taiane Mariele Schroeder

IMAGENS DE MIOLO Jayme Mathias

Outrora: Crônicas de uns Dias Perdidos PADILHA, Marcel Leônidas ; CARNEIRO, Assis de Sá 1ª Edição Julho de 2016 ISBN: 978-85-92589-56-1

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais sem prévia autorização do autor e da Editora Multifoco.


Marcel Leônidas Padilha e Assis de Sá Carneiro

Outrora:

Crônica de uns dias perdidos



Prefácio Esse livro, outrora, parece algo confuso ou não acabado, como bem disse Clara, depois de um tempo em seu aposento lendo as minhas linhas mal formuladas. Esse livro, como eu dizia, antes de me vir à cabeça essa mulher que me suscita confusões diárias, é, na verdade, a saída de mim mesmo a um texto. Nesse livro sou texto, como muito bem me ensinou Assis de Sá. Ele se faz letra, poesia e prosa nessa estória que dedico aos seus pensamentos, à forma como sua vida não apenas cruzou com a minha, mas me atravessou por inteiro. Não haveria livro, não haveria pensamento algum se não fosse a banalidade de encontros casuais, encontros que nem esperamos, que não planejamos ou sequer encontramos o que era para encontrar. “Se eu pudesse provocar nos outros aquilo que eu mesmo senti diante dele”, assim pensei, assim comecei a escrever. Esta obra é uma confissão, é confusa como toda confissão de quem se atropela ao falar o que não digeriu ainda. Tomo emprestado o teu sentir dessa confusão, caro leitor, no qual é possível espalhar o teu sentido e a tua maneira de digerir uma obra como essa. Se te servem apenas as poesias, pois bem, aí está minha forma de dizer em poesia. Se te serve somente a prosa, pois bem, aí estão os textos. Caso queira os relâmpagos pertinentes das lembranças que tenho dos ensinamentos dele, pois bem, estão ao final. Sugiro, no entanto, que sirva-se por inteiro e aos poucos, como num banquete, de todas as coisas que te ofereço. Sirva-se não somente uma ou duas vezes, mas o suficiente. Que as minhas palavras sejam acompanhadas com música, pois elas hão de musicar. Que as imagens ganhem em tua imaginação cenários, pois eles hão de teatrar. O sentido teu será suscetível de uma per7


seguição infindável nesse não-lugar que hoje habito em que não há mestre algum, porque nunca houve nem é possível haver. Pois só agora sei, o meu mestre é minha própria letra. M. L. P

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Há muito tempo venho adiando a tarefa árdua de contar-lhes uma estória que ainda não entendi. Eu não entendo e por isso estou aqui, pois posso transformá-la em poesia ou prosa, e ainda não será suficiente para conter aquilo que me pediram. Recorro a um dos Andrades, o qual muito admiro, para conter esse fluxo desconexo, modernista. Ou um dos Azevedos, na dor e melancolia que quis reproduzir. São muitos brasileiros que estão aqui. Mas quem me pediu para registrar tudo isso, indiretamente, foi meu Mestre, que disse que a estória tinha início, meio e fim, e é dele a responsabilidade. Acumulei desde cedo todos os papéis que dele havia. Ele escreve desde cedo a estória que queria. O enredo era fácil, só se tratava de um homem que desistiu de falar e tomou a decisão de escrever. Quando fez isso, mal havia se dedicado à escrita, foi tomado por uma multidão em um incidente, tentou sentir o que aquela multidão sentia, mas nunca conseguiu fingir tão bem. Só conseguiu quando deixou de ser humano e abriu os diálogos com os cães à sua volta, que o ensinaram o suficiente para a vida. Isso mesmo, eu confesso que ainda tenho medo, porque estou um pouco deslocado do que vou aqui descrever. Aos poucos é poema que diz mais do meu mestre. Por vezes não consigo mais palavras falar. Só poesia meu espírito consegue. Ainda esse experimento é um testemunho vivo de minha alma, que está por se descobrir, e faz parte do processo que me dispus aqui. Pois bem, diante desse incidente, fui chamado para o enredo que foi mais ou menos assim. Eles entreolhavam-se como se o fato que ele estivesse narrando testemunhasse algo sobre ele, algo mais que nem ele mesmo sabia; como costuma fazer qualquer pessoa em momentos de uma conversa. Mas naquele ambiente estava diferente. Pareciam várias pessoas cultas que já haviam avaliado as ações dele há muito tempo e que apenas confirmavam um ao outro as suas afirmações de outrora. Isto o incomodava bastante. Incomodava a tal ponto que de tanto 9


observar esse fato, ele não mais sabia o que estava falando. E como os outros não prestavam atenção à narrativa, mas somente ao seu comportamento ao falar, pouco faria a diferença se o que estava dizendo era mentira ou verdade, pouco teria algo para rir se fosse engraçado. Continuava a narrativa que se tornara inútil, apenas para observar como os outros estavam lhe observando. O que acontece quando em uma conversa o assunto está para terminar. Geralmente, é o que ele muito observava: as pessoas esquecem-se do que está sendo dito, em determinado momento da conversa ou quase sempre, e dão atenção apenas às suas próprias vidas secas e vazias de sentido. Dessa vez terminou não só o assunto, mas também a conversa que ele julgava inútil e sem graça, visto que não tinha mais sangue. A comunicação se perdera há muito tempo, não tinha mais o polo que lhe interligava aos seus interlocutores. Foi então que despediram-se e ele foi para casa perguntando-se: – O que ocorre ali, naquele momento da conversa? As pessoas não dão sequer um pouco de si para um diálogo amigável. Mesmo as pessoas que estudam as relações humanas, as ditas cultas. Sentia-se em uma grande bolha, na qual gritava e ninguém escutava, agarravam-lhes as mãos e não tinha como sair. Até mesmo as suas maneiras de expressar, quando raramente ouvidas, não eram entendidas. Seus interlocutores sempre entendiam algo diferente do que ele queria dizer. – É impossível estar na mente dos outros! É incrível como nós nos esforçamos nossa vida inteira para entrar nas mentes dos outros, dominá-las, afetá-las, às vezes até causar-lhes dor! O problema metodológico está aí, digamos. Quanto mais vivo, mais sei que não há método nenhum para a vida. Parece que a solidão toma conta de pessoas como eu, pois são pessoas que observam e apenas confirmam que elas estão sós, como seria bom se essas pessoas existissem. Mas o fato não é elas não existirem, é que talvez elas sejam essas aí, que não conseguem me escutar de tão solitárias que são. Talvez eu seja aquela 10


criança que olha os gibis sem ler. Que dorme ao som das canções de ninar sem ouvir o que se canta. Que observa as plantas e insetos que recolhe no jardim, extraindo dali o maior significado anticotidiano que os pais vivem. Que nota o quanto falam, mas tão pouco dizem de sua alma, apenas expressam, quando muito, uma elevação de voz, que não significa nada de real do que querem expressar. Eles apenas não sabem como fazer. Sei disso, pois agora mesmo me sinto assim. Folhear os gibis sem lê-los, é como passar as páginas da vida sem vivê-las. Mas não! Algo suscita diferente, pois eu consigo observar isso e me prestar a ouvi-los quando eles querem, o que acontece afinal? Ainda não sei. Meu mestre era como eu. Desde cedo da infância inventava palavras e estórias com desenhos, queria ser produtor de revistas em quadrinhos desde pequeno, aos seus sete anos de idade. Mas não foi, nunca foi, e desde cedo acumulou um monte de coisa escrita que não reproduziu. Eu pelo menos tentei fazer diferente e aqui coloco tudo que desde muito novo dele consegui. A relação que havia entre ele e a língua falada era demasiada exígua para a sua experiência vital. Chegou a considerar aqueles que se dedicam ao diálogo apenas como os trava-conversas:

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i n u t i l i a t r u n c at Vão ao diabo com a especialidade! O contemporâneo especial, em lacunas específicas, Comboios que não dobram esquinas. Lixos que apodreçam! Solo, chorume fatigado de enlatados! Tal qual flores florescem no deserto E atravessam em vão aquilo que os cerca! Vão ao diabo com a especialidade! Homens encantados nos espelhos Bituca de cigarro em cinzeiros Noites mal pagas nos sonhos que não sonham Negócios e ofícios, papéis de sacrifício! Tintas e canetas Cada qual com sua proeza Tarefa de encaixotar a pobreza, Tijolos e estojos são os homens que envelheçam! Vão ao diabo com a especialidade! Esqueletos móveis que apodreçam! O ultrapassar que nunca pode pela direita. O asfalto que nunca some à espreita. Zumbindo em rádio que só festeja! Mosquitos e larvas que não conheçam. E nunca é dito tudo o que queiram!

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– A linguagem falada é muito mais complexa. Há muito calor ali onde se fala, há muita incomunicabilidade do que se quer dizer sob o efeito do que realmente está sendo dito. Algo o sufocava ao falar. Algo o prendia em palavras ditas. Então pensou consigo mesmo que era melhor dedicar-se à escrita, para se autocompreender: “Eis aí a filosofia e a arte juntamente em mim”, assim pensou e saiu de casa como se tivesse feito uma nova descoberta. Como se isso fosse sua grande “eureka”. Qualquer um que experimente este sentimento de eureka certamente vive consigo muito melhor.

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VI. Preciso ESCrever, ESCrever sem objetar, ESCrever sem parar, Sem interlocutor, ESCrever sem dor. ESCapar Sem eu Alienar-me num texto; Relação sem sexo; ESCrever o que já fizeram; ESCrever carcterES Consagrados. Sem mim Resumo-me a letras, Vocábulos; ESCrever sem ESPAÇOs, linhas ou fugas, Sufocado na tecla da tela que me julga Eu mesmo imaginando a quem julgar Interlocutor, beleza e nexo; O cérebro em curto; A tela ainda lá; O sentido desconexo; As teclas a parar Empurram o dedo para cima, Não querem ser tocadas, Não entram no clima De palavras mofadas, Mas devo terminar Aquilo que ESCrevo e ESCapar, Entreter meu ALTer ego, Entrever um ENTER e entrego!

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A escrita então era seu grande conforto e meditava todos os dias para escrever suas experiências novas, escrever seu próprio caminho. – “Aqueles que se entreolhavam nada sabiam da assimilação calma de uma escrita, eram agitados demais para tal. O prazer da conversa, dos diálogos de Platão, das tragédias de Shakespeare mostrava algo diferente porque sobreviveram até aqui escritos. As pessoas na realidade não têm tamanha franqueza no falar e nem consideram tanto as ações e dizeres dos outros quando abrem a boca, apenas jogam fora tudo como se nada importasse, porque elas querem prazeres, prazeres demasiados, e não se importam em construir uma beleza nas relações, essa a qual a arte tanto nos impele e tanto me pune por ainda não fazê-lo em vida!”... “Seria a arte impossível?”... “Se assim fosse”, pensou, “prefiro a morte!”. A vida tem que ter a real beleza, não pode ser rompida por sacrifícios”. * * *

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Caro Leitor, para as prรณximas pรกginas acesse o site do escritor: www.outrora.net ou o link da editora: http://editoramultifoco.com.br/loja/product/outrora-cronica-de-uns-dias-perdidos/ e adquira seu exemplar. Obrigado!


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