ANAIS Nº 04

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ANAIS Nº 04

IV JORNADA DE PÓS-GRADUAÇÃO

Belém-PA 2011

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Dados Internacionais de Catalogação –na -publicação (CIP). Biblioteca da Faculdade Integrada Brasil Amazônia- FIBRA, Belém - PA.

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J82

Jornada de Pós-Graduação (4.: 2011: Belém)

Anais da IV Jornada de Pós-Graduação da Faculdade Integrada Brasil Amazônia. Belém: set. 29-30, 2011.

1.Pós-Graduação- Jornada. 2. Anais- Pós-Graduação- FIBRA (4.:2011- Belém). 3. Anais- Resumos. 4. Faculdade Integrada Brasil Amazônia. I. Título. ISSN: 2178-0269

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IV JORNADA DA PÓS-GRADUAÇÃO

ANAIS nº 4 outubro de 2011 3


DIRETOR GERAL Vicente de Paulo Tavares Noronha VICE-DIRETOR Atila Nunes Marinho DIRETOR ADMINISTRATIVO-FINANCEIRO Atila Nunes Marinho DIRETOR ACADÊMICO Fernando Antônio Colares Palácios DIRETOR ADJUNTO DE GRADUAÇÃO Wilson Ricardo Cardoso Silva DIRETORA ADJUNTA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO Célia Maria Coelho Brito COORDENADORES DE CURSO DE GRADUAÇÃO Wilson Ricardo Cardoso Silva (Curso de Administração) Manuela Beltrão Oliveira e Silva (Curso de Pedagogia) Guilhermina Pereira Corrêa (Curso de Letras) Renato Aloísio de Oliveira Gimenes (Curso de História) Mauricio Miranda Ferreira (Curso de Direito)

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APRESENTAÇÃO

Uma instituição de ensino superior que se empenha em alcançar a excelência assume o compromisso de mobilizar esforços para promover o desenvolvimento de suas atividades acadêmicas. Deve ser tarefa, portanto, de uma instituição de ensino superior aprofundar o debate crítico e instigar a criatividade, promovendo a produção do conhecimento e articulando a troca de experiências. Para que essa prática se torne uma constante, é relevante imprimir dinamismo na disseminação do conhecimento, fortalecendo a produção intelectual. Numa demonstração do avanço das discussões acadêmicas fomentadas na Faculdade Integrada Brasil Amazônia, em um ambiente com total autonomia para suas ações, estamos publicando os Anais da IV Jornada de Pós-Graduação, que ora apresentamos, fruto da construção e integração de todos os atores envolvidos. Esta edição se constitui de vinte e dois artigos voltados para diferentes áreas do saber humano, produzidos pelo corpo acadêmico da FIBRA (professores e alunos da Pós-Graduação e da Graduação) bem como de outras instituições de ensino superior. Com esta publicação, temos a intenção, assim, de contribuir mais uma vez para o desenvolvimento científico da sociedade. Vicente de Paulo Tavares Noronha Diretor Geral

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SUMÁRIO ARTIGOS

09

O SISTEMA DE PROTEÇÃO PATRIMONIAL E A TEORIA DA REDUÇÃO DAS OCASIÕES Paulo Rogério de Souza Garcia; Thaís de Oliveira Sardo Ribeiro

22

SISTEMA PENAL BRASILEIRO: o sistema penal está cumprindo o seu papel? Luiz Nestor Sodré da Silveira

33

ATUAÇÃO DO PROFISSIONAL DE SERVIÇO SOCIAL JUNTO ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL Paulo Sérgio Paes dos Santos

50

VOZES DE UMA PARTICIPAÇÃO FEMININA: a trajetória de liderança política das mulheres do DCE/UFPA, 1985-2005 Edijanne Dias do Carmo

64

MAFALDA E O ENSINO DA HISTÓRIA POSSIBILITANDO DIÁLOGOS Gleison Gonçalves Ferreira

77

POLÍTICAS PÚBLICAS: uma análise crítica dos desafios da educação municipal de Ananindeua/PA, no ano de 2011 Carla Caroline Rocha; Maria José Marinho; Wilma Bastos Costa

101

POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS DO MUNICÍPIO DE MARITUBA DO ESTADO DO PARÁ: estudos das boas práticas no ano de 2011 Fábio Mendes de Brito; Maria Betânia P.O. Viana; Nádia Cristina de Faro Meirim; Neilane Rodrigues de Souza

121

A HISTÓRIA INDÍGENA NA AMAZÔNIA (1759-1808) E A QUESTÃO DO LIVRO DIDÁTICO Josineide de Lima Pinheiro; Thaisa Noronha Barros

130

A PRESENÇA DO ESTADO NA ILHA DO MARACUJÁ: dificuldades e esperanças Cláudio Lísias G. dos Reis Silva; Maria de Betânia Cardoso

6


143

A IMPORTÂNCIA DA BABOSA COMO QUALIDADE DE VIDA Augusto José Raposo; Márcia Goreth Silva

157

TURISMO FAMILIAR COMO ALTERNATIVA COMPLEMENTAR DE RENDA NA COMUNIDADE DE ARICURU – MARACANÃ – PARÁ Júlia Maria Belo Rodrigues

172

GÊNEROS TEXTUAIS: por que e para que ensiná-los? Célia Maria Coêlho Brito

192

VARIAÇÃO FONÉTICO-FONOLÓGICA E MORFOSSINTÁTICA NA FALA DE PARTICIPANTES DO PROGRAMA ROTA CIDADÃ-190 Liane da Silva Mendes

206

A CULTURA DA LEITURA EM ESCOLAS DA ZONA RURAL: O professor e sua realidade Álvaro Fernando do Nascimento Silva

221

INFORMAR PARA FAZER CONSUMIR: Cena de enunciação e ethos como estratégias discursivas em embalagens de produtos Clauber da Silva Mano

235

A PRODUÇÃO DE TEXTO NO 6º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL: Cenas de uma prática Adriano Nascimento Silva

249

ARQUEOTURISMO PARAUARA EM ÁREAS NATURAIS Marcelo Pamplona Baccino

258

BELÉM NOVA: passadismo e modernidade, um debate sobre as influencias estilísticas na revista Gidalti Moura Júnior

275

PAISAGEM E LUGAR NA AMAZÔNIA URBANA: rearranjos da globalização Mauro Emilio Costa Silva

287

DA PALAVRA À IMAGEM, OU VICE-VERSA: processos de transposição Bruno Sérvulo da Silva Matos

7


299

A MORTE DO CAIXEIRO VIAJANTE: do teatro ao cinema Bruno Sérvulo da Silva Matos

315

AVALIAÇÃO DA HORA PEDAGÓGICA DAS PROFESSORAS DA EJA Rosa Maria Lopes Noronha

330

INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA PARA ESTUDANTES COM PARALISIA CEREBRAL: um estudo de caso em Belém do Pará José Carlos Vilhena Castro

344

INCLUSÃO: desmistificando as impossibilidades impostas aos alunos autistas Maria Josilane Gomes da Silva Melo Almeida

260

POR UMA EDUCAÇÃO VOLTADA PARA A REALIDADE DA AMAZÔNIA: um desafio para os educadores contemporâneos Carla Caroline Rocha; Wilma Bastos Costas

372

O LOGARITMO ENQUANTO MÉTODO DE APRENDIZAGEM Bruna Nazaré Macedo Rodrigues

384

A TRADUÇÃO DE HUMOR PARA A DUBLAGEM DO FILME TOY STORY 3: as divergências culturais Cintia Silva da Cruz

398

DIAGNÓSTICO PARTICIPATIVO PRELIMINAR DE ALGUMAS COMUNIDADES DE LIMOEIRO DO AJURU – PA Marcos Luiz Gaia Carvalho; Ailson Santana da Silva; Marcela Cristina Amaral Flexa; Raimundo Otoni Melo Figueiredo

8


O SISTEMA DE PROTEÇÃO PATRIMONIAL E A TEORIA DA REDUÇÃO DAS OCASIÕES Paulo Rogério de Souza Garcia1 Thaís de Oliveira Sardo Ribeiro2 FIBRA RESUMO: O sistema de proteção patrimonial contra furto e roubo perpassa por uma análise de seu grau de prevenção. O estudo aqui apresentado testou a teoria da redução das ocasiões de Clarke e Mayhew para conhecimento desse fenômeno criminal na cidade de Belém e estendeu a análise à dinâmica das vantagens dos sistemas de proteção, bem como os inconvenientes encontrados pelos criminosos quando que se vêem diante de um ou mais dispositivos de proteção. Para tal fim, estabeleceu-se uma amostragem distribuída em três grupos: uma amostra com sistema de segurança patrimonial, outra sem sistema, e uma terceira que controlamos em função do tempo, isto é, a evolução do fenômeno antes e depois da implantação do sistema de segurança. Analisaram-se algumas variáveis como o tipo de delito, a localidade (bairro), o tipo de sistema de proteção, o tempo (antes sem sistema e depois com sistema). Foram pesquisados cento e trinta e cinco estabelecimentos comerciais, distribuídos em cinquenta e um tipos diferentes, em nove bairros de Belém. As possibilidades de prevenção sugerem a adoção de mais de um tipo de sistema de proteção, principalmente quando combinado com a vigilância humana. Assim, o grau de vitimização aumenta para aqueles que não possuem um sistema de proteção patrimonial, para aqueles que preferem adotar apenas um sistema de proteção ou optar por um recurso não humano de segurança. PALAVRAS-CHAVE: Criminologia; Proteção patrimonial; Furto e roubo; Prevenção.

1 2

Professor do curso de Direito da FIBRA. Graduanda do curso de Direito da FIBRA.

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1 A TEORIA DA REDUÇÃO DAS OCASIÕES A incidência dos delitos contra o patrimônio levou alguns autores a desenvolverem teorias para a sua prevenção como a da redução das ocasiões (Clarke e Mayhew, 1980), a situacional (COHEN/FELSON apud KILLIAS, 2001) e a do deslocamento do crime (REPETTO apud KILLIAS, 2001). Seria mais eficaz atacar os meios pelos quais os criminosos cometem infrações do que alterar as causas profundas do comportamento criminal (KILLIAS/HASS, 2001), o que exigiria competências específicas a serem aplicadas em meio prisional, clínico, hospitalar, etc.; e isto não é objeto de nosso estudo. A pesquisa teve por objeto analisar os sistemas de proteção patrimonial contra furto e roubo e seu grau de prevenção em face da prática destes crimes. A análise partiu da “teoria da redução das ocasiões” seguindo o modelo de Clarke/Mayhew (1980), cuja idéia central é retirar os meios de cometimento do crime (ex.: armas de fogo, facas, etc.) ou eliminando os ganhos com o objeto “roubado” (ex.: inutilização de papel moeda), para redução da criminalidade. Se for verdade que tal teoria é eficaz, então se reduz a capacidade do cometimento do crime impedindo a criminalidade de se adaptar. De outro lado, tem-se a “teoria do deslocamento” de Repetto a qual sugere que a cada novo dispositivo de prevenção ocorreria uma adaptação, pois a motivação independe da ocasião, sendo os criminosos indiferentes às vantagens ou inconvenientes materiais, o que distinguiria tais sujeitos do ser não criminoso (COOK apud KILLIAS, 2001, p. 313). 2 AMOSTRAGEM Para testar tal teoria em nosso meio, estabelecemos uma amostragem distribuída em três grupos: uma amostra com sistema de segurança patrimonial, outra sem sistema, e uma terceira que controlamos em função do tempo, isto é, a evolução do fenômeno antes e depois da implantação do sistema de segurança. Analisamos algumas variáveis como o tipo de delito (furto ou roubo), a localidade (bairro), o tipo de sistema de proteção, o tempo (antes sem sistema e depois com sistema). Além das perguntas fechadas para controle das variáveis, estabelecemos um diálogo 10


aberto com os interlocutores para entender os casos que não se enquadrariam no modelo teórico supracitado. Foram pesquisados 135 estabelecimentos, distribuídos em 51 tipos, em 9 bairros de Belém. 3 ANÁLISE DOS SISTEMAS DE PROTEÇÃO PATRIMONIAL Em função do sistema do segurança, foram registradas 56 amostras de estabelecimentos com sistema de segurança (42%) e 79 amostras sem sistema de segurança (58%), conforme a tabela 1. TABELA 1: Amostra do sistema de segurança (%). N: 135. COM SISTEMA 56 (42%)

SEM SISTEMA 79 (58%)

TOTAL (%) 135 (100%)

A taxa de incidência de furto e roubo com sistema de segurança, considerando que o estabelecimento possui sistema desde sempre, revela um percentual insignificante de casos de furto (7%), nenhum caso de roubo e 93% não foram vítimas de crime, conforme a tabela 3. Isso significa que quem possui sistema de segurança tende a não ser vítima de delitos patrimoniais, de modo geral. TABELA 2: Taxa de incidência de furto e roubo com sistema de segurança. N: 29. FURTO ROUBO NDA TOTAL (%) 2 0 27 29 (7%) (0%) (93%) (100%) Em função do tipo de sistema adotado elaboramos a tabela 3 abaixo, onde se registrou 9 (nove) tipos de sistema de segurança. Sistema isolado significa o emprego de um sistema apenas. Por sistema combinado aquele em que é adotado mais de um sistema. Podemos observar que o tipo de sistema de segurança isolado (59%) é superior ao modo combinado de segurança (41%). Tal distribuição entre uma escolha e outra, pelo tipo isolado ou combinado, não representa uma diferença significativa porque em apenas uma unidade da amostragem observou-se dois casos de furtos. 11


A adoção de um anteparo que dificulte ou impossibilite o cometimento é promissor, e isto independe da localidade, pois a amostra está distribuída de modo uniforme em número de unidades por bairro (ver tabela 6). TABELA 3: Tipos de sistema empregado e casos registrados. N: 29 N

TIPO DE SISTEMA

ISOLADO

Câmera Cerca elétrica Vigilância humana Porta-elétrica Ronda Vidro blindado Câmera e vigilância humana Câmera, cerca e porta elétrica 8 Câmera, porta-elétrica, vigilância humana 9 Câmera, catraca eletrônica, vigilância humana Σ Subtotal Σ+Σ Total

1 2 2 3 4 5 6 7

5 1 4 4 2 1 _ _

COMBINADO _ _ _ _ _ _ 6 1

N. DE CASOS 2 0 0 0 0 0 0 0

_

3

0

_

2

0

12

2 2

17 29

Já a taxa de incidência de furto e roubo sem sistema de segurança revela que os casos de furto e roubo somam 76% contra 24% dos entrevistados que não foram vítimas o que significa que quem não possui um sistema de segurança tende realmente a ser mais vítima de crimes contra o patrimônio, de modo geral, conforme a tabela 5. Uma análise preliminar sugere que a ausência de sistema de segurança realmente não inibe a ação criminosa, pelo contrário, estimula dada a facilidade. TABELA 4: Taxa de incidência de furto e roubo sem sistema de segurança. N: 79. FURTO 44 (34%)

ROUBO 55 (42%) 99 (76%)

NDA 32 (24%) 32 (24%)

12

TOTAL (%) 131 (100%) 131 (100%)


A tabela 5 a seguir apresenta o grupo de análise em função do tempo, portanto uma análise longitudinal, representada por um período “antes” da implantação do sistema de segurança e outro “depois” da implantação do sistema. TABELA 5: Taxa de incidência de furto e roubo antes e depois do uso de sistema de segurança. N: 27 N

ANTES

ESTABELE CIMENTO

DEPOIS

TIPO DE SISTEMA

TIPO DE ARMA

MELHOR SISTEMA

Câmera

de fogo

NDA

PM

de fogo

Humana

FURTO

ROUBO

FURTO

ROUBO

1

-

2

-

-

2

-

-

-

3

-

-

-

Lanchonete

PM

de fogo

Humana

4

-

-

-

Restaurante

Câmera

-

Câmera

5

-

-

1

Loja de roupa

Portaeletrônica

Faca

Pública

6

-

2 1 tentativa ronda da PM evitou 1 1 tentativa Reação de cliente 1 tentativa Desistênc ia; barulho de sirene

Loja de eletrônicos Bar

-

1

Lavanderia

Portaeletrônica

faca e arma de fogo

NDA

-

1

-

Lan House

Falsa câmera

NDA

-

1

-

Restaurante

7 8 9

1111 10

11

12

1 1

-

-

-

-

2

-

1 tentativa 3 consum ados: clientes

-

-

-

1tentativ a seguran ça impediu . 3 consum

1

1 tentati va: recup eração do objeto pela políci a

1 tentati va

Câmera

NDA

Câmera e alarme

faca e arma de fogo

Ótica

Vigilância humana

NDA

Humana

Bar

Ronda

faca

Seguranç a armada

NDA

NDA

Curso

-

Supermerca do

13

Humana; Câmera Humana; câmera

Cercaelétrica e vigilância humana

Todas


13 14

-

-

ados 3 1

-

Papelaria Farmácia

Câmera Câmera

NDA NDA

15

-

-

-

1

Curso

Câmera

de fogo

-

Salão de beleza

Portaeletrônica

NDA

Portaelétrica

3

Farmácia

Câmera

Faca e arma de fogo

Não evita

NDA

Câmera

Câmera Câmera passa segurança aos clientes

16

-

-

17

-

-

-

18

-

-

19

-

-

1 tentativa cercaelétrica evitou 1

20

-

1

21

-

22

-

-

N

-

ANTES

FURT ROUB O O

23

-

-

24

-

-

25

1 tentativa funcioná ria viu e evitou

-

-

Restaurante

Câmera

NDA

-

-

Vidraçaria

Câmera

Faca

-

1 tentati va: morte do assalt ante

Farmácia

Vigilância humana

de fogo

1 consumado 1 tentado: cliente devolveu quando viu a câmera

Loja de roupa

1

ESTABELE CIMENTO

DEPOIS

1 tentativa: segurança viu na câmera -

Papelaria

-

-

FURTO

-

Câmera, cercaelétrica, cão

Portaeletrônica

de fogo

NDA Câmera Elétrica e eletrônica pode falhar por causa da energia

Não pode chamar muita atenção Câmera; portaelétrica difícil julgar as pessoas

TIPO DE SISTEMA

TIPO DE ARMA

MELHOR SISTEMA

Câmera; cercaelétrica

NDA

Falha quando não se sabe usá-la

Câmera

de fogo

NDA

ROUBO

1

-

Loja de decoração Farmácia

Loja de conveniência

Câmera e espelho

NDA

Câmera para ambientes pequenos; eletrônica e humana quando grandes Combinar o sistema; o eletrônico

14


26

-

-

3

1

Loja de departament o

Câmera

NDA

27 Σ Tenta tivas Cons umad os Σ+Σ

2

11

23

1 14

Farmácia

Câmera

de fogo

0

3

6

3

2

8

17

11

13 (26%)

depende do humano Eletrônica é mais onerosa

37 (74%)

A tabela acima revela a dinâmica do sistema de segurança face o comportamento criminal, de modo muito interessante. Primeiramente, observa-se que antes da implantação do sistema de segurança registrou-se 26% dos casos (reunidos os casos de tentativa e consumação do delito) contra 74% dos casos depois da adoção de algum tipo de sistema de segurança. Embora a evolução do fenômeno possa sugerir que a aplicação de algum tipo de sistema de segurança não seja eficaz, a análise pormenorizada revela o inverso. Antes da implantação do sistema registrou-se 3 tentativas entre furtos e roubos, sendo evitados pela simples presença da polícia, da reação de alguém ou do indício da presença da polícia, como foi o barulho de sirene. Dos 8 (oito) casos consumados, a ausência de meios inibitórios pode ter facilitado a ação criminosa, considerando ainda o predomínio do uso de arma de fogo pelo assaltante. Depois da adoção de algum sistema de segurança registrou-se 9 (nove) casos de tentativas, sendo os delitos evitados por causa da vigilância humana, ação de segurança ou funcionário do estabelecimento, do uso de cerca elétrica ou de câmera, sobretudo por conta de um sistema conjugado, v.g., vigilância humana com auxílio de câmera. Dos delitos consumados após o emprego de algum sistema, observou-se 28 (vinte e oito) casos registrados. Desses casos, o fenômeno se explica pelo emprego de apenas “um tipo” de sistema de segurança e a preferência pelo uso de “câmera” que sugere não ser inibidor da ação criminosa, somando 18 (dezoito) casos. Este fato confirma os dados da tabela 3 donde se depreende que no único caso registrado, o estabelecimento possuía apenas câmera de segurança.

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Em segundo lugar, tem-se a porta-eletrônica como sistema um pouco menos inibidor (3 casos), se empregado de modo isolado. Analisando o tipo de arma empregada na ação dos 50 (cinqüenta) casos, verifica-se o emprego de arma de fogo com mais frequência, bem como o uso de faca, com menor incidência. A recorrência à arma de fogo ainda representa o meio mais eficaz na prática criminosa. O uso de arma de fogo consumou o cometimento de delito treze vezes, onde na maioria dos casos o estabelecimento possuía apenas câmera de vigilância o que pode ter determinado a passagem ao ato pela vulnerabilidade da vítima e o maior poder de ataque do agressor. Nos casos em que o índice de crimes é menor ou onde houve apenas tentativa, observa-se que o meio mais utilizado é a vigilância humana ou um sistema conjugado, isto é, mais de um sistema: cerca elétrica e vigilância humana; câmera, cerca-elétrica e cão; câmera e cerca-elétrica; câmera e vigilância humana. A percepção sobre o sistema de segurança do ponto de vista do sujeito que as utiliza, analisaremos em conclusão. 3.1 Análise por bairro da taxa de prevalência (furto/roubo) Foram pesquisados os bairros Sacramenta, Telégrafo, Marco, Fátima, Campina, Cidade Velha, Pedreira, São Brás e Castanheira (9 bairros). A taxa de prevalência indica o percentual de vítimas. Considerou-se apenas os fatos consumados, sobre todas as unidades pesquisadas, por bairro e em função da existência ou da ausência de um sistema de segurança. TABELA 6: Taxa de prevalência de furto e roubo por bairro em função do sistema de segurança. N: 135. SACRAMENTA (N* = 15) com sem sistema sistema 4/6 5/9 (33%) (55%) FÁTIMA (N* = 15)

TELÉGRAFO (N* = 15) com sem sistema sistema 3/7 4/8 (43%) (50%) CAMPINA (N* = 15)

com

com

sem

sem

16

MARCO (N* = 15) com sem sistema sistema 4/8 5/7 (50%) (71%) CIDADE VELHA (N* = 15) com sem


sistema sistema 1/5 3/10 (20%) (30%) PEDREIRA (N* = 15) com sem sistema sistema 1/5 5/10 (20%) (50%) * Tamanho da amostra.

sistema sistema 3/8 3/7 (37%) (43%) SÃO BRÁS (N* = 15) com sistema 2/5 (40%)

sem sistema 4/10 (40%)

sistema sistema 1/7 4/8 (14%) (50%) CASTANHEIRA (N* = 15) com sem sistema sistema 1/5 5/10 (20%) (50%)

A tabela 6 está assim distribuída: No bairro Sacramenta, 9 pessoas foram vítimas (60%); no Telégrafo, 7 foram vítimas (47%); no Marco, 9 foram vítimas (53%); em Fátima, 4 foram vítimas (27%); no bairro Campina, 6 foram vítimas (40%); na Cidade velha, 5 foram vítimas (33%); na Pedreira, 6 foram vítimas (40%); em São Brás, 6 foram vítimas (40%); e no bairro Castanheira, 6 foram vítimas de furto e/ou roubo (40%).3 A tabela acima nos permitiu desenvolver o gráfico abaixo para melhor visualização do fenômeno. Gráfico 1: Taxa de prevalência de furto e roubo por bairro.

3

O número de vítimas é a soma dos numeradores dos grupos com e sem sistema de segurança por bairro. Exemplo: Sacramenta tem quatro vítimas, com sistema, e cinco, sem sistema, totalizando nove vítimas.

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Tendo em vista que a amostragem é pequena, preferimos adotar a mediana como medida de tendência central, pois é menos sensível aos dados aberrantes o que demonstra com maior robusteza a posição de cada unidade. Estão acima da mediana os bairros, Sacramenta, Telégrafo e Marco. Abaixo da mediana os bairros Fátima e Campina. No bairro de Fátima, o baixo índice de vitimização se deve ao emprego de mais de um sistema de segurança, combinando uso de porta-eletrônica e câmera com vigilância humana. Os casos de roubos no bairro de Fátima ocorreram nos estabelecimentos menos protegidos. O emprego de arma branca como “faca” não levou à consumação o delito, inclusive num dos casos a vítima desistiu, pois no estabelecimento havia um cliente armado que evitou o crime. A preponderância tecnológica, neste caso, foi determinante. O contrário também é verdadeiro, existe maior chance de o delito se consumar se a vítima estiver desprotegida e o bandido armado, desde que esteja preparado, técnica e psicologicamente. Na Cidade Velha, o índice também é baixo, mas devido à preferência pela adoção de vigilância humana, e pela segurança itinerante que os comerciantes chamam de “ronda”, um grupo de vigilantes que circulam de moto pelo local, em especial à noite, assim como se observou a adoção combinada de mais de um sistema de segurança na maioria dos estabelecimentos. No caso do bairro Sacramenta o fenômeno se explica pelo padrão já revelado. Em todos os estabelecimentos pesquisados havia apenas um tipo de sistema de segurança, na quase maioria havia uso de câmera, e em um estabelecimento havia apenas porta-eletrônica. Não houve registro de estabelecimento com vigilância humana ou sistema combinado de segurança. O alto índice deve-se também pela ausência de um sistema de segurança e pelo local ser considerado um “ponto quente”. Este fenômeno também se aplica aos outros bairros que estão acima da mediana, Telégrafo e Marco. 3.2. O sistema de segurança tem influencia sobre o crime? À guisa de conclusão, colocamos à prova se o sistema de segurança influencia ou não no cometimento do crime em Belém. Considerando que se trata de duas amostras independentes, 18


representativas das populações com sistema de segurança e sem sistema de segurança, aplicamos um teste paramétrico, o teste t de Gosset (Student). Para tanto adotamos o software BioStat (AIRES et al., 2007). TABELA 8: Teste “t” e taxa de incidência de furto/roubo em função do sistema de segurança. DADOS TAMANHO MÉDIA VARIANCIA T GRAU DE LIBERDADE p (unilateral) p (bilateral) Poder (0.05) Poder (0.01)

SEM SISTEMA COM SISTEMA 76 49 0.9868 0.3878 1.2932 0.3673 3.8265 119.42 0.0001 0.0002 0.9740 0.8959

Podemos concluir que o valor t (3.8265) é significativo, com p-valor menor que 0.05 (bilateral), à 119,42 graus de liberdade (3.8265 > 1.9740). O teste demonstra que há uma diferença significativa entre aqueles que possuem um sistema de segurança e aqueles que não o possuem. 4 CONCLUSÃO Os resultados da pesquisa revelam, de forma geral, que o emprego de sistema de segurança tem efeito sobre o cometimento de crimes patrimoniais. Nesse sentido, a pesquisa é conclusiva, mas representativa do fenômeno onde nos propusemos a analisar e no período de tempo entre maio de 2010 e maio de 2011. Especificamente, concluímos que o sistema de segurança pode ser eficaz se empregado de maneira conjugada, um sistema com outro. A vigilância humana em especial a vigilância armada revelouse mais eficaz. Por outro lado, o emprego apenas de câmeras de vigilância não se revelou inibitório da ação criminosa. Elas, na verdade, somente passam o sentimento de segurança aos clientes de um estabelecimento e parece mais eficaz na prevenção de “pequenos furtos” por parte de clientes numa relação de consumo. Outra 19


vulnerabilidade desse tipo de sistema é a dependência de fonte energia, no caso a elétrica, que na sua falta paralisa o sistema. O uso de porta-eletrônica é um anteparo eficaz, porém sua vulnerabilidade encontra-se no juízo que o sujeito tem de fazer das pessoas, além da questão da fonte de energia. É difícil julgar quem é criminoso ou não, o que pode dar ensejo a comportamentos discriminatórios e o mau juízo pode custar o patrimônio daquele que julga mal. Com relação à vigilância humana, muitos delitos, em especial os crimes de furto foram evitados pela presença de seguranças ou funcionários do estabelecimento. Vale destacar ainda a vigilância humana itinerante, chamada “ronda”, serviço que é pago por comerciantes e se revela eficaz na prevenção do crime, evidente, portanto, a solidariedade o que poderia ser estendido às relações de vizinhança, o que os americanos chamam de “neighborhood”. É importante que se diga que o emprego de armas de fogo no uso da segurança patrimonial e de pessoas tem de ser feito com cautela. A dinâmica da segurança armada depende de alguns fatores tais como o preparo psicológico, a índole moral e o preparo técnico para manuseio da arma. A maior suscetibilidade na adoção da vigilância humana é sem dúvida o critério da confiança. As relações pessoais podem ser determinantes na segurança material e humana, pois ao menor sinal de desconfiança o sujeito pode ser vítima do próprio sistema. Isto ficou mais evidente com relação aos funcionários do estabelecimento. Outro aspecto importante da pesquisa é a crença das pessoas no sistema de segurança pública, pois apesar das críticas feitas com relação a ela, as pessoas não são tão céticas. Ele é necessário e deve funcionar por constituir um dever do Estado e direito de todos para a segurança e defesa social. O objeto da pesquisa focalizou os delitos patrimoniais de furto e roubo apenas, o que não se aplica a outros delitos cujos motivos são diversificados. Os delitos patrimoniais devem ser levados em consideração porquanto o infrator analisa o ambiente em que ele pode atuar, os ganhos que ele pode tirar do crime e o menor risco que ele poderá sofrer, corroborando a teoria de Clarke e Mayhew já citada. De outro lado, o comportamento do criminoso também leva em consideração o

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grau de proteção da vítima, e de atração patrimonial, conforme a teoria situacional do crime de Cohen e Felson. Acreditamos que as pessoas podem adotar diversos tipos de sistema de segurança para resguardar seus bens e sua integridade física. Os meios que tentam reduzir a criminalidade patrimonial podem funcionar quando se tem em mente a proteção específica de algo. Por fim, as possibilidades de prevenção sugerem a adoção de mais de um tipo de sistema de proteção, principalmente quando combinado com a vigilância humana. Assim, o grau de vitimização aumenta para aqueles que não possuem um sistema de proteção patrimonial, para aqueles que preferem adotar apenas um sistema de proteção ou optar por um recurso não humano de segurança. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AYRES, Manoel (cood.). Bioestat: aplicações estatísticas nas áreas das ciências bio-médicas. Belém: IDCM/MCT/CNPq, 2007. CLARKE R. V. G, MAYHEW P. Designing out crime. London: HMSO, 1980. KILLIAS, Martin. Précis de criminologie, 2 ed., Bern: Stæmpfli, 2001. KILLIAS, Martin, HASS Henriette. Les armes à feu: combien en possèdent, quels risques ? Crimiscope (16 & 17), 11, 2001.

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SISTEMA PENAL BRASILEIRO: O sistema penal está cumprindo o seu papel? Luiz Nestor Sodré da Silveira FIBRA RESUMO: Cotidianamente nos deparamos com informações que devassam uma realidade no mínimo desconcertante em relação ao sistema prisional brasileiro. Percebe-se que mesmo presos, apenados ainda continuam gerenciando seus negócios e até mesmo ordenando assassinatos. Conseguem essas proezas com a ajuda da tecnologia, pois organizam rebeliões por meio de telefones celulares que chegaram até suas mãos por escusos. As prisões transformaram-se em escritórios do crime, fato que vai totalmente de encontro com a razão de existir das penas, o que nos remete a uma posição de ceticismo em relação à efetividade do sistema penal no combate à violência, pois os principais objetivos do referido sistema não estão sendo alcançados, sobretudo, a função de reintegração social e reeducação do apenado. PALAVRAS-CHAVE: Reintegração social.

Sistema

penal;

Rebeliões;

Prisões;

INTRODUÇÃO Para o senso comum, as prisões são uma forma de afastar do convívio social a violência crescente do nosso cotidiano. Contudo, nada poderia estar mais distante disso, pois o sistema prisional brasileiro tem trazido altos custos para toda a sociedade, custos diretos e indiretos. Em relação aos custos diretos é espantoso verificar que para se criar uma vaga no sistema penitenciário federal o custo médio é de R$ 120.000,004 e para se manter um preso no estado, o custo para o

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De acordo com o DEPEN/MJ (Departamento penitenciário nacional/ Ministério da justiça) um presídio do sistema penitenciário nacional, que oferece 208 vagas, é orçado em 25.000.000,00. Sendo assim o custo de cada vaga é de 120.000 reais.

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contribuinte é entre R$ 700,00 a R$ 2.000,005 por mês. Esse número é quatro vezes maior no âmbito federal. Para se ter uma idéia mais geral, existe uma previsão de que no qüinqüênio (2008-2012) o custo mínimo para a manutenção da população carcerária brasileira será da ordem de R$5.259.097.200,006 (cinco bilhões duzentos e cinquenta e nove milhões noventa e sete mil e duzentos reais). Quanto aos custos indiretos, esses são muito mais alarmantes, primeiro, porque apesar das prisões serem classificadas como instituições fechadas circulam por elas muitos que são de fora do sistema, como visitas, policiais, funcionários, advogados etc. Esses que por vários motivos frequentam as prisões, muitas vezes tornamse responsáveis pela proliferação de doenças como tuberculose e “AIDS” para pessoas de fora do presídio, ou seja, existem pessoas que contraem doenças oriundas das prisões mesmo não pertencendo ao cotidiano das casas penais, gerando, portanto, custos indiretos. Essa é apenas uma face de uma verdade inconveniente, a de que os problemas carcerários não estão isolados dentro dos muros das instituições prisionais. Existe um pensamento corrente de que se pode parar a ação criminosa e violenta simplesmente colocando os autores dos fatos trancafiados atrás das grades. Porém, isso é apenas um mito em que acreditamos, é mais um equívoco, não é real. Prova irrefutável dessa afirmação foi a violência demonstrada pelo PCC (Primeiro comando da capital) em maio de 2006, quando o Brasil e o mundo, assistiu o estado de São Paulo como refém da violência pela violência. O PCC coordenou 82 instituições carcerárias em todo estado e em estados vizinhos, os ataques tinham como objetivos alvos da justiça criminal e da economia da cidade. Em uma semana a contagem dos mortos chegava a 170, mas, ainda não era o fim. Os apenados coordenaram de dentro das casas penais, a morte de 23 policiais militares, 7 policiais civis, 3 guardas civis, 8 agentes penitenciários, 4 civis e até bombeiros militares, sem falar na morte de outros apenados dentro das instituições carcerárias. Ocorreram cerca de 300 ataques á propriedade – inclusive a residência de 56 policiais – 17 instituições 5

Segundo o DEPEN/MJ o gasto anual com o sistema penitenciário ficou na ordem de 4.442.318.400.00 (Quatro bilhões, quatrocentos e quarenta e dois milhões, trezentos e dezoito mil e quatrocentos reais). 6 Aqui existe uma imprecisão nos dados fornecidos pelo DEPEN/MJ, isso porque não se levaram em consideração, os apenados que estão recolhidos no regime semi-aberto e abertos.

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bancárias e caixas 24 horas, uma garagem de ônibus e uma estação de metrô, cerca de 82 ônibus foram incendiados e finalmente no dia 15 de maio de 2006 São Paulo parou. As pessoas ficaram “presas em suas casas” com medo dos rumores de que um grande arrastão iria acontecer e de um toque de recolher. Tudo isso foi – voltamos a enfatizar - coordenado de dentro das penitenciárias, um fato que sem dúvida deixou muito clara a realidade do sistema carcerário brasileiro e nos mostrou a desconcertante verdade sobre quem está de fato, sofrendo punições. No dia 23/05/2006 o comentarista Arnaldo Jabor expõe mais uma de suas crônicas na rádio CBN, ele fala na rádio como se fosse o Marcola (Marcos Camacho o então líder do PCC) em meio a sua crônica ele fala como se estivesse respondendo a seguinte pergunta: “Você tem medo de morrer?” A resposta foi: “Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não podem entrar e me matar... Mas eu posso mandar matar vocês lá fora(...)7”

Esta resposta fictícia resume exatamente a realidade atual do sistema prisional brasileiro, pois, os apenados não estão desimpedidos de continuarem no controle de seus negócios ilícitos e podem de fato, ordenar até mesmo a execução de pessoas que estão do lado de fora dos muros dos presídios. ALGUMAS CAUSAS Esses fatos demonstram que o sistema prisional brasileiro não é totalmente competente no sentido de reduzir a violência e a criminalidade, bem como o de garantir a segurança dos cidadãos brasileiros. Na verdade o sistema tem feito exatamente o contrário do que se propõe a fazer. Essa situação é resultado de décadas de crescimento da população carcerária, da perda de controle das instituições penais por parte das autoridades públicas e a falta de políticas públicas coerentes que alcance uma efetividade satisfatória. 7

Essa crônica de Arnaldo Jabor, intitulada “Marcola, um sinal dos novos tempos”, pode ser ouvida na integra no site: www.cbn.com.br.

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A superlotação nas prisões e as condições a que são submetidos os detentos são na maioria dos casos degradantes e esse fato, aliado a falta de controle do estado, fazem com que os presos se rebelem. O artigo 5º da constituição federal, inciso XLVIII e XLVIX, diz que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”

Porém percebemos que existe um Brasil legal e um Brasil real. O Brasil legal é aquele formado por leis que são exemplares e servem até de modelo para outras nações, como no caso da nossa constituição. Mas no Brasil real a coisa funciona diferente, pois, as leis existentes não são colocadas em prática e mesmo que a constituição federal ordene e o código processual penal regularize que a pena seja cumprida em estabelecimentos distintos e de acordo com a natureza do delito, isso não é cumprido. O resultado da não observância desse ordenamento da lei aliado a superlotação das instituições penais torna mais acessível à comunicação entre “veteranos” e “novatos” e consequentimente torna possível o recrutamento de pessoas pelos grupos criminosos organizados dentro das prisões como o PCC, CV (comando vermelho), ADA (amigos dos amigos) e IDI (inimigos dos inimigos). Pois, todos os anos são muitas as ofertas de novos apenados que são misturados aos antigos no crime. Ao tentar isolar os líderes das maiores facções o que as autoridades têm conseguido é a disseminação da organização ao qual pertencem. No presídio de Cândido Mendes, na Ilha grande no estado do Rio de janeiro, em 1979, presos comuns foram trancafiados juntamente com presos militantes partidários que lutavam contra o governo. Fato é, que do diálogo entre esses apenados surgiu a Falange vermelha, que depois veio a ser conhecida como o comando vermelho, cujo lema era “Paz, justiça e liberdade”. Já o PCC surgiu em 1993 em um anexo da casa de custódia de Tabuaté, estado de São Paulo. Seus líderes diziam que havia sido criada para combater a 25


opressão dentro do sistema prisional paulista e também para vingar a morte dos 111 presos, em 2 de outubro de 1992, no episódio que ficou conhecido como "massacre do Carandiru". O poder do PCC foi colocado em prática na já citada rebelião de maio de 2006 quando coordenou a ação nas prisões do Mato grosso de sul e Paraná. Nessas condições torna-se perfeitamente possível agregar indivíduos que são capazes de responder violentamente contra as autoridades legais constituídas, o que caracteriza a existência de um estado paralelo gerado pelo estado legítimo de direito. O PCC se organizou de tal modo que conseguiu produzir, inclusive, o seu estatuto, cujo texto deixa claro que a organização foi idealizada com status de partido político. "O partido não admite mentiras, traição, inveja, cobiça, calúnia, egoísmo, interesse pessoal, mas sim: a verdade, a fidelidade, hombridade, solidariedade e o interesse comum ao bem de todos, porque somos um por todos e todos por um".

A história do PCC é uma das consequências de um sistema prisional precário. O problema da superlotação aliado a falta de recursos humanos geram um imenso problema estrutural. Os presos acabam cumprindo suas sentenças em lugares inadequados como seccionais e delegacias. Nessas carceragens o máximo que ele pode ficar preso é uma semana, porém alguns cumprem a pena inteira, e há ainda outros que cumprem pena sem sequer passar por um julgamento. Isso sem falar no abuso de poder que esses ambientes proporcionam, pois funcionários pertencentes a segurança pública, bem como outros agentes, ao serem confrontados constantemente com ameaças de fuga e rebeliões recorrem a aplicação de castigos violentos na tentativa de manter o controle da situação dentro das precárias instituições prisionais. Esses agentes trabalham 24 horas corridas e folgam 72 horas, possuem baixos salários, trabalham em condições físicas precárias e sob o constante medo da violência. Somente para se ter uma idéia mais exata do problema, desde o começo de 2006, o PCC comandou dúzias de rebeliões e cerca de 26


460 desses funcionários foram feitos reféns. Esses fatos os levam a um índice elevado de abuso do álcool, drogas e problemas de saúde mental e para isso os agentes não recebem nenhum tipo de apoio. Eles freqüentemente trabalham em mais de um emprego, os chamados “bicos” que os deixa cansados e estressados, o que contribui para a violência deses agentes contra os apenados. Além disso, ao observarmos essas condições, percebemos que não é surpreendente que esses agentes entrem no “jogo” da corrupção. Convém dizer que, como observamos, essas associações e sindicatos do crime – assim como muitos processos políticos que causaram vergonha para toda a humanidade – nasceram sob o discurso da igualdade e justiça e depois se tornaram verdadeiras instituições econômicas ilícitas cujos ganhos mais significativos se obtém com o comércio criminoso de armas e drogas. A superlotação tornou a comunicação desses grupos ainda mais eficiente, porém, o problema da superlotação acarreta outras complicações. Apenas para termos idéia da dimensão do que representa o problema da superlotação, é importante informar que no final de 1997 houve um senso penitenciário nacional que foi realizado pelo conselho de política criminal e penitenciária do ministério da justiça, esse senso revelou que tínhamos uma população prisional de 170.000 presos que estavam distribuídos em 80.000 vagas, ou seja, o déficit era de 90.000 vagas. E isso sem falar nos 200.000 mandados de prisão a ser cumpridos. Em 2007, dez anos depois, o departamento penitenciário nacional elaborou um novo senso que alcançou grande parte das instituições carcerárias no Brasil, os números desse novo senso ao ser comparado com o senso de 1997 representam um crescimento marcante da população carcerária brasileira. Os números do novo senso estão apresentados na tabela abaixo: Estado

Quant. de Instituições prisionais

População carcerária

Vagas

Déficit de Vagas

Acre

13

2403

1435

968

Alagoas

8

1790

1511

279

Amapá

6

1870

852

1018

Amazonas

17

3620

2297

1323

Bahia

21

13919

7104

6815

27


Ceará

144

12186

8089

4097

Distrito federal

6

7848

5935

1913

Espírito Santo

18

8658

4464

4194

Goiás

67

9624

5328

4296

Maranhão

12

5300

1716

3584

Mato Grosso

63

9242

4827

4415

Mato G. do Sul

36

10863

4354

6509

Minas Gerais

47

37354

16621

20733

Pará

37

8734

6022

2712

Paraíba

82

8104

5061

3043

Paraná

23

28852

11675

17177

Pernambuco

85

18836

8298

10538

Piauí

14

2634

2105

529

Rio de Janeiro

44

26523

23162

3361

13

2976

2232

744

92

25602

13526

12076

Rondônia

37

5141

2575

2566

Roraima

5

1301

502

799

Santa Catarina

35

10915

11226

311

São Paulo

143

153056

95585

57471

Sergipe

7

3090

1385

1705

20

1932

1628

304

Rio grande do Norte Rio Grande do Sul

Tocantins

Fonte: Departamento Penitenciário Nacional, 2007

De acordo com os dados da tabela apresentada, temos 1095 estabelecimentos prisionais com 422.373 apenados, o que revela um déficit de 173.480 vagas. É exatamente por isso que novas políticas públicas – ineficazes para a maioria das pessoas – são elaboradas, como no caso da lei 12.403/2011, que foi sancionada pela presidente Dilma Roussef e pelo Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo no dia 04/05/2011 e entrará em vigor à partir do dia 05/07/2011, alterando dispositivos do código de processo penal, principalmente os relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória e medidas cautelares. 28


Em suma, à partir do dia 05/07/2011, a prisão em flagrante e a prisão preventiva só ocorrerão em casos excepcionais, pois, serão substituídas por 9 medidas cautelares. Essa mesma lei estendeu o pagamento de fiança para crimes punidos com até 4 anos de prisão. Isso significa que crimes como homicídio simples, roubo à mão armada, lesão corporal de natureza gravíssima, porte ilegal de arma de fogo, desvio de dinheiro público, disparo de arma de fogo, furto simples, receptação, apropriação indébita, homicídio culposo no trânsito, cárcere privado, corrupção de menores, formação de quadrilha, contrabando, armazenamento e transmissão de foto pornográfica de criança, assédio de criança para fins libidinosos, destruição de bem público, comercialização de produto agrotóxico sem origem, emissão de duplicada falsa entre outros crimes, poderão usufruir de uma das 9 medidas cautelares, ou ainda, pagar fiança – com exceção dos reincidentes - e por isso não sofrerão prisão preventiva nem tampouco prisão em flagrante. Com isso muitos terão a infelicidade de ver seus algozes livres, mesmo depois de terem sido apresentados nas delegacias e seccionais após terem praticados crimes que outrora os manteriam presos. Politicamente o que observamos é uma dicotomia gerada pela superlotação. De um lado a produção de leis ponderáveis em relação a sua efetividade, de outro a inércia dos governantes em tratar de assuntos tão melindrosos. A questão da maioridade penal e os crimes de trânsito, são dois desses assuntos. Ou seja, se o déficit de vagas do sistema prisional já é da ordem de mais de 173.000 vagas é melhor não mexer com isso, pois, seriam produzidas leis que somente aumentaria o déficit de vagas no sistema. É óbvio que essas explicações não são dadas ao público, sobretudo porque não estão atentos para esse tipo de assunto. Afinal, a televisão e a mídia e o governo, não têm nenhum interesse em produzir uma sociedade esclarecida. È melhor que não tenham lucidez suficiente para perceber que é um mito a crença de que podemos isolar o crime e a violência atrás das grades e que de lá não poderão mais nos atingir. CONSIDERAÇÕES FINAIS O sistema prisional brasileiro não consegue cumprir com nenhum dos seus objetivos principais à saber, proteger o cidadão

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incapacitando os criminosos, punir os que praticam crimes e contravenções e reabilitá-los ao convívio social. O alto número de fugas em unidades do sistema prisional e a habilidade dos líderes de facções criminosas de prosseguirem seus exercícios criminais mesmo estando atrás das grades, recrutando novos membros e usando da economia interna da prisão em vantagem própria, deixa claro que o sistema falha em exercer sua primeira função de incapacitar a ação criminosa. Os indultos que são oferecidos durante o ano no dia das mães, no natal e em outras datas comemorativas parecem uma ação política para esvaziar mais os presídios e não são poucos os casos onde os beneficiados pelo indulto cometem crimes em sua curta estadia longe do sistema ou não voltam para se apresentar na data prevista. Atualmente, por não haver separação entre apenados de baixa periculosidade e os de alta periculosidade, a superlotação a falta de investimento do governo no sistema prisional, a corrupção dos agentes públicos e advogados, entre outros fatos, tem colaborado para que o sistema penal não consiga alcançar o caráter ressociador da pena. Para tentar alcançar esse objetivo teria de haver, inclusive, uma nova gestão penitenciária, pois, esse objetivo requer uma série de novos atores, como assistentes sociais, pedagogos, psicólogos, médicos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais, promotores, juízes comprometidos com as novas demandas e complexidades e as novas exigências do sistema penal. Note que as ações que as novas demandas exigem, está embasada no caráter preventivo, ou seja, prevenir que o apenado continue a delinqüir durante e depois de ter passado pelo sistema penal. Essas ações encontram grande resistência por parte da própria população, pois, muitas delas são interpretadas como impunidade. O próprio fato de haver, por exemplo, um assistente social e um psicólogo para atender o apenado, ou mesmo a existência de penas alternativas, que são admitidas no Brasil desde 1984, são motivos para que a população se sinta revoltada. Na verdade o que existe é um sentimento de vingança em relação ao preso e apenas a prestação de serviço comunitário ou a doação de sextas básicas chega a ser interpretado pelo senso comum como um ultraje promovido pelo direito. Nos EUA e na Europa a opinião dominante é que o aprisionamento seja o último recurso e reservado para criminosos violentos como os que cometeram crimes 30


sexuais e os que persistentemente reincidem. No Brasil esse processo já está ocorrendo, mas de forma lenta. Um exemplo disso é a sugestão de que o usuário de drogas, diferente do traficante, deva ser tratado em cortes especializadas e receber suporte e tratamento. A comissão nacional de apoio às penas de medidas alternativas (CANAPA) aponta que a taxa de reincidência de penas alternativas e de apenas 2%. De acordo com o ministério da justiça o custo para se manter um criminoso em detenção é de 800 reais, esse valor é reduzido para 70 reais ao mantê-lo em um programa de pena alternativa. Em relação à política as respostas governamentais são inadequadas e lentas, esse é o resultado de décadas de negligência da administração federal onde as reformas no setor de justiça tem tido pouca prioridade a bastante tempo. Os investimentos federais têm sido durante anos muito baixos, gerando como conseqüência o enfraquecimento do departamento penitenciário federal. Um sistema prisional crescente não é a solução mais adequada a realidade brasileira em seu cotidiano de crime e violência. O que o Brasil precisa é de reformas em diferentes setores, começando pelo código penal e processual penal, mas não da maneira como tem sido feita, é necessário haver um processo de debate público, ou seja, a participação das esferas públicas de poder e da sociedade o que poderia ser viável através de conferências em níveis federal, estadual e municipal. Acredito que somente reformas por reformas não geram muitas ações positivas, mas quando essas reformas trazem também conscientização, elas têm o poder de transformar focos e visões, ou melhor, geram um censo crítico apurado, pois a instrumentalização da participação de todos os segmentos da sociedade faz com que se veja o óbvio. Somente assim o sistema prisional deixa de ser visto somente como depósito de criminosos e passa a ser visto como um conjunto de respostas possíveis a criminalidade e como um sistema que pode ser usado com maior efetividade contra o crime. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GIDDENS, Anthony. Sociologia. Tradução Sandra Regina. Editora Netz. 4ª edição. Porto Alegre.2005.

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LEGRAND. A utopia do Brasil. Belo Horizonte. Soler editora.2004. LIMA, Renato Sérgio de; PAULA, Liana de (organizadores); Segurança pública e violência: o Estado está cumprindo seu papel?/ - São Paulo: contexto, 2006. MILIBAND, Ralph. Socialismo e ceticismo. Tradução, Ivone Castilho. Bauru, SP. Editora UNESP. 2000. PEDROSO, Regina Célia. Violência e cidadania no Brasil, 500 anos de exclusão. 2ª edição. Rio de Janeiro. Editora Ática. 2000. SOUZA, Percival de. O sindicato do crime. São Paulo. Ediouro. 2006. HOBSBAWM, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. Tradução, José Viegas. São Paulo. Companhia das letras, 2007 SITES http://www.gtop21.com.br/?p=2786 http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJC4D50EDBPTBRNN.htm http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/arnaldojabor/2006/05/23/MARCOLA-UM-SINAL-DOS-NOVOSTEMPOS.htm http://pt.shvoong.com/law-and-politics/politics/1908922-sistemaprisional-brasileiro/ http://www.webartigos.com/articles/64649/1/A-CRIMINALIDADEE-O-SISTEMA-PENAL-BRASILEIRO-EM-FACE-DOSDIREITOS-FUNDAME http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u121460.shtml http://www.pc.ro.gov.br/portal/index.php/component/content/article/ 4-institucional/280-lei-124032011-que-altera-o-cpp.html http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2004/traficonorio/faccoe s.shtml 32


ATUAÇÃO DO PROFISSIONAL DE SERVIÇO SOCIAL JUNTO ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL Paulo Sérgio Paes dos Santos FIBRA RESUMO: Na perspectiva de contribuir de maneira eficaz aos atendimentos realizados pelo profissional de Serviço Social do Município de Castanhal, do Estado do Pará às crianças e adolescente vítimas de abuso sexual, é de extrema relevância por em questão os diversos aspectos que facilitarão o elo entre o indivíduo (usuário) e o profissional, através do acolhimento, assim como dos instrumentais necessários para uma melhor aproximação. Com isto, a pesquisa ora abordada tratará a importância deste profissional junto a esta demanda, no objetivo de contribuir tanto ao usuário que teve seus direitos violados, ou seja, abusados sexualmente, assim como de seus familiares. Para explanar o assunto, serão abordadas questões como a evolução psicossocial da criança e do adolescente, levantamento quantiqualitativo das crianças e adolescentes em situação de abuso sexual no Município de Castanhal, Sistema de Garantia de Direitos a esta demanda e o profissional de Serviço Social como intermediador desta questão social no intuito de minimizar as mazelas observadas. Para finalizar, será questionado se a intervenção do profissional de Serviço Social obteve êxito no que se refere à (re) construção sociofamiliar do usuário em questão. PALAVRAS-CHAVE: Abuso sexual; Criança e adolescente; Profissional de Serviço Social.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS O artigo apresentado tem por finalidade explanar a importância do Profissional de Serviço Social diante das intervenções realizadas às crianças e adolescentes em situação de violação de direitos, especificamente no abuso sexual a esta demanda no Município de Castanhal, Estado do Pará.

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Cabe ressaltar que a violência é bastante intrigante em seu âmbito teórico, visto que seu conceito se apresenta por diversas vertentes como: agressões físicas, psicológicas, emocionais, dentre outras, as quais se caracterizam por meio da relação de poder imposta pelo agressor à vítima, discernindo o dominador do dominado, onde estudar a violência requer levantar questionamentos para a interpretação de tal questão social, na perspectiva de atribuir conceitos preestabelecidos à sociedade contemporânea, assim como os atores responsáveis pelo ato. Portanto, estudar a violência em seu âmbito geral é de extrema relevância na contribuição para uma sociedade fortalecida e capaz de questionar possíveis variáveis conceituais no que se refere violência propriamente dita. A violência é fenômeno embrenhado em processos sociais de cada grupo ou classe, marcada por valores, ritmos, atitudes próprias e culturais, ou seja, deve-se entender o fenômeno de acordo com as construções históricas que cada sociedade possui. Por ser um fenômeno complexo, afeta as mais diversas dimensões da sociedade, muitas vezes de maneira contraditória, múltipla, pois se realiza em grande parte, em um campo invisível, de difícil detecção, o campo simbólico, ou seja, a fabricação de crenças no processo de socialização, que induzem o indivíduo a se enxergar e a avaliar o mundo de acordo com critérios e padrões definidos por alguém. Trata-se da construção de crenças coletivas e faz parte do discurso dominante. Seguindo esta linha de pensamento, o referido artigo terá por finalidade focar a violência sexual à crianças e adolescentes no Município de Castanhal, assim como o papel do profissional de Serviço Social junto a esta demanda, percorrendo pelo Sistema de Garantia de Direitos inerentes na construção social, familiar e psicológica do indivíduo violentado sexualmente, assim como de seus familiares. Embasado neste questionamento, abordará o papel do Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS), instituição responsável pelos atendimentos voltados a esta demanda, especificando a importância do PAEFI – Programa de Atendimento Especializado a Crianças e Indivíduos, que tem o objetivo atribuir de maneira ética atendimentos psicossociais, jurídico e pedagógico a todos os usuários em situação de violação de direitos.

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Aprofundando tal tema, será esboçada a importância do assistente social junto aos usuários em situação de violência sexual, assim como seus familiares na importância do referido profissional de Serviço Social na construção de uma vida mais digna e de qualidade ao indivíduo pesquisado. Portanto, o enfoque desta produção será a violência sexual, no qual entendemos ser um contexto que envolve a criança/adolescente e se torna ainda mais pertinente, pois esse público possui características físicas, psicológicas e comportamentais específicas de sua idade, não comportando, portanto, a prática sexual. 1 CRIANÇA E O ADOLESCENTE E A PRÁTICA DA VIOLÊNCIA SEXUAL Nos dias atuais a concepção de criança e adolescente se configura através de processos tanto social quanto psicológico, como uma transformação de pensamentos e ideologias. Por consequência, alguns autores retratam essas mudanças comportamentais a partir de conceitos teóricos que auxiliam na percepção destes comportamentos. Em 13 de julho de 1990, foi consolidado pela Presidência da República do Brasil o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, na perspectiva de sancionar leis que visam à proteção integral da criança e do adolescente. Partindo dos pressupostos desta lei que vigora até os dias atuais. Considerase criança, o cidadão até doze anos incompletos, e adolescentes aqueles entre doze e dezoito anos de idade, conforme Art. 2º do presente instrumento.

Analisando este conceito, pode-se definir criança e adolescente a partir de um ponto de vista sócio-histórico, o ambiente o qual está inserida, diante do seu desenvolvimento. A criança e o adolescente se diferenciam do adulto, principalmente por estar inserida em um processo de desenvolvimento psicossocial, seja pela condição física (seu corpo

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ainda está em desenvolvimento) ou psíquica (possui uma mentalidade que não a faz ter entendimento sobre determinadas atitudes). Provocar esta ação significa confundir determinados conceitos na mentalidade destes usuários. O que para ele seria uma demonstração de afeto pode se tornar uma aflição. O sujeito abusado sexualmente, outra determinação para violência sexual, perde a noção de seus sentimentos, passando a ter sensações ambíguas, tais como ódio/amor, medo/prazer, consentimento/negação. Faleiros (2000, p. 9-10) faz uma colocação importante ao afirmar que “conceituar a violência sexual contra crianças e adolescentes implica compreender a natureza do processo de seu caráter sexual”. Ainda seguindo conceitos de Faleiros (2000), a violência sexual: • deturpa as relações socioafetivas e culturais entre adultos e crianças/adolescentes ao transformá-las em relações genitalizadas, erotizadas, comerciais, violentas e criminosas; • confunde, nas crianças e adolescentes violentados, a representação social dos papéis dos adultos, descaracterizando as representações sociais de pai, irmão, avô, tio, professor, religioso, profissional, empregador, quando violentadores sexuais; o que implica a perda de legitimidade e da autoridade do adulto e de seus papéis e funções sociais (FALEIROS, 2000, p.9-10).

Em uma visão psicologista Alves (1999) retrata que o abuso vem modificar o conceito que a criança tem de si, promovendo um desajuste na formação de sua personalidade e levando a uma falta de mobilidade no conceito de “eu”, o que impede o processo de crescimento e auto-realização, levando-a a uma incongruência entre o conceito do “eu” e a realidade experenciada” (ALVES, 1999, p.48).

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Para Hazeu (2004) o abuso sexual pode ocorrer de duas formas, com contato físico e sem contato físico. O primeiro consiste na invasão do corpo da criança ou do adolescente, penetrando sua intimidade e seu autodomínio. O segundo diz respeito a estímulos visuais, tais como exibição de fotografias, imagens ou cenas pornográfico-eróticas (via meios de comunicação ou ao vivo); ou apesentar-se como forma de fantasia ou fetiche do abusador, conforme Vasques (2005). Parafraseando Hazeu (2004) o abuso pode ocorrer através de duas condições à criança/adolescente ao sofrer o ato cometido por estranhos, conhecidos ou familiares. Estes, respectivamente, são denominados abuso sexual extrafamiliar e intrafamiliar. Identificar essas nuanças significa estabelecer importantes parâmetros para a elaboração de prevenção e formas de atendimento. As marcas deste ato podem ser verificadas de acordo com Vasques (2005) apud Hazeu (2000) o qual retrata alguns dos sintomas frequentes diante da violência sexual à criança e o adolescente, tais como: 1 Sintoma aparente de ordem clínica, mas que na verdade são"de origens psicológicas e emocionais, como: dor de cabeça, vômitos e dificuldades digestivas; 2 Dor, inchaço, lesões ou sangramento nas áreas da vagina ou ânus, que pode levar às dificuldades para andar ou sentar; 3 Mudanças de humor repentinas, oscilando comportamentos extrovertidos e retraídos; 4 Repulsa diante de contato físico; 5 Vergonha excessiva e medo de trocar de roupa na presença de outra pessoa; 6 Masturbar-se compulsoriamente 7 Baixo rendimento escolar, decorrente da falta de concentração e da falta de participação nas atividades; Tristeza e abatimento (VASQUES, 2005, p. 11 apud HAZEU, 2000, p.35)

Regulamentando os direitos a crianças e adolescentes, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA dispõe em seu artigo 18 que “é dever de todos zelar pela dignidade da criança e do 37


adolescente, podendo a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”. Conforme Faleiros (1997), a lei deve criminalizar as agressões, os assédios, os abusos, a exploração e criar mecanismos para que sejam responsabilizados os pais, padrastos e agentes do Estado, no exercício ou não de suas funções que venham a praticar essas violações (FALEIROS, 1997,p.7).

Apesar de todos esses direitos assegurados às crianças e adolescentes brasileiros, o que se verifica na realidade é uma gama de agressões a esses assegurados, o que entendemos ser esta problemática construída não somente no campo jurídico do contexto, e sim por diversas outras articulações que as compõem, como instituições responsáveis pelo enfrentamento, o governo, os profissionais que atuam neste campo e outros componentes que possam contribuir para dinâmica em questão. 2 O CREAS COMO INSTITUIÇÃO VOLTADA PARA ATENDER CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL Na perspectiva de contribuir de forma responsável as atribuições inerentes à violação de direitos à criança e adolescentes, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) atribui para a efetivação de atendimentos especializados o Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS), o qual tem como objetivo principal a oferta de serviços especializados às famílias e indivíduos em situação de ameaça ou violação de direitos, dentre essas apresenta-se os cumprimentos de medidas socioeducativas, violências físicas, psicológicas e sexuais, e todo e qualquer situação de negligência ou maus-tratos. O CREAS configura-se como uma unidade de cunho pública e estatal tendo como parâmetros norteadores o fortalecimento dos vínculos familiares e sociais, assim como a efetivação dos direitos sociais junto às redes de serviços socioassistenciais, o combate a qualquer situação de preconceitos, a prevenção do abandono e de 38


maus-tratos, na proteção social imediata e o atendimento interdisciplinar no que vigora a integridade física, mental e social do indivíduo e de seus familiares. Conforme a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (2009), o CREAS, o qual está vinculado à Proteção Social de Média Complexidade, ou seja, “tem um caráter preventivo, [...] atua com natureza protetiva. São ações que requerem o acompanhamento familiar e individual e maior flexibilidade nas soluções”8, atribuí programas específicos para cada situação vivenciada de violação de diretos, destacando-se os seguintes: 1) Programa de Abordagem Social; 2) Serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); dentre os programas discriminados, este artigo dará foco ao 3) Programa de Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI), onde este último tem como objetivo o apoio, orientação e acompanhamento a famílias com um ou mais de seus membros em situação de ameaça ou violação de direitos. Compreende atenções e orientações direcionadas para a promoção de direitos, a preservação e o fortalecimento de vínculos familiares, comunitários e sociais e para o fortalecimento da função protetiva das famílias diante do conjunto de condições que as vulnerabilizam e/ou as submetem a situações de risco pessoal e social. O atendimento fundamenta-se no respeito à heterogeneidade, potencialidades, valores, crenças e identidades das famílias. O serviço articula-se com as atividades e atenções prestadas às famílias nos demais serviços socioassistenciais, nas diversas políticas públicas e com os demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos. Deve garantir atendimento imediato e providências necessárias para a inclusão da família e seus membros em serviços socioassistenciais 8 Disponível em: http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/protecaoespecial. Acesso em 14/07/2011.

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e/ou em programas de transferência de renda, de forma a qualificar a intervenção e restaurar o direito (Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, 2009, p. 19).

Portanto, nota-se que o aumento das violações de direitos inerentes ao indivíduo se apresente cada vez mais crescente, e por meio do apoio e mobilização do governo e de toda sociedade civil organizada e empenhada no combate a esta violação, assim como profissionais capacitados a contribuir de forma efetiva, poderá garantir maiores condições de vida a esta classe desprovida de seus direitos mínimos e constitucionais, buscando assegurar a proteção imediata e atendimento psicossocial a todos os indivíduos vítimas de quaisquer violências, assim como seus familiares. 3 PAEFI COMO PROGRAMA TRANSFORMADOR DE VIDAS O Programa de Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos – PAEFI, foi regulamentado por meio da Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais em 2009, que veio substituir o antigo Programa Sentinela, este vinculado ao Governo Federal, o qual teve como prioridade o atendimento à criança e adolescente em situação de violência sexual, determinado pela Constituição Federal de 1988, Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), fazendo parte do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Atualmente, o PAEFI atende não apenas situação de violência sexual, mas no que se refere à situação de maus-tratos, negligência e violências física e psicológica a todo e qualquer cidadão. Com o programa instalado e os atendimentos realizados, o objetivo é de proporcionar aos indivíduos a diminuição das violações dos direitos socioassistenciais e seus agravamentos ou reincidência, ou seja, tem como finalidade a “recuperação” deste usuário diante da problematização que está inserido; além disto, realiza orientação e proteção social a famílias e aos indivíduos. Conforme o ECA, disposto em seu Art. 4º:

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É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à "profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Portanto, a rede de serviços tem papel importante na ressignificação dos indivíduos e seus familiares, pois como regularizado pelo ECA, o governo tem o papel de promulgar qualidade de vida a sociedade, por meio de atendimentos especializados, cursos profissionalizantes, palestras educativas, escolarização, dentre outros. Neste sentido, o PAEFI trás não apenas atendimentos qualificados, também possibilidades de socialização e de qualidade para sobrevivência, garantindo, com absoluta prioridade os direitos fundamentais inerentes à criança, adolescente e seus familiares. A família também tem sua parte na construção de um indivíduo mais regenerado. Observa-se que o indivíduo violentado necessita de carinho, atenção e proteção, não apenas do governo, mas da família que se constitui o parâmetro básico de confiabilidade, pois a família é representada como: [...] unidade básica da sociedade, instrumento essencial de preservação, transmissão de valores culturais, instituição que educa de forma efetiva o homem e merece uma atenção especial de ação. A família, assim, tem responsabilidades, conforme a declaração universal dos direitos do homem e acordos e convenções das nações unidas. (KALOUSTIAN, 1994, p. 78).

Com isto é de extrema relevância a participação da família nesse contexto, no objetivo de conhecer suas potencialidades e limites para a compreensão e efetivação de direitos. E para mobilizar a família, a realização de palestras educativas e dinâmicas, mediante vídeos informativos sobre direitos humanos, são de extrema 41


importância na transmissão da essencialidade destes para a formação social e psicológica dos indivíduos em situação de violência sexual. Pode-se ressaltar que o programa também atribui condições específicas no que diz respeito à identificação de situações de violação de direitos socioassistenciais, propiciando, desta forma aos usuários, condições de serem multiplicadores de conhecimentos, auxiliando tanto no trabalho dos profissionais especializados, quanto na melhoria da qualidade de vida das famílias. 4 O PAPEL DO ASSISTENTE SOCIAL COMO INTERMEDIADOR PARA A CONSTRUÇÃO DE NOVOS PARADIGMAS À CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA SEXUAL Para que seja realizada a execução dos atendimentos voltados aos indivíduos que foram abusados sexualmente, assim como seus familiares, é essencial a participação de atores que propiciem parâmetros de ação que culmine na orientação e auxílio a estes usuários. Esses atores são os profissionais inseridos nessa realidade, sendo estes psicólogos, pedagogos ou assistentes sociais. O Governo Federal, diante das disposições concretizadas por leis, sob o paradigma da constituição do direito socioassistencial nas questões fundamentais e substantivas para a área de gestão do trabalho, sansionou, com a implantação do Programa Nacional de Assistência Social – PNAS e do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos – NOB/RH (2006) legitimando diretrizes na oportunidade de atribuição de função a este profissional. Segundo Sarmento (2005): [...] na prática profissional do assistente social, a sua relação com o objeto é intermediada por um instrumento, o que o torna um potencializador de forças, de determinada forma, em uma dada direção. É potencializador porque permite concentrar toda a minha força (conhecimento que disponho), num dado instrumento, elevandoo a um grau superior, facilitando a sua expressão de determinada forma. A forma

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corresponde ao instrumento específico que, se utiliza num dado momento (SARMENTO, 2005, p. 151).

Para Iamamoto (2000), compete ao profissional de Serviço Social: [...] captar inéditas mediações históricas que moldam os processos sociais e suas expressões nos vários campos em que opera o Serviço Social. Ao Profissional é exigida uma bagagem teórico-metodológica que lhe permita elaborar uma interpretação crítica do seu contexto de trabalho. (IAMAMOTO, 2000, p. 80).

Com isto, o assistente social tem o papel de executar políticas públicas que perpassa os direitos sociais e trazem a concepção que cabe a este profissional, e outros envolvidos neste contexto atuar fortemente na construção de condições essenciais a todo cidadão. O profissional de Serviço Social tem a possibilidade de contribuir com o atendimento das crianças, do adolescente e de todos envolvidos na situação, atribuindo orientações, informações, encaminhamentos a rede de serviços que necessitarem. Além disto, outros instrumentais são importantes na solidificação desta troca entre indivíduos e profissional, dentre estes a visita domiciliar, no caso os atendimentos realizados em domicílio; através das visitas domiciliares, que perpassa muito mais do que uma observação socioeconômica, mas também na construção de vínculos mais fortes e concretos, facilitará a compreensão da situação vivida pelo indivíduo, possibilitando maior entendimento do caso a ser abordado, através de uma observação mais detalhada no entorno desta família. Por conseguinte, cabe ressaltar que é por intermédio do profissional de Serviço Social que se realiza articulação que traz como referência a viabilização de novas formas para orientar o usuário. Entretanto, desafios são encontrados no decorrer de sua atuação. Cabe ao profissional de Serviço Social, conforme Morais (2005, p. 195) “[...] à promoção social do adolescente e de sua 43


família, fornece-lhes orientações diversas, inserindo-os se necessários, em programas oficias ou comunitários de auxílio e assistência”, com o intuito de realizar reflexões aos adolescentes e seus familiares na viabilidade de concretizar alternativas plausíveis que rompam definitivamente a situação de violação de direitos a qual o indivíduo está inserido, para que estes possam apresentar condições adequadas de convívio social e familiar. 5 ATUAÇÃO TÉCNICA DO ASSITENTE SOCIAL NO CREAS DO MUNICÍPIO DE CASTANHAL A atuação do profissional de Serviço Social no CREAS do Município de Castanhal é bastante relevante, pois o mesmo materializa, analisa e publica as finalidades e práticas desenvolvidas, na possibilidade de atribuir e desenvolver atividades que culminem na socialização do indivíduo, principalmente no que diz respeito a retirada da vítima da situação de vulnerabilidade, diante de intervenções pertinentes, tanto à vítima como a sua família. O CREAS/Castanhal é uma instituição responsável pelos atendimentos aos usuários e familiares que foram vítimas de violência sexual, ou qualquer outro tipo de violência, aonde, através do PAEFI, tem o objetivo de atribuir de maneira ética, atendimentos psicossociais, jurídico e pedagógico a todos os usuários em situação de violação de direito. A equipe do CREAS/Castanhal é composta atualmente por: 03 Assistentes Sociais, 04 psicólogos, 02 pedagogos, 01 advogada, 01 socióloga, 03 cuidadores, 01 coordenador, 01 serviços gerais e 02 agentes administrativo, distribuídos nos 03 programas que o centro atribui, sendo que no PAEI contém 02 equipes distribuídas em turno: 01 assistente social no turno da manhã, onde na presente dada aguarda-se um técnico de psicologia para compor o quadro, e 01 assistente social e 01 psicóloga no turno da tarde, e 01 pedagoga que atende os dois turnos. Castanhal apresenta um índice alarmante quando se trata a situação de violência sexual a crianças e adolescentes, onde por meio de levantamentos estatísticos pode-se averiguar as seguintes proporções.

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GRÁFICO 1 – SEXO DAS VÍTIMAS

FONTE: CREAS/ Castanhal – Total de 140 indivíduos em situação de abuso nos quais 107 são do sexo feminino e 33 do sexo masculino

GRÁFICO 2 – IDADE DAS VÍTIMAS

FONTE: CREAS/ Castanhal – Total de 140 indivíduos em situação de abuso

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GRÁFICO 3 – SITUAÇÃO DO VIOLADOR

FONTE: CREAS/ Castanhal – Total de 140 indivíduos em situação de abuso

GRÁFICO 4 – ÍNDICE POR BAIRROS

FONTE: CREAS/ Castanhal – Total de 140 indivíduos em situação de abuso

Os principais aspectos do projeto de ação é trabalhar integralmente e acompanhar, humanizando as demandas recebidas, acolhendo ou encaminhando para rede socioassistencial do 46


Município de Castanhal, ou se caso for necessário, a outras redes de outros município, na proposta de realizar direcionamento às famílias com crianças e adolescentes em situação violências, mendicância e medida socioeducativas, desenvolvendo ações para a redução da infringência aos direitos humanos e sociais. O assistente social atua por meio de estratégicas de acompanhamentos na obtenção da (re)socialização dos indivíduos atendidos, com atendimentos grupais sistemáticos com as famílias para orientá-las e informá-las sobre o trabalho desenvolvido. São realizados mensalmente relatórios de atendimentos, verificando a situação atual de cada indivíduo. É por meio desse levantamento e avaliações que o profissional de Serviço Social do CREAS de Castanhal desenvolverá estratégicas metodológicas no processo de monitoramento e avaliação de natureza quantiqualitativa. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o avanço dos direitos sociais voltados ao indivíduo em situação de violação de direitos, observa-se que é de extrema relevância oportunizar a estes cidadãos melhores condições de vida, assim como a necessidade de serem vistos com maior respeito. Cabe salientar que mesmo com as oportunidades de atendimentos voltados a este público, tanto no âmbito assistencial quanto na saúde, ainda é evidente os déficits no que diz respeito a violência sexual à crianças e adolescentes, principalmente no que se refere a inserção destes usuários às redes de serviços. Atualmente a existência da flexibilidade promulgou facilidades na obtenção de certos recursos, entretanto o incentivo governamental ainda se faz necessário para maior efetividade dos atendimentos. As crianças e adolescentes violentados sexualmente detêm de atendimentos especializados para a qualidade e melhoria de sua vida e de seus familiares, porém o governo necessita expandir no que se refere a capacitações aos profissionais que atuam neste âmbito, assim como melhores condições de trabalho. Com isto, a violência sexual a crianças e adolescentes deve ter um olhar mais abrangente, no âmbito da participação ativa do governo, e principalmente na atuação efetiva dos profissionais que visam a qualidade de vida desses indivíduos e a oportunidade de 47


poderem ingressar para uma vida social mais digna, de oportunidade inimagináveis, na construção de vínculo solidificado com a sociedade e seus próprios familiares. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, A. A. O abuso sexual na infância numa abordagem humanista-existencial - Instituto de Educação Continuada da PUCMG. Belo Horizonte: 1999. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. São Paulo: Atlas, 1998. ______.Lei Federal n. 8.069, de 13 de Julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília-DF, 2004. Disponível em: <www.mds.gov.br/programas/redesuas/protecaosocial-especial> Acesso em:14/07/2011. FALEIROS, V.P. Oficina de Indicadores da Violência Intrafamiliar e da Exploração Sexual de crianças e adolescentes CECRIA. Brasília: 1997. FALEIROS, E.T.S. Repensando os conceitos de violência, abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Brasília: Thesaurus. 99 p, 2000. HAZEU, Marcel. Direitos sexuais da criança e do adolescente – Uma visão interdisciplinar para o enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes. Pará, 2004. IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2000. KALOUSTIAN, S.M. (Org.). Família brasileira a base de tudo. São Paulo: Cortez, 1994.

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MORAIS, Mônica do Socorro Thompson. O Orientador Social e o Adolescente Autor de Ato Infracional: perspectivas e desafios. Belém, Lato & Sensu, v. 6, n. 1, p. 194- 198, 2005. SARMENTO, Helder. Rediscutindo os instrumentais e as técnicas em Serviço Social. In: STOCKINGER, S.C. (Org.). Texto de teoria e prática de serviço social: estágio profissional em Serviço Social na UFPA. Belém: Amazônia/ UFPA, 2005. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009. VASQUES, G.N. O abuso infanto-juvenil e o Pró-Paz Integrado em Belém. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Serviço Social) – Centro de Ciências Humanas e da Educação. Universidade da Amazônia, Belém, 2005.

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VOZES DE UMA PARTICIPAÇÃO FEMININA: A trajetória de liderança política das mulheres do DCE/UFPA, 1985-2005 Edijanne Dias do Carmo UFPA RESUMO: O presente trabalho propõe uma ênfase à participação política da mulher universitária no movimento estudantil, em particular no Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Pará (UFPA), no período entre 1985 a 2005. Procura-se levantar quais universitárias se evidenciam numa trajetória de liderança política no DCE-UFPA, avaliando se essa participação incidiu em candidatura partidária e/ou cargo parlamentar. No que tange a metodologia, foi utilizado a técnica da história oral, através da análise do discurso de doze ex-diretoras, juntamente com pesquisas documentais e bibliográficas. O conjunto dos dados coletados permitiu uma análise política compreendida em uma perspectiva das relações de gênero. Referente aos resultados, as entrevistas permitiram a elaboração de um perfil pessoal e social das ex-diretoras, sendo possível também elaborar uma tipologia levando em consideração suas semelhanças. As entrevistadas, embora sejam filiadas a partidos políticos, apenas uma candidatou-se a cargo parlamentar. Cabe ressaltar que durante a pesquisa nenhuma das mulheres entrevistadas exerceram algum mandato parlamentar, no executivo ou no legislativo. PALAVRA-CHAVE: Democracia; Gênero; Participação Política

1 INTRODUÇÃO O impacto da participação política feminina na sociedade tem trazido vários desdobramentos: a começar pelo papel das entidades sociais como o estímulo à participação política desse gênero, um fenômeno que merece a atenção dos estudiosos. A percepção dessa necessidade abriu o caminho para a realização de um estudo que vislumbrasse a participação política da mulher, em que o objeto de estudo será: as mulheres que atuaram como diretoras no Diretório

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Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Pará (UFPA), no período de 1985-20059. A problemática aqui levantada exige uma análise dos mecanismos que expliquem quais mulheres da área universitária que se evidenciam numa trajetória de liderança no movimento estudantil – DCE/UFPA, no período de 1985 a 2005, avaliando se essa trajetória incidiu numa candidatura partidária e/ou cargo parlamentar. O compromisso geral assumido nessa pesquisa é analisar a trajetória política das universitárias do DCE-UFPA, vislumbrado sua incidência em uma candidatura ou cargo parlamentar. De forma mais específica, buscou-se identificar essas mulheres, analisar sua prática militante e de líder, bem como, desenvolver uma análise sobre sua participação em partido político. Na parte metodológica foram identificados os informantes da pesquisa, em seguida identificados como poderiam colaborar no levantamento de dados. Após a reunião de dados fornecidos pelos informantes foi possível fazer um mapeamento da diretoria do DCE. Nesse sentido, o contato inicial com as ex-diretoras-militantes do DCE foi realizado através de intermediação de conhecidos dos sujeitos e da pesquisadora. Outra forma utilizada para obter o contato com elas foi a Internet, visto que, uma parte significativa delas possuía o cadastro no sistema de Curriculum Lattes e, por meio do email disponibilizado na página, o contato foi estabelecido. Outros instrumentos metodológicos foram utilizados neste trabalho como: pesquisas bibliográficas e documentais nos arquivos da instituição DCE. O universo da pesquisa seria de quarenta e três ex-diretoras, dessas somente dezessete foram localizadas e apenas doze se propuseram a serem entrevistadas, e subsequentemente, utilizou-se a técnica da história oral, que: “é uma técnica de pesquisa utilizada nos dias de hoje, sobretudo no campo das ciências humanas [...] a história oral pode ser uma fonte mediante a qual a memória comparece „datada e situada‟”. (DI PAOLO, p. 18) Assim, optou-se por entrevistas individuais, por ser esse método mais viável para o estudo de caso aqui proposto. O estudo de caso sustentou-se através da análise do discurso, ao qual Foucault 9

Este artigo é parte da monografia apresentada ao Curso de Ciências Sociais da UFPA.

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(1999, p. 10. 2005. p. 171) apud Carneiro; Carneiro (2007, p.11-12) elabora fazendo que “apareçam e desapareçam e reapareçam as contradições, é mostrar o jogo que nele elas desempenham; é manifestar como ele pode exprimi-las, dar-lhes corpo, ou emprestarlhes uma fugidia aparência [...] tomar a palavra jamais representa um gesto ingênuo, pois sempre está ligado a relações de poder” Vale ressaltar que não se propõe a esgotar a temática da participação política da mulher no DCE e, muito menos, de sua participação na política em geral. Limitou-se em contribuir com a discussão que se processa em nível dos estudos sobre a mulher na política e as relações de gênero, enquanto relações de poder. 2 DEMOCRACIA: TEORIA E PRÁTICA POLÍTICA DAS MULHERES “CIDADÃS” Uma das questões que afligem os sistemas democráticos ocidentais contemporâneos, diz respeito à sub-representação feminina no campo político. Vários estudos procuram contribuir para compreender o mecanismo de exclusão política das mulheres e as diversas possibilidades de inserir a participação feminina nos processos de tomada de decisões e nas instâncias de poder. Mesmo a democracia sendo considerada um processo constante de movimento que afeta diferentes sociedades e culturas, observa-se em muitos países uma grande dificuldade das mulheres ascenderem ao poder. (COSTA, 2006). Segundo Álvares (2004) embora a fonte originária do poder democrático fosse sempre o povo, o histórico de participação baseado na liberdade e igualdade não era ampliado para todas as categorias. Na antiguidade o horizonte da mulher era limitado, ela não tinha acesso ao poder. A mulher ocupava posição equivalente a do escravo, em que os reis filósofos são os únicos que podiam almejar o governo da polis. Alves e Pitanguy (1985) afirmam que na idade média existia uma defasagem entre a posição concreta da mulher na vida cotidiana e a sua representação simbólica de seu papel. Nesse período abateu sobre ela uma perseguição conhecida como “caça as bruxas”, este episódio é parte da herança do silêncio que recobre a história da mulher. De acordo com Álvares (2004) a modernidade inaugura uma nova visão de mundo democrático, as tradições teológicas são 52


afastadas, surgindo os processos de secularização, racionalização e individualização, dando mais ênfase às idéias de liberdade e de igualdade, ou seja, um questionamento dos papéis desempenhados pelos indivíduos. Possibilitando a consolidação do pensamento democrático nos séculos XVIII e XIX. Toscano (1982) designa como participação: uma ação que não se esgota na simples presença física, mas que se exercita nos papéis sociais e no cumprimento de determinadas funções que refletem a vontade de pertencer a um grupo ou instituição e de nele integrar-se como parte do todo. O pensamento de Avelar (2007) aprofunda o conceito elaborado por Toscano (1982), pois configura a participação política enfatizando que “... o ideal democrático supõe o envolvimento dos cidadãos em diferentes atividades da vida política...” (p.223). Nesse sentido a participação política é geralmente usada para designar uma variada série de atividades. A existência de uma maior possibilidade de participação política, por parte daqueles que são excluídos, faz dos movimentos sociais um dos principais setores de participação política da mulher, e por essa razão merece destaque (COSTA, 1998). Os movimentos sociais envolvem um número significativo de pessoas, esse coletivo pretende chamar a atenção da sociedade, dos políticos e eleitores, para os temas que fundamentam a organização política. Eles atualmente vêm sendo considerados como parte do processo político normal, um canal de acesso ao poder como é o caso dos movimentos das mulheres, dos estudantes, dos negros, dos trabalhadores etc. (AVELAR, 2007). 2.1 A RELAÇÃO ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO: A CONQUISTA DO VOTO FEMININO. A participação política da mulher sempre esteve limitada, pois tal atividade é reconhecida socialmente como uma atividade masculina. O espaço feminino historicamente tem sido o privado. No entanto as mulheres relegadas à esfera privada são incorporadas à esfera pública sempre que sua presença faça-se necessário para o desenvolvimento capitalista e/ou para as relações de dominação. (COSTA, 1998). O processo da participação das mulheres, ao longo da história se constata que as mulheres têm estado do outro lado do exercício do 53


poder, do lado da condição de subalternidade (COSTA, 1998). As causas de subalternidade das mulheres nas sociedades modernas foram abordadas por Karl Marx em diversos textos e principalmente por Frederic Engels (2002), em que partindo da premissa de que a condição de dependência da mulher não é fruto de sua natureza feminina, e sim, o resultado de todo um processo histórico ligado ao desenvolvimento das forças produtivas e, como conseqüência deste, da própria evolução da família. A mulher, principal responsável pela reprodução, ficará isolada na vida doméstica/privada. A ela será negada qualquer participação social. Tudo isso reforçado pela ideologia da “feminilidade” 10. Esses estereótipos mantêm a mulher na esfera privada, pois não a prepara para a atividade política, essência da esfera pública, em que as relações se dão à imagem e semelhança do mundo masculino (COSTA, 1998). A questão básica da exclusão das mulheres da esfera pública está ligada ao conceito de cidadania11. A Revolução Francesa é considerada o marco, em que as mulheres intensificam sua atuação como cidadãs de fato, trazendo para a cena política a questão da desigualdade feminina e a necessidade de realizar também uma revolução na relação entre os sexos. As mulheres conseguiram mudanças significativas e inimagináveis nos direitos civis e nos costumes, era a liberação das mulheres. Mas essa liberação tem limite, não chega à estrutura do poder, sendo concedida a mulher a autonomia civil e não a política, a cidadania (COSTA, 1998). A luta pelo direito de cidadania feminina atravessou o século XIX, e o sufrágio universal foi um dos principais combates. O sufragismo iniciou-se enquanto movimento, em 1848, nos Estados Unidos, denunciando a exclusão da mulher da esfera pública, época de uma expansão do conceito liberal de cidadania, abrangendo os homens negros e os destituídos de renda. Nos Estados Unidos somente em 1920 foi ratificada a 19ª Emenda Constitucional, concedendo o voto às mulheres. (ALVES; PITANGUY, 1985). 10

O sistema patriarcal mantém o estereótipo que caracterizam a personalidade feminina, tais como: emotividade, conservadorismo, passividade, consumismo etc. (COSTA, 1998. p. 49). 11 Um conceito construído através de toda a história do pensamento universal, a partir de um modelo masculino e voltado para os interesses dos homens, na medida em que reflete, em todos os processos históricos de sua constituição, a hierarquia sexual da sociedade, isto é, do patriarcado. (COSTA, 1998, p. 51).

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Na Inglaterra, em 1865, John Stuart Mill apresenta ao parlamento um projeto de lei dando o voto às mulheres, porém só encontraram direito ao sufrágio universal em 1918. Na França só conquistaram esse direito em 1944. As mulheres dos movimentos sufragistas reivindicavam um direito defendido, em tese, pelas idéias liberais, e recusado na prática. Ressaltam-se as lutas travadas pela conquista do voto, elas se processaram nos países de forma semelhante no que tange as etapas finais, com características violentas. (ALVES; PITANGUY, 1985). No Brasil a luta pelo voto feminino não teve as características de movimento de massa como ocorreu nos Estados Unidos e na Inglaterra (ALVES; PITANGUY, 1985). Iniciaram-se as discussões desde o império, Paiva (1985) apud Álvares (2004, p. 21) relata quando na Câmera dos Deputados Gerais, José Bonifácio de Andrade e Silva defendeu a causa do sufrágio de qualidade, intercedeu a favor das mulheres pelo direito de voto, as diplomadas por uma escola superior. Entretanto sua iniciativa não vingou, pois embora não tivesse restrições ao voto feminino no período monárquico, existiam outras exigências à participação eleitoral. Jairo Nicolau (2002) apud Álvares (2004, p. 22) identifica quatro aspectos dessas exigências: a renda e propriedade; a baixa escolaridade, a idade e o sexo. As condições impostas pela cultura patriarcal sobre as mulheres se tornavam as barreiras para as outras exigências. O direito ao voto foi sendo alcançado paulatinamente nos Estados, iniciando no Rio Grande do Norte, em 1927, de acordo com Álvares (2004) com a inclusão de lei que favoreceu o alistamento de mulheres, nesse mesmo ano, as quais, no ano seguinte, incluíram-se entre as primeiras votantes brasileiras. Dessa forma quando em 1932, Getúlio Vargas promulga por decreto-lei o direito do sufrágio às mulheres, este já era exercido em 10 Estados do país. (ALVES; PITANGUY, 1985). O voto é um entre os direitos pleiteados pelas mulheres desde suas primeiras batalhas, em prol da igualdade de gênero, pois a realidade política tem revelado que a conquista do direito ao voto, fruto de agudos debates e de intensa campanha, não assegurou a mulher na prática, uma participação e/ou uma representação correspondente. Embora em outros setores elas tenham obtido êxitos mais expressivos. O fato é que nos vários ramos do poder político,

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sua atuação continua a ser bastante inferior àquilo que deveria ser realmente. (TOSCANO, 1982). 3 AS MULHERES DO MOVIMENTO ESTUDANTIL DCEUFPA A pesquisa apresenta a experiência de participação política de doze mulheres que, através de seus mandatos na diretoria do DCE representaram à classe estudantil, entre 1985 a 2005, como militantes e líderes políticos na UFPA. A reconstituição da trajetória de vida política dessas mulheres se deu a partir da organização de dados recolhidos em entrevistas individuais. Portanto, consideramos conveniente relatar algumas informações sobre aspectos relacionados à realização dessas entrevistas. As entrevistas foram realizadas, entre setembro de 2007 a novembro de 2008 e foram gravadas. O tempo da gravação das entrevistas variou de quarenta e cinco minutos a duas horas. As entrevistas sempre orientadas por um questionário semi-estruturado que serviu de guia sobre as temáticas que deveriam ser abordadas. Optamos por identificar as mulheres que participaram do DCE, no primeiro período de 1985-1991 com nomes iniciados com a letra “C”: Carla, Carol, Carolina, Carmem, Cecília. Para as mulheres do período entre 1992-2005 pela letra “M”: Márcia, Marcela, Marília, Marta, Mariana, Mônica e Mercedes. Algumas características devem ser levantadas com relação às mulheres aqui representadas. Os dados levantados possibilitaram inferir o seguinte perfil: as ex-diretoras do DCE, quando foram eleitas tinham entre 18 a 28 anos, eram católicas, e nascidas em Belém, solteiras, sem filhos, estavam cursando entre o 2º e o 4º semestre de cursos relacionados à área de humanas. Com relação à participação política das diretoras, antes de seus mandatos no DCE, seu perfil é bastante interessante, haja vista, que 91,66% das entrevistadas participaram de algum movimento: secundarista, social/popular e religioso antes de se engajarem no DCE, sendo que 58,33% dessas já tinham experiência em cargo de diretoria em outros movimentos, 33,33% participaram como membro ou simpatizante. A exceção a ser destacada é que apenas uma das entrevistadas declarou não ter participado de nenhum dos movimentos em questão. 56


O desenho desse perfil de forma alguma pretende ser uma generalização da participação da mulher nos diversos movimentos estudantis de Belém ou do Brasil, visto que, de acordo com Costa (1998) as diferenças compreendidas nos campos socioculturais, econômicos, na estrutura do poder, na divisão sexual do trabalho e na própria manifestação de dominação patriarcal, no capitalismo, trazem reflexos diferentes para a composição de uma liderança política. Das diretoras eleitas para o DCE, destaca-se um número significativo que conseguiu se reeleger na diretoria do DCE, um percentual de 50% das entrevistadas. Entre essas mulheres destaque para Marta, que em 2003 estava no seu terceiro mandato na diretoria do DCE, sendo todos os mandatos na coordenação geral. A identificação dos cargos possibilitou uma visualização mais abrangente de como as mulheres estão inseridas no DCE, de acordo com as suas funções. Constatou-se que quatro das entrevistadas exerceram cargos na Presidência ou Coordenação Geral, a função considerada pelas entrevistadas como a de maior importância dentro do movimento estudantil, por ser identificada como a função do principal líder dessa entidade. O número de mulheres na liderança do DCE, 33,33%, representa uma quantidade expressiva com mandato no posto mais elevado dessa entidade. Cabe ressaltar que nas vinte gestões pesquisadas apenas em seis as mulheres universitárias estiveram na liderança geral, embora, um percentual pequeno se for considerado o universo em questão, embora não seja de todo inexpressivo. Os dados permitem ainda elaborar uma tipologia referente a essa participação política na liderança do movimento estudantil. A partir de certas semelhanças, podem ser aglutinadas em dois tipos básicos: a diretora militante de partido político e a diretora por vontade própria. Embora as entrevistadas tenham declarado a sua participação no DCE por vontade própria, 100% delas quando estavam na diretoria do DCE eram filiadas a partidos políticos. A diretora militante de partido político é aquela, que faz parte de um partido e, por meio do prestígio político no exercício de determinadas atividades partidárias, por decisão dessa entidade sai candidata à diretoria do DCE, assumindo uma posição de liderança, a fim de fortalecer a ideologia e ser a extensão do partido dentro do movimento estudantil. Outra tarefa dessa militante é arregimentar mais militantes de base para o grupo político a que pertence. Afirma 57


uma das entrevistadas: “já era orgânica de um partido político há pelo menos três anos e dentro do partido tínhamos a discussão interna das tarefas de cada militante no movimento” (Márcia). A diretora por vontade própria foi o caso mais freqüente. Mulheres que a partir de uma aprendizagem política de outros movimentos sociais, e por querer lutar por uma melhor qualidade de ensino, decide candidatar-se por conta de sua experiência, são estimuladas a entrar na vida política estudantil, por sua popularidade e engajamento político nas diversas bandeiras de lutas do movimento estudantil. Diz uma entrevistada: “a gente trabalhava muito na organização da melhoria da qualidade de ensino” (Carmem). Os dados até o momento levantado dos questionários demonstram o grau de engajamento e a politização das mulheres. Esses dados são ratificados no que diz Chaney (1983, p. 189) apud Costa (1998, p. 154). A politização é o termo que se usa geralmente para denotar o processo através do qual um cidadão adquire os conhecimentos, as atitudes sociais e as características da personalidade que afetarão sua conduta política futura. Essa aprendizagem pode ser formal ou informal e pode realizar-se na infância ou posteriormente na vida. Esse ponto é importante para considerar a politização de futuras lideranças.

3.1 AS MULHERES DO DCE-UFPA E O PARTIDO POLÍTICO A questão partidária é um item necessário para o enfoque neste trabalho. De acordo com Costa (1998) o sistema político partidário brasileiro tem uma debilidade histórica. A forte característica personalista e o clientelismo da política no país, aliados às constantes mudanças na legislação partidária impediram que essas organizações se desenvolvessem como verdadeiros interlocutores entre a sociedade civil e o estado de forma a criar uma consciência partidária entre a população. O que se vê é o descrédito por parte desta não só em relação aos partidos como também aos políticos a eles filiados. 58


Diz Costa (1998, p.180): “outra característica da estrutura partidária brasileira que contribui para essa fragilidade é a total autonomia dos políticos, um sintoma de um sistema elitista e patrimonialista”. Os partidos políticos no Brasil funcionam como simples máquinas de ganhar eleições, sem nenhuma coerência programática ou consciência ideológica, sem vida partidária, cujas decisões são tomadas por uma pequena elite dirigente. Costa (1998) afirma que a exceção a esse padrão são os pequenos partidos identificados com a esquerda. Sua atuação fortemente ideológica, e que em função de sua própria natureza, possuem uma militância política ativa e disciplinada ideológica e orgânica. Assim nesses partidos as instâncias de decisão estão sob o controle da militância o que garante processos mais democráticos de deliberação. Com relação à presença das mulheres nos partidos Costa (1998) faz uma reflexão bastante contundente sobre essa questão. Para ela, os partidos políticos são organizações historicamente masculinas, típicas da esfera pública e, na sua grande maioria, ainda vetados às mulheres. Afirma que nos partidos maiores são praticamente vetadas as candidaturas femininas, a mesma observa que nos partidos menores, a mulher encontra mais espaço para candidatar-se aos cargos eletivos e que os partidos identificados como de esquerda são mais propensos a candidaturas femininas do que os identificados como de direita ou centro. Como já mencionados são os pequenos partidos e os de esquerda que oferecem maiores possibilidades de atuação política às mulheres. A pesquisa confirmou essa teoria, ou seja, ocorre que a única das mulheres ex-líderes do DCE que realmente candidatou-se a um cargo parlamentar pertence a um partido considerado pequeno e identificado como de esquerda: o PSTU. Relata a entrevistada quando perguntada se houve interesse do grupo ou dela própria por uma candidatura para um cargo parlamentar: “Sim, pois fui candidata à deputada estadual pelo PSTU quando era do Movimento Estudantil, mas não por uma vontade minha particular, mas por orientação do partido”. (Márcia). Três das entrevistadas tiveram indícios de um possível convite a uma candidatura vejamos o que diz uma delas: "Eu acho que o pessoal tinha uma coisa de vereadora, mas isso era uma coisa

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completamente fora de rota na minha vida, então nunca deixei ir adiante essa idéia”. (Carla-PT) Das entrevistadas oito declararam não ter recebido propostas dos partidos, ou não quererem mesmo seguir uma carreira parlamentar. Expõem uma delas: “Não, porque eu sempre trabalhei por trás, eu trabalhei muito com vários candidatos [...] eu não me vejo nessa situação”. (Cecília-PT) Onze das ex-diretoras entrevistadas são filiadas ao partido considerado de esquerda o PT. No entanto esse partido, na atual conjuntura política, pode ser considerado um dos maiores partidos do Brasil. Esse dado pode ser levado em consideração como uma das razões, delas não terem se candidatado para alguma eleição a cargos parlamentares, mesmo que essas mulheres possuam um perfil de liderança política e sejam filiadas a partido político de esquerda. Entende-se que outros motivos devem ser levados em consideração pelo não registro dessas mulheres a candidaturas. Entre eles o elaborado por Toscano (1982) que diz ser a própria educação destinada à mulher a responsável pela ausência de interesse delas e onde fica subtendido que a sociedade sexista, conservadora em que vivemos, acredita que a mulher não é um, nas palavras de Toscano, “animal político”. Alguns dados dessa pesquisa coincidem com os apresentados em A mulher na Política, de Toscano (1982). Essa autora evidencia a freqüência de um dos motivos das mulheres não se candidatarem relacionar-se com a alegação de falta de inclinação delas para postos de direção: timidez, sentimento de inferioridade, modéstia excessiva e até mesmo certo comodismo, estão disfarçados sob a atitude inicial de recusa para concorrerem a cargos tanto no executivo quanto no legislativo. Observou-se a utilização como pretexto da falta de preparo, pelas próprias mulheres. Nesse caso segundo Toscano (1982) “cai-se no círculo vicioso segundo o qual a mulher ainda não estaria preparada para desempenhar funções de liderança”. Tal atitude é inadmissível quando se sabe, que a exemplo das mulheres aqui pesquisadas, deram provas de talento na trajetória política que desenvolveram no DCE, pois por muitas vezes elas geraram finanças, conscientizavam, debatiam, discutiam, propunham, mobilizavam, faziam as relações públicas e de diplomacia.

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Toscano (1982) explica que a falta de tempo, o peso excessivo dos encargos da vida ou a ausência de “inclinação” da mulher para o exercício de qualquer atividade política, esconde “hábitos milenares que impedem que elas se afirmem publicamente, que elas dirijam, quando os homens estão para fazê-lo”. Ressalta-se nesse momento a necessidade de uma ação política mais intensa da sociedade, principalmente das mulheres, para que essa realidade seja transformada, pois os resultados desse trabalho ainda são bastante modestos. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Algumas considerações serão levantadas sobre a nossa intenção de examinar a participação política das mulheres militantediretoras do DCE-UFPA. Na verdade essa consideração é apenas para pontuar algumas questões pertinentes que percorreram todo o trabalho, como forma de recapitulação, fundamentada na hipótese que a conduziu: a participação política das universitárias no movimento estudantil: DCE - UFPA é o início de sua afirmação na vida política pública e, poderá incidir em uma candidatura ou cargo parlamentar. A compreensão dos objetivos teve como marco político a redemocratização do Brasil, ao qual permitiu entender a relação da mulher na esfera pública, partindo de uma visão democrática e de direito. Para isso recorremos aos conceitos fundamentais da teoria política e feminista como: democracia, cidadania, representação, gênero, participação política. A partir desse marco de referência teórica tentou-se recuperar algumas questões fundamentais para a compreensão da condição feminina, sua trajetória de cidadania e da sua participação na esfera pública. Dentro desse leque teórico a pesquisa apresentou alguns desdobramentos sobre a participação política dessas mulheres. A hipótese foi confirmada, haja vista, que embora apenas uma mulher tenha se candidatado a um cargo parlamentar, claro que se configurando nas prerrogativas levantadas por Costa (1998), às demais estão paulatinamente se afirmando na vida política pública. Evidente que a participação política das mulheres no DCE significa mais uma conquista no exercício da cidadania feminina. Entende-se

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que a relação de poder permanece sob o controle dos homens e que as mulheres são subordinadas às relações patriarcais de dominação. Pode-se afirmar que apesar de algumas mulheres no DCE conseguirem romper o bloqueio sexista da participação política, o número das que consegue romper com a condição de subalternidade e opressão de gênero ainda é muito pequeno. Em geral, a mulher que atua na política estudantil no DCE-UFPA permanece fechada em um mundo de preconceitos e descriminações. A experiência da atuação no DCE, considerado por essa pesquisa como sendo de esfera pública, é a comprovação de suas possibilidades como agentes políticos, e que sua consciência política, com relação ao gênero, vem imbuída de um desejo de mudar, de transformar sua vida e as relações sociais aos quais estão envolvidas. Uma democracia sem discriminação e exclusões de gênero, cor, classe, etc. que incorpora as mulheres à vida pública. A partir de uma representatividade política só será possível com a legitimação de uma cidadania baseada em uma democracia plural, baseada em princípios políticos de liberdade e igualdade de fato e de direito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVARES, Maria Luzia Miranda. 2004. Mulheres na competição eleitoral: seleção de candidaturas e o padrão de carreira política no Brasil. (Tese-Doutorado em Ciência Política) – universidade Cândido Mendes. Rio de Janeiro: IUPRJ/UCAM. ALVES, B. M.; PINTAGUY, J. O que é feminismo. São Paulo: Abril Cultural: Brasiliense, 1985. AVELAR, Lúcia. Participação política. In: AVELAR, Lúcia; CINTRA, Antônio Octávio (org.). Sistema Político Brasileiro: uma introdução. Rio de Janeiro: Konrad – Adenaur – Stiftung; São Paulo: Editora UNESP, 2007. p. 223 a 235. CARNEIRO, Eduardo de Araújo; CARNEIRO, Egina Carli de Araújo Rodrigues. Notas Introdutórias sobre a análise do discurso. Jun. 2007. Disponível em:

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www.duplipensar.net/artigos/2007si/notas-introdutorias-analise-dodiscurso-conuntura-historica_html> Acesso em: 12. Jan. 2008. COSTA, Ana Alice Alcântara. As donas do poder e política na Bahia. Salvador: NEIM/UFBa – Assembléia Legislativa da Bahia, 1998. COSTA, Delaine Martins. Mulher: poder e participação política (on line). Jan. 2006. Disponível em: < www.universia.com.br >. Acesso em: 03 ago. 2006. DI PAOLO, Darci Flexa. Metodologia Científica. Apostila – Belém: UFPA, 2006. 29f FERREIRA, Mary. Do voto feminino à lei das cotas: a difícil inserção das mulheres nas democracias representativas. Revista Espaço Acadêmico. n. 37, Jun. 2004. Disponível em: <http://www.espaçoacademico.com.br>.Acesso em: 01 set. 2007. ENGELS, Friedrich . A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. São Paulo: Centauro Editora, 2002. TOSCANO, Moema. A mulher na política. In. TABAK, Fanny; TOSACANO, Moema. Mulher e Política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

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MAFALDA E O ENSINO DA HISTÓRIA POSSIBILITANDO DIÁLOGOS Gleison Gonçalves Ferreira FIBRA RESUMO: O presente trabalho abordará as questões metodológicas que envolvem o ensino da história, possibilitadas pelo diálogo com as tiras de Mafalda. Objetiva desenvolver um ensino participativo, em que o aluno seja levado a interpretar o mundo por meio de imagens e ou falas, desenvolvidas para analisar, entender, satirizar, construir os conceitos de uma época utilizando o método dos quadrinhos. Este trabalho primeiramente aborda brevemente o histórico dos quadrinhos, partindo em seguida para os diálogos e possibilidades com Mafalda. Consideramos, por fim, os avanços e retrocessos da metodologia e o universo de Mafalda com seus variados temas, que possuem chaves para um ensino da História e uma História bem mais “prazerosa e consequente”. PALAVRAS-CHAVE: História e ensino; Métodos da história; Quadrinhos; Mafalda. O ensino da história se transformou ao longo do tempo por meio de modificações tanto metodológicas qunato na forma de ensinar/construir os conceitos históricos. Diversas abordagens passaram a ser utilizadas, entre elas os quadrinhos, recurso visual que maximiza o aprendizado do discente, pois permite sua interação e participação no desenvolvimento do conhecimento que se constrói em sala. É difícil posicionamos no tempo o surgimento dos quadrinhos, uma vez que são linguagens gráficas (imagem) utilizadas para contar um fato, uma história, da mesma forma que as pinturas rupestres deixadas por nossos ancestrais nas cavernas onde habitavam. Dessa maneira poderíamos afirmar que os quadrinhos existem desde a pré-história; contudo posicionaremos os quadrinhos – sua maturação, no século XVII, onde sugira com advento da tipografia a fusão da imagem com elementos linguísticos gráficos. Os avanços tipográficos, aliados com a indústria iconográfica e o surgimento e fortalecimento de ramos jornalísticos contribuíram 64


para a criação dos quadrinhos, como entendemos hoje. Embora tenha surgido por todo o mundo, os Estados Unidos são vistos como os maiores expoentes na criação e comercialização dos quadrinhos: Despontando inicialmente nas páginas dominicais dos jornais norte-americanos e voltados para as populações de migrantes, os quadrinhos eram predominantemente cômicos, com desenhos satíricos e personagens caricaturais. Alguns anos depois, passaram a ter publicação diária nos jornais – as célebres “tiras” –, e a diversificar suas temáticas, abrindo espaço para histórias que enfocavam núcleos familiares, animais antropomorfizados e protagonistas femininas, embora ainda conservando os traços estilizados e o enfoque predominantemente cômico. (VERGUEIRO, 2008.

O sucesso dos quadrinhos não tardaria de bairros pobres e subdesenvolvidos, ocupados por imigrantes e negros, para a alta indústria americana, que anseia por novas formas de gerar capital; distribuídas em todo o mundo pelos chamados syndicates, uma espécie de distribuídos de noticias entre jornais de pequeno porte. Vários desenhistas foram contratados pelos syndicates que vendiam seus desenhos, a estes jornais – para publicação. Com esses avanços rápidos, não tardou para que os quadrinhos passarem a agrupar-se em números maiores de tiras e formarem o que, no Brasil, chamamos de gibi; surgem, assim, os heróis criados para viverem aventuras diversas e extraordinárias; contudo não demorando também para surgir com eles “olhares” revoltosos, a sua influência sobre as crianças e os jovens, seu principal público. Críticas ferrenhas foram desenvolvidas para marginalizar as histórias em quadrinhos, permitindo associações que perduram até hoje, como, por exemplo, a estranha amizade entre Batman e Robin, encarados como disseminadores do homossexualismo; pensamentos como esses impossibilitaram a utilização dos quadrinhos no ramo pedagógico, partindo de um pressuposto de que só trariam ao aluno

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má influência e negaria ao professor domínio da aula – prática comum na pedagogia de ensino, que até hoje encontra adeptos. Construindo a partir de levantamentos bibliográficos e enxergando as possibilidades no diálogo com os quadrinhos, partiremos para a construção de conceitos/saberes históricos, dialogando com as tiras de Malfada, do argentino Joaquim Salvador Lavado, conhecido como pseudo Quino. Mafalda foi publicada primeiramente em 1964, no jornal Primera Plana, abordando questões políticas da Argentina na década de 1960; em 1965 ela passa a ser publicada do jornal El Mundo em Buenos Aires, continuando sua publicação até o ano de 1973, quando por Quino afirmou – “para não me repetir, prefiro parar. Novos desenhos de Mafalda só serão feitos em 1977, quando a UNESCO – Fundação das Nações Unidas para Infância, pede que o desenhista ilustre, com os personagens de Mafalda, a “Declaração dos Direitos da Criança”, Quino produz, então, mais dez vinhetas e um pôster, ambos inéditos. O MÉTODO EM DISCUSSÃO Há diversos textos que trabalham com os métodos dos quadrinhos, no ensino. Um dos mais conhecidos é “Como usar história em quadrinhos na sala de aula”, organizado por Alexandre Barbosa et al – o livro da série Como Usar, lançada pela editora Contexto, que reúne vários textos que possuem formas metodológicas de utilizar “novos” recursos para a prática docente. Neste livro são discutidas diversas formas de utilizar na sala de aula os quadrinhos, possibilitando ao professor recursos didáticos que “prendem” a atenção do aluno e permitem sua interação com a aula. Neste livro encontra-se o texto “Como usar as histórias em quadrinhos nas aulas de história”, de autoria de Túlio Vilela. As práticas desenvolvidas por ele são muito interessantes, no que tange às diversas possibilidades para o ensinar da história. Ele busca construir diálogos – os mais diversos, para serem trabalhados. Analisa várias tiras para desenvolver formas mais claras de sua utilização. Abordagens importantes também estão no texto “O ensino da história e as histórias em quadrinhos: algumas considerações”, de autoria de Selma Bonifácio, orientada por Luis 66


Cerri. Essa autora parte de um uso político, demonstrando como as histórias em quadrinhos foram utilizadas na política ideológica na busca de criar um cidadão da pátria. Na verdade a literatura nos mostra o quanto a História, enquanto disciplina, foi utilizada para esse fim; passa a construir de que forma as histórias em quadrinhos podem ser usadas na dialógica de uma pedagogia crescente. Outro texto que comunga com os discursos aqui presentes é “As histórias em quadrinhos na educação: possibilidades de um recurso didático-pedagógico”, de Gustavo Araújo e Maurício Costa e Evânio Costa. Aqui os autores constroem um trajeto acadêmico das histórias em quadrinhos, principalmente no Brasil, demonstrando como esta conseguiu chegar às pesquisas cientificas e lá permanecem sempre renovando-se e adaptando-se. A partir dos minicursos que ocorreram na Universidade Federal de Uberlândia, foi percebido por eles um potencial das histórias em quadrinhos, possibilitando ao aluno práticas educativas diversas, desde a alfabetização à interpretação de temas. Outro texto, esse um tanto “oficial” em extensão, são os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, que agrupa uma série de informações criadas para “auxiliar” o professor na busca de um conhecimento mais prazeroso e participativo na sala de aula; contudo, o texto, lançado primeiramente em 1998, foi alvo de severas criticas por parte de atores ligados à educação brasileira por sua incapacidade em suas falas de promover o que se necessitava, uma mudança na forma de educar e de buscar o conhecimento. Além de ter surgido sobre um padrão “sulista”, incompatível com outras regiões, principalmente Norte e Nordeste – na verdade, já se tornou uma prática planejar projetos fora das áreas em que ele irá atuar. Cinco anos mais tarde, sob a chuva de critica, surge o PCN , em 2003, em discurso próprio, este traria modificações que permitiriam os grupos regionais autonomia de atuar com os PCN, levando em conta as particularidades da região. Este agradou um pouco mais que seu predecessor, contudo também foi criticado mais uma vez pela incapacidade de atender às necessidades dos atores envolvidos com a educação. A nosso ver os PCN podem, sim, responder a uma demanda local, quando buscam salientar a necessidade de se encontrar novas formas de ensinar, de dialogar os conteúdos em sala de aula. Para os PCN 67


“O confronto de informações contidas em diversas fontes bibliográficas e documentais pode ser decisivo no processo de conquista da autonomia intelectual dos alunos. Pode favorecer situações para que expressem suas próprias compreensões e opiniões sobre os assuntos, investiguem outras possibilidades de explicação para os acontecimentos estudados, considerem a autoria das obras e seus contextos de produção[...]”PCN – BRASIL; História. 1998:65

Dessa forma, é possível levar ao aluno a um conhecimento crítico, que desenvolva nele, capacidades de ler o mundo que o cerca por meio das mais diversas situações, estejam elas em sala, no jornal, na revista, na televisão, ou em outro qualquer meio informacional que colabore à construção do saber. Possibilidades não faltam na literatura para construção dos conceitos históricos por outros meios, aqui em especial pela tiras da Mafalda. O método em si não é simples, mas também não impossível. É nessa garantia de possibilidades, de diálogos diversos, que trabalhamos aqui as tiras, demonstrando a necessidade de se repensar o ensino da história e, assim, como afirma Pedro Demo (2003), levar o aluno a fazer colaborativamente na sala de aula. DAS TIRINHAS AO ENSINAR Nosso trajeto até agora foi o de demonstrar como a literatura trabalhou as histórias em quadrinhos e sua evolução histórica. Partiremos agora para as análises possíveis das tiras de Mafalda, dialogando os conceitos que nelas estão inseridos e como podem ser abordadas no ensino da História. Mafalda em sua produção é atemporal, uma vez que as abordagens feitas por Quino se encontram até hoje validas – o que de certa forma nos faz pensar que pouco foram as mudanças ocorridas na sociedade nacional; além de trans-espacial, as tiras da Mafalda, criadas para “contar” o cotidiano de uma família argentina, podem muito bem ser aplicadas em várias outras famílias de outros lugares do mundo, em especial as do Brasil, visto que a aproximação geográfica, talvez, nos tenha dado uma realidade parecida. 68


Os conceitos desenvolvidos por Quino em suas tiras propõem uma utilização tanto i) sozinha, possibilitando ao aluno interpretar a tira, por meio de conhecimento de mundo, e a partir disso entrecruzar as informações; ii) como auxiliadora. Muitos jovens afirmam o quanto é difícil a linguagem usada em sala de aula. As tiras, com sua linguagem mais dinâmica, possibilitam uma construção mais clara da linguagem; e iii) e como foco, são usadas como linguagem metodológica na aula, como se fora um livro. Todas as propostas acima podem ser utilizadas na educação básica – do 1º ao 9º ano do fundamental e do 1º ao 3º do médio. É fundamental que o professor tenha domínio do assunto que irá abordar com as tiras, ou do que pretende fazer com elas, lembrando que o aluno trará – e o que é muito interessante, visões diferenciadas do que pode desenvolver um terreno fecundo para análises e diálogos. Das construções que podem ser feitas e associadas ao conteúdo das tiras de Mafalda. Esboçaremos algumas dessas possibilidades. MAFALDA E A POLÍTICA Um dos temas presentes em Mafalda é a política, embora as tiras tenham sido construídas em tempo pretérito, as tiras são bem atuais em conteúdos e podem ser usadas para interpretar, dialogar ou buscar entender as relações sociais que envolvem esse tema. As tiras 01 e 02 demonstram um humor ácido e cômico, principalmente na forma como Quino trata o governo. Na primeira é possível depreender a insatisfação, uma vez que Mafalda afirma que brincar de governo é não fazer nada. Assim ele busca salientar as questões tangentes a uma política mais ativa, o que pode nos permitir em sala buscar como os alunos veem o governo, as relações que eles construíram em torno das políticas, uma brecha para discussões centradas nas políticas participativas – acreditamos que essa tira seria mais bem desenvolvida por alunos das séries finais do fundamental e todo o ensino médio. A segunda permite uma relação maior, em que o professor de história poderá construir ideias de economia mundial, partindo de um ponto central, onde os alunos percebem que o presidente manda em uma nação, mas que há órgãos superiores a eles aos quais deve respeito. São percebidas possibilidades dos discursos 69


da construção histórica de poder e política, em que esses órgãos se firmam no tempo, porque o presidente a eles deve obediência. Há relação sociopolítica, interferências no cotidiano, sujeitos históricos, enfim, na verdade, emergem-se grandes construções a partir de análises intrínsecas da política social. MAFALDA E GÊNERO Um dos temas muito presentes em Mafalda é a relação de gênero, o papel, principalmente da mulher na sociedade. Essas relações podem ser observadas em Mafalda e Susanita. Mafalda se constrói sobre um olhar de uma mulher moderna e independente – principalmente em opiniões, preocupando-se com os problemas mundiais, repensando o papel da mulher na sociedade, e, em alguns momentos, recrimina as submissas. (imagens 03; 04) Já Susanita vê seu futuro como uma “mulher verdadeira” que deve cozer, passar, lavar, limpar e servir ao seu marido, criar bem seus filhos e desprezar pessoas que de alguma forma vão de encontro a sua visão de mundo. Na verdade, Susanita não acha – como muitas mulheres hoje – que veem o mundo dessa forma como errado, um mundo onde o homem é o provedor e cabe a mulher tão somente o papel de educar os filhos e assegurar a imaculação da família. (imagens 05; 06). A proposta apresenta acima na utilização das tiras para o entendimento social do gênero busca exemplificar essa ação de permanência/ruptura do papel social da mulher. É importante ressaltar que os dois extremos demonstrados pelas personagens podem ser usados, visando a um sempre na busca de entender o pensar da mulher e sua participação no “ambiente” da sociedade. As tiras aqui propostas, bem como outras, podem ser utilizadas na educação básica como um todo, sempre tendo em mente o pensar do aluno na imagem, como afirma Circe Bittencourt: “A intenção maior e identificar como o aluno apreende as imagens e suas representações[...]” (2008:365). O importante é sempre buscar o entendimento do aluno sobre o que ele enxergar na imagem, mediando por meio delas as possibilidades do aprender. MAFALDA E RACISMO

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Um ponto hoje que é muito discutido, principalmente após a aplicação da Lei 10.963/20003, onde se torna obrigatório o ensino nas escolas públicas e privadas da Cultura Afrobrasileira e Africana visando a resgatar as contribuições da Cultura negra para a formação da identidade social brasileira, é o racismo. O racismo, pregação que se estabelece pela discriminação de qualquer pessoa por motivo de cor pele, é crime no Brasil desde sua primeira Constituição, em que os homens são colocados como iguais perante as leis. Aqui nos deteremos em tecer uma discussão que busque criar mecanismo que “quebrem” com as construções equivocada dos agentes sociais. Cabe, por tanto, à escola, enquanto agente social, interferir e direcionar o respeito mútuo de seus atores. Quino em suas tiras não constrói um saber da cultura negra, mas nos ajuda com bom humor, estereotipando pensamentos racistas. Apresenta nessa visão do racismo a personagem Susanita. É ela quem disfere “ataques” a pessoas de cor escura (imagem 08; 09). A proposta aqui é utilizar essas tiras de forma a exemplificar às crianças – do primeiro ciclo do fundamental. Nesse período, acreditamos que as tiras surtirão mais efeito – que as atitudes devem ser pensadas e que o respeito mútuo, base da cidadania, possa desenvolver crianças mais respeitadoras – não encontrando um termo melhor – das diversidades sociais que compõem a sociedade, tanto brasileira, quanto mundial, buscando um rompimento dos pensamentos eugênicos que permutam, até hoje, nas relações sociais. MAFALDA E A TEMPORALIDADE Um dos temas mais difíceis de trabalhar em história é a noção de tempo, caracterizado não somente pela ordenação matemática e física – o qual chamamos de Tempo Cronológico, mas a que se estende para além desta; há o tempo que representa as complexas vivências dos seres humanos e por eles é utilizada para articular seu posicionamento – o Tempo Histórico. O tempo cronológico é o mais fácil de ensinar, afinal estamos imersos nessa forma de contar o tempo, a sucessão do dia para a noite, de um mês para outros e assim por diante. Está ligado ao cotidiano do aluno e por eles é mais facilmente percebido. O tempo histórico, que está ligado às mudanças sofridas pelas sociedades, nem sempre está relacionado com a ordem temporal matemática, sendo, 71


por isso, mais difícil de ser percebido. O aluno deve ser levado a compreender que este tempo é contado a partir das relações de permanência e ruptura, entender que um dado período nem sempre é “certo” e “real”. Os atores sociais provocam mudanças e são modificados caracterizando um período de tempo.

ALGUMAS POSSIBILIDADES Aqui esboçarei algumas possibilidades de tiras12 que podem ser usadas nas aulas de história. Os recortes feitos são sugestões nossas, contudo novas abordagens podem ser feitas, dependo dos olhos de quem as veem.

Imagem 01: Mafalda e a política. Desenhado por Quino. Toda a Mafalda; tira 21

Imagem 02: Mafalda e a política. Desenhado por Quino. Toda a Mafalda; tira 23

12

Todas as tiras foram retiradas do livro “Toda Mafalda”, Quino; Ed. Martins :2005. Todos os direitos resevados.

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Imagem 03 – Mafalda e Gênero. Desenhado por Quino. Toda a Mafalda;

Imagem 04 – Mafalda e Gênero. Desenhado por Quino. Toda a Mafalda; tira 150;

Imagem 05 – Mafalda e Gênero. Desenhado por Quino. Toda a Mafalda; tira 113;

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Imagem 06 – Mafalda e Gênero. Desenhado por Quino. Toda a Mafalda; tira 1381;

Imagem 07 – Mafalda e Racismo. Desenhado por Quino. Toda a Mafalda; tira 154:

Imagem 08 – Mafalda e Racismo. Desenhado por Quino. Toda a Mafalda; tira1456:

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CONSIDERAÇÕES O objetivo desse trabalho foi de apresentar uma nova perspectiva do ensino de História. Nem por um segundo pensamos em “fechar” a discussão, nem direcionar ações. O que fizemos foi plantar uma pequena semente na cabeça de cada leitor. As possibilidades são infinitas, não acabam com Mafalda, mas que seguem com outros quadrinhos ou mesmo desenhos criados pelos alunos. As tiras então se desenvolvem em um método que termina por dissolver as barreiras teóricas, práticas e epistemológicas do indivíduo, garantindo ao aluno sua participação no meio escolar, fazendo-o refletir sobre sua vida em sociedade, marcada por teias de interesses, que, muitas vezes, dispensam sua opinião, deixando-o alienado e sem o sentimento de pertença ao sistema sociocultural que o rege. O processo de construção do conhecimento histórico é algo muito ativo e dinâmico, a final, como afirma Hobsbawn (1995), “nada que é humano será diferente ao historiador”. Partindo desse pressuposto, e entendendo o ensinar como uma via de mão dupla, onde o aluno deve ser estimulado a compreender e traduzir as várias informações diárias que recebem, advogamos pelo uso dos quadrinhos como forma ativa de participação do estudante, principalmente das tiras da Mafalda, que se mostram atemporais e nos permitem, com seus discursos, estabelecer considerações para a história ensinada, garantindo, assim, o desafio que Carla Bassanezi Pinsky e Jaime Pinsky nos propõem, que a história ensinada seja, ao mesmo tempo, prazerosa – para professor e aluno, e, consequentemente, garanta ao aluno “armas” para ler o mundo que o cerca. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, Gustavo; COSTA, Maurício & COSTA, Evânio. As história em quadrinhos na educação: possibilidades de um recurso ditatíco-pedagogico, 2008. BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Curriculares Nacionais, Brasília: 2003. 75

Parâmetros


BITENCURT, Marta Morais. As ponderações de Mafalda sobre cidadania e democracia, 2009. BONIFÁCIO, Selma & CERRI, Luis. Ensino de história e história em quadrinhos; algumas considerações, 2008. DEMO, Pedro. Avaliação qualitativa. Campinas,SP: 2005. OLIVEIRA, Mônica Lopes S. de. O humor em Mafalda e a violação das máximas conversacionais. SILVA, Marco. Os professores e o desafio comunicacional da cibercultura. In: FREIRE, Wendell (org). Tecnologia e educação: as mídias na prática docente. Rio de Janeiro, Wak Editora:2008. QUINO. Toda a Mafalda. São Paulo, Martins Fontes. 2003. VERGUEIRO, Valdomiro et al. Como usar a história em quadrinhos na sala de aula, 2004. VILELA, Túlio. Como usar a história em quadrinhos nas aulas de história, 2004.

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POLÍTICAS PÚBLICAS: Uma análise crítica dos desafios da educação municipal de Ananindeua/PA, no ano de 2011 Carla Caroline Rocha Maria José Marinho Wilma Bastos Costa Profª Me. Lucidéa de Oliveira Santos (Orientadora) FIBRA RESUMO: O presente estudo se tornou possível em função das leituras, discussões e problematizações realizadas em sala de aula a partir das disciplinas “Políticas Públicas na Educação” e “Educação das Relações Étnico-Raciais”, do Curso de Pedagogia da Faculdade deal/FACI, ojetivando, assim, relacionar teoria a realidade se realizou um Estudo de Caso tendo como objeto as políticas educacionais desenvolvidas no sistema municipal de ensino de Ananindeua do Estado do Pará. Propõe identificar e analisar as políticas públicas, dessa forma, se faz importante por possibilitar um maior entendimento sobre a existência e implementação de ações e programas que se constituem em relevantes instrumentos na busca de qualidade na educação municipal. Para empreita foi realizado levantamento bibliográfico, documental e de campo durante o primeiro semestre de 2011. Com os resultados obtidos e analisados se constatou que estão sendo desenvolvidas no município diversas políticas educacionais as quais vêm mudando significativamente a realidade local, quando se comparada à última década com as anteriores. Há muitos desafios a serem superados no próximo decênio. PALAVRAS-CHAVE: Políticas Públicas; Educação; Município de Ananindeua/PA; Sistema de ensino.

1 INTRODUÇÃO O presente artigo surgiu como uma proposta de avaliação da disciplina Políticas Públicas na Educação. Para execução de tal tarefa, além de embasamento teórico propôs-se também a pesquisa de

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campo, com o intuito de verificar e analisar a existência dos projetos educacionais desenvolvidas nos municípios. Diante das inúmeras propostas e criações de políticas públicas que favorecem o desenvolvimento da educação, e que partem de uma esfera macro – governo federal – que compreende sua função em propor e ao mesmo tempo, apoiar e fiscalizar as ações dos seus entes federados percebe-se a importância dessas ações num período em que a qualidade da educação oferecida no país continua sendo alvo de inúmeras críticas. Nesse contexto, o presente estudo objetivou identificar e analisar as políticas públicas implementadas no âmbito municipal, mais precisamente no município de Ananindeua-PA e seus impactos sociais. Para tanto, partiu-se de uma abordagem qualitativo-social, visto que se propõe buscar respostas fundamentadas na opinião dos sujeitos representantes dos principais órgãos que regem as ações educacionais de referido município, sendo a Secretaria Municipal de Educação de Ananindeua - SEMED, o Conselho Municipal de Educação de Ananindeua - CME e uma escola referência no município a Escola José Maria Moraes e Silva. 2 UM BREVE OLHAR SOBRE A EDUCAÇÃO NO BRASIL A educação brasileira iniciou-se em 1549 por meio do trabalho de evangelização desenvolvidos pelos jesuítas. Esse ensino de caráter laico perdurou por mais de duzentos anos. Em 1759, Marquês de Pombal expulsou os jesuítas e instaurou um novo modelo de educação, totalmente diferente do modelo laico desenvolvimento ligado diferentemente à Igreja Católica. Nesse período a educação Brasileira sofreu um retrocesso, visto que não havia profissionais qualificados para substituírem os jesuítas, nem um planejamento que garantisse o ensino na então colônia, essa problemática se estendeu por décadas até a chegada da família imperial. A partir desta, no início do século XIX, verificou-se uma mudança significativa em relação ao ensino superior brasileiro, contudo, no que concerne a educação popular não houve grandes avanços, e “permaneceu relegada a um segundo plano”. (AZANHA, 2001, p.103) Em 1834 por meio do Ato Adicional estabeleceu-se para as províncias a responsabilidade da educação popular, em contra partida a Corte se encarregava pelo ensino médio e superior, porém essa 78


medida fez com que a qualidade da educação mais uma vez popular fosse prejudicada, em virtude das dificuldades financeiras das províncias. O Império não conseguiu, apesar das inúmeras tentativas durante sua estadia, promover um sistema de ensino que envolvesse as necessidades e anseios emergentes, ficando a cargo da República o papel de fazer tudo o que o Império não conseguiu fazer no campo educacional. Na década de 1920, que a profissionalização do magistério, a introdução de novos métodos e modelos pedagógicos se efetivaram. Porém a primeira ideia de um plano de educação só aparece embutida no Plano de Metas instituído pelo governo de Juscelino Kubitschek em 1956/61. Com o “Manifesto dos Pioneiros pela Educação Nova”, que se constituiu em importante documento elaborado por intelectuais da época que mostrava a tomada de consciência acerca da educação como problema nacional e que objetivava a mobilização da sociedade, governos para a ação, assim [...] o “Manifesto”, era ao mesmo tempo uma denúncia, a formulação de uma política educacional e a exigência de um “plano científico” para executá-la, livrando a ação educativa do empirismo e da descontinuidade. (AZANHA, p. 107-108) As reivindicações do referido manifesto ganharam tanta notoriedade que muitas delas foram incorporadas tanto na Constituição de 1934, quanto nas demais que se sucederam, exceto a Carta de 37, e que congregaram a “ideia de um Plano Nacional de Educação.” (Ibid, p. 108). Isso se deu pelo fato que o documento “reconhecia a educação como direito de todos e dever do Estado, reivindicando uma escola pública, assentada nos princípios de laicidade, obrigatoriedade, gratuidade e co-educação.” (HAIDAR e TANURI, 2001, p. 89) Porém, só após a criação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB Lei nº 4.024/61 contendo algumas das reivindicações do manifesto, é que em 1962 foi instituído o primeiro Plano Nacional de Educação – PNE. A partir daí, em 1971, veio a segunda LDB, Lei nº 5692/71 e por último, em 1996 foi instituída a atual LDB sob nº 9394/96, que estabelece e regulariza o sistema educacional brasileiro, isto é, a educação em todos os níveis e

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modalidades está alicerçada na LDB/96 que por sua vez está em consonância com o artigo 204 da Constituição Federal de 1988. Mesmo que o Plano Nacional de Educação tenha sido criado em 1961 foi convertido em lei em 2001 em consonância com a LDB/69 e institui as diretrizes e metas a serem cumpridas no prazo de dez anos. Visto que nenhuma nação consegue progredir sem educação, conforme descreve Freire (2000, p.67) “Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. Percebe-se que a educação ao longo do tempo foi ganhando espaço e assumindo o valor que deveras tem. Na atualidade existe uma campanha social em favor e desenvolvimento da educação. Isto pode ser percebido através das medidas desenvolvidas pelo Governo Federal por intermédio das políticas públicas descritas no PDE (Plano De Desenvolvimento Da Educação). Assim, para compreender os planos e projetos criados pelo poder público para a garantia de direito a educação descrito na Constituição Federal de 1988, precisamos primeiramente entender o que são as políticas sociais que engloba todas as ações dos diferentes setores da sociedade: Consideramos políticas sociais como as estratégias promovidas a partir do nível político com o objetivo de desenvolver um determinado modelo social. Essas estratégias se compõem de planos, projetos e diretrizes específicas em cada área de ação social. Em termos globais, integram estas políticas ligadas à saúde, educação, habitação e previdência social. (BIONCHETTI, 1999,p.88-89)

Ou ainda como descreve o SEBRAE/MG em livro publicado: “Políticas Públicas são a totalidade de ações, metas e planos que os governos (nacionais, estaduais ou municipais) traçam para alcançar o bem-estar da sociedade e o interesse público.” (Políticas públicas, 2008, p.5).

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2.1 AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS Como o Brasil, historicamente apresenta inúmeros problemas na área educacional, e sendo o governo federal co-responsável por garantir o direito a uma educação de qualidade a todos os cidadãos, como expresso na Constituição Federal de 88, através do Mistério da Educação (MEC) formulou o Plano Nacional de Educação- PNE, onde está inserido o Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE, com o slogan “Todos pela Educação”. Criado em 2007 e fundamentado em 28 medidas iniciais, o PDE objetivava até 2022 elevar o nível da qualidade da educação brasileira aos patamares dos países desenvolvidos através de um conjunto de metas e ações. Na atualidade as metas de desenvolvimento ampliaram-se, excedendo o total 100 medidas a serem tomadas até 2022. Dentre as metas destacam-se o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação; FUNDEB; Pró-Infância; Provinha Brasil; Prova Brasil; Educasenso; Olimpíada de Matemática; Olimpíada de Língua Portuguesa; Mais Educação; Brasil Alfabetizado e outros, somando mais de 40 ações que visam melhorar a qualidade da educação pública. Para o acompanhamento dessas medidas foi criado o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), o qual mede o desempenho e o desenvolvimento das escolas em nível municípial, estadual e nacional no território brasileiro, com a finalidade de melhor definir as políticas de investimentos e de recursos na educação do país. (Nova Escola, p. 31-34) O Governo Federal através do MEC criou instrumentos para auxiliar na garantia do direito à educação, para tal atribuiu não apenas aos Estados o papel de ser parceiro nesse trabalho, mas também aos municípios, assim, no Capítulo IV, Artigo 30, expõe-se que aos municípios autônomos cabe: I. Legislar sobre assuntos de interesse local; II. Suplementar a Legislação Federal e a Estadual no que couber; III. Manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programasde educação pré-escolar e de ensino Fundamental. A LDB/96 em seu Art. 8º enfatiza: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de 81


colaboração, os respectivos sistemas de ensino”. Porém, é necessário ressaltar que até se chegar à efetivação desse direito, transcorreram muitos entraves, que não cabe aqui discutir, pois o que nos interessa é identificar, analisar e refletir quais as políticas públicas educacionais criadas e implantadas no âmbito municipal, isto é, em AnanindeuaPA. 3. CONHECENDO ANANINDEUA – PA

UM

POUCO

O

MUNICÍPIO

DE

Ananindeua é um município situado no estado do Pará, que incorpora a mesorregião metropolitana da capital Belém. É a segunda maior cidade do estado e a segunda mais populosa, com uma área territorial de 190,502 km2 e com uma população de 471.980 habitantes. Tem o nome de origem tupi que foi dado devido à grande concentração de uma árvore chamada Anani, que produz um cerol muito utilizado para calafetar embarcações.

Mapa 1 – Localização geográfica de Ananindeua na Região Metropolitana de Belém Fonte: Anuário Estatístico do Município de Ananindeua (2007) in Almeida (2010)

Os primeiros cidadãos a povoarem Ananindeua foram os ribeirinhos e caboclos os quais se estabeleceram às margens do Rio Maguary, o mais importante rio que banha a região. Essa região contempla também 14 ilhas, dentre as quais se destacam as ilhas de João Pilatos, Igarapé Grande, São José, Santa Rosa e Sassunema. Em relação à área urbana, esta se divide em 22 bairros. 82


Mapa 2 – Áreas do Município de Ananindeua Fonte: Anuário Estatístico do Município de Ananindeua (2007) in Oliveira (2010)

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Em 1944 o Decreto Lei nº 4505, de 03 de Janeiro instituiu Ananindeua como município, que primeiramente pertencia a Belém, da qual recebeu e ainda hoje recebe em sua composição muita influência (PME 2008). E segundo Paz (2009, p.) “A sede municipal só foi reconhecida como cidade no dia 31 de dezembro de 1947, com aprovação da Lei Estadual nº 62/1948, publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) datado de 18 de janeiro de 1948”. No que se refere à educação, o município de Ananindeua possui Sistema Municipal de Ensino (SME) e para a sua efetivação conta com o Plano Municipal de Educação (PME 2008) conjuntamente como Conselho Municipal de Educação (CME) para implementar e fazer cumprir os objetivos propostos no Sistema Municipal de Educação: [a] institucionalização do SME de Ananindeua foi marcada pela legitimação do município quanto ente federado autônomo que, em termos educacionais, passou a ter a prerrogativa de determinar seus próprios rumos e por abrir um leque de possibilidades para agilizar o funcionamento de suas instituições educacionais, trazendo a perspectiva de maior proximidade à sua realidade educacional, criando normas próprias e mais adequadas ao seu contexto sócio educacional. Com a efetividade do seu Conselho Municipal de Educação incorpora na sua organização as categorias e grupos sociais relacionados direta ou indiretamente aos processos educativos, permitindo o melhor acompanhamento da realidade onde está inserido por meio do controle social. (PAZ, 2009, p. 132)

Segundo o referido autor o Sistema Municipal de Educação foi criado em 2005 através da Lei nº 2.153, estando em consonância com a Constituição de 1988, que garantia aos municípios autonomia político-administrativa, e com a Lei Estadual nº 6.170, de

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15/12/1998, que regulamentou o Sistema Estadual de Ensino (SEE), e determinou no Art. 8º a organização da educação municipal: Os Municípios que organizarem o seu sistema deverão fazê-lo mediante a criação legal dos órgãos executivo e normativo responsáveis pelo sistema e fixação da data de início de sua vigência e funcionamento, do que se obrigam a dar ciência, em processo próprio, ao Conselho Estadual de Educação, permanecendo vinculados ao Sistema Estadual os Municípios que não adotarem tal procedimento.

O Plano Municipal de Educação (PME) foi criado de acordo com o Plano Nacional de Educação que determina no Art. 2º a elaboração de planos decenais dos Estados, Municípios e o Distrito Federal em consonância com o plano nacional. Ainda sobre isso, expõe-se no texto do PME 2005: O Plano Municipal de Educação constitui-se num momento de mobilização social democrático e de planejamento participativo que tem por objetivo “envolver todos pela educação para garantir educação para todos”, definindo diretrizes e propostas para política educacional do nosso município no período de dez anos. (grifo no original)

Portanto, o Plano Municipal de Ananindeua foi elaborado a partir dos eixos estabelecidos no Plano Nacional de Educação de 2001, sendo eles: Acesso e permanência com sucesso e qualidade na educação pública municipal; Financiamento da Educação Pública; Gestão Participativa da Educação Pública Municipal; e Formação e Valorização dos Profissionais de Educação. O Conselho Municipal de Educação de Ananindeua foi instituído pela Lei nº 1.271/1997, de 02 de setembro de 1997. Segundo Paz (2009 p, 133) ele existe desde o ano de 1997, e na referida lei declara-se a importância da integração do CME ao 85


Sistema Municipal de Ensino, na condição de órgão normativo, consultivo, deliberativo e fiscalizador. Como a criação do SME só ocorreu em 2005, o CME só passou a ser atuante nesse mesmo ano. (grifo no original). O Programa de Ações Articuladas (PAR) do governo federal se constitui em documento que traça um diagnóstico da situação educacional dos municípios e também define as ações a serem executadas com apoio técnico e financeiro do MEC. Em 2008, mostra que entre os 144 municípios paraenses apenas cinco municípios possuem Plano Municipal de Educação e Conselho Municipal de Educação atuante. Ananindeua aparece entre os cinco (Paz 2009, p.128). Esse é um dado relevante que mostra o compromisso do referido município com a educação. 3 TRAJETORIA DA PESQUISA Para a realização do presente estudo utilizou-se a abordagem qualitativa fundamentado em estudo bibliográfico, seguido de estudo documental e de campo. Primeiramente realizou-se o estudo bibliográfico que consistiu em leituras de livros e dissertações referentes ao tema. Num segundo momento realizou-se o estudo documental com base na análise da legislação e de outros documentos. E por fim, a pesquisa de campo, que consistiu em visitas aos órgãos educacionais: Secretaria Municipal de Educação (SEMEC), Conselho Municipal de Educação (CME) e a Escola Municipal José Maria Morais e Silva, com o objetivo de investigarmos acerca da existência de políticas educacionais, sua implementação e impactos sociais. Como instrumental foram utilizados a entrevista semi-estruturada e a observação direta. Optouse pelo estudo de caso por se tratar de uma análise específica e aprofundada deum determinado fenômeno. Nas Ciências Sociais caracteriza-se como uma metodologia de estudo que se volta à coleta de informações sobre um ou vários casos particularizados. É também considerado como uma metodologia qualitativa de estudo, pois não está direcionada a se obter generalizações do

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estudo e nem há preocupações fundamentais com tratamento estatístico e de quantificações dos dados em termos de representação e/ou de índices. (BARROS; LEHFELD, 2001, p.127)

O presente estudo foi realizado no período de fevereiro a junho de 2011. Os sujeitos investigados foram integrantes da Secretaria Municipal de Educação: diretora de ensino, coordenadora da divisão do ensino fundamental, técnica pedagógica da divisão de educação infantil, técnica pedagógica da divisão do EJA, coordenadora da divisão de inclusão e a chefe do setor de planejamento; do Conselho Municipal: secretária executiva e da escola a coordenadora pedagógica. A dificuldade encontrada para a realização deste trabalho foi o difícil acesso a materiais e documentos que comprovassem as informações buscadas. 3.1 PROJETOS EDUCACIONAIS DESENVOLVIDOS PELA SEMED DE ANANINDEUA De acordo com as informações obtidas na Secretaria Municipal de Educação (SEMED) constatou-se que a mesma desde 2005, conta com o Departamento de Educação (DEED) que é composto por cinco divisões, cada uma responsável por um nível ou modalidade de ensino, sendo Divisão de Educação Infantil; Divisão do Ensino Fundamental; Divisão de Educação de Jovens e Adultos; Divisão de Educação Especial, conta ainda com dois grupos independentes das Divisões, a coordenação do PROJOVEM e também a equipe que é responsável pelo Projeto Ônibus Biblioteca. A diretora de ensino declarou que os principais problemas educacionais enfrentados pelo município eram: a carência de vagas no ensino infantil e o autoíndice de analfabetos funcionais no ensino fundamental. Para implementar o conjunto de ações propostas no Sistema Municipal de Educação, a SEMED criou em 2005 o Programa “Escola Anani - Escola Cidadã” com o objetivo de ampliar o atendimento na educação infantil e diminuir as altas taxas de evasão e repetência nas séries iniciais, que até então atendia apenas 10,4% 87


na faixa de 0 a 6 anos, e possuía uma taxa de evasão de 20,3% e de 9,2%, segundo dados do INEP/SEMED. Dentre as propostas do Programa “Escola Anani-Escola Cidadã” criadas para tentar superar essa dificuldade, a SEMED vem desenvolvendo no município o Projeto Letramento e também avaliações de acompanhamentos periódicos do desenvolvimento da aprendizagem dos alunos. O Projeto Letramento é o projeto macro que envolve todos os outros projetos e ações desenvolvidos pela SEMED de Ananindeua. Criado em 2006 e gerenciado pela Divisão de Ensino Fundamental, ele tem como objetivo a diminuição da reprovação e evasão escolar, através do investimento no processo de melhoria da leitura e escrita. Com a implantação do Ensino Fundamental de 9 anos em 2010, o Projeto Letramento centrou-se em duas ações: a formação de professores e a avaliação diagnóstica dos alunos. Assim, tem-se a formação específica para os professores da educação infantil e formação continuada para os professores das séries iniciais, séries finais e da EJA. A formação para os professores da educação infantil tem carga horária de 120h, para os das séries iniciais de 80h. Aos professores de 5ª a 8ª série a carga horária é reduzida e aos da EJA acontece a cada dois meses. As avaliações diagnósticas acontecem bimensalmente, são elaboradas para avaliar as habilidades de leitura e escrita dos alunos durante todo o ano letivo. A partir delas, traça-se um mapa de cada turma e elabora-se o parecer individual de cada aluno sobre o desenvolvimento das habilidades propostas em cada avaliação. A Prova Anani ação ligada ao Projeto Letramento, é realizada ao final de cada ano, com o objetivo de avaliar o desempenho geral dos estudantes. Para o bom andamento desse trabalho, a SEMED oferece treinamento e material de apoio aos professores. Os instrumentos de avaliação diagnóstica permitiram em 2010, detectar as dificuldades na leitura e escrita nos alunos do município e a partir desses dados, foi criado o Projeto Campeão Anani, que de acordo com a diretora de ensino é um projeto desafiador, pois mobiliza os alunos de 3ª e 4ª séries de todas as escolas a chegarem até 30 de junho de 2011 “lendo muito bem”. A culminância do projeto será uma feira do livro onde os alunos irão expor livros que eles mesmos produziram, juntamente com a premiação de “campeões ananis”. 88


Sob iniciativa da SEMED, é desenvolvido nas escolas de educação infantil o trabalho com a Pedagogia de Projetos, que tem por objetivo implementar e incentivar a criação de projetos de ações pelos professores conforme as dificuldades e necessidades das crianças da sua escola. Há também a Feira Científica Cultural e Tecnológica da Educação Infantil, que acontece todo o ano desde 2009. A SEMED em parceria com o governo federal desenvolve o Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação, instalou para a Educação Infantil o projeto Pró-Infância e o Rede Crescer. O primeiro viabiliza a construção e aquisição de equipamentos e mobiliário para creches e pré-escolas públicas; já o outro, promove ações integradas das políticas de saúde, educação, assistência, garantia de direitos e distribuição de renda objetivando o desenvolvimento infantil. Em relação à Educação de Jovens e Adultos há o Programa Nacional de Alfabetização de Adultos – BRALF, que é do Governo Federal, tem por objetivo alfabetizar adultos no período de sete meses (novembro a junho do ano seguinte) para inseri-lo no EJA. Há também o desenvolvimento de ações como formação de professores. Resgate de alunos evadidos. Pesquisas de acompanhamento, para saber o grau de satisfação de alunos, professores e gestores. Parcerias com representantes de turma. Outra ação desenvolvida foi a realização de uma pesquisa em 2008 para verificar a satisfação dos alunos e o que poderia ser melhorado, foram também ouvidos os professores e gestores, com objetivo de reavaliar a dinâmica educativa e buscar melhorias na educação oferecida. Em relação à Educação Especial são desenvolvidos programas em parceria com os governos federal e estadual, destacando-se os programas Mais Educação, Saúde Escolar, Benefício de Prestação Continuada – BPC, Rede crescer e outros. São também desenvolvidas ações como assessoramento técnico pedagógico nas escolas da rede municipal. Formação continuada em Braile, Libras. Atendimento no contra-turno a alunos com necessidades especiais, e outras. De acordo com a chefe do departamento de planejamento da SEMED, o município conta com vários programas por intermédio do PAR como o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), que 89


viabiliza a manutenção da escola; o Programa de Adequação dos Prédios Escolares (PAPE), que visa à melhoria do aspecto físico, o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE - Escola), que possibilita a melhoria da gestão escolar e a qualidade do processo ensino aprendizagem , o Programa Escola Aberta queéumprogramafederal que consiste no desenvolvimento de diversas atividades educacionais e esportivas voltados aos alunos e comunidade em geral. Outro programa desenvolvido no município é o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Pró-Jovem – Urbano) do Governo Federal em parceria com os municípios. É destinado a pessoas de 19 a 29 anos, tem por objetivo possibilitar a conclusão da formação básica, qualificação profissional e participação em ações comunitárias. Os alunos do programa recebem uma bolsa-auxilio no valor de R$ 100,00 mensais durante todo o curso. Há também projetos de iniciativa municipal que abrangem mais de um nível ou modalidade de ensino, como o projeto Ônibus Biblioteca: Casa Anani que tem por objetivo desenvolver entre alunos e professores o interesse e o hábito de leitura. Para isso a equipe do projeto trabalha com cronograma anual rigoroso para atendimento de todas as escolas do município; também com a formaçãode professores incentivando-os à leitura. Fundamenta-se na tríade leitura, escrita e oralidade. São utilizados como instrumentos o teatro, fantoche, dedoches, caracterizações, dramatizações, musicais e outros. O Concurso Literário “Fazendo Arte com Letras Ananis” é mais um projeto municipal criado em 2009 que objetiva, a partir das linguagens literárias, promover a prática da leitura e escrita na sala de aula e na vida cotidiana através da valorização da criatividade dos educandos. Acontece uma vez por ano e premia as melhores redações feitas a partir de um tema lançado, dele participam os alunos da 3ª, 4ª, 7ª e 8ª séries do ensino fundamental e das 2ª e 4ª etapas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da rede municipal de Ananindeua. Os alunos que tiverem os melhores resultados serão premiados com medalhas, certificados, computador e aparelho de DVD. A Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) é um projeto nacional criado pelo MEC que tem como objetivo estimular o estudo da matemática e revelar talentos na área, há também a Olimpíada de Matemática a nível estadual e municipal. 90


O Projeto “Aluno Nota 10”, de iniciativa municipal, foi implantado em março de 2009 é um projeto de incentivo financeiro que premia os alunos do ensino fundamental e da EJA que mais se destacam nas atividades escolares de cada bimestre, considerando os critérios de desempenho nas avaliações, disciplina, participação e a assiduidade dos pais nas atividades escolares. Ainda a partir das informações e observações obtidas no “locus” da pesquisa destacam-se outros programas e projetos como o Programa de Informática Educativa nas Escolas, que visa a inclusão digital, a elaboração da proposta curricular para a rede municipal de ensino, a ampliação do tempo de permanência na escola para 5 horas diárias e outras. Vale ressaltar que o município desde 2008, conta com o Centro de Referência em Educação Infantil (CREI) Essência Anani que é uma unidade educacional criada de acordo com os padrões exigidos pelo MEC para o atendimento à educação infantil, por isso é referência em toda a região Norte. Está localizada no bairro do Distrito industrial possui seis salas de aula, refeitório, área livre, espaço para recreação e dois berçários que atendem a crianças com idade a partir de seis meses. Dispõe de 75 profissionais, entre gestor, coordenadores, nutricionistas, técnicos em enfermagem, professores pedagogos, auxiliares e equipe de apoio que se revezam, nos turnos da manhã (das 7h às 12) e da tarde (das 13h às 18h). Atualmente, 417 crianças estudam no CREI, sendo 78 delas em regime integral e 40 no berçário.*

Fonte: http://www.ananindeua.pa.gov.br/semed/#galeria.index.index

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3.1.1 EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS A Lei Federal n° 11.645 de 10 de março de 2008, em seu art. 26-A, trata da obrigatoriedade da inclusão no currículo oficial de ensino de temas relacionados à cultura afro-brasileira e indígena. De acordo com o Mistério da Educação (MEC) em sua pauta sobre políticas afirmativas do governo federal instituiu uma série de medidas que objetivam retificar e eliminar injustiças e discriminações, promovendo dessa maneira a inclusão social e buscando a cidadania por meio da educação disponibilizada nas escolas brasileiras. As ações afirmativas para a população negra e indígena têm como finalidade promover alterações na realidade vivenciada por essas etnias com o objetivo de democratizar a sociedade para que se torne mais justa, igualitária e reverta o histórico de injustiças e discriminações, permitindo dessa forma meios igualitários de conquistas tanto de educação como também de empregos. A cerca da questão da diversidade étnica, o município de Ananindeua desenvolve essa temática a partir de dois documentos de orientação curricular, sendo um destinado ao ensino fundamental de 1ª a 8ª série, e o outro ao ensino fundamental de nove anos. Os conteúdos contidos nesses documentos são trabalhados tanto nas escolas urbanas quanto nas comunidades ribeirinhas e quilombolas. Os documentos foram elaborados com a participação dos professores e das escolas. Promove-se também a formação continuada e o desenvolvimento de um currículo multicultural. No que diz respeito aos livros didáticos, os mesmos são escolhidos pelo departamento de ensino fundamental, após a verificação da existência de conteúdos queabordam questões afro-brasileira e indígena. É possível perceber os resultados dessa iniciativa nas feiras culturais promovidas nas escolas. Além da questão curriculara SEMED desenvolveo Projeto Cor da Culturaque tem como objetivo incentivar a valorização e o ensino da cultura negra nas comunidades quilombolas do Abacatal, localizada ao final da rua principal do bairro do Aurá.

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3.2 AS AÇÕES ANANINDEUA

DO

CONSELHO

MUNICIPAL

DE

Em visita ao Conselho Municipal de Educação (CME) podese perceber através de entrevista com a secretária executiva, que o mesmo desempenha as funções de órgão deliberativo, consultivo efiscalizador. Esse desenvolve seu trabalho em parceria com a SEMED, a Prefeitura de Ananindeua e a comunidade. Para isso, é formada por representantes do poder público (1/3) e da sociedade civil organizada (2/3). Tem como foco promover a legalização de escolas e a instalação de conselho escolar nas escolas do município. 3.3 A ESCOLA JOSÉ MARIA MORAES E SILVA

Fonte:http://raizesdoananin.blogspot.com/2010/06/escola-municipal-de-ensino-fundamental.html

Durante visita a escola, localizada na BR-316, no centro de Ananindeua, pode-se constatar, um prédio bem estruturado, construído de forma ecologicamente correta, as janelas da escola foram planejadas para captar a luz solar durante o dia, e assim evitar o consumo de energia elétrica. Existe na escola também um reservatório para armazenamento da água da chuva. Em relação às dependências da mesma, observou-se um ambiente organizado e bem conservado. A localização da escola favorece o acesso dos alunos, as turmas possuem em torno de 40 a 47 alunos e a procura por vagas é contínua de acordo com relatos da coordenadora entrevistada. Quanto aos problemas enfrentados pela escola, foram mencionadas dificuldades em relação ao ensino e aprendizagem de leitura, que ainda é observado em algumas classes, apesar de existir 93


um trabalho voltado para esta questão tanto da leitura e escrita como também de matemática. Quanto à formação dos professores, todos possuem graduação em sua área de atuação, alguns até com especialização e mestrado. Por intermédio da coordenadora pedagógica da escola os projetos e ações desenvolvidos na instituição têm ajudado bastante na qualidade de ensino oferecido, os professores são comprometidos, há uma parceria e cooperação com o trabalho que desenvolvem. Os principais impactos sociais percebidos são a mudança de comportamento dos alunos dentro da própria instituição e também na comunidade onde moram. Verificou-se a existência dos seguintes projetos que visam melhorar a realidade escolar: o projeto História e Arte e o Consumo Consciente de Energia, de iniciativa de um professor de História. Tem por objetivo, o consumo consciente de energia. Outro projeto em consonância com o descrito no PDE, o qual estabelece a construção e ampliação de bibliotecas, é desenvolvido pela escola: Sala de Leitura, onde se realiza umtrabalho de reforço a partir das dificuldades apresentadas pelo aluno. O Campeão Anani é um projeto propostopela Secretária de Educação do município, visa trabalhar as questões de leitura e escrita. Dentro da perspectiva do projeto a escola trabalha a construção de livros que ao final de um determinado período é exposto em uma feira na própria escola. Os alunos participam também, do Concurso Literário e das Olimpíadas de Matemática. Na escola é trabalhado também o Programa Escola de Portas Abertas que é um programa federal que consiste no desenvolvimento de diversas atividades educacionais e esportivas voltados aos alunos e comunidade em geral. Existem também “ações educativas”, como o Plantão Pedagógico, que visa ampliar a participação dos pais junto à escola e assim acompanhar o desenvolvimento do aluno, em relação ao rendimento escolar, comportamento, etc.; é realizado também o Simulado de 3º ao 9º ano antes das provas. E o Projeto de Reciclagem desenvolvido pela professora de artes junto aos alunos que confeccionam bonecos e fantasias com materiais recicláveise servem de fantasia e decoração das festas de carnaval e junina da própria escola.

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Segundo depoimento da coordenadora pedagógica da Escola José Mª. Moraes e Silva, os estudantes passaram a ser mais cautelosos em relação ao uso indiscriminado de energia. Como o projeto apresentou resultados positivos, a intenção dos coordenadores é continuar desenvolvendo-o, pois, inclusive, já foi premiado no concurso da rede Celpa e ficou entre os dez primeiros escolhidos da região norte. Em nível de atendimento escolar, se houver algum caso que necessite de atendimento psicopedagógico, é feito um relatório do aluno, em seguida o documento é encaminhado à secretaria de educação juntamente com o responsável do aluno para que se possa desenvolver um trabalho visando à superação da dificuldade encontrada. 4 OS RESULTADOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NA COMUNIDADE Dentre os principais resultados alcançados na comunidade pode-se destacar aceitação tanto às políticas, como aos projetos que estão surgindo, fundamentados nas políticas federais, que tem produzido o crescimento e o desenvolvimento de educandos nos diversos níveis. Com os programas de incentivo financeiro, pode-se perceber um percentual relevante de alunos motivados para o estudo, com os objetivos diversos principalmente de demonstrar melhores resultados, como o caso do projeto Aluno nota 10 que desde sua implantação em março de 2009 já foram premiados mais de 1500 alunos, segundo site oficial da prefeitura além de medalhas e diplomas, os alunos recebem prêmios em dinheiro no valor de R$ 300 e aparelhos de DVD e MP4. Na Olimpíada Nacional de Matemática das Escolas Públicas – OBMEP – realizada no ano passado o município de Ananindeua fez dois medalhista, um de ouro, o aluno Wesley Monteiro de Oliveira da E.M.E.I Prof. M. do Carmo Barbosa Monteiro e outro de prata o aluno Moacir Cordeiro Miranda da E M E F Laercio Wilson Barbalho2. Segundo dados do site da prefeitura, o cursinho prévestibular de Ananindeua no ano de 2011 aprovou 40 alunos no vestibular da UFPA e 10 alunos no vestibular da UEPA. O mesmo

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foi implantado em agosto de 2009 e já atendeu 1.500 jovens e adultos. Por meio do Programa de Alfabetização de Adultos (BRALF) implantado em 2004, o município já alfabetizou mais de 6.200 alunos dos quais muitos foram inseridos na EJA e nas escolas regulares para dar continuidade aos estudos. Segundo a técnica pedagógica da Divisão da EJA, o BRALF tem contribuído para motivar jovens e adultos para os estudos, melhorando as relações familiares, proporcionando aos pais maior suporte na orientação dos filhos quanto aos conteúdos escolares e ainda tem dado maiores expectativas profissionais para os mesmos. E quanto ao Prá-Jovem Urbano de Ananindeua, implantado em 2007, este já atendeu cinco mil jovens. Para ilustrar melhor o resultado das políticas educacionais no município, fez-se um comparativo entre o desempenho das escolas públicas municipais de Ananindeua, as escolas públicas estaduais situadas no município de Ananindeua e as escolas públicas municipais do Brasil. Utilizou-se um gráfico com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB dos anos de 2005, 2007 e 2009. Gráfico 1 – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

IDEB – das Séries Iniciais de escolas públicas

Fonte primária: MEC/Inep Fonte secundária: as autoras

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Por meio do gráfico 1 pode-se observar que o nível de desenvolvimento em relação as Séries Iniciais do Ensino Fundamental em Ananindeua está acima da média estadual em todos os anos observados. Em comparação com a média nacional, o referido município nos anos de 2005 e 2007 esteve abaixo da média, porém, em 2009 deu um salto qualitativo e conseguiu se igualar à média nacional, tendo um crescimento de 1 ponto percentual de 2007 a 2009, isto é, obteve um crescimento maior que o crescimento nacional que ficou em 0,4.

Gráfico 2 – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IDEB – das Séries Finais de escolas públicas

Fonte primária: MEC/Inep Fonte secundária: as autoras

Em relação às séries finais do Ensino Fundamental, o gráfico 2 indica o município de Ananindeua em todos os anos avaliados, com melhor desempenho em relação à média estadual e também à média nacional, estando 0,7 pontos acima da média nacional.

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ANÁLISE DOS DADOS De acordo com o exposto observa-se que a educação no município de Ananindeua/PA vem sendo desenvolvida de acordo com vários preceitos estabelecidos no PDE. Primeiramente por meio do regime de colaboração estabelecido entre a União os Estados e o Município, outrora mencionado, o qual permite que recursos e outras ações sejam desenvolvidas no município, de acordo com texto do PDE (2010 p. 10) “Regime de colaboração significa compartilhar competências políticas, técnicas e financeiras para a execução de programas de manutenção e desenvolvimento da educação”. A partir desse regime de colaboração outras ações foram promovidas como a formação continuada dos professores, pois “a melhoria da qualidade da educação básica depende da formação de seus professores, o que decorre diretamente das oportunidades oferecidas aos docentes”. Essa formação é proporcionada através do Programa Letramento, assim como através de outros programas que não foram aqui relatados como PLATAFORMA FREIRE e outros. O investimento em infraestrutura das escolas, a inclusão digital a partir de projetos específicos e principalmente a criação de programas de incentivo financeiro certamente são o marco na educação que atualmente é oferecida no município de Ananindeua. E o resultado dessa política educacional é a melhora na nota do IDEB que mostra que o referido município está conseguindo melhorar a qualidade da educação pública que é oferecida. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo possibilitou a identificação de várias politicas públicas voltadas para o desenvolvimento e melhoria da qualidade do ensino no município de Ananindeua, os programas e projetos implantados estão em consonância com os programas federais criados pelo MEC como o Plano Nacional de Educação e os demais que integram esse plano macro. Podemos destacar os seguintes programas, projetos e ações existentes no município. A nível federal tem-se o Plano de Ações Articuladas (PAR), o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, o FUNDEB, o Pró-Infância; a Prova Brasil; a Olimpíada de Matemática; o Mais Educação; o Brasil Alfabetizado e outros. 98


Em âmbito municipal, podemos salientar os seguintes: Programa Escola Anani – Escola Cidadã, Projeto Letramento, Projeto “Aluno Nota 10”, Ônibus Biblioteca – Casa Anani; Programa de Informática Educativa nas Escolas; Pré-vestibular Municipal e outros. De acordo com os aspectos evidenciados no estudo, pode-se concluir que o município de Ananindeua vem efetivando com sucesso as políticas educacionais e o resultado desse trabalho pode ser evidenciado nos resultados que vêm sendo apresentados no IDEB. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZANHA, José Mário Pires. Planos e políticas de educação no Brasil: alguns pontos para reflexão. In: MENEZES, João G. de Carvalho; BARROS, Roque S. Maciel de; NUNES, Ruy A. da Costa et al (org.). Estrutura e Funcionamento da Educação Básica. São Paulo: Pioneira, 1998. p. 103-108. BIANCHETTI, Roberto G. Modelo Neoliberal e Políticas Educacionais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1999. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000. FREIRE, Paulo. Política e Educação: ensaios. 5ª Ed. São Paulo: Cortez, 2001 p.24 IBGE http://www.censo2010.ibge.gov.br/dados_divulgados/index.php?uf= 15 HAIDAR, M. L. M.; TANURI, L. M. A Educação Básica no Brasil: dos primórdios até a primeira Lei de Diretrizes e Bases. In: MENEZES, J. G. C. et al. Estrutura e Funcionamento da Educação Básica. 2 ed. São Paulo: Pioneira, 2001. POLÍTICAS públicas: conceitos e práticas. Belo Horizonte: SEBRAE/MG, 2008. 48p.

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SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE ANANINDEUA. Plano Municipal de Educação. Ananindeua;2005. SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE ANANINDEUA. Proposta Curricular para Implantação do Ensino de 9 anos. Ananindeua; 2010. BRASIL. Plano de Desenvolvimento da Educação. Brasília: MEC, 2010. Disponível em:http://www.portal.mec.gov.br/arquivos/livro/index.htm. MINISTERIO DA EDUCAÇÃO. Plano Desenvolvimento da Educação: Educação de Qualidade: Compromisso de todos. Brasilia; 2008. In Revista Nova Escola. São Paulo. ed.jun-julh/2008, (p. 3233) PAZ, Vanilson Oliveira. O Município e a organização da educação: caminhos e desafios da criação e implantação do sistema municipal de ensino de Ananindeua. Belém: UFPA, 2009. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências da Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Belém, 2009. Disponível em: www.ppged.belemvirtual.com.br/.../Dissertacao_vanilsonoliveira200 7.pdf ALMEIDA, Fernando Octavio Barbosa de. Alfabetização de jovens e adultos: saberes docentes em uma escola municipal de Ananindeua. Belém: UEPA, 2010. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2010. Disponível em: paginas.uepa.br/mestradoeducacao/index.php?option=com

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POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS DO MUNICÍPIO DE MARITUBA DO ESTADO DO PARÁ: Estudos das boas práticas no ano de 2011 Fábio Mendes de Brito Maria Betânia P.O. Viana Nádia Cristina de Faro Meirim Neilane Rodrigues de Souza Lucidéa de Oliveira Santos (Orientadora) Eugênia Sueli Belém (Co-orientadora)

RESUMO: As políticas públicas têm como finalidade o bem coletivo, quando aplicadas a educação, sua finalidade passa a ser a de garantir a qualidade da educação a todos os sujeitos. O presente artigo busca identificar, analisar e refletir a cerca das políticas públicas educacionais desenvolvidas no município de Marituba. Para tal finalidade a questão da educação, como direito, passando por um breve olhar sobre como o governo tem se relacionado com educação e que ações estão sendo desenvolvida nesse contexto, pela esfera publica a nível municipal a fim de garantir a qualidade na educação. A metodologia adotada para a realização desse estudo pauta-se em pesquisas bibliográfica, documental e de campo, tendo como instrumento de coleta de dados primários a entrevista semidirigida. Ao analisar os dados coletados, constatou-se que um dos aspectos relevantes quanto às boas práticas na escola, está ligada ao comprometimento e compromisso de quem gere a educação tanto no nível administrativo como no nível pedagógica para empregar da melhor forma os recursos advindos das políticas públicas. PALAVRAS-CHAVE: Educação; Constituição Federal; Políticas Públicas; Sistema educacional; Marituba; Semed.

1 INTRODUÇÃO O presente artigo surgiu como uma proposta de trabalho da disciplina Políticas Públicas da Educação, sendo tal proposta aceita pelos acadêmicos do 7º semestre, do curso de Pedagogia da 101


Faculdade Idea – FACI. Para a produção deste artigo, a turma se organizou em três grupos, onde cada equipe ficou encarregada de pesquisar as Políticas Públicas voltadas à educação desenvolvidas nos municípios de Belém, Ananindeua e Marituba. Considerando isto, o presente texto, tem como objetivo identificar, analisar e refletir sobre políticas Públicas voltadas a educação no município de Marituba - PA bem como as ações desenvolvidas no ambiente escolar, que tem contribuído de forma positiva para o desenvolvimento da educação. Nesse contexto, o presente estudo objetivou identificar, analisar e refletir acerca das ações desenvolvidas no contexto escolar que vem obtendo êxito. Para tal analise, a pesquisa desenvolvida se estrutura em um aporte teórico, pesquisa de campo in loco, tendo como instrumento de coleta de dados, a entrevista semi-dirigida. As escolas escolhidas para a realização da pesquisa foram indicadas a partir da média alcançada no Ideb - índice de desenvolvimento da educação básica no ano de 2009. Para a execução dos objetivos apresentados acima, o artigo foi dividido em três momentos. No primeiro momento será apresentado um referencial teórico, que abordará sobre a relação do governo com a educação, sobre políticas públicas de um modo geral e sobre as políticas públicas voltadas a educação. No segundo momento, será descrita a metodologia adotada para a realização desta pesquisa e por fim, no terceiro momento ocorrerá a analise dos dados obtidos em campo a partir do referencial adotado, considerando as boas práticas desenvolvidas. 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 A educação como direito De acordo com a atual constituição no artigo 205, a educação é assegurada a todos os sujeitos, sendo atribuído ao Estado e a família o cumprimento deste direito, considerando que a mesma deva visar ao pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania bem como sua qualificação para o trabalho. E no artigo 206, no inciso V, expressa “A valorização dos profissionais de ensino, garantidos, na forma da lei [...]”

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Outro documento importante, que defende o princípio da educação como um direito de todos, denomina-se Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB 9394/96) sendo esta a legisla que regulamenta o sistema educacional (público ou privado) do Brasil (da educação básica ao ensino superior). A LDB 9394/96 reafirma o direito à educação, garantido pela Constituição Federal. Estabelece os princípios da educação e os deveres do Estado em relação à educação escolar pública, definindo as responsabilidades, em regime de colaboração, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Entretanto, ao se observar a realidade do sistema educacional, podese perceber que os dois princípios apresentado a cima, e garantidos como direito, não estão sendo cumpridos, pelo contrário, à muitos o direito a educação é negado, quando não o é, não possibilita o pleno desenvolvimento do sujeito, e quando permite que isso aconteça, esse desenvolvimento se dá de maneira precária. Para se compreender tal situação em relação a educação, deve-se buscar conhecer como esta vem sendo tratada ao longo desses anos. De uma forma geral, perceber-se-á que essa desvalorização não é um fenômeno ou uma situação recente, todo esse contexto, está apoiado no modo como o governo se relacionou com a questão educacional ao longo do tempo. 2.3 Um breve olhar sobre a atuação do governo frente à educação. Ao se pensar sobre o histórico das Políticas Públicas voltadas à educação, ou melhor, sobre o histórico de atuação do governo em relação à educação, segundo Barcelos (2002) o década de 1930 pode ser considerada como marco inicial dessas ações. De acordo com Cruz (2009) quando o Estado se ausentava quem preenchia esse vazio, mesmo que de forma insuficiente, era a religião católica, que atuava nessa promoção desde o período colonial. A atuação do governo na educação pode ser considerada de acordo com Barcelos (2002) como: “[...] o primeiro referencial normativo para o setor da educação secundária [...]” A partir desse período, o ensino passa a ser seriado, os conteúdos escolares são equiparados e passa a existir o serviço de regulamentação, fiscalização e orientação pedagógica para garantir essa equiparação. 103


“[...] a união interfere pedagogicamente no ensino secundário público e privado, tornando homogêneos os currículos”. (idem.) No ano seguinte, em 1931, é lançado o “Manifesto dos Pioneiros”, um dos documentos fundamentais para a organização do ensino, pois a partir dele, são formuladas as bases e diretrizes para a educação nacional, influenciando principalmente a escola pública. Nesse momento a educação passa a ter uma consciência histórica, passando a ser à base de organização da sociedade. Nasce então a ideia da escola de qualidade. Única, comum e acessível em todos os seus graus para os cidadãos, guiada pelo princípio de igualdade. A partir do Manifesto dos Pioneiros, “O indivíduo tem, portanto direito a educação [...]” (idem) De acordo com Barcelos (2009) no ano de 1934 pensa-se a ideia de um Plano Nacional de Educação (PNE), ficando esta função a cargo do Conselho Nacional de Educação. “Nasce a ideia da educação como “direito público subjetivo” um avanço [...]” (idem.). Além disso, passa-se a discutir outro aspecto importante para a qualidade da educação, a aplicação dos recursos públicos de forma a garantir a obrigatoriedade do ensino básico Ao se analisar as constituições anteriores quanto à aplicação de recursos voltados a educação, facilmente se perceberá que elas se eximiam de discutir essa situação. Considerando Barcelos (2009) com o advento do Estado Novo em 1937, redefiniu-se o papel da educação no projeto nacionalista. A nova constituição dedicou-lhe menos espaço, servindo apenas como uma forma de se combater o comunismo e resolver as questões sociais, privilegiando um ensino específico para as classes menos favorecidas. Em 1959, um novo manifesto passa a ser divulgado. Nele, além de se defender a escola pública, discute os aspectos sociais da educação. Entretanto esse manifesto a favor da Lei de Diretrizes e Bases da educação de 1961, Lei nº 4.024/61, não prevê o aspecto conservador e submisso em relação à iniciativa privada, prevendo até ajuda financeira de forma indiscriminada. No período de governo Militar, programas de erradicação da alfabetização são incentivados, como exemplo desses programas temos o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) que além de buscar erradicar o analfabetismo, tornava o cidadão apto a votar ou como afirma Barcelos (2009): 104


“Também surgem os movimentos de Cultura Popular em Pernambuco e Rio Grande do Norte, com programa de alfabetização de Paulo Freire [...] A alfabetização das massas tinha então o objetivo de colaboras na conscientização popular e aumentar o número de eleitores, por que o voto não era facultativo aos analfabetos”

A partir desse período “Foi ampliada a obrigatoriedade escolar para oito anos, com a fusão do primário e ginásio [...]” (idem.) No período de 1975 à 1985 outras ações passam a ser tomadas pelo governo, como por exemplo a criação de um consenso sobre as questões educacionais relacionadas ao Ministério da educação - MEC. Como propostas desenvolvidas nesse consenso Barcelos (2009) destaca: Os documentos, assinalados, pautam entre suas prioridades estratégicas de flexibilidade, mobilização social e articulação com a sociedade com o objetivo de valorizar projetos de valorização do magistério de educação básica, ampliação de oportunidades de acesso a escola e assistência ao aluno carente. Já no governo democrático, um dos aspectos destacados por Bacelos ressalta a seguinte ação: [...] o MEC passa a prestar contas de suas ações. Seus relatórios apontam que o foco principal é o ensino fundamental, principalmente com o Programa Nacional de Atenção Integral a Criança e Adolescente (PRONAICA) que Junto com as ações de assistência ao estudante, que junto com a Fundação de Assistência ao Estudante, será central na nova estratégia. O governo afirma-se com compromissos com o Plano Decenal, a questão do magistério.

Após consideramos esse breve histórico sobre a atuação do governo na educação, pode-se perceber que diversas ações tomadas, 105


tinham uma real finalidade diferente da divulgada, buscava-se apenas assegurar com essas ações os interesses da classe política e dominante do País, por isso, as políticas públicas são fruto de lutas e surgem do interesse coletivo e não pelo desejo de um grupo minoritário. 2.2 O que são políticas públicas Para se discutir política pública, faz-se necessário compreender primeiramente o que vem a ser política. De um modo geral, Ao se fazer uma busca pela definição de política em dicionário do meio eletrônico (Internet) como Michaelis, Aurélio e o Português, veremos que ambos apresentam definições semelhantes para esse termo. Definem a política como: “Arte ou ciência de governar”, ”Arte ou ciência da organização, direção e administração de nações ou Estados”, “Ciência do governo dos povos”, Assim como também se formos analisar buscar o conceito de política de modo mais teorizado. De acordo com Machado e Kyosen (2000), política pode ser definida a ciência de bem governar um povo, constituído em Estado. Deste modo pelas definições apresentadas, tanto pelos dicionários como por autores, pode-se conceber política como algo relacionado ao povo ou aos cidadãos de modo a orientar ou direcionar suas vidas. Partindo do princípio que política esta relacionada ao modo como a sociedade e conduzida, podemos então compreender o significado de Políticas Públicas. De acordo com Souza (2006, p.24) as políticas públicas podem ser definidas como ações ou atividades realizadas pelo governo que irão influenciar de forma direta ou indireta a vida dos cidadãos. E dependendo do setor a que se destinam as políticas públicas terão uma finalidade especifica. Ou como Ahlert (2004, p.47) afirma: As políticas públicas são as ações empreendidas pelo Estado para efetivar as prescrições constitucionais sobre as necessidades da sociedade em termos de distribuição e redistribuição das riquezas, dos bens e serviços sociais no âmbito federal, estadual e municipal. São políticas de economia, educação, saúde, meio ambiente, ciência e tecnologia, trabalho, etc. Assim, políticas públicas é um conjunto de ações que o governo desenvolve visando o bem coletivo, o bem social, sendo a 106


sua criação motivada por necessidades que surgem da própria sociedade. As políticas públicas têm sido criadas como resposta do Estado às demandas que emergem da sociedade e do seu próprio interior, sendo a expressão do compromisso público de atuação numa determinada área a longo prazo [...] Sua construção obedece a um conjunto de prioridades, princípios, objetivos, normas e diretrizes bem definidos (CUNHA & CUNHA, 2002, apud, AHLERT)

2.5 As políticas públicas educacionais A partir da década de 1930, pode-se perceber que as ações governamentais voltadas a educação começaram a se fazer presentes, entretanto tais ações não alcançavam os objetivos almejados, como o direito de educação a todos, princípio lançado no manifesto dos pioneiros da educação na década de 1930 e reforçado na atual constituição brasileira, no artigo 205, que posteriormente veio dar base a formulação da Lei de diretrizes e Bases a educação nacional LDBEN. A fim de garantir esses direitos e princípios constituídos, o governo passa a executar algumas ações educacionais, que sem encontram no contexto das políticas públicas. 2.5.1 PDE O Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE-Escola) é uma ferramenta gerencial que auxilia a escola a realizar melhor o seu trabalho: focalizar sua energia, assegurar que sua equipe trabalhe para atingir os mesmos objetivos e avaliar e adequar sua direção em resposta a um ambiente em constante mudança. É considerado um processo de planejamento estratégico desenvolvido pela escola para a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem. O PDE-Escola constitui um esforço disciplinado da escola para produzir decisões e

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ações fundamentais que moldam e orienta o que ela é, o que faz e por que assim o faz, com um foco no futuro. 2.5.2 PDDE Criado em 1995, o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) tem por finalidade prestar assistência financeira, em caráter adicional, às escolas públicas da educação básica das redes estaduais, municipais e do Distrito Federal e às escolas privadas de educação especial mantidas por entidades sem fins lucrativos, registradas no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) como beneficentes de assistência social ou outras similares de atendimento direto e gratuito ao público. O programa engloba várias ações e objetiva a melhora da infraestrutura física e pedagógica das escolas e o reforço da autogestão escolar nos planos financeiro, administrativo e didático, contribuindo para elevar os índices de desempenho da educação básica. 2.5.3 IDEB O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) foi criado pelo Instituto Nacional de Educação e Pesquisa (Inep) em 2007 e representa a iniciativa pioneira de reunir num só indicador dois conceitos igualmente importantes para a qualidade da educação: fluxo escolar e médias de desempenho nas avaliações. Ele agrega ao enfoque pedagógico dos resultados das avaliações em larga escala do Inep a possibilidade de resultados sintéticos, facilmente assimiláveis, e que permitem traçar metas de qualidade educacional para os sistemas. O Ideb é importante por ser condutor de política pública em prol da qualidade da educação. É a ferramenta para acompanhamento das metas de qualidade do PDE para a educação básica. O Plano de Desenvolvimento da Educação estabelece, como meta, que em 2022 o Ideb do Brasil seja 6,0 – média que corresponde a um sistema educacional de qualidade comparável a dos países desenvolvidos. 2.5.4 FUNDEB O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb foi 108


criado pela Emenda Constitucional nº 53/2006 e regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto nº 6.253/2007, em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - Fundef, que vigorou de 1998 a 2006. É um fundo especial, de natureza contábil e de âmbito estadual (um fundo por estado e Distrito Federal, num total de vinte e sete fundos), formado por parcela financeira de recursos federais e por recursos provenientes dos impostos e transferências dos estados, Distrito Federal e municípios, vinculados à educação por força do disposto no art. 212 da Constituição Federal. Independentemente da origem, todo o recurso gerado é redistribuído para aplicação exclusiva na educação básica. Além dos recursos originários dos entes estaduais e municipais, verbas federais também integram a composição do Fundeb, a título de complementação financeira, com o objetivo de assegurar o valor mínimo nacional por aluno/ano (R$ 1.722,05 em 2011) a cada estado, ou ao Distrito Federal, em que este limite mínimo não for alcançado com recursos dos próprios governos. 2.5.6 LDBEN Vera Peroni (2003) sintetiza a redefinição das políticas para a educação básica a qualidade, antes ligada à gestão democrática ou à formação para a cidadania, passa a ser enfaticamente associada à reforma e modernização dos sistemas administrativos, à implantação de programas de avaliação, à compra de material didático, à capacitação dos professores sem um forte direcionamento de recursos para a recuperação dos salários. Um exemplo dessas reorientações foi a aprovação da nova LDB em dezembro de 1996, após oito anos de tramitação no Congresso Nacional, mediante intervenção do governo federal. Em consonância com a LDB e com o objetivo de estabelecer metas educacionais para as quais deveriam convergir as ações políticas do Ministério da Educação e do Desporto – MEC –, foram elaborados os Parâmetros Curriculares Nacionais e o Plano Nacional de Educação (PNE).

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2.6 Histórico e localização do município de marituba O município de Marituba, cujas terras foram desanexadas do município de Benevides, em1995, está localizado mesorregião metropolitana de Belém, integrado a microrregião de Belém. É o município de menor extensão territorial com 111,09 km. Sua densidade demográfica é terceira mais elevada do Pará. A maioria dos seus habitantes, devido a escassez de emprego na cidade, trabalha em Belém, caçpor isso o município é chamado de cidade-dormitório. Limita-se ao norte com o município de Benevides, ao sul com os municípios de Acará e Belém, a leste com o de Benevides e a oeste com o município de Ananindeua. Marituba também fica distante 5 km de Ananindeua e 7 km de Benevides. No caso de Belém, distante 13 km, o percurso pode ser feito pela rodovia federal BR-316, em 20 minutos de automóvel e, de aproximadamente, 50 minutos de ônibus de linha. No âmbito educacional, na esfera administrativa, o município possui só Possui Secretaria de Educação. 3 TRAJETÓRIA DA PESQUISA 3.1 Metodologia A metodologia adotada para a realização dessa pesquisa, consiste em um estudo Qualitativo desenvolvido por documentação direta do tipo pesquisa de campo pois segundo Demo (2000 p 159) “[...] Embora a ciência, ao final de contas, não consiga captar a dinâmica em sua dinâmica, mas em suas formas, a pesquisa qualitativa tenta preservar a dinâmica enquanto analisa, formalizando mais flexivelmente. [...]” De acordo com Marconi e Lakatos (2002 p.83) “A documentação direta, constitui-se, em geral, no levantamento de dados do próprio local onde os fenômenos ocorrem. Esses dados podem ser obtidos de duas maneiras por meio da pesquisa de campo ou da pesquisa de laboratório” e a pesquisa de campo é definida pelas autoras como “[...] aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um problema para o qual se procura uma resposta [...] ou ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles” (Ibdi.)

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Baseado nisto, a pesquisa de campo é a melhor opção para realizar este estudo, visto que, para a mesma se faz necessário o levantamento de dados do próprio local onde este fenômeno ocorre. 3.2 Sujeitos pesquisados, Instrumentos de coletas de dados e tipos de dados Os sujeitos entrevistados foram 6 (seis) sendo, o atual secretário de educação do município de Marituba, a diretora de ensino, a coordenadora pedagógica e duas Diretoras e uma vicediretora. Os instrumentos utilizados para essa pesquisa foram: observação não participante na vida real, registro por meio do diário de campo e entrevista semidirigida. De acordo com Marconi e Lakatos (2002) a observação não participante na vida real “[...] ajuda o pesquisador a identificar e a obter provas a respeito de objetivos sobre os quais os indivíduos não têm consciência, mas que orientam seu comportamento. [...]” (Ibdi, p. 174) 4 RELATÓRIO DE VISITA À SECRETARIA E AS ESCOLAS Antes de partirmos para a pesquisa em campo, discutiu-se em sala quais os objetivos a serem investigados, bem como as perguntas que norteariam nossa ação in loco. Tais discussões propiciaram a elaboração de um projeto de pesquisa coletivo, possibilitando dessa forma com que os resultados obtidos fossem comparados entre si. Segue-se no próximo tópico a descrição da pesquisa de campo. 4.1 Visita à SEMED No dia 22 de março de 2011 os acadêmicos Fábio Mendes de Brito, Maria Betânia Palheta Oliveira Viana, Nádia Cristina de Faro Meirim, Neilane Rodrigues de Souza junto com a professora Lucidéa Santos nos encontramos às 9 horas no município de Marituba próximo ao monumento histórico Menino Deus. Direcionamo-nos para a SEMED para realizarmos a coleta de dados a partir da entrevista aos Gestores Municipais de educação. Fomos recepcionados e encaminhados para o gabinete do secretário, onde conversamos com o secretario interino de educação, pois, a secretaria 111


titular esta de licença médica. O professor assumiu há um mês o cargo, antes, estava de licença não remunerada do seu cargo de secretario de finanças e educação do município de Portel para cursar a graduação de Direito em Belém. A professora Lucidéa apresentou o objetivo geral do trabalho, que é identificar as políticas públicas de educação no município de Marituba e assim levantar os pontos positivos que elas trazem para a educação no município. Por conseguinte, a acadêmica Nádia Meirim leu o questionário. Que está em anexo. A princípio o secretário nos informou que não poderia fornecer algumas informações porque estava há pouco tempo na gestão, logo não teria algumas respostas atualizadas, mas no decorrer de nossa conversa ressaltou alguns pontos relevantes para a nossa pesquisa. Como a não regularização dos servidores municipais que passaram no concurso público de Marituba de 2007, pois estão aguardando decisão judicial do concurso e assim impossibilitando a realização de novo concurso e formação continuada dos professores, já que o secretário afirmou o interesse e importância da formação continuada dos professores efetivos para melhor desempenho e qualidade da educação, porém ressalta que não há o investimento na formação continuada dos temporários, pois não sabem se terão estes profissionais no quadro do município contribuindo à qualidade da educação no município. Outro problema levantado pelo secretário foi o excesso de convênio que o município tem com Centros Comunitários, Associações e Religiosos que totalizam 30 convênios que auxiliam na educação de maneira precária, pois os prédios disponibilizados por essas entidades não atendem as exigências do MEC – Ministério de Educação – infraestruturas de má qualidade, salas pequenas, fiação elétrica de risco, professores com formação limitada ao magistério e etc. Para atender esse problema o secretario afirmou que já esta em fase de conclusão sete reformas na infraestrutura de espaços próprios para que assim possam deslocar os alunos. Porque segundo o secretario o município não pode cortar os convênios sem ter um espaço próprio para assistir a demanda de alunos do município. Como Marituba tem apenas 15 anos de municipalização o secretario ressalta que a estrutura gestora ainda esta em processo de tramitação, como o Plano de cargo e salário, o conselho municipal de educação de Marituba, desse modo a SEMED ainda está entrelaçada com a SEDUC pelo conselho do FUNDEB.

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4.2 Visita à escola Padre Romeu No dia 07 de Abril de 2011, realizamos a visita nas escolas indicadas pela Coordenadora Pedagógica da Secretaria de Educação de Marituba (SEMED). Fomos orientados a visitar a escola Padre Romeu Pires Borges, que na avaliação do IDEB conseguiu alcançar a média 4,5. Ao chegarmos à escola, falamos com a diretora, formada em pedagogia, especializada em administração e supervisão escolar, exerce esta função desde a inauguração da escola há vinte e um anos e com a vice-diretora, que está se formando no curso de pedagogia ainda este ano, exerce esta função a mais ou menos um ano e meio. Inicialmente elas nos relataram um pouco sobre a construção histórica da escola, desde a inauguração até os dias de hoje. A referida escola, inicialmente, regida pela Igreja Católica Padre Romeu, tinha seu prédio construído no terreno que pertencia à igreja, no entanto, há cinco anos foi municipalizada, e agora funciona em um prédio que pertence à prefeitura, seguindo agora o regime da secretaria de educação de Marituba, relata a diretora que após esta mudança alguns benefícios foram perdidos, mas que, à medida do possível tentam manter o mesmo padrão de ensino baseado em princípios religiosos, aos sábados os alunos participam das aulas de catequese e ao final do curso são crismados, é importante ressaltar que os alunos que participam desse processo são somente os alunos católicos, respeitando as demais denominações, visto que a escola recebe alunos de diversas denominações religiosas. A escola possui nove salas, pela manhã funcionam as turmas do 1° ao 5º/9 e pela tarde do 4° ao 6° ano/9, atendendo em média 536 alunos em ambos os turnos, sala de leitura, sala de informática, sala da direção e equipe técnica, copa, refeitório e quadra de esportes. As turmas do 1° ano são formadas por 30 alunos e as do 6° ano por 40 alunos, a demanda na procura de vagas nesta escola é grande, pois o ensino é considerado de ótima qualidade e também é referencia em questões de organização e segurança. Faz parte da rotina da escola, antes do início das aulas, a reunião dos alunos, professores e demais funcionários no pátio da escola para o momento da oração, onde são realizadas leituras da bíblia e explanação acerca da leitura e oração do Pai-Nosso, no final da aula os alunos são liberados aos poucos e sob a supervisão e controle da diretora. Nas turmas do 1° ao 5° ano 113


tem apenas um professor e as turmas do 6° ano possuem 10 professores, incluindo língua estrangeira, todas as turmas participam das aulas de Ensino Religioso e Educação Física. O quadro de funcionários da escola é formado por três professores e a diretora como efetivos e os demais todos contratados, incluindo a vicediretora. O prédio da escola funciona também como faculdade, Instituto de Educação de Ensino Superior do Estado do Pará, com os cursos de Pedagogia, Letras e Assistência Social, que está formando sua primeira turma agora em 2011. Alguns professores da escola Padre Romeu estão cursando o nível superior nesta instituição, enquanto outros professores estão fazendo: Plataforma Freire e Próletramento. Ao fazermos referência à Lei 11.645/2010 – Implantação das Diretrizes Curriculares para História e cultura Afro-brasileira e Africana e Índio-brasileira, as gestoras relataram que consideram importante o que defende a lei e apesar de não ter uma disciplina específica para tratar do assunto, os professores são orientados a trabalhar o tema sempre que possível, fazendo adaptações dentre as diferentes disciplinas para que os alunos fiquem informados sobre o assunto, com o objetivo de proporcionar a eles uma reflexão sobre a temática abordada pelos professores. A escola atende um aluno com surdez, que está cursando o 6° ano, ele não utiliza a Língua de Sinais – LIBRAS, ele senta em uma das cadeiras da frente e realiza a leitura labial no momento que o professor explica o assunto. Fazem parte da programação escolar anual, Carnaval com Cristo, celebração da Páscoa, em abril, a coroação, em maio e do círio, no segundo domingo de novembro, assim como, o desfile escolar, os jogos internos e o projeto de natal, onde a escola realiza doações de cestas básicas, roupas, calçados e brinquedos para famílias carentes que moram no Bairro Santa Lúcia, a ação é feita em uma escola localizada próxima ao lixão. As doações são feitas pelos familiares dos alunos da escola Padre Romeu, estas são algumas das atividades pedagógicas, culturais e sociais desenvolvidas pela escola. A escola aderiu este ano ao Projeto Mais educação, com parte do dinheiro recebido a diretora concluiu a construção da quadra de esportes e construiu duas pequenas salas que serão utilizadas pelos monitores do projeto no desenvolvimento das oficinas elaboradas.

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No que se refere ao acompanhamento e avaliação dos alunos, a escola é rígida, compromissada e precisa, por isso, os bons resultados alcançados, relatam as gestoras da escola. Após cada avaliação, os alunos recebem as notas e as provas, sendo que, àqueles que tiram nota baixa, suas provas são entregues somente aos responsáveis. A escola não trabalha com alunos que ficam retidos em alguma disciplina, ou seja, os alunos em dependência são desligados da escola. O índice de reprovação nesta unidade é baixo, assim como o índice de evasão. Por conta destes resultados a comunidade considera o ensino desta escola como sendo um dos melhores, por isso, a maioria dos pais, com condições financeiras boas, matriculam seus filhos em escolas de referencia, como, Santa Rosa, Anunciação, Salesiano, Adventista e Madre Celeste, assim que concluem a última série oferecida pela escola. 4.3 Visita à escola Mundo Mágico Com os ofícios assinados pelo secretario, nos direcionamos para a Escola Mundo Mágico para conversamos com a gestora para conhecermos um pouco mais sobre o seu trabalho como diretora de uma escola indicada pela SEMED por ter um IDEB de 4,8. Para inicio de conversa nos apresentamos como acadêmicos do 7º semestre do curso de pedagogia da Faculdade Ideal do município de Belém, que a partir da disciplina Política Publicas da Educação ministrada pela professora Lucidéa Santos estamos desenvolvendo uma pesquisa sobre as políticas públicas educacionais que estão sendo aplicadas no município de Marituba, com a intenção de fazer levantamento do que esta dando certo na educação deste município, um dos critérios para irmos à escola foi o índice do IDEB acima da media nacional, também por ter sido uma escola que foi muito citada na SEMED por ter projetos educacionais bem sucedidos e muito relevantes para escola e a comunidade como toda, e ser um colégio de muitas referencias para o município segundo a coordenadora pedagógica da SEMED pela sua equipe, localização, relação família e escola os serviços à comunidade. Após essa introdução a diretora falou um pouco da história da escola que há 12 anos esta a frente, sendo que há seis anos, a escola Mundo Mágico esta conveniada ao município de Marituba. O prédio onde a escola funciona pertence à própria, gestora da escola 115


que não aluga para a prefeitura, mas sede para o funcionamento da mesma sem nenhum fim lucrativo. Os serviços educacionais que a escola realiza são sempre em prol de melhorias e feitos com muito amor, carinho e dedicação frente às dificuldades. A prefeitura através da SEMED repassa para a escola Mundo Mágico o pagamento da gestora, os dos professores, a energia, água, merenda escolar. A escola tem seu próprio refeitório que nele há freezer, fogão, armário, mesas, cadeiras, louças. Os projetos abraçados pela a escola são o PROINF que através deste já possuem 12 computadores completos e instalados. A central de ar foi comprada com os recursos do PDE, mas a sala de informática ainda não esta liberada para ser usada pelo aluno, pois a prefeitura não pediu para a CELPA fazer a transformação de energia de 110 para 220 para o uso da central, e assim poder liberar o laboratório de informática para funcionar para os alunos e comunidade. A escola também foi contemplada com a sala multifuncional pelo MEC, que esta em fase de construção. A escola já trabalha com a inclusão (integração) de alunos com necessidades especiais, há alunos com deficiência cognitiva, visual e auditiva. Com o recurso do PDE a gestora direcionou para compra de TV, caixa amplificada, DVD e central de ar do laboratório de informática. As salas da Educação Infantil são todas climatizadas, a gestora junto com a comunidade escolar mobilizou eventos para a compra de três condicionadores de ar para as salas de educação infantil. No inicio do ano letivo a direção apresentou para comunidade o seu plano de ações para o ano letivo de 2011, que há nele os seus objetivos e necessidades principais. A jornada desde ano foi abordando o tema: Papel transdisciplinar na escola na transformação dos fenômenos sociais. A gestora ressalta que não tem ainda uma coordenadora pedagógica, pois ainda não alcançou o numero de 500 alunos estabelecidos Pela SEMED. A escola tem 486 alunos matriculados e diante disso a gestora faz o papel de supervisora, orientadora, coordenadora e diretora. A escola tem seu PPP – projeto político pedagógico que foi construído em 2009 de maneira conjunta na comunidade escolar, mas este ano de 2011 o PPP esta passando por readaptação. A escola tem para acesso e divulgações de seus trabalhos o Orkut, o jornal anual 116


mundo mágico, o site www.mari-tuba.org.br que será inaugurado em maio/2011. Há também na escola o projeto escovódromo que é uma parceria entra a casa de saúde Marituba e a escola para orientarem as crianças sobre a higiene bucal, são doados aos alunos um kit com escova, pasta de dente e fio dental para que assim as crianças coloquem em pratica o que elas aprenderam. O projeto “Escola vai à praça” teve sua raiz na escola mundo mágico. Este projeto envolve todas as escolas do município, sendo que no final de ano são selecionados alguns trabalhos para divulgação na praça central de Marituba. A gestora apontou um grande problema na educação de Marituba que é a questão de não haver uma eleição para o cargo de gestores nas escolas tudo é de indicação o que às vezes prejudica o andamento daquela escola e assim da educação do município, pois às vezes são empossados gestores sem uma qualificação para o cargo. A escola foi premiada no concurso de pequenos leitores e grandes escritores, foi única escola do município de Marituba a participar da gincana intermunicipal de cultura e ganhou em primeiro lugar. Também fora premiada na olimpíada Astronomia e astronauta em primeiro lugar olimpíada de nível nacional. O conselho da escola é autorizado pela SEDUC e tem regime autônomo. Também participa do projeto Liberal Ra da escola na escola que é uma vez ao mês que o Liberal vai à escola conversar com equipe da escola, com os alunos e a comunidade sobre a escola Mundo Mágico. A escola apresentou durante os últimos anos um IDEB alto 2007 foi de 4,6 e 2009 de 4,8 e acredita manter neste ano esse nível. A estrutura da escola é simples, mas aos poucos tenta se reajustar de acordo com as normas do MEC. Do regime estabelecido anteriormente em séries para anos. Assim durante o ano tira uma serie e oferta um ano. Então na pirâmide de anos a escola já oferta do 1º ao 4º ano/9º e série ainda tem 4ª a 7ª série. Tem 10 salas sendo três de educação infantil e as demais se dividem nos níveis I e II do ensino básico. Em media são 16 a 20 crianças nas salas de educação infantil e de 25 a 35 nas salas de ensino fundamental, 80% dos professores já possuem graduação e especialização, os professores tem seu momento Hora pedagógica-HP que são às sextas-feiras e tiradas em quinzena. Em sala de aula o professor trabalha o projeto resgatando valores, a partir de uma palavra o professor desenvolve na semana

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seus trabalhados. Dentro da sala o professor trabalha as literaturas, as brincadeiras de roda. Em relação à educação da historia e cultura dos afrobrasileiro e indígena a professora afirmou que o ME por meio da SEMED repassa os livros didáticos e vídeos para serem trabalhados em sala de aula. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com esse trabalho, pode-se perceber que as Políticas Públicas têm como finalidade promover o bem social. Quando essas políticas são voltadas a educação, seus objetivos além de promover este bem, devem também fazer jus ao princípio defendido na Constituição Federal Brasileira, que assegura a educação como um direito de todos, devendo possibilitar além do pleno desenvolvimento do educando a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. Verificou-se que dentro das políticas públicas voltadas a educação, diversas ações criadas tem como finalidade esse princípio, cabendo a quem de direito mantê-la. No contexto atual da educação Brasileira, pode-se observar que na prática não são mantidas as mínimas condições para que o aluno se desenvolva plenamente e permaneça na escola. Entretanto, após a realização desta pesquisa, pode-se constatar que um dos fatores importantes para se concretizar esse princípio está no comprometimento da Gestão Pública, quando busca desenvolver ações voltadas à melhoria da educação. Outro aspecto relevante que deve ser destacado reside no compromisso do gestor escolar, que deve buscar aplicar de maneira correta as verbas destinadas àquela escola, a fim de beneficiar não só o corpo deste ambiente, como também a comunidade escolar como um todo. Tais aspectos destacados foram observados em campo, no município de Marituba, cujas escolas pesquisadas possuem em Média Ideb acima de 4,6 e a meta nacional a ser alcançada no mesmo ano está na faixa de 3,6. Verificou-se que, para se alcançar esse Ideb, uma boa gestão deve estar sendo realizada. Desse modo pode-se concluir que para se alcançar os objetivos propostos no Manifesto dos pioneiros e reforçados na CF deve haver compromisso e comprometimento tanto na esfera de poder público quanto na administração escolar local. 118


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AHLERT, Alvori. políticas públicas e educação na construção de uma cidadania participativa no contexto do debate sobre ciência e tecnologia. Disponível em: http://www.unicentro.br/editora/revistas/guairaca/20/4770%20Pol%EDticas%20p%FAblicas.pdf acessado em 09/06/11 às 11:39 BRASIL, Constituição Federal. 1988. ______, Lei nº 9.394 de 20 de Dezembro de 1996. CRUZ, Vicente Vagner. Repensando o Conceito de Políticas Públicas. Disponível em: http://www.artigonal.com/politicaartigos/repensando-o-conceito-de-politicas-publicas-756674.html. Acessado em 12 de Junho de 2011 às 10:49. DEMO, Pedro. Metodologia do conhecimento científico. São Paulo. SP: Atlas, 2000. http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=por tugues-portugues&palavra=pol%EDtica acessado em 09/06/11 às 11:39 http://www.dicionariodeportugues.com/significado/politica36315.html acessado em 09/06/11 às 11:39 http://www.dicionariodoaurelio.com/Politica acessado em 09/06/11 às 11:39 MACHADO, Ednéia Maria. KYOSEN, Renato Obikawa. Política e Política Social. Disponivel em: http://www.ssrevista.uel.br/c_v3n1_politica.htm acessado em 09 de junho de 2011 às 08:57. MARCONI, Marina de Andrade. LAKATOS, Eva Maria. TÉCNICAS DE PESQUISA: Planejamento e execução de pesquisas, 119


amostragem e pesquisas, elaboração, analise e interpretação de dados. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2002. PARA, Secretaria de educação. Política de Educação Básica do estado do Pará. Belém, 2008. v.3 SOUZA, Celina. Políticas Públicas: Uma revisão da literatura. In: Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 20-4 Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/soc/n16/a03n16.pdf acessado em 04/06/2011 às 12:27

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A HISTÓRIA INDÍGENA NA AMAZÔNIA (1759-1808) E A QUESTÃO DO LIVRO DIDÁTICO Josineide de Lima Pinheiro, Thaisa Noronha Barros Profª. Ma. Lucidea de Oliveira Santos (Orientadora) FIBRA RESUMO: Identificar e analisar a história indígena na Amazônia nos livros didáticos é o principal objetivo desse trabalho, especificamente, o período entre a expulsão dos jesuítas, em 1759, até a chegada da família real ao Brasil, em 1808. O estudo também discute as “representações” sobre a história indígena, construídas por professores e alunos, bem como expõe indagações relativas ao conceito de “indígena”, abordado em sala de aula. Serão apresentadas possibilidades de abordagem acerca da história e da cultura indígena, de acordo com a Lei 11.645/08, de 10 de março de 2008. Foram consultados os estudos sobre a história indígena na Amazônia de Farage (1991), Cunha (1992) e Coelho (2009); bem como de Silvia e Grupioni (1995); Bitencourt (2009); Freire (2002) e Mindlin (2002); e Moreira Neto (1988). O estudo se estrutura em dados bibliográficos, documentais e de campo. Parte da pesquisa documental foi realizada em bibliotecas de Belém, dentre elas a biblioteca Central da Universidade Federal do Pará e da Faculdade Integrada Brasil Amazônia. A pesquisa de campo foi desenvolvida em uma escola pública estadual, no segundo semestre de 2010 e primeiro semestre de 2011. O trabalho procura: explicar as razões pelas quais a história indígena na Amazônia, entre 1759 e 1808, permanece inexpressiva na literatura didática; enfatizar o pouco conhecimento dos professores com relação ao tema, embora sejam relevantes as várias produções de pesquisadores acerca do assunto; e analisar os estudos historiográficos do período de 1759 a 1808 no que se refere à região amazônica para contribuir com esse debate. PALAVRAS-CHAVE: História Indígena; Indígenas; Amazônia; Livro didático; Lei 11.645/2008.

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1 INTRODUÇÃO Este estudo será pautado em uma análise sobre o modo como a temática indígena é apresentada nos livros didáticos. Será destinada atenção especial à história indígena na Amazônia, especificamente, no período 1759 e 1808, que corresponde entre a expulsão dos jesuítas e a chegada da família real no Brasil. Este momento histórico foi eleito por se entender que a presença da cultura indígena apresenta grandiosa importância para história amazônica e para a formação cultural dessa região. Observou-se, durante a pesquisa, que as mudanças ocorridas na década de 80, no que se refere à produção de livros didáticos quando temas e recortes que demarcam o conhecimento histórico foram incorporados na literatura didática – não foram significativas quanto à abordagem da temática indígena, uma vez que esta ainda permanece sem expressão. Decidiu-se pesquisar a temática indígena no livro didático, visando contribuir com o processo de ensino-aprendizagem do aluno. Buscou-se destacar que a história das populações indígenas é mais complexa do que vem sendo apresentada nos livros didáticos tradicionais, e diante disso, mostrar a importância de se compreender os povos indígenas como agentes históricos. Para isto elegeu-se como objeto dessa pesquisa a questão da história das populações indígenas no livro didático utilizado no 2º ano do ensino fundamental de uma escola pública de Belém/PA, na qual foram realizadas atividades de Estágio Supervisionado e a Prática de Ensino do curso de história da Faculdade Integrada Brasil Amazônia (FIBRA). Dessa forma, objetiva-se entender que tipo de conhecimento é produzido nos livros didáticos sobre os indígenas da Amazônia? Qual o registro da situação dos índios neste período? Quais as deficiências mais freqüentes observadas nos livros? Por que este período da história indígena não aparece no manual didático? E como esta temática é vista na sala de aula? Assim, partiu-se da compreensão de que os livros didáticos da escola observada abordam a história indígena na Amazônia, de maneira ainda muito tímida, pois é retratada apenas de modo superficial, o que tende a não agregar um nível de conhecimento 122


considerável aos alunos no que tange à história e cultura dos povos indígenas amazônidas. Para esse estudo, utilizou-se como metodologia levantamento bibliográfico, documental, além de pesquisa de campo, quando foi realizada a coleta de dados primários, por meio de entrevistas informais com perguntas não estruturadas; da aplicação de questionários aos professores e aos alunos, além de observação no contexto de sala de aula e demais espaços da escola observada, atividade que se deu no ano de 2010. O trabalho apresenta três capítulos, que entre outras questões, têm como proposta buscar conhecer as razões pelas quais a história indígena continua com lacunas nos manuais didáticos e compreender de que forma é possível contribuir para mudar essa realidade. O primeiro capítulo trata da historiografia e história dos indígenas na Amazônia entre 1759 e 1808, buscando abordar a história indígena de acordo com a Lei11. 11.645/08,, a qual obriga a inclusão de conteúdos sobre a História e Cultura dessas populações nas escolas, públicas e privadas, de ensino fundamental e médio. A referida Lei foi aprovada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e publicada no Diário Oficial da união em 10 de março de 2008. O segundo capítulo refere-se ao processo pelo qual passam os livros didáticos de história até chegar às escolas públicas. Além disso, busca-se trazer reflexões acerca da forma com a qual a temática indígena é abordada nos livros didáticos, editados entre 2008 e 2009, destinados ao ensino de 6º e 7º ano do ensino fundamental, a fim de perceber as mudanças e permanências desses livros. O critério que conduziu a escolha dos livros foi a sua utilização durante o estágio supervisionado na escola selecionada. E, o terceiro capítulo aborda as “representações” sobre a história indígena construída pelos professores e alunos da escola objeto desse estudo, estabelecendo indagações sobre o conceito de “indígenas”, difundido em sala de aula. Pretende-se com o presente trabalho, além de trazer reflexões que possam contribuir com o reconhecimento da história e da cultura indígena, bem como discutir sobre a adequação dos conteúdos dispostos nos livros didáticos de história utilizados pela escola à implementação da lei 11.645/08. O trabalho ainda enfatiza a necessidade de a sociedade, começando pela escola, assumir novos meios de interagir e mediar o 123


conhecimento, na busca valorizar a diversidade sociocultural que marca a sociedade brasileira, em especial, os aspectos que marcam a realidade dos povos indígenas que vivem na Amazônia CONSIDERAÇÕES FINAIS A história e a cultura das populações indígenas na Amazônia podem ser estudadas de diversas formas. Mas, antes, é importante que os indígenas sejam vistos como sujeitos ativo-participativos de sua história e não apenas como objeto, tal como foram estereotipados em função da situação em que se encontravam durante o processo de colonização portuguesa, no que se refere à mão-de–obra, bem como à catequese dos jesuítas. O Ministério pombalino foi um fator determinante para os desastres ocorridos com essas populações, pois, foi durante esse período da história brasileira que se deu, com maior frequência, a mortalidade daqueles povos, além da imposição de outra cultura, a do europeu. Mesmo com o declínio de Pombal essas catástrofes intensificaram-se, sobretudo, com a chegada da família Real ao Brasil. Com exemplo, pode-se apresentar o extermínio de indígenas na Bahia, em 1806, com o propósito de “expandir as ocupações dos colonos”, no sentido de cultivar e povoar o território brasileiro. O mesmo ocorreu com os Botocudos de Minas Gerais, em 1808, e com os Kaingang de São Paulo e do Paraná. Este é um dos momentos da história indígena que, raramente, aparece nos livros didáticos, pois estes geralmente apresentam os indígenas sobre o domínio dos Europeus, sem progresso e sem perspectivas de transformações. A história indígena no manual didático precisa contribuir com o processo de ensino-aprendizagem do aluno, mostrando a este que ela é mais complexa do que vem sendo apresentada nos livros didáticos tradicionais. Somente assim será possível contribuir, de fato, com o ensino sobre a história e cultura dos povos indígenas condizente com a realidade de seus agentes históricos Embora exista uma política voltada para a elaboração e aquisição dos livros didáticos para as escolas, por meio do PNLD, percebe-se a permanência de deficiências existentes quanto à

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abordagem dos conteúdos sobre a História e Cultura dos indígenas brasileiros. De acordo com os livros analisados nesta pesquisa, percebese que poucas são as informações destinadas às populações indígenas que viviam no Brasil antes da chegada dos portugueses. Assim como são inexistentes os dados a cerca da presença dos indígenas entre o período pombalino e a chegada da família real no território brasileiro. Percebe-se com isso, que esse período não é problematizado, sendo silenciado, ignorado e desconhecido desses manuais didáticos. Outra critica que se pode fazer com relação aos autores dos livros avaliados, refere-se às superficialidades dos conteúdos presentes, pois nas amostras selecionadas nota-se que o cotidiano das populações indígenas é apresentado de modo genérico, ignorando a diversidade étnica existente no Brasil e na Amazônia. Além disso, constatou-se que, apesar de passar por uma avaliação de acordo com o PNLD, existe um erro na informação contida em uma das fotos do livro didático História Temática: Tempos e Cultura,, no que diz respeito à informação de que as crianças indígenas apresentadas em uma das imagens são da etnia Xavante, do estado de Mato Grosso, no ano de 2001. A foto, na realidade, mostra crianças da etnia Kaiapó, do Pará em 2000. Infere-se, assim, que o autor, bem como quem avaliou o livro não apresenta o mínimo de conhecimento a cerca das populações indígenas, existentes no Brasil. É importante salientar, ainda, que a imagem não contém informação a respeito de sua procedência. Dessa forma, faz-se necessário o cuidado por parte das editoras e da política do PNLD sobre as informações expostas a respeito das histórias e culturas indígena no Brasil, para que de fato seja colocada em prática a lei 11.645/08. Sobre a representação da história indígena na sala de aula, construída por professores e alunos, observou-se, que os primeiros não possuem conhecimento aprofundado a respeito do tema, principalmente no que se refere ao período entre 1759 e 1808, já que nos questionários respondidos pelos docentes, e pela observação feita durante o Estágio Supervisionado, não foi mencionada, em nenhum momento, a condição dos povos indígenas neste recorte temporal. Constatou-se, ainda, que os alunos desconhecem a história indígena nesse período, além de demonstrarem desinteresse em 125


estudar temas relacionados às populações indígenas, informação esta que é confirmada, com base nos dados recolhidos durante a pesquisa realizada. É importante frisar que durante as análises se percebeu que embora exista uma grande e rica diversidade de etnias indígenas atualmente no Brasil, essa é uma realidade não apresentada nos livros didáticos. Observou-se que o livro didático apenas reforça a ideia dos povos indígenas presos num passado, ou seja, apresentar dados sobre os índios é falar sobre o passado. Diante disso, é possível perceber as inúmeras dificuldades do ensino da história relacionado à diversidade dos grupos étnicos. Dessa forma, percebe-se a extrema importância da contribuição dos antropólogos, com suas pesquisas sobre as variedades dos grupos, contribuindo e produzindo materiais didáticos mais apropriados, de forma mais contextualizada para os alunos. Os próprios autores dos materiais didáticos precisam atentar para a necessidade de produzir novos assuntos, condizentes com as perspectivas para a condução de uma educação de qualidade, voltada para formar cidadão, críticos de sua realidade. A busca por novas fontes e o dialogo com outras áreas do conhecimento são indispensáveis para a produção dos materiais didáticos, bem como para evitar o aumento do número de trabalhos escritos com críticas negativas sobre seus conteúdos. As editoras também devem ser mais atentas no controle dos manuais didáticos que divulgam, assim como o Governo Federal deve ter mais cuidado no momento do incentivo às avaliações relacionadas a esses materiais. Aos indígenas cabe o incentivo de ampliar a produção de textos didáticos, pois apresentam capacidades e condições para estabelecer um diálogo mais ativo com a sociedade brasileira e, assim, contribuir para o conhecimento e reconhecimento de seus povos diante dos “não-índios”. E, para os historiadores é necessário que estes continuem apresentando pesquisas relacionadas à história e à cultura indígena, principalmente em recortes ainda desconhecidos nos meios acadêmicos, na escola e na sociedade brasileira. Dessa forma, é preciso que a sociedade busque novos caminhos, reveja seus próprios conceitos e conscientize-se de suas falhas, no modo de agir, pensar e falar sobre as populações indígenas, buscando assim novos modos e fontes de ensino. Os docentes devem 126


introduzir na sala de aula posicionamentos de crítica reflexiva séria e adequada com relação aos manuais didáticos, para que, dessa forma, os alunos percebam as suas diferenças e semelhanças com outros povos. E por fim, os novos enfoques nos textos didáticos precisam contribuir para que os alunos possam relacionar o conhecimento que possuíam e o que foi estudado na escola, percebendo o seu desenvolvimento intelectual, aceitando ou discordando dos novos conceitos. E, a partir desses aspectos, perceberem pontos de vistas diferenciados, na busca de conseguir fazer críticas com aos seus próprios argumentos, apresentando fatos, com novas deduções, deixando de defender conceitos superficiais e ilusórios, com pouca reflexão e sem censo comum, consequência, muitas vezes, das influências dos acontecimentos e de fatos determinados pelo dia a dia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos, 2008. Editora Cortez. São Paulo. Pg. 295. 2ª edição. ______. Saber histórico na sala de aula. 2009. Ed. Contexto. Pg.74. 1º Edição. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. ______. BRASIL, Lei 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura AfroBrasileira e Indígena”. Diário Oficial da União, Brasília, 11mar. 2008. CABRINI, Conceição. CATELLI JUNIOR, Roberto. MONTELLANATO, Andrea. HISTÓRIA TEMÁTICA, Tempos e Culturas. 3ª edição. São Paulo. 2004. Editora Scipione. Coleção História Temática (6°,7º,8º e 9º ano). 127


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educação indígena/Marilda Almeida Marfan (organizadora) – Brasilia: MEC, SEF,2002, 204 p.il v.4. MIRANDA, Sônia Regina. LUCA, Tânia Regina de. O livro didático de história hoje: um panorama a partir do PNLD. REVISTA BRASILEIRA DE HISTÒRIA. Vol.24. nº48. SP. 2004. MONTEIRO, John Manuel. O desafio da História Indígena no Brasil. In: SILVA, Aracy Lopes & GRUPIONI, Luís Donisete Benzi (Orgs.). A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. São Paulo: Global, 1998. p. 221-236. ______, Tupis, Tapuias e Historiadores: Estudos de História Indígena e do Indigenismo, Tese apresentada para o Concurso de Livre Docência, Departamento de Antropologia, Campinas: IFCH Unicamp, 2001. MOREIRA NETO, Carlos de Araújo Moreira. Índios da Amazônia. De maioria a minoria (1750-1850), Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 1988. PORTO ALEGRE, Maria Sylvia. Rompendo o silêncio: por uma revisão do “desaparecimento” dos povos indígenas. Ethnos – Revista Brasileira de Etnohistória, n. 2, p. 21-44, Recife, 1998. SILVA, Aracy Lopes da (Org.). A questão indígena na sala de aula: subsídios para professores de 1º e 2º graus. São Paulo: Brasiliense, 1993. VICENTINO, Cláudio. História. Projeto Radix, raiz do conhecimento. 1ª edição. São Paulo. 2009. Editora Scipione. Coleção Projeto Radix (6º, 7º,8º e 9º).

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A PRESENÇA DO ESTADO NA ILHA DO MARACUJÁ: DIFICULDADES E ESPERANÇAS Cláudio Lísias G. dos Reis Silva Maria de Betânia Cardoso Profª. Ma. Lucidéa de Oliveira Santos (Orientadora) FIBRA RESUMO: As disciplinas Metodologias do Ensino da História I e II do curso de História da Faculdade Integrada Brasil Amazônia/FIBRA permitiram aos alunos uma séries de experiências pedagógicas fora da sala de aula, dentre elas a prática da pesquisa escolar. A disciplina Pesquisa Histórica na Escola, do mesmo semestre, ao se associar àquelas, possibilitou aos acadêmicos realizarem pesquisa de iniciação cientifica como estratégia pedagógica. Então, a pesquisa passou a ser a principal prática e recurso para se produzir conhecimento sobre história local. Essa experiência vivida pelos alunos do curso visou fazer-lhes pesquisadores, construtores e socializadores de conhecimento local. Além das possibilidades de se aplicar essas atividades em sala de aula, produziram importante estudo sobre a vida de uma comunidade ribeirinha moradora da ilha do Maracujá, pertencente a região insular de Belém, produtora de açaí. O texto faz parte de um conjunto de estudos solicitados aos alunos sobre a vida desses ribeirinhos no que diz respeito a presença do poder público na Ilha. Este texto destaca um aspecto do cotidiano, pois outros grupos pesquisaram Manifestações Religiosas, Atividades Econômicas. Organização Social e Cultura Material. PALAVRAS-CHAVE: História; Ensino; Pesquisa Histórica; Sala de Aula; Ilha do Maracujá.

1 INTRODUÇÃO Tomar como objeto de estudo a Ilha do Maracujá, da região insular de Belém do Pará, resgatando suas memórias e contando suas histórias, trata-se de uma tarefa muito importante, pois além do aspecto humano, não se pode deixar de contemplar outros aspectos, como por exemplo, o da natureza, sua utilização como fonte de renda 130


e subsistência e sua preservação. São dois aspectos que não podem ser dissociados, pois há uma dependência natural e claramente compreensível. Por isso, o Estado, em seus três níveis de atuação (Federal, Estadual e Municipal) precisa também propor gestões públicas que atendam os referidos aspectos. O estudo de pesquisa histórico da Ilha do Maracujá veio por meio da vida de um homem, ribeirinho, nascido em 10 de março de 1917, barqueiro e apanhador de açaí, o “Sr. Malagueta”, como era conhecido o Sr. Domingos Evangelista de Oliveira, falecido no dia 30 de Abril de 2008, suscita-se, pois, o interesse de escrever sua história. Pensava-se ser ele um dos primeiros moradores da ilha, porém, segundo o testemunho das pessoas entrevistadas em campo, ele não foi o morador mais antigo. Todavia, este fato não tira a importância de escrever sobre sua vida e sua história, marcada por interações, relacionamentos e experiências de luta pelas melhores condições de vida. O Sr. Malagueta, nos anos que viveu, experimentou os dramas e as dificuldades que um ribeirinho amazônida enfrenta. Porém, nos seus últimos anos de vida uma nova realidade vem se apresentando na ilha, realidades de esperança, provenientes de alguns fatores como, a organização comunitária e os movimentos sociais, a presença do Estado de forma a gerar promoção da cidadania, principalmente no nível Federal e Municipal, através de projetos para a melhoria e autonomia da população. Pretende-se neste texto identificar estes sinais de esperança. A presente pesquisa fundamenta-se, principalmente, através de relatos colhidos em campo (entrevistas com ribeirinhos e relatórios), documentos do Sr. Malagueta, site do Governo Federal13, documentação do município (SEMEC) e reportagens de jornal. 2 OS RIBEIRINHOS DA ILHA E A ORGANIZAÇÃO POR REIVINDICAÇÃO DE AÇÕES DO ESTADO Segundo a autora Gohn14, a história da cidadania é marcada por uma ausência do Estado. Ela define, porém, que “a cidadania é a união entre Movimentos sociais e Educação. Todas as grandes 13

www.mma.gov.br Cf. GOHN, Maria da Glória Marcondes. Movimentos Sociais e Educação. 5ª Ed. -São Paulo: Cortez, 2001. - p. 11. 14

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conquistas para que esta realidade aconteça foram fruto de uma intensa luta diante dos órgãos públicos. São os movimentos sociais organizados que dinamizam as ações do Estado no Brasil. Na Ilha do Maracujá percebe-se que esta análise de Gohn pode ser comprovada. Pois, foi relatado experiências e vivências, que quando os moradores se organizaram o Estado se fez mais presente; as reivindicações ganharam caráter mais célere por parte das gestões públicas. Segundo o relato da Senhora Maria de Fátima da Costa Santos, as associações e cooperativas foram de extrema importância para que as famílias da ilha tivessem uma renda estável. Há famílias que possuem mais de uma fonte de renda como conseqüência desta organização. Perguntada sobre a maneira como o Estado se faz presente na ilha, ela declarou, que este se faz presente mediante as reivindicações dos moradores. Destacou, juntamente com o seu filho, o Sr. Marcos Costa Santos, que a visão das associações e cooperativas das ilhas é evitar um enfoque em políticas partidárias, e sim, reivindicar ações de políticas sociais. Relataram ser esta a visão clara e importante do Sr. Milton Antônio da Costa, conhecido como “Sr. Bahia”, representante legal e presidente da Associação de Produtores das Ilhas de Belém (AFAPIB). Pode-se inferir que, a visão dos ribeirinhos é um dos fatores do sucesso e do desenvolvimento social que a ilha vem recebendo. Não estar amarrado aos ditames partidários deixa as associações mais livres para lutar por seus direitos. A realidade do desenvolvimento social na ilha é percebida quando os entrevistados são questionados se desejam um dia sair dali, a resposta de todos é firme e contundente: “De jeito nenhum” (Resposta do Sr. Mundico, Raimundo Nazareno Oliveira dos Santos15). Destaca-se principalmente na Ilha as seguintes associações e cooperativas: a) AFAPIB - Associação de Produtores das Ilhas de Belém. Não está restrita apenas a Ilha do Maracujá. Desenvolve importantes projetos federais e municipais de manejo do açaí e outras culturas.

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Entrevista gravada em DVD com autorização de uso para a realização deste trabalho.

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b) COOPERBAR - Cooperativa de Barqueiros, que presta serviços ao Estado - Seduc16, transportando crianças e adolescentes da ilha à Belém para estudar nas escolas estaduais. Segundo a Srª. Maria de Fátima Santos, o transporte dos alunos começa às 11h, indo a diversas ilhas pegando os alunos, chegando a Belém por volta das 13h30. Os barqueiros ficam às margens de Belém a espera dos alunos no final da tarde para o retorno dos mesmos. c) Sindicato Rural de Belém - Segundo Marcos Costa Santos, o sindicato é recente, possui dois anos de fundação, porém, não possui a mesma linguagem da AFAPIB, expressando em suas ações mais uma política partidária. d) Associação de Mulheres das Ilhas - Segundo relatos estas associações, assim como movimentos sociais religiosos, foram movimentos que desencadearam ou originaram os movimentos atuais mais organizados e politizados. 3 AS DIFICULDADES VIVIDAS PELOS RIBEIRINHOS DA ILHA Percebe-se nas entrevistas que os moradores que já participaram de projetos político-pedagógicos fazem uma análise da presença do Estado de forma mais detalhista e consciente do que aqueles que ainda não participaram desta formação associativa. Como por exemplo, na entrevista do “Sr. Mundico” e sua mãe a Srª. Francisca Evangelista de Oliveira, irmã do Sr. Malagueta, que ao serem perguntados pela presença do Estado na ilha, declararam que, na ilha há muitos problemas, como Saúde, Educação e Segurança. Reclamaram enfaticamente da ausência dos poderes governamentais. Percebe-se um tom de reivindicação numa visão mais paternalista de Estado e não uma consciência de que os governos possuem responsabilidades de estabelecer condições dignas para sua população, na promoção da cidadania; e não a visão patrimonialista de que o Estado está fazendo um favor ao povo. Os poderes estabelecidos existem não para ajudar as pessoas, mas para garantir e Segundo a reportagem do Jornal O Liberal de 07/09/2007, com a manchete, “Barqueiros ameaçam suspender transporte”, mostra que a Cooperativa ameaçava uma greve no transporte de alunos da rede pública. O problema, segundo a reportagem, era que apesar de muitos barcos estarem em dias com seus contratos com a Seduc, a mesma afirmava que isto não era verdade e havia pendências na documentação, suspendendo o pagamento dos barqueiros. 16

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promover o desenvolvimento social, a cidadania, segundo rege nossa Constituição Federal17. Porém, em seguida, afirma Sr. Mundico, que as associações e cooperativas foram muito importantes para o desenvolvimento deles. Já outros entrevistados descrevem a presença do Estado de forma mais política e consciente do papel do mesmo. Num estado como o do Pará, com vasto território e com potenciais extrativistas fabulosos, mas que por outro lado, presenciase de forma dramática sua depredação tão denunciada na mídia e pelos cientistas de diferentes áreas; não seria difícil de perceber que a Ilha do Maracujá apresenta demandas importantes. Segundo o Sr. Milton Bahia, na ilha não há Posto de Saúde. O posto mais próximo fica na ilha de Combú. Em caso de urgência e emergência as lanchas que pertencem à associação transportam os pacientes para serem atendidos na unidade de Saúde do Bairro do Jurunas, onde é feita a avaliação e enviado aos hospitais da cidade. O Sr. Malagueta antes de morrer deve ter sofrido o drama da dificuldade de não ter sido assistido devidamente em sua enfermidade. Segundo o atestado de óbito, a causa da morte foi natural. Porém, segundo depoimentos dos familiares o Sr. Malagueta sofria de uma hérnia abdominal e de pressão alta. Qual o atendimento médico que o Sr. Malagueta recebeu na Ilha do Papagaio? O que esta situação revela quanto à assistência médica preventiva e emergencial aos ribeirinhos das ilhas de Belém? Em caso de dificuldades geográficas, como é o caso da Ilha do Maracujá a presença do atendimento médico preventivo é de extrema importância. Nenhum dos entrevistados relatou a presença de política municipal de saúde preventiva na ilha. Mostrando ser esta uma importante demanda social. Há também uma demanda na área da Educação, pois na ilha existe somente a Unidade Pedagógica São Benedito, com o nome de Escola da Profª. Maria Auxiliadora, que possui um Convênio com a SEMEC. A unidade atende somente crianças até a 4ª Série do Ensino Fundamental. A reportagem de O Liberal18 mostra um pouco a dificuldade das crianças das 39 ilhas de Belém para aprender. Dependem de barcos e algumas levam mais de uma hora a remo para 17

Cf. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Título I - Dos princípios Fundamentais - Artigos do 1º ao 4º. 18 Edição de 07/10/2007 - “Alunos ribeirinhos driblam dificuldades com entusiasmo para aprender”.

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chegar na unidade. No caso da Ilha do Maracujá, a Cooperativa dos barqueiros faz o transporte dos alunos para as escolas públicas de Belém. O trajeto, porém, é perigoso e cansativo.

Escola localizada na Comunidade São Benedito Fonte: Celeste Gomes, de 05/06/2008

Outras demandas foram também relatadas por profissionais que trabalham na região, como foi o caso de uma coordenadora Gerente da Região Sul da SEMEC19, que lembrou algumas questões que apresentam dificuldades reais para uma satisfatória gestão pública. Como, por exemplo, a questão de energia elétrica, pois, 19

Preferimos não identifica-la, mas a mesma trabalha na Semec- Belém- PA

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apesar da proximidade com a capital Belém, a energia ainda não chegou às ilhas. Há um projeto do Governo Estadual de estender a energia às ilhas a partir do próximo ano (2009). Muitas ilhas vivem de geradores movidos à diesel. A água potável também é um sério problema. Pelas dificuldades geográficas e os poucos investimentos nesta área em toda a região norte do Estado do Pará. Nas ilhas a situação é mais difícil, pois aumentam doenças, pois o meio de água potável é através de poços artesanais. Na área da Educação, apesar dos projetos já desenvolvidos pela SEMEC, este órgão encontra dificuldades na execução dos projetos. A questão dos problemas climáticos que dificultam a presença dos alunos na escola, por exemplo, há um período do ano que as crianças não podem assistir a aulas por causa dos carapanãs (mosquitos abundantes nesta região); em outro período são as cheias da maré, que não dão condições para o trabalho pedagógico. Outro problema é no período da safra do açaí, pois muitas crianças trabalham nesta produção extrativista. O Conselho Nacional de Seringueiros (CNS), em reunião, na Ilha do Maracujá, nos dias 29 e 30 de março de 2008, com órgãos de governo, como ITERPA, IDEFLOR, GRPU, SAGRI, INCRA, IBAMA e a procuradoria federal, apresentaram a seguinte pauta de reivindicações para a Ilha do Maracujá e outras próximas20:

20

Fonte: www.extrativismo.com.br. Acesso em 18/11/2008.

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Fonte: AFA

Segundo a “Carta de Belém”21, produzida na VII Assembléia Geral da Rede GTA, faz algumas críticas a política federal para a Amazônia (Carta de Belém - em Anexo). Crítica ao PAC na Amazônia, que tem atendido as grandes obras de infra-estrutura, porém, que não atendem aos anseios dos amazônidas. Citam como exemplo, os grandes investimentos na Hidrelétrica de Belo Monte no Pará. É feito também uma crítica quanto ao PAS (Plano Amazônia Sustentável), que, segundo o documento, ficou reduzido a ações de minimização dos impactos das grandes obras de infra-estrutura, 21

Fonte: www.mma.gov.br . Acesso em 03/11/2008.

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frustrando quem acreditava que o PAS se constituiria em um novo paradigma de interação do Estado na Amazônia. São críticas importantes que se aplicam sem dúvida na realidade econômica extrativista na Ilha do Maracujá. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: A presença do Estado na Ilha por meio de projetos Talvez seu Malagueta não tenha visto os significativos sinais de resistência na ilha, diante da luta e organização social dos seus habitantes. Dois projetos se destacam: O Projeto “Nós, os Açaizais e as Ilhas”, com recursos federais e o Projeto “Escola Nativa”, da Prefeitura de Belém, que propõe resolver o problema da baixa escolaridade e dar condições para que os moradores das ilhas prossigam os seus estudos. O Projeto Nós, os Açaizais e as Ilhas atende duas importantes frentes para a economia extrativista da região, a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento da atividade econômica. Pertence a política de Assentamento do INCRA e é um projeto de Manejo e cultivo do açaí e o manejo de outras frutas nativas. Segundo dados do PADEQ - Programa de Alternativas ao Desmatamento e às Queimadas - a aprovação do projeto teve o valor de R$ 269.068,00 e valor de contrapartida R$ 58.680,00, tendo um total de R$ 327.748,0022. Além destas especificações o projeto também capacita lideranças comunitárias. Os créditos são financiados pelo Banco do Brasil. Outro projeto de grande destaque na Ilha foi o Escola Nativa23. Tem como prioridades garantir os direitos constitucionais como educação, cidadania e alternativa de trabalho à população da ilha. O discurso politizado, consciente dos nossos entrevistados, deve-se muito a este projeto municipal. O projeto é direcionado especificamente a jovens e adultos.

22

Fonte: site - www.icv.org.br/publique/media/PadeqAprovados31102005.doc . Acesso em 03/11/2008. 23 O projeto Escola Nativa foi tão importante para ilha que foi vencedor do Prêmio Federal Objetivos de Desenvolvimento do Milênio - ODM Brasil 2007 (ENAP).

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Projeto Escola Nativa - SEMEC - Prefeitura de Belém: Certificado de participação do Prêmio ODM Brasil

Fonte: arquivo COED/SEMEC, 2008

A gestora do projeto é a SEMEC, o qual se desenvolve na ilha oficinas pedagógicas ligadas à essência da terra, sempre tendo como meta a geração de trabalho e renda. Ao longo do ano de 2007 a Escola Nativa ofertou oficinas que possibilitou o aprendizado de diferentes tipos de trabalho, entre os quais se destacaram os voltados para o manejo do açaí, entre outras ações24. A coordenadora do projeto, em entrevista ao Jornal O Liberal, disse que, “os resultados alcançados até o momento já permitem considerar o Escola Nativa um projeto de responsabilidade social com perspectiva de vida longa, uma vez que integra objetivos direcionados não só ao combate da pobreza e da fome, como viabiliza alternativas para melhoria da educação e iniciativas em prol do meio ambiente e do desenvolvimento social local”25. São iniciativas públicas como esta que trabalham a dignidade e a cidadania dos moradores na Ilha do Maracujá.

24 25

Dados de O Liberal, Edição 11/02/2008. Ídem

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MORETTO, Vasco Pedro. Prova: um momento privilegiado de estudo, não um acerto de contas. Rio de Janeiro: DP & A Editora, 2001. NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2004. NEMI, Ana Lúcia. Didática de História: o tempo vivido: uma outra história? São Paulo: FTD, 1996. NIKITIUK, Sônia Leite. Repensando o ensino de história. São Paulo: Cortez, 1994. SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. Ensinar história. São Paulo: Scipione, 2004. SILVA, Luiz Heron da. Qual conhecimento qual currículo. Petrópolis: Vozes,1999.

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A IMPORTÂNCIA DA BABOSA COMO QUALIDADE DE VIDA Augusto José Raposo Márcia Goreth Silva FIBRA RESUMO: O uso de plantas medicinais tem aumentado nas últimas décadas em decorrência da procura por produtos naturais, justificado pelo encarecimento de remédios alopáticos e pelo aumento da resistência de patógenos aos medicamentos, entre outros fatores.Atualmente os órgãos fiscalizadores têm pressionado para que as indústrias só trabalhem com extratos padronizados, o que exclui, o consumo de produtos que não passem por beneficiamento.A babosa, cientificamente conhecida como Aloe vera, é uma espécie bastante usadas na forma “in natura”, mesmo com algumas restrições tendo em vista seus efeitos laxativos.Além de muito difundida pela indústria de cosméticos, têm sido cientificamente estudada em razão de seus propalados efeitos terapêuticos milenares. Atualmente, com seu crescente emprego em cosméticos e tratamentos para queimaduras, a demanda destas plantas tem incrementado o seu cultivo. A literatura é vasta e com afirmações positivas sobre o poder curativo da babosa e suas aplicações na cosmetologia, justificando sua importância econômica, pois suas propriedades vão ao encontro de fatores fundamentais do ser humano, e sua qualidade de vida, saúde e estética É um dos fitoterápicos que possui maior quantidade de pesquisa que comprovam sua eficiência, no caso de diversas patologias em seres humanos e em animais. A babosa é conhecida comumente por suas propriedades terapêuticas. Estudos revelam que a Aloe age como tônico geral do fígado, órgão que é um dos responsáveis pela digestão e desintoxicação das toxinas de nosso organismo. PALAVRAS-CHAVE: Aloe vera; Planta medicinal; Babosa.

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1 CONHECENDO A BABOSA 1.1 Generalidades e usos medicinais da babosa A babosa nos últimos anos tem sido muito utilizada na medicina popular por conta das suas propriedades naturais, embora a maior parte da população desconheça as potencialidades e aplicações da mesma. Segundo Bach e Lopes (2007, p.1136) comentando sobre a babosa afirmam: [...] a babosa é o nome popular referente a uma planta africana pertencente à família das Liliáceas e do gênero Aloe, à qual pertencem mais de 300 espécies, muitas delas utilizadas em vários países, inclusive o Brasil, para fins medicinais e na cosmética. Atualmente o correto é indicar que pertence à família Asphodelaceae.

Esta espécie de planta teve uma adaptação excelente no Brasil. Suas propriedades fitoterápicas e fitoquímicas despertam interesses de vários países que a utilizam principalmente nos ramos da medicina alternativa. Aloe vera Linne ou Aloe barbadensis Miller é uma espécie suculenta do gênero Aloe, que possui 400 diferentes espécies, com origem no continente africano (AGARRY et al.,2005). O número de espécies que constituem o gênero da referida planta em questão são bem variadas, porém a Aloe vera especificamente é a mais procurada exatamente por apresentar inúmeros elementos que podem ser aproveitados em vários ramos da indústria. Considerando ainda Bach e Lopes (2007, p.1136): Entre as espécies existentes, as mais conhecidas do gênero Aloe são: Aloe socotrina, Aloe arborescens, Aloe chinensis, Aloe ferox e Aloe vera, sendo essa última, a mais estudada pelas indústrias alimentícias, farmacêutica, cosméticas e fitoterápicas. A

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Aloe vera também conhecida como Aloe barbadenses, por crescer espontânea e abundantemente, na ilha de Barbados.

Outro aspecto importante a se ressaltar sobre a babosa referese a sua variedade de substâncias orgânicas dentre elas destacam-se os aminoácidos que em sua grande maioria não são sintetizados pelo ser humano. Segundo os mesmos autores (2007, p.1136), analisando o valor medicinal da babosa, ratificam: O interior de suas folhas é constituído de um tecido parenquimático rico em polissacarídeos (mucilagem), que lhe confere uma consistência viscosa (baba), de onde surgiu o nome babosa. Nessa mucilagem ou gel encontram-se seus princípios ativos, que são constituídos de tecidos orgânicos, enzimas, vitaminas, sais minerais e aminoácidos, dentre os quais 18 são importantíssimos para o homem, e desses, sete pertencem aos oito não sintetizados pelo nosso organismo.

A partir da extração de um gel mucilaginoso de sua folha, a babosa tem sido amplamente utilizada na área da saúde, indústria alimentícia e de cosméticos (REYNOLDS e DWECK, 1999, KILIC, 2005). O estudo desenvolvido sobre a babosa é trabalhado com muita seriedade e detalhe, observando as estruturas mais elementares preocupando-se inclusive com a exata descrição do referido vegetal destacando todas as suas particularidades. Conforme Dimitri (1978, p. 651) ao caracterizar a babosa comenta: Planta aproximadamente com 60 cm de altura, caule curto, achatado e grosso. Folhas suculentas, dispostas em rosetas, lanceoladas com dentes espinhosos nas margens, no interior tecido mole e viscoso. Flores hermafroditas, tubulosas, dispostas

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em racemos terminais de cor avermelhadas, alaranjadas ou amareladas.

Com facilidade encontram-se na literatura brasileira especializada informações sobre a botânica, propagação, fitoquímica e farmacologia de espécies exóticas, como a babosa. A importância medicinal desta espécie, de acordo com Langmead et al., (2004), está no fato de terem sido descritos 70 diferentes compostos biologicamente ativos, atribuindo a ela propriedades antioxidantes, antiinflamatórias, anticarcinogênicas, antidiabéticas, imunoestimulantes, dentre outras. Diversas espécies de uso medicinal e aromático são conhecidas há séculos pelos habitantes da Amazônia e algumas destas já são ao menos conhecida em parte, pela ciência e utilizadas na produção de receitas artesanais como a babosa. Extrato de Hamamelis (Hamamelis virginiana), Aloe (Aloe ssp.) e própolis tem sido utilizados na medicina popular por suas propriedades antiinflamatórias antimicrobianas (COSTA, 1978). Vale salientar com base nas argumentações supracitadas do autor, que a babosa oferece além de muitos outros benefícios a sua efetiva ação contra possíveis patologias provocadas por microorganismos que podem vir acometer o indivíduo. O uso terapêutico da babosa data de milhares de anos, desde os povos antigos, como gregos, judeus, egípcios, árabes, africanos, europeus e mais recentemente povos do continente americano (HEDENDAL, 2001). A babosa tem seu uso conhecido há séculos, atualmente tem sido empregada na indústria fito cosmética na produção de xampu e, principalmente, no tratamento de queimaduras. (ALMEIDA et al., 2006). Entende-se, que embora a babosa venha há séculos sendo empregada para fins fitoterápicos, com o passar do tempo houve um aprimoramento e diversificação do seu uso para outras áreas, é o caso da indústria de cosmetologia, que utiliza a Aloe vera para obter uma grande variedade de produtos. Bach e Lopes (2007, p.1137) refletindo com relação à utilização da babosa com contexto de outros países expõem:

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Se por um lado os brasileiros não estão familiarizados com o uso da babosa, além das tradicionais receitas para uso capilar; por outro lado, os europeus, os japoneses, os russos, os mexicanos e americanos, além de outros povos, usam a babosa corriqueiramente, inclusive como saladas, no Japão e no México. Nesses mesmos países, vários cientistas têm dedicados seu tempo em busca de descoberta ou confirmações dos poderes de cura da babosa para muitas enfermidades, principalmente aquelas de origem degenerativas, como é o caso do câncer, psoríase, leucemia, lúpus, etc.

A falta de informação no país é algo que ainda faz-se presente, mesmo com todos os recursos tecnológicos disponíveis. Conforme Bach e Balch (1995, p. 69) denotam outras eficácias para utilização da babosa e afirmam: A Aloe vera é conhecida principalmente por suas propriedades curativas, umectantes e amaciantes da pele. É utilizada em cortes, queimaduras, picadas de insetos, lesões da pele ulcerada, assim como também na cura de problemas estomacais, úlceras, prisão de ventre, hemorróidas, câncer de pele e artrite.

Considerando o poder curativo da babosa como supracitado por Bach e Balch, é importante destacar que apesar desta espécie de vegetal ser utilizada há séculos pelos povos antigos, a sociedade contemporânea desconhece bastante o contexto em que a mesma pode estar inserida. Atualmente é possível encontrar em determinados estabelecimentos, esta planta sendo utilizada como ornamento, por exemplo, favorecida pela sua aparência estética. Segundo Lorenzi e Matos (2002, p.544) ao refletirem sobre a eficácia medicinal da babosa caracterizam: Testes fitoquímicos têm demonstrado a presença de vários compostos de interesse

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segundo Lulinscki et al. (2003), em dois produtos básicos: gel e látex. O gel da babosa é constituído do parênquima de reserva, uma substância clara e pouco consistente, semelhante a uma geléia, e composta de, aproximadamente, 98% água. O látex ou extrato de babosa é uma exsudação amarela e amarga dos túbulos periciclicos e localiza-se logo abaixo da epiderme das folhas. O látex ou, mais especialmente, o extrato do parênquima clorofiliano é rico em glicosídeos das antraquinonas aloína A e B, substâncias de baixo peso molecular que têm sido frequentemente examinadas do ponto de vista químico e farmacológico.

O grupo americano Forever Living Products, responsável por 87% das plantações mundiais e distribuidor mundial de produtos nutricionais e de beleza, à base de babosa, vem atuando no Brasil, Contudo, vale ressaltar a importância estabelecida pela comunidade científica à babosa, demonstrando a execução de um trabalho sério e minucioso naquilo que tange as propriedades fitoterápicas a partir de uma análise fitoquímica da planta, partindo do princípio de que o domínio e a manipulação adequada do vegetal possibilitarão descobertas que poderão repaginar a história da medicina alternativa, tendo como reflexo maior a melhoria da qualidade de vida da sociedade contemporânea. Atualmente, muitos compostos originários da Aloe vera têm sido testados na cura de doenças como asma, isquemia, hipertensão, psoríase, artrite reumatóide e vários tipos de câncer (BERTI et al., 2007). No entanto, vale ressaltar que como todos os outros medicamentos, que apresentam efeitos curativos e são em sua maioria eficazes no tratamento de determinada afecção, o Aloe vera também manifesta efeitos colaterais.

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1.2 Valores nutricionais da babosa. Destacam-se os valores nutricionais que sem dúvida são de grande valia para a complementação de elementos que se encontra em baixa quantidade no organismo. Possui um polissacarídeo chamado acemannan, que comprovadamente, é um extraordinário imunoestimulante, já comprovado nos Estados Unidos pela FDA (Food and Drug Administracion). Na sua casca encontra-se a seiva que é rica em alantoína e antraquinonas, que são excelentes cicatrizantes. Segundo Panizza (1997), a composição química da Babosa é barbalodina, aloína, aloetina, resinas, mucilagens, taninos, vitamina E e C e ácido pícrico. Devem-se enfatizar as substâncias orgânicas disponíveis na composição química da babosa como as vitaminas, aminoácidos, polissacarídeos entre outros. Esses elementos apresentam-se como sendo de uma importância para a manutenção da vida do indivíduo, uma vez que participaram do trabalho metabólico corporal. Já para Rodrigues (2001), entre seus componentes químicos se encontram derivados da antraquinonas como aloína, diferentes derivados antracênicos, ácidos orgânicos, vitamina A, C e B, aminoácidos, polissacarídeos e glicoproteínas com atividades antitumorais e antiinflamatórias. Dentre os elementos citados anteriormente, destacam-se as vitaminas por encontrar-se em maior abundância neste vegetal, sendo de grande relevância devida sua participação nas principais atividades metabólicas do indivíduo, e principalmente pelo fato de disporem de vitaminas chamadas de essenciais ao ser humano, que os mesmos não conseguem sintetizar. Segundo Guilland e Lequeu (1995, p. 375): As vitaminas são substâncias orgânicas de pequeno peso molecular que agem em pequenas doses, sem qualquer valor energético intrínseco; deve ser fornecido ao organismo que é capaz de assegurar sua biossíntese, a fim de promover o crescimento, manter a vida e a capacidade

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de reprodução dos animais superiores e do homem.

Com base na citação acima, evidencia-se a importância que há das vitaminas no organismo humano e da babosa, portanto atuando como elemento mediador entre essas substâncias e o organismo. A partir deste pressuposto a babosa é utilizada em determinadas situações como remédio ao invés de um repositor de substâncias essenciais, conforme será mostrado a seguir. 1.3 A utilização da Babosa para fins terapêuticos O conhecimento sobre plantas medicinais simboliza muitas vezes o único recurso terapêutico de muitas comunidades e grupos étnicos. O uso de plantas no tratamento e cura de enfermidades é tão antigo quanto a espécie humana, plantas medicinais são comercializadas em feiras livres, mercados populares e encontradas em quintais residenciais. Do ponto de vista socioeconômico, é preciso destacar aspectos como a demanda pelo fitoterapia e o custo dos medicamentos, o potencial de geração de trabalho e renda na cadeia produtiva dos fitoterápicos, especialmente em regime de economia solidária. A base da composição química encontra-se vinculada ao preparo da babosa associada ao mel e destilado, colocando a síntese das diversas práticas encontradas, numa tentativa de ensinar a receita universal, isto é, para todas as pessoas. Sabe-se que os seus componentes devem ser compatíveis com as necessidades de cada indivíduo, atentando-se para o padrão orgânico de cada um, porém é importante lembrar que a diferença entre medicamento e veneno é a dose, portanto faz-se necessário trabalhar com a medida certa para que não haja prejuízos ao indivíduo que anseia pelo benefício da cura. Os componentes mantêm-se os mesmos, a saber: babosa (em sua folha inteira), mel e destilado. A primeira situação a ser questionada ao autor é quanto à dosagem do composto, já que a indicação é de meio quilo de mel, babosa e destilado (ZAGO, 2008, p.20).

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Acredita-se que o tratamento, a fim que realize o seu ciclo pelo organismo afora, precisa durar, ao menos dez dias. Se passar um pouco não faz mal. O importante é terminar o conteúdo do frasco, independente dos dias de duração do preparado. (ZAGO, 2008, p.13). Vale lembrar que, aprender a ser livre na confecção deste, acudindo suas necessidades particulares é sem dúvida o que deve de fato prevalecer. Saber que a divulgação da receita universal e seus componentes são usados como parâmetro, dando margem à sua criatividade, é exatamente por essa razão, que (Zago, 2008, p.14) afirma: “a recita é dinâmica, não estática e nem cristalizada”. A orientação eficaz consiste em trabalhar a babosa associada ao destilado, pois o uso único é exclusivo da mesma poderia ou não ter eficácia para o tratamento. Fique claro que a receita pode efetivamente ser confeccionada somente com a babosa, isto é, sem o mel e o destilado, porém esses dois elementos são importantíssimos por despertarem os princípios ativos abundantes na planta, colaborando para que tornem mais eficaz sua ação no organismo. Outra indicação importante para que se obtenha um composto de qualidade, é exatamente selecionar as folhas mais aptas para o referido trabalho e não pegá-las inadvertidamente. O sucesso do tratamento atribui-se também a colheita das folhas que irão compor o medicamento. Importante saber que a babosa apresenta-se ativa à noite e “dorme” de dia, isto é, segundo Stevens (1999, p.50), torna-se “totalmente impermeável, fechando hermeticamente todos os seus estomas durante as horas de sol”. Com outras palavras, sendo planta de deserto, mantém os poros fechados de dia, para evitar a evaporação da água, com o calor, abrindo-os à noite, para recolher o sereno da madrugada. A babosa é um vegetal extremamente suscetível a incidências excessivas de luz, e a grande quantidade de água. É recomendado evitar a exposição sob os raios da luz artificial. A incisão dos raios solares e/ou da luz elétrica prejudica o princípio ativo que a planta carrega contra o câncer. Zago (2008) deixa claro que, confeccionando seu produto por etapas, impedirá que ele venha a azedar o que é sempre o perigo quando a matéria-prima estiver encharcada de água. A folha da babosa absorve com facilidade a água, por ser esponjosa. Os componentes, sem conservantes confeccionadas com folhas colhidas

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após a chuva, ou lavadas, está fadada a oxidar, comprometendo o produto final. 1.4 A utilização da babosa para os portadores de diabetes E como fica o diabético, se vai mel na composição? Zago (2008) afirma ser fundamental saber que a babosa cura o diabetes, tendo como base desta afirmação a literatura americana. O mel proveniente da abelha não fará mal ao diabético, pois não passa por nenhum processo de refinamento. Muitas são as situações que necessitam ser contornadas e adaptadas ao contexto de cada paciente, por isso os componentes acabam tornando-se dinâmicos ao invés de estáticos. Todavia há quem levante questionamentos e até desconfiança acerca do vegetal, alegando apresentar certo grau de toxicidade, o que culminaria na impossibilidade de seu consumo, fato este que será discutido a seguir. 1.5 A toxicidade da babosa Nosso organismo trabalha em sincronia e qualquer disfunção nesse mecanismo provocará uma reação. Proteínas, açúcares e gorduras têm seu papel no equilíbrio do corpo, com as plantas utilizadas para o combate de certos males não é diferente, seu uso em demasia pode causar um efeito colateral. Existem especulações quanto ao nível de toxicidade da babosa, isso de fato acontece e atribui-se ao elemento aloína contido na babosa, porém o risco é possível se houver um consumo em grande quantidade. Seguindo as orientações, para confecção do produto, jamais provocará intoxicação, haja vista que a quantidade ingerida sempre será mínima. Reforça-se assim que a Aloe vera carrega consigo tais benefícios, de modo a se sobrepor aos seus malefícios, e que somente a utilização incorreta e seu uso indiscriminado é que de fato poderão efetivamente provocar efeitos colaterais. A babosa é um vegetal que embora não seja do conhecimento de todos no que tange as suas propriedades, ela é extremamente difundida no ramo da indústria e podendo ser encontrada na sua forma natural ou industrializada, como será estabelecida na seqüência 152


a diferença básica entre as duas situações apresentadas (ZAGO, 2008, p.36). Embora seja dada uma ênfase maior para a manipulação da Aloe vera na sua forma natural, é preciso elucidar de que forma essa manipulação acontece na indústria, estabelecendo de forma prática as diferenças básicas e como se dá a sua utilização. Os elementos que atuam conjuntamente com a babosa seja para o tratamento preventivo como para curativo, é sempre a mesma. O que muda é o intervalo entre um frasco e outro. No tratamento preventivo, quem estabelece a pausa é o usuário. 1.6 Babosa in natura / babosa industrializada As informações de que a babosa é veneno, geralmente, procedem das indústrias, corroboradas por laboratórios e até por enciclopédias, usadas como livros de pesquisa. Tóxica pode ser, e é se tomada em considerável volume, a babosa obtida através de processo que passa por altas temperaturas (destilada) e em seguida empedradas ou reduzidas a pó. Em tais casos, ingerida em grandes proporções, prejudicará, sem dúvida, o organismo (ZAGO, 2008, p.36). Entende-se assim após a descrição do autor as etapas pelas quais a babosa passa em seu processo de industrialização, trazendo efeitos contrários somente em casos de exceder-se na quantidade ingerida, esta é a grande diferença inclusive do remédio para o veneno. Mas isso não se restringe apenas à babosa. Toda planta, até um pé de alface, um chá, submetida a altas temperaturas, durante longo tempo em cocção, torna-se tóxica, até certo ponto. A babosa não será exceção (ZAGO, 2008, p.36). Com base nas argumentações dadas pelo autor supracitado, é importante destacar que a Aloe vera é um vegetal como qualquer outro exigindo o mesmo cuidado ao fazer sua utilização, bem como estabelecer de forma correta as dosagens a serem consumidas, respeitando as necessidades e as particularidades de cada indivíduo. No entanto, se você usar as folhas do seu pé de babosa plantado no fundo do terreno, a sua planta, in natura, é absolutamente confiável. Jamais aconselha-se abusar da quantidade. Dis-se para começar por uma colher das de sopa (10 ml) (da porção composta por 153


mel, destilado e folha de babosa in natura) pela manhã. A segunda colherada ao meio-dia. A terceira, à hora do jantar. Isso para pessoa adulta; se for criança, a dosagem seja proporcional à idade. Somente após consumir dois a três frascos, sem obter o desejado efeito, é que se aconselha a dobrar a quantidade (ZAGO, 2008, P.37). 1.7 Babosa como fonte alimentícia Fala-se muito da babosa para fins fitoterápicos, porém o vegetal exerce também um papel muito importante no que tange a questão alimentícia. A babosa constitui-se, muito mais, num suplemento alimentar do que propriamente em um remédio. Se você decidir tomar babosa, saiba que optou por uma alternativa que, acima de tudo, é um alimento completo. Há quem, após adotar a rotina do composto constituído de babosa, mel e destilado, dispensasse o café da manhã, sem experimentar qualquer redução de energia. (ZAGO, 2008, p.38). Zago, ao tecer acima argumentos da babosa como sendo fonte alimentícia deixa bem claro a equivalência nutricional que a mesma carrega consigo comparando-se a uma alimentação normal, a exemplo do café da manhã. Na babosa encontra-se verdadeiro arsenal de elementos úteis, importante e até essenciais para o organismo como, enzimas, vitaminas, proteínas, aminoácidos, metais, minerais, óleos, monossacarídeos, polissacarídeos, éter, alcoóis etc. (ZAGO, 2008, p.38). Acredita-se ter deixado claro a gama de substâncias contidas na babosa, após argumentação dada pelo autor acima, por essa razão enfatiza-se outro aspecto considerado essencial, que é exatamente o bom uso que se deve fazer deste que detém elementos fundamentais ao ser humano, de modo que o manuseio da mesma venha a refletir de forma positiva a quem faz uso da mesma. A farmacopéia germânica, na sua edição de 1873, ao tempo de Bismarck, já registrava mais de 300 elementos farmacêuticos contidos na babosa. A literatura moderna confirma, hoje, com listas e mais listas de tais elementos, fruto de pesquisas em laboratórios. (PEUSER, 2003, p. 42)

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Considera-se a necessidade de se trabalhar de forma empírica o uso, o conhecimento e a cultura popular das plantas medicinais de uma forma simples e prática, levando a comunidade em geral informações com o intuito de incentivar o uso da natureza na cura de varias patologias. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BACH, D.B,; LOPES, M.A. Estudo da viabilidade econômica do cultivo a babosa (Aloe vera L.) Ciên. Agrotec. v. 31, nº 4, p. 11361144, jul/ago/2007. BACH, J.F.M.D.; BALCH, P.A.C.N.; Receitas para cura através de nutrientes. Rio de Janeiro, Campos, p. 36-43, 2007. BERTI, F. V.; PÉRTILE, R. NA.; SIQUEIRA, J. M. J.; VALLE, R. M. R.; DIAS. P. F.; PORTO, L. M. Estudo in vitro do efeito antitumoral da aloína em cultura de células de melanonna. Exacta, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 169-176, jan/jun-2007. CASTRO L. O.; RAMOS, R. L. D. Cultivo de três espécies de babosa: descrição botânica e cultivo de Aloe arborescens Mill. Babosa – verde, Aloe saponaria (Ailton) Haw. Babosa – listrada e Aloe vera L. burm. F. Babosa verdadeira ou aloe-de-curaçau. (Aloeaceae). Porto Alegre: FEPAGRO, 2002, p. 12 – (Circular Técnica, 20). COSTA, A. F. Farmacognosia. 4th. Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1978. V.1, p.1031. DEBIASI, C. SILVA, C. GPESCADOR. R. Micropropagação de babosa. Ver. Bras. Pl. Med., Botucatu, v. 9 nº 1, p. 36-43, 2007. GUILLAND, J. C.; LEQUEU, B. As vitaminas do nutriente ao medicamento. São Paulo: Santos, p. 375, 1995. LORENZE, H.; MATOS, F. J. A. Plantas Medicinais no Brasil: nativas e exótica. Nova Odessa: Instituto Plantarum, p.544, 2002.

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TURISMO FAMILIAR COMO ALTERNATIVA COMPLEMENTAR DE RENDA NA COMUNIDADE DE ARICURU – MARACANÃ – PARÁ Júlia Maria Belo Rodrigues FIBRA Resumo: A presente pesquisa objetivou realizar uma experiência piloto de Turismo de Base Comunitária como alternativa de complementação da renda na Comunidade de Aricuru, que faz parte de uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável, a Reserva Extrativista Marinha (RESEX MAR) de Maracanã, no Município de Maracanã, Estado do Pará. Para esta experiência foram realizadas pesquisas bibliográficas, visitas técnicas e duas simulações da proposta que foi denominada pelas lideranças locais de Turismo Familiar. Ainda foram feitas entrevistas informais e formais, estas com ênfase no levantamento qualitativo e quantitativo dos elementos que constituem o modo de vida das famílias residentes na Comunidade de Aricuru. Os resultados alcançados mostraram que esta experiência tem condições de alavancar uma renda complementar, “satisfatória” na percepção das famílias pertencentes a essa Comunidade Tradicional, principalmente aquelas envolvidas diretamente com o projeto do Turismo Familiar. Palavras-Chave: Ecoturismo; Turismo de Base Comunitária; Comunidade Tradicional. ABSTRACT This research aimed to perform a pilot Community-based Tourism as an alternative to supplement their income to the Community of Aricuru, city of Maracanã, located in a part of a conservation sustainable use, the Marine Extractive Reserve (RESEX MAR) of Maracanã, Pará. For this project were conducted literature searches, technical visits and two simulations of the proposition which was named for the local leaders Tourism Family. Although interviews were informal and formal, with emphasis on these quantitative and qualitative surveys of the elements that constitutes the land scape and the live style of families residing in the Community of Aricuru. The results showed that the experience of Tourism Family is able to add 157


an additional income, satisfactory in the perception of families belonging to this traditional community and who participated in the main project of Tourism Family. Key Words: Ecotourism, Community-Based Tourism, Traditional Community. INTRODUÇÃO O estudo aqui apresentado consiste em uma proposta de Turismo de Base Comunitária para a Comunidade Tradicional de Aricuru localizada no Município de Maracanã, que faz parte de uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável, a Reserva Extrativista Marinha (RESEX MAR) de Maracanã, no Pará, visando oferecer uma alternativa de complementação da renda para as famílias locais. Este trabalho envolve aspectos relacionados ao conhecimento da área, à relação entre turismo e meio ambiente e as Comunidades Tradicionais em Unidades de Conservação. O principal objetivo deste estudo é propor o planejamento de uma atividade turística nessa comunidade, promovendo o desenvolvimento sustentável e apontando o Turismo de Base Comunitária como uma possibilidade de promover a complementação da renda das famílias do local, conservando o meio ambiente e o seu modo de vida. Visa ainda realizar um diagnóstico da área, considerando seus aspectos naturais, sócio-culturais e econômicos, como parte da estruturação do Turismo Familiar. Observou-se que a área estudada tem potencial turístico devido à existência de uma paisagem natural atrativa combinada ao modo de vida tradicional da Comunidade, havendo necessidade de planejar e organizar essa atividade turística, com a participação efetiva dos sujeitos sociais da Comunidade de Aricuru em todas as etapas de elaboração da mesma, de forma que os recursos existentes possam ser utilizados de maneira equilibrada e compatível com os princípios de conservação do meio ambiente e do modo de vida dessa população. O estudo consiste em promover o desenvolvimento local através do turismo de base comunitária, integrando conservação 158


ambiental à valorização cultural, além de dinamizar a economia com a geração de renda complementar para as famílias que integram a Associação de Pescadores(as) e Agricultores(as) de Aricuru (APEAGA) . ECOTURISMO E TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA O Turismo apresenta uma íntima relação com o meio ambiente. O planejamento do turismo ambiental surge como forma de evitar os danos aos meios turísticos e ambientais e os problemas sociais que podem afetar as populações, maximizando os benefícios do desenvolvimento turístico. Nesse contexto, o Turismo de Base Comunitária é uma atividade que mais do que envolver a natureza abrange, também, a participação das comunidades locais na definição de estratégias que proporcionem a preservação de seu modo de vida, usos e costumes, e na elaboração de propostas que visem à geração de benefícios para as mesmas. É importante frisar que a comunidade deve estar de acordo e totalmente envolvida na atividade, pois um projeto de Turismo de Base Comunitária, para ser realizado, parte da existência da comunidade e seu benefício deve ser revertido para ela. Considerando os aspectos sócio-ambientais da Comunidade de Aricuru para o Turismo, é possível sugerir dois segmentos dessa atividade: o Ecoturismo e o Turismo de Base Comunitária. O conceito de Ecoturismo, de acordo com as Diretrizes da Política Nacional de Ecoturismo (BRASIL, 1994), defini-se como sendo "um segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem estar das populações envolvidas”. O Turismo de Base Comunitária é um segmento que tem como princípios estimular a valorização e conservação da natureza (principalmente das Unidades de Conservação - UC's), ser planejado e desenvolvido em processo participativo, ser socialmente justo para as comunidades locais (envolvimento e participação), ser 159


economicamente viável para as comunidades e UC's e, por fim, possuir mecanismos de controle de impactos ambientais e culturais. Segundo o Ministério do Turismo “o Turismo de Base Comunitária é protagonizado por comunidades locais e consiste em um modelo alternativo de desenvolvimento turístico, orientado pelos princípios de associativismo/cooperativismo, valorização da cultura local”. Já a autora Luzia Coriolano chama esse tipo de turismo, de “Turismo de base local” que busca a “sustentabilidade socioespacial, prioriza os valores socioculturais e descobre formas inteligentes de participação na cadeia produtiva do turismo” (Coriolano, 2006, pg. 201). De acordo com a autora é um turismo que não é só consumo, mas troca de experiências, de laços de amizades e de valorização cultural. Para a mesma “as pessoas e os lugares são as bases necessárias ao desempenho das atividades cotidianas...” (Coriolano, 2006, pg. 201), ou seja, qualquer atividade, principalmente quando se trata desse segmento do turismo, além do local ter atrativos, a participação das pessoas ou das comunidades ali residentes é essencial para que a atividade tenha sucesso. Para entender melhor o Turismo de Base Comunitária, outras definições são relevantes, como as de Unidades de Conservação e Comunidades Tradicionais. Unidades de Conservação (UC) são definidas como “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Público com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, aos quais se aplicam garantias adequadas de proteção” (Lei nº 9.985, de 18/07/2000, art.2, inciso I). Comunidades Tradicionais são definidas como “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas pela tradição” (Decreto n 6.040, de 7/02/2007, art. 3, inciso I).

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Baseando-se na necessidade de integrar a atividade turística na dinâmica da comunidade tradicional com o meio natural, serão seguidos os princípios de Turismo de Base Comunitária acima descritos para fundamentar a proposta construída junto a Comunidade de Aricuru. O desenvolvimento turístico de base comunitária sugere qualidade em vez de quantidade e se propõe a prevenir os impactos ambientais e a degradação dos recursos naturais, visando a conservação ambiental, a inclusão social e o desenvolvimento econômico local. De acordo com o Plano Nacional de Municipalização do Turismo (PNMT), a importância do Turismo como um instrumento de promoção do crescimento e do desenvolvimento dos municípios é evidente. Da relação entre turismo, meio ambiente e comunidade surge o Turismo de Base Comunitária como uma forma de gestão responsável e sustentada dos recursos naturais. Esse tipo de turismo se caracteriza como uma forma de utilização responsável das paisagens, visando um maior comprometimento com o patrimônio natural e cultural do local de destino, além de propor a participação efetiva da comunidade local durante todo o processo de desenvolvimento da atividade turística. PLANEJAMENTO DO TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA PARA ÁREAS PROTEGIDAS O planejamento turístico, em relação ao meio ambiente, é um instrumento fundamental e imprescindível para minimizar os impactos negativos que a atividade turística pode provocar sobre o meio ambiente e o modo de vida das populações dos locais visitados. Consiste em se estabelecer objetivos e propor estratégias para alcançá-los, sendo indispensável para o desenvolvimento de um turismo equilibrado e em harmonia com os recursos naturais, culturais e sociais do local receptor. Assim, este planejamento deve abranger não só um atrativo natural, mas, também, os seus aspectos sócio-culturais, que envolva, principalmente, a comunidade ali residente, promovendo assim o sentimento de pertencimento. O Turismo de Base Comunitária torna161


se, dessa forma, uma atividade capaz de se transformar também em um importante mecanismo de conservação de áreas protegidas e de geração de oportunidades de desenvolvimento das comunidades receptoras. Seu planejamento promove a integração local, pois a comunidade deve refletir sobre a importância de defender a conservação do meio e a utilização dos recursos existentes, incluindo matérias primas e mão-de-obra local. Para o desenvolvimento pleno da proposta de Turismo de Base Comunitária (Turismo Familiar), ressalta-se mais uma vez, ser imprescindível que a elaboração desses planos seja feita pela própria comunidade, visando interferir o mínimo possível no seu modo de vida, na sua estrutura social, nos seus padrões e costumes, buscando promover a conservação dos recursos naturais e permitir a geração de benefícios tanto para o ambiente quanto para a Comunidade. Os planejamentos mais eficientes são aqueles que, desde o início, dão prioridade para participação dos agentes sociais locais e do uso de infra-estrutura e materiais locais. TURISMO PARTICIPATIVO Atualmente, as Unidades de Conservação de Uso Sustentável são referências para a prática do Turismo de Base Comunitária, tendo em vista a riqueza de atrativos naturais e da sua biodiversidade, os aspectos históricos e, principalmente, a possibilidade de contato direto com as populações locais, sua cultura e o seu cotidiano. Dessa forma, a população local representa o elemento principal no planejamneto e execução dessa atividade, pelo seu conhecimento do espaço, da cultura e da história do local. A estruturação das UCs para o turismo requer que sejam considerados alguns aspectos tais como a educação ambiental, o conhecimento empírico que será passado pela comunidade tanto nas etapas do planejamento participativo e a criação de programas de uso público, como, na execução das atividades propostas para o Turismo de Base Comunitária. A criação de trilhas, como instrumento pedagógico do Turismo de Base Comunitária, deve ser feita de modo a permitir ao visitante a maior oportunidade de convívio com a natureza, mas com 162


o mínimo de impacto negativo possível. Entretanto, a criação de atividades de uso público deve ir além da simples implantação de trilhas. Devem ser baseadas em levantamentos feitos pelas lideranças locais, pessoas com maior experiência de vida, sobre os saberes tradicionais que perpassam pelo convívio da Comunidade em harmonia com o meio ambiente. O envolvimento da comunidade na execução dessa atividade é extremamente importante para o sucesso da mesma, pois assim há uma troca de conhecimentos entre comunidade e visitante, onde ambos aprendem sobre como melhor preservar o meio ambiente. No entanto, não se pode ignorar que, para a viabilidade da proposta de turismo de base comunitária mencionada, é necessário buscar a cooperação e o apoio de entidades governamentais, não governamentais e de pessoas física que podem efetivamente ajudar no desenvolvimento deste empreendimento, buscando para tanto investimentos financeiros que possibilitem a promoção deste produto no mercado turístico da Região Amazônica. EXPERIÊNCIA DO TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA NA COMUNIDADE DE ARICURU Como resultado da experiência turística na Comunidade de Aricuru, apresentamos o projeto piloto construído coletivamente pelos seus agentes sociais. O Projeto foi denominado pelas famílias envolvidas de Turismo Familiar, resultando na geração de renda complementar, satisfatória na percepção das famílias que participaram efetivamente dessa experiência piloto. Iniciamos o processo de pesquisa com diferentes ações metodológicas, principalmente, com a participação no cotidiano da Comunidade de Aricuru, a qual nos convidou para que elaborássemos um projeto que permitisse a Comunidade gerar uma renda complementar no seu orçamento mensal. A proposta inicial foi apresentada e discutida em reunião com os associados da Associação de Pescadores(as) e Agricultores(as) de Aricuru (APEAGA), onde ficou definido que os

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visitantes ficariam hospedados na casa dos moradores da comunidade. A primeira visita monitorada foi estabelecida pela Comunidade para o mês de novembro/2009, cuja programação surgiu de uma série de reuniões com as famílias e lideranças da APEAGA. Na ocasião a decisão tomada foi de levar 10 (dez) visitantes, ficando 2 (dois) em cada residência previamente escolhida. Nessas reuniões foram esclarecidos os aspectos estruturais do projeto para as famílias participantes e que essa iniciativa seria, num primeiro momento, uma experiência piloto com o objetivo de testar a receptividade tanto da Comunidade em relação turista quanto do visitante em relação ao meio sócio-ambiental de Aricuru. Além disso, a proposta também incluiu a formação de um grupo de jovens da própria Comunidade que fossem preparados para fazer o acompanhamento aos visitantes durante a realização da experiência. Esse grupo foi chamado de: Grupo de Apoio Jovem para o Turismo de Base Comunitária em Aricuru. Nas reuniões também foram definidos os custos de alimentação e hospedagem que as famílias teriam durante a realização do projeto piloto, objetivando se chegar a um valor que seria cobrado de cada visitante e que cobrisse essas despesas, evitando que as famílias tivessem prejuízos econômicos. Durante as discussões sobre o projeto piloto, surgiu das lideranças locais da Comunidade a proposta de áreas que servissem de atrativos turísticos, como trilhas e áreas de recreação. A sugestão foi de preparar a Comunidade para receber os visitantes, porém mantendo a casa receptora com os aspectos que já possuíam, mostrando a rotina diária de cada família. O Turismo Familiar ficou definido pelos participantes como uma atividade de troca de experiências entre membros da comunidade e visitantes, onde o turista poderia interagir diretamente com o morador, vivenciando a construção dos saberes locais e deixando de ser um mero espectador do cotidiano do anfitrião. Ao final, após discussões e esclarecimentos, a própria comunidade definiu a programação e os pratos típicos a serem oferecidos, assim como os valores e serem cobrados, as famílias que 164


receberiam os visitantes, os locais a serem apresentados durante a experiência e, ainda, os jovens que acompanhariam os visitantes. ASPECTOS DA COMUNIDADE DE ARICURU A área de estudo deste projeto é a Comunidade de Aricuru que está localizada entre os Rios Samunari e Jacarequara sendo banhado pela baia do Maracanã. É uma das comunidades mais antigas do Município de Maracanã. O acesso para Aricuru, a partir de Belém, capital do Estado do Pará, por via terrestre leva em torno de 3 horas até o Município de Maracanã, sendo a partir daí, o acesso feito por via fluvial, em barco motorizado, gastando cerca de 30 minutos, aproximadamente, para se chegar a sede da Comunidade. Aricuru possui uma população estimada em torno de 186 pessoas, entre crianças e adultos. São 54 famílias que residem no local e que tem na pesca e na agricultura de subsistência o sustento familiar, sendo que esta agricultura e baseada principalmente no cultivo da mandioca e do milho. O extrativismo da mangaba e do bacuri também completam a renda das famílias. Segundo entrevistas realizadas pelo Professor M.Sc. Marcos Vinicius Lima, na comunidade, “o significado do termo Aricuru é polissêmico, pois, na literatura é possível encontrar algumas referências sobre o uso do termo Aricuru”. Por exemplo, no estado do Pará, um município do baixo amazonas conhecido hoje como Melgaco, era denominado pelos jesuítas no século XVII de Aricuru. O termo também é usado para referir-se a um fruto de uma palmeira, conhecida no nordeste como aricuri, urucuri ou aricuru. A comunidade de Aricuru é de origem católica, possui uma Associação de Pescadores(as) e Agricultores(as) de Aricuru (APEAGA) consolidada, organizada pelos moradores que, desde sua criação em 1999, tem feito um importante trabalho social e também ecológico dentro da comunidade, objetivando a melhoria da qualidade de vida da sua população local. A Comunidade não possui Centro Médico. Por outro lado, possui uma Escola Municipal de Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries)

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e outra escola comunitária, chamada “Paulo Freire”, destinada as crianças em fase de alfabetização. Desde 2008 a energia elétrica foi instalada na Comunidade. O abastecimento de água é feito através do funcionamento de uma bomba que é mantida inteiramente pelos moradores, através da APEAGA. A maioria das casas é de madeira ou taipa, embora já existam muitas construídas em alvenaria, através de projetos sociais do Governo, que são implementadas pelos fomentos econômicos do Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF), ligados ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Foi possível perceber, a partir das pesquisas em campo e da pesquisa-ação, as carências que, a princípio, dificultam a prática da atividade turística. Na maioria das casas onde foram realizadas as entrevistas, apenas uma pessoa trabalha, sustentando os demais membros da família e a renda familiar mensal da maioria dessas famílias é muito baixa, sendo fácil perceber as limitações e dificuldades por que passam. No entanto, muitos desejam obter uma complementação para sua renda familiar. Assim, a população mostrou-se bastante receptiva quanto à possibilidade de que seja desenvolvida uma atividade de turismo de base comunitária na área. Ficou claro que o local, que possui potencial turístico, necessita implantar uma alternativa para o seu desenvolvimento sócio-econômico através do Turismo de Base Comunitária, por eles chamado de Turismo Familiar, que pode ser efetivado na área como sendo um modelo a ser desenvolvido para a Região. POTENCIALIDADES TURÍSTICAS A Comunidade de Aricuru possui uma paisagem natural exuberante, além de um povo muito hospitaleiro e desejoso de conseguir trabalho e alternativas de renda. Nesse contexto, o Turismo de Base Comunitária se apresenta como uma alternativa interessante para esse desejo ser realizado, desenvolvendo a área e seu entorno. Esta atividade vai ao encontro dos princípios de proteção e conservação dos sistemas naturais e melhoria da qualidade de vida, aos quais este projeto de destina. 166


A biodiversidade da área e o modo de vida da população da Comunidade de Aricuru (basicamente de pescadores artesanais e agricultores), constitui-se, talvez, o mais importante fator de atratividade e interesse capaz de criar um fluxo turístico para a área, possibilitando a geração de renda na Comunidade.

Foto 1: Visitantes conhecendo um curral feito pela Comunidade

Os atrativos sócio-ambientais são muito fortes, pois os aspectos físicos estão interligados a identidade da Comunidade. Como os rios, as praias, o solo, a vegetação são chamativos para diferentes experiências dentro de cada ambiente natural. A forma artesanal de fazer seus utensílios, de tecer o curral, o paneiro, o matapi, cultivar o roçado, criar os seus animais, e a própria maneira de cozer os alimentos, tais saberes são novidades para os visitantes, tornando-se atrativos turísticos.

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Foto 2: Visitante aprendendo a fazer o trançado da tela do curral com o pari

A relação do tempo dos comunitários com o plantio, a colheita, a caça e a pesca, faz parte de um calendário natural, que é bem conhecido por eles, sendo mais uma curiosidade que desperta o interesse do visitante. Por fim, a alegria natural e o prazer de viver dos membros da comunidade, apesar das dificuldades pelas quais passam, expressam grande receptividade no acolhimento dos turistas. PROPOSTAS PARA O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA No que diz respeito à realização da proposta de desenvolvimento do Turismo de Base Comunitária para a Comunidade de Aricuru, denominada de Turismo Familiar, mostrou que a Comunidade está organizada e preparada para o desenvolvimento deste empreendimento. Nesse contexto, o Turismo Familiar é um segmento de Turismo de Base Comunitária que facilitará, efetivamente, a promoção do desenvolvimento local aliado à conservação ambiental e a participação dos atores sociais locais em todo processo, desde o planejamento a execução, resultando na valorização da cultura local e na afirmação do espaço como atrativo turístico. 168


Essa proposta teve como objetivo alcançado estimular o engajamento da comunidade, tanto no planejamento quanto na execução dessa atividade. Assim, de acordo com a fala dos moradores, os mesmos se sentem privilegiados e valorizados, pois tiveram a oportunidade de colocar seus anseios e contribuir com suas experiências práticas, percebendo, assim, a viabilidade dessa atividade como alternativa para o seu desenvolvimento sócioeconômico. A auto-sustentação é também uma proposta do Turismo de Base Comunitária para a Comunidade de Aricuru, tendo em vista que foi detectada a possibilidade de complementação de renda para a população com o uso correto dos recursos naturais e culturais. Como já mencionado, toda atividade turística nessa área tem como princípio a valorização dos patrimônios natural e cultural da Comunidade de Aricuru. CONSIDERAÇÕES FINAIS O turismo é uma atividade geradora de benefícios não só econômicos, mas também sociais, culturais e ambientais e surge como uma alternativa para o desenvolvimento de áreas com potencialidade turística. Na Comunidade de Aricuru, o Turismo de Base Comunitária, por eles denominado de Turismo Familiar, é o segmento turístico que pode ser implantado no local com sucesso, pois visa à conservação ambiental aliada ao respeito pelos costumes da comunidade local, através do uso equilibrado da área. Essa atividade propõe o desenvolvimento local com a efetiva participação da comunidade receptora no planejamento, gestão e controle da atividade turística. A proposta atende as expectativas de uso e manejo da Unidade de Conservação onde foi realizada, podendo ser implantada com sucesso em qualquer outra Comunidade, seja ela Unidade de Conservação ou não, desde que a mesma tenha uma Comunidade organizada e que se percebam como potencial turístico. O projeto mostra, também, que é possível realizar essa atividade com responsabilidade tanto do ponto de vista social como ambiental. Assim, pode-se afirmar que este projeto é viável e pode ser auto-sustentável, desde que leve em consideração os princípios que

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nortearam a sua elaboração: respeito aos ecossistemas naturais, à história e o cotidiano da comunidade tradicional. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARTHOLO, Roberto; SANSOLO, Davis Gruber; BURSZTYN, Ivan (org.). Turismo de Base Comunitária: diversidade de olhares e experiências brasileiras. Realização: Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social. COPPE/UFRJ. Letra e Imagem Editora e Produções Ltda. BRASIL, MDSCP/MMA. Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Decreto 6.040, 7 de fevereiro de 2007. Brasília, MDSCP/MMA. BRASIL, MICT/MMA. Diretrizes para uma Política Nacional de Ecoturismo. 1994. Brasília, MICT/MMA. BRASIL, MMA. Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), Lei 9.985, de 18 de junho de 2000. Brasília, MMA. BRASIL, MTur. Plano Nacional de Turismo 2007/2010 – Uma viagem de inclusão. Junho/2007. Brasília, MTur. BUARQUE, Sérgio C. Construindo o desenvolvimento local sustentável. Metodologia de Planejamento. Garamond Universitária. CORIOLANO, Luzia Neide Menezes Teixeira (Org.). Turismo com ética. 2ª Edição. Fortaleza: Funece, 1998. v. 1. CORIOLANO, Luiza Neide M. T.; LIMA, Luiz Cruz (Org.). Turismo Comunitário e Responsabilidade Socioambiental. Fortaleza: EdUECE, setembro/2003. CORIOLANO, Luzia Neide Menezes Teixeira. O Turismo nos discursos, nas políticas e no combate à pobreza. São Paulo: Annablume, 2006.

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CORIOLANO, Luiza Neide M. T.; VASCONCELOS, Fábio Perdigão. O Turismo e a relação Sociedade-Natureza: realidades, conflitos e resistências. Fortaleza – Ceará: EdUECE, 2007. GOMES, Patrício Melo. (Eco)Turismo: uma (Re)Leitura dos discursos. Brasília: IBAMA. MMA. Série Educação Ambiental, 2003. IRVING, Marta de Azevedo. Áreas protegidas e inclusão Social. Construindo novos significados. Rio de Janeiro: Aquarius, 2006. MACHADO, Álvaro. Ecoturismo: Um produto viável – A experiência do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2005. NEIMAN, Zysman; RABINOVICI, Andréa (Org.). Turismo e Meio Ambiente no Brasil. São Paulo: Manole, 2010. PAOLO, Darcy Flexa de. Elaborando Trabalhos Acadêmicos e Científicos: TCC, Dissertação e Tese. Belém: Paka-Tatu, 2009. PARATUR, Governo do Estado do Pará. Inventário da Oferta Turística: Maracanã. Belém/ Pará, agosto/2007. RODRIGUES, Adyr Balastreri (Org.). Turismo e Desenvolvimento local. 3ª Edição. São Paulo: Hucitec, 2002. SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do Científico. 22ª Edição. São Paulo: Cortez, agosto/2006.

Trabalho

YÁZIGI, Eduardo. Turismo: Uma esperança condicional. 3ª Edição. São Paulo: Global, 2003.

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GÊNEROS TEXTUAIS: por que e para que ensiná-los? Profª Drª Célia Maria Coêlho Brito FIBRA RESUMO: Hoje, tendo em vista o reconhecimento de que os textos orais ou escritos em geral se inserem em tipos de gêneros de textos e que esses gêneros representam ações de linguagem, não se pode descurar do fato de que os textos se efetivam em relações dialógicas. No que se refere ao ensino-aprendizagem da produção e leitura de textos em língua portuguesa, então, é importante que se busquem práticas metodológicas condizentes com essa orientação teórica. A intenção deste artigo, assim, vem ao encontro dessa necessidade, ao discorrer sobre aspectos concernentes a gêneros textuais à luz da concepção bakhtiniana de linguagem e equívocos verificados de sua aplicação no direcionamento do ensino da produção e leitura de textos. PALAVRAS-CHAVE: Concepção bakhtiniana de linguagem; Gênero de textos; Texto; Ensino-aprendizagem da língua portuguesa. 1 INTRODUZINDO A QUESTÃO Inicio este artigo com uma instigação: É possível ensinar a interpretar e produzir textos? A resposta a essa questão deverá ser sempre positiva ao que se refere tanto à destreza do professor quanto à prontidão do aluno. O professor de língua portuguesa não pode deixar de apostar que o aluno seja capaz de aprender a interpretar e a produzir textos, mesmo diante de toda e qualquer adversidade, e que, assim sendo, deve procurar meios para ir ao encontro das necessidades do aluno no sentido de ajudá-lo a superar as dificuldades no que concerne ao seu desenvolvimento quanto àqueles processos textuais. Reflexões sobre as teorias da aprendizagem e dos estudos da linguagem nos auxiliam a promover uma prática orientada para esse fim. Seguindo a concepção social da linguagem, defendida por Vygotsky (1935), acredita-se que a aprendizagem está implicada ao longo do desenvolvimento, sendo este, portanto, distinto daquela. Essa concepção, diferentemente dos entendimentos solipsistas sobre 172


a linguagem26, relaciona-se com a proposta de encaminhamento do ensino-aprendizagem hoje considerada pela linguística aplicada para a interpretação e produção de texto, que segue conduções teóricas do interacionismo linguístico, definido por Bakthin (1952-53/1992), de onde advém a concepção de gênero como ação de linguagem que realizamos por meio de textos orais ou escritos. Sendo partidário da concepção social da linguagem bem como do entendimento de gênero segundo Bakthin, Schneuwly (2004) considera que é por meio dos gêneros que o sujeito se relaciona com o meio social, sendo esses, portanto, instrumentos que, ao mediarem essa relação, se apresentam revestidos dos propósitos de utilização do sujeito em suas ações de linguagem. É evidente que, para que os gêneros estabeleçam essa relação, é preciso que o sujeito deles se aproprie, e, assim, ocorra o processo de instrumentalização, o qual é responsável pelo desenvolvimento do sujeito. Em vista disso, Schneuwly (1994:160162) diz que, nas atividades de linguagem, os gêneros nos permitem produzir e compreender textos, ou, em outras palavras, realizar ações de linguagem em uma determinada situação. O esquema, a seguir, ilustra essa propriedade dos gêneros de acordo com Schneuwly (2004). Desenvolvimento/Aprendizagem de linguagem Sujeito  Atividade de linguagem  Meio social = Gênero = Instrumento

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As concepções solipsistas de linguagem (objetivismo reducionista/estruturalismo, e endógena/gerativismo) centram toda a realização de linguagem no sujeito e, consequentemente, ignoram a relação deste com os outros.

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Em razão das orientações expostas acima, muito se fala hoje, no âmbito do ensino-aprendizagem de línguas, em gênero de discurso (BAKTHIN, 1952-53/1992) ou em gênero de texto (BRONKART, 2006). Especificamente, no que concerne ao ensino-aprendizagem da língua portuguesa, as diretrizes definidas nos PCN são uma demonstração desse fato. Resta saber, no entanto, como estão sendo desenvolvidas pelos que militam na área, quer fazendo pesquisa quer desenvolvendo a prática escolar, a compreensão e a produção de gênero segundo as conduções teóricas do dialogismo linguístico. Emitindo considerações a respeito, tem-se a dizer que se observa que muitas das orientações teóricas sobre gêneros textuais27 têm sido entendidas de forma equivocada. Neste artigo procura-se relacionar algumas dessas distorções que identificamos: a) caracterização apriorística dos gêneros; b) classificação de textos em tipologias únicas e definidas de gêneros de textos; c) associação de gêneros orais à linguagem informal; d) associação de linguagem oral a gêneros primários e de linguagem escrita a gêneros secundários; e) ensino de gênero e o ensino fragmentado dos fatos linguísticos; f) inserção de textos apenas a gêneros sócio-historicamente identificáveis; g) desconsideração das dimensões de um gênero de texto; h) confusão entre gênero e tipos de textos. 2 COMPREENSÕES TEÓRICAS EQUIVOCADAS SOBRE GÊNEROS TEXTUAIS 2.1 Caracterização apriorística dos gêneros Por mais que se tenha conhecimento de que os gêneros são maleáveis, que teoricamente sejam passíveis de constante variação, ao mesmo tempo persiste a ideia de concebê-los como realizações invariáveis, que podem ser reconhecidas necessariamente por meio de critérios pré-estabelecidos, fixos. Querendo deixar patente que não é assim que se deve proceder, Maingeneau (2001) muito claramente diz que os gêneros 27

Optarei pela denominação de gênero de textos e não pela de gênero de discurso, para não confundir o termo discurso com a concepção que lhe é dada na Análise do Discurso ou no Interacionismo Sociodiscursivo – ISD (BRONCKART, 2006).

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do discurso não podem ser considerados como formas que se encontram à disposição do locutor a fim de que este molde seu enunciado, porquanto são atividades sociais, que, por essa razão, são submetidas, inclusive, a um critério de êxito. E Schneuwly (apud SCHNEUWLY & DOLZ, 2004, p. 57), com o mesmo objetivo, esclarece que Sua descrição [dos gêneros] se faz a posteriori, como explicitação da evidência cotidiana que permite seu reconhecimento e por meio de enfoques locais que não podem visar à descrição ou mesmo à explicação de regularidades mais gerais da linguagem.

O gênero de texto requerimento, por exemplo, hoje se apresenta quanto a sua estrutura organizacional, bastante diferente da estrutura organizacional que apresentava em tempos passados. Os órgãos públicos ou privados dispõem de formulários para se requer algo a uma autoridade. Não há mais, portanto, a necessidade de fazer, de próprio punho, a solicitação desejada em uma folha de papel almaço ou em branco, iniciando pelo título da autoridade, seguido de mais ou menos oito linhas ou um determinado espaço, do nome do solicitante e sua identificação; da exposição do que se quer e do fecho conforme a fórmula convencional; do local e da data; e, por último, da assinatura. Tendo em vista os gêneros apresentarem-se por fórmulas não-fixas, não se deve considerar que um texto pertencente ao gênero propaganda necessariamente deva possuir, por exemplo, verbo no imperativo e função conativa da linguagem, tão somente pelo fato de muitos assim se apresentarem do ponto de vista linguístico. Essa tem sido em grande de parte, a orientação dada, incoerentemente, pela escola sobre esse gênero. A figura 1, que ilustra um texto publicitário, descaracteriza essa forma de pensar em relação a esse gênero de texto, porquanto se observa que não traz nenhuma forma no imperativo nem linguagem conativa.

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Figura 1

2.2 Classificação de textos em tipologias únicas e definidas de gêneros de textos O segundo equívoco aqui considerado, que não se coaduna também com a natureza mutável, variável, dos gêneros, diz respeito ao fato de, embora se tendo conhecimento dessa característica dos gêneros, ainda persiste a intenção de classificar textos, a toda prova, segundo tipologias. Ao se fazer isso, deixa-se transparecer o pensamento de que deve continuar a preocupação de se inserir os textos em classificações postas como únicas e definitivas. Além do mais, vale ressaltar, por outro lado, que, antes de tudo, se deve ter em mente que essa não deve ser a questão precípua quando se pretende estudar texto pela ótica dos gêneros. Não se quer dizer com isso, no entanto, que não se deva ou não se possa procurar reconhecer o gênero a que possivelmente os textos se insiram, pois, apesar de os gêneros não favorecerem uma classificação sistemática, dado seu caráter multiforme e maleável, nas práticas de linguagem, a todo instante, sente-se necessidade de referenciá-los (SCHNEUWLY apud SCHNEUWLY & DOLZ, 2004, p. 57). É nesse sentido que Schneuwly (apud SCHNEUWLY & DOLZ, 2004, p. 60, 61) apresenta uma proposta de agrupamento de tipos de gêneros de textos, fazendo a ressalva de que a intenção é definir as capacidades de linguagem globais (narrar: cultura literária; relatar: documentação e memorização das ações humanas; argumentar: discussão de problemas sociais controversos; expor: transmissão e construção de saberes; e descrever ações: instruções e

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prescrições) em relação às tipologias existentes, e não simplesmente classificar por classificar tipos de gêneros de textos. Muito mais importante que relacionar gêneros a tipologias é reconhecer a ação de linguagem que o produtor quer realizar com seu texto em relação a seu destinatário, como persuadir, convidar, propor, contrapor, divertir, ironizar, descrever, narrar, relatar, explicar, argumentar, noticiar, informar e outras mais ações e quais meios linguísticos usa para conseguir tal intento, considerando os parâmetros da situação de interlocução. Ao se dizer, por exemplo, que um texto pertence a um tipo de gênero de texto de opinião, de propaganda, ou carta, ou aviso, não se deve descurar que cada um desses gêneros está sujeito a apresentar alterações sócio-históricas decorrentes de incursões estilísticas realizadas por seus produtores em razão de seus propósitos interlocucionais, possibilitando, dessa forma, outros tipos de gêneros de textos surgirem. É nesse sentido, seguindo orientações interacionistas, que Bronckart (2006) considera que as decisões do produtor no ato da interlocução conferem ao texto seu aspecto definitivo e, ao mesmo tempo, seu estilo próprio. [...], embora todo texto singular seja necessariamente elaborado em referência aos modelos sociais dos gêneros e dos tipos, ele também se caracteriza por modalidades particulares de aplicação desses modelos, que decorrem da representação particular que o agente tem da situação em que se encontra.

Por esse motivo, no âmbito, mais especificamente do ensinoaprendizagem, Brandão (2003, p. 18), seguindo a mesma pauta teórica de Bronckart (2006), orienta que os textos devam ser concebidos como formas diferenciadas de textualização, haja vista atenderem a diferentes situações de comunicação e, assim, não se deve adotar um texto como modelo para todo e qualquer tipo de texto. Uma abordagem que privilegie a interação não pode estudar o texto de forma indiferenciada, em que, qualquer que seja o

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texto vale o mesmo modo de aproximação. Uma abordagem que privilegie a interação deve reconhecer tipos diferentes de textos, com diferentes formas de textualização, visando a diferentes situações e interlocução.

O texto que se apresenta, a seguir, serve para ilustrar essa peculiaridade dos gêneros de textos. Pelo conteúdo que esse texto veicula, vê-se que é um convite, mas, pela sua organização composicional, aproxima-se da configuração organizacional de uma carta. Trata-se do texto “Belém, cidades das mangueiras”, de Darcy e Ítalo Flexa Di Paolo (2008), cujo propósito consiste em a cidade de Belém, personificada, realizar a ação de linguagem de convidar alguém a conhecer um pouco da sua história, da sua vida e de sua terra. Como convite, o conteúdo veiculado reflete o propósito de convidar o leitor; assim, contém discurso interativo (formas dêiticas como primeira e segunda pessoas do discurso, verbo no presente definido, enunciados interrogativos e exclamativos), com encaixes de discursos narrativos. Como carta, inicia com vocativo: “Olá”, e finaliza com uma saudação de despedida: “FELI(Z)CIDADE!!!”; não contém, em seu início, no entanto, a data e a localidade em que se encontra o emissor. Segue um recorte do texto em causa à guisa de observação do que foi comentado: “Olá! Quero convidar você para conhecer um pouco da minha terra, da minha história, da minha vida. Você topa? Então, vamos lá! “Sou uma bela cidade ao norte do Brasil, em plena Região Amazônica, e capital do Estado do Pará, o segundo maior Estado brasileiro em área territorial. Eu fui fundada pelos portugueses no dia 12 de janeiro de 1616, quando uma expedição com mais ou menos 200 homens chegou aqui. [...]. “Você imaginava que eu tinha essas características todas. “E como você aceitou o meu convite e me acompanhou até aqui, tenho outro convite a lhe fazer:

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que tal me conhecer mais de perto? Estou esperando você e seus amigos, com toda a exuberância dos meus rios, furos, praias, igarapés e demais belezas naturais e culturais que só aqui existem. Esta é uma terra cheia de magia e de encanto, que acredita numa vida mais humana, mais justa e mais feliz. FELI(Z_CIDADE!!!” (Darcy e Ítalo Flexa Di Paolo, 2008.)

Ratificando, ainda, a não procedência de se assegurar que um texto necessariamente pertence a um tipo fixo de gênero, lembra-se que há muito se reconhece que não há como distinguir a crônica e o conto, a não ser apelando para um critério não sustentável, o tamanho: a crônica, narrativa de dimensão menor; e o conto, de dimensão maior. 2.3 Associação de gêneros orais à linguagem informal A escola considera, geralmente, que ensinar gêneros orais consiste em apenas verificar, em enunciados constitutivos de textos produzidos pela modalidade oral de expressão, realizações linguísticas relativas ao tipo de registro de linguagem informal (uso de “pra” em vez de “para” e de gíria, por exemplo; esse pensamento também se verifica quando se procura ver a interferência da oralidade em textos escritos). A concepção de gênero, assim, passa ao largo. Até os PCN (1998, p. 11), embora apresentando orientações embasadas na visão interacionista da linguagem, vez por outra, chegam a passar orientações que seguem preceitos sociolinguísticos, considerando a língua como pronta, acabada, bastando, assim, o falante saber adequar seus diferentes registros a contextos diferenciados de comunicação, a despeito dos propósitos interlocucionais do produtor do texto em relação a seu destinatário. A questão não é falar certo ou errado e sim saber adequar o registro ao grau de formalidade que exigem as diferentes situações comunicativas, ou seja, saber que forma de fala utilizar, considerando as características do contexto de comunicação.

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Dessa forma, perde-se o propósito em questão, que é ensinar gênero de textos produzidos na modalidade oral de expressão, ou seja, deixa-se de ver qual a ação de linguagem realizada pelo produtor (informar algo, defender um ponto de vista, debater sobre um assunto, expor algum tema, relatar ou narrar um acontecimento e outras mais ações de linguagem), de observar o tipo de gênero escolhido e o conteúdo por ele veiculado; a estrutura organizacional apresentada; e as escolhas linguísticas feitas, dimensões essas apontadas por Bakhtin (1953/1979), como caracterizadoras de um gênero de texto. As orientações de ensino-aprendizagem do texto quer oral quer escrito continuam, portanto, tendo como objetivo identificar os expedientes linguísticos que não se coadunam com o português culto, considerando-os como ocorrências que apresentarem influência da linguagem oral, até mesmo quando se trata de realizações que nem se justificam por esse motivo, como o uso de um item lexical em detrimento de outro, por exemplo, cuja escolha pode muitas vezes estar relacionada aos parâmetros da situação de comunicação (representações sociossubjetivas que o enunciador tem do destinatário, do lugar e do espaço da interlocução e ou do próprio conteúdo) (BRONCKART, 2006) ou até mesmo ao desconhecimento de outro vocábulo para usar no lugar daquele. No recorte de texto, a seguir, de Vera Cascaes (O Liberal, 2008), a autora em mais de um momento usa expressões condizentes com a linguagem informal, como: “dá dicas”, “a gente”, “pode crer”, cujas escolhas não devem ser atribuídas à interferência da linguagem oral, mas sim, a representações que a autora tem dos elementos da situação de interlocução, segundo propósitos por ela definidos (estabelecer com o leitor uma relação informal de comunicação), ou do conteúdo veiculado (envolver o conteúdo de configuração informal) tendo em vista os efeitos que pretende alcançar com seu texto em relação ao leitor. Rascunhos de viagem: a aldeia Se você pretende dirigir em outro país, a primeira providência é procurar o Detran para tirar a PID – Permissão Internacional para Dirigir, com as informações do condutor em vários idiomas, o que facilita a comunicação com autoridades estrangeiras.

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Para se inteirar das peculiaridades de cada país, existem muitos sites, o www.moraemportugal.blogspot.com dá dicas bem ao gosto dos brasileiros que vão à terrinha pela primeira vez. [...] Não perca a oportunidade de dar um passeio nas cidades de nomes familiares ou exóticos que vão aparecendo; afinal, é tudo tão pertinho que logo a gente se sente dono da situação. E vale a pena, pode crer. (CASCAES, Vera. O Liberal: Magazine. Belém, 7 de outubro. de 2008, p.2.)

2.4 Associação de linguagem oral a gêneros primários e de linguagem escrita a gêneros secundários Considerando que Bakthin (1953/1979) distingue gêneros primários de gêneros secundários, e, ao fazer isso, segundo o que está transcrito em Schneuwly (apud SCHNEUWLY & DOLZ, 2004, p. 29), diz os primeiros “se construíram em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea” e que os segundos “aparecem em circunstância de uma comunicação cultural, mais complexa e relativamente mais evoluída, principalmente escrita: artística, científica, sociopolítica”, há quem relacione aqueles a textos orais e esses a textos escritos. Esse equívoco se atribui, em outras palavras, à mesma razão por que se costuma diferenciar texto oral de texto escrito, conforme dito em 2.3, concebendo que um é expresso por meio da linguagem informal e o outro por meio da linguagem formal. Em nenhum momento Bakhtin (1953/1979) estabelece a correspondência entre gênero primário e texto oral, e entre gênero secundário e texto escrito, muito menos entre aquele e linguagem oral e entre este e linguagem escrita. De acordo com o referido teórico, o que basicamente distingue um do outro é o fato de o gênero primário ser controlado pela situação de comunicação e o gênero secundário, não. Assim, textos tanto orais quanto escritos podem relacionar-se a gêneros primários ou secundários.

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Vejamos o que Machado (apud Brait, 1997, p. 141) diz a esse respeito dessa consideração para maiores esclarecimentos: Reproduzem [os gêneros primários e secundários] os mesmos mecanismos que orientam o processo de expansão da língua em sua dimensão oral e escrita. Apesar dos conjuntos, não se trata de classes isoladas, mas de formas correlativas: um gênero como o diálogo filosófico está representado nas duas esferas.

Os trechos, a seguir, servem para exemplificar gênero primário, porquanto só se pode entender o texto caso sejam considerados os esclarecimentos feitos sobre a situação de comunicação em que o texto foi produzido, o que demonstra seu caráter não-autônomo. Trata-se de uma entrevista feita pela VEJA, cuja referência se encontra ao final da entrevista, a um comediante, que, em sua fala, se refere a si por meio da primeira pessoa do discurso, expressa pela elipse “Ø” e pelo pronome pessoal “eu”, esclarecida pelo comentário que antecede a entrevista. “O comediante, que ganhou fama fazendo imitações da presidente Dilma Rousseff na internet, fala como surgiu o personagem que defenestra corruptos. O que o levou a imitar a presidente? Foi durante um ensaio. Fiz um penteado esquisito e uma atriz disse que eu estava a cara da Dilma. Não fiquei feliz, mas foi aí que surgiu a ideia.” (VEJA, 1º de fevereiro de 2012, p. 36.)

O recorte de texto transcrito, a seguir, por sua vez, apresenta características de gênero secundário, haja vista não depender do contexto de comunicação para ser entendido: “Os avanços obtidos pela ciência no estudo do cérebro nas últimas décadas têm implicações extraordinárias na educação.

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Pouco a pouco se tem desvendado como funcionam os processos da cognição humana nos primeiros estágios do aprendizado.” (VEJA, 1º de fevereiro de 2012, p. 72.)

Também um segmento narrativo de um texto tanto escrito quanto oral, por exemplo, pode apresentar os referentes, o espaço e o tempo envolvidos com o fato narrado por meio de considerações autônomas ou não, procurando, no primeiro caso, esclarecer, no texto, ao destinatário, aqueles elementos; ou, no segundo caso, fazer referência àqueles elementos apelando para a situação de comunicação em que o texto é produzido. No primeiro caso, tem-se característica de gênero secundário e, no segundo, de gênero primário. Observa-se gênero primário no segmento de texto, embora tenha sido produzido não oralmente. O leitor terá, por meio dos elementos contextualizadores (1º de fevereiro de 2012), de saber o mês e o ano a que corresponde a circunstância de tempo “no último dia 13”. “As decisões tomadas no intervalo de 76 minutos foram cruciais para definir o destino trágico dos dezesseis mortos do acidente com o navio de cruzeiro Costa Concordia no Mar Mediterrâneo, no último dia 13 (outras dezesseis pessoas estão desaparecidas).” (VEJA, 1º de fevereiro de 2012, p. 61.)

O segmento de texto, a seguir, faz parte de um texto escrito, pertencente ao gênero secundário. Se tivesse sido produzido oralmente, também assim o seria, pois não há necessidade de o interlocutor procurar esclarecimentos fora do texto para entendê-lo. No centro do Cairo, a duas quadras da Praça Tahrir, um pequeno estabelecimento comercial é o santuário dos observadores da vida pública do Egito. (O Liberal, 13 de fevereiro de 2012.)

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2.5 Ensino de gênero e o ensino fragmentado dos fatos linguísticos Estuda-se gênero, mas não se atenta para o fato de que, ao se concebê-lo como proposta de ensino-aprendizagem, deve-se entender que todo tipo de gênero se relaciona a uma determinada ação de linguagem e que, portanto, todas as escolhas linguísticas (tipos de discurso, sequência, registro de linguagem, expedientes semânticos e sintáticos, organizadores lógico-semânticos) feitas pelo produtor de um texto devem ser reconhecidas em função dessa ação. Em consequência disso, não se deve pensar que haja orientações gerais e únicas que possam ser ensinadas para todo e qualquer tipo de gênero de texto, conforme manuais de redação costumam indicar e a escola, em grande parte, siga sem nenhum questionamento. De encontro a essa forma de proceder que perdura, tem-se o encaminhamento de que o estudo de um tipo de gênero de texto não é válido para todo e qualquer gênero, ou seja, de que não há um gênero que sirva de modelo para o estudo de outros textos, embora contribuam nesse sentido. É nesse sentido que Machado (2001, p. 21), adepta dos preceitos interacionistas, posiciona-se quanto a nãoexistência de gênero prototípico: “É preciso abandonar a crença na existência de um gênero prototípico que permitiria ensinar todos os gêneros em circulação social.”

Uma prova de que é necessário promover o estudo de vários gêneros está no fato de que aprender um determinado gênero não é suficiente para adquirir habilidades para entender todos os demais gêneros. Os textos como pertencentes a este ou aquele gênero apresentam restrições de natureza temática, composicional e estilística. Um aluno pode muito bem saber redigir uma carta, mas isso não significa que ele saiba fazer uma exposição de motivos solicitando providências a serem tomadas sobre alguma situação-problema. Assim, possivelmente, certas dificuldades na produção e interpretação de textos são derivadas da falta de domínio de um determinado tipo de discurso ou de um gênero de uma determinada esfera de atividade. 184


Assim sendo, não procede estudar as realizações linguísticas de um texto de forma fragmentada, desvinculando-os do objetivo da interlocução, ou seja, do efeito de sentido que o produtor pretende obter com seu texto em relação a seu destinatário. Observa-se que a escola, ao procurar trabalhar com a noção de gênero, não tem seguido, em muito, essa orientação por falta de maior entendimento também da concepção de linguagem como ação, que está incorporada àquela noção. E essa é uma das maiores contribuições que a noção de gênero traz para o ensino-aprendizagem da leitura e da produção de textos. O professor considera que está promovendo um ensinoaprendizagem condizente com as orientações do momento, isto é, seguindo a noção de gênero, apenas pelo fato de levar para a sala de aula textos e procurar relacioná-los a um determinado gênero, pois, quanto ao que se refere à forma de encaminhar o ensinamento dos fatos de linguagem, não atenta para os propósitos do produtor do texto, e, portanto, continua entendendo esses fatos como realizações de linguagem isoladas e genéricas, e não como escolhas determinadas para um fim interlocutivo. 2.6 Inserção de textos apenas a gêneros sócio-historicamente identificáveis Muito se pensa ainda que os tipos de gênero de texto são apenas aqueles que comumente são sócio-historicamente identificáveis por certa configuração formal que apresentam como a carta, o requerimento, o texto publicitário, uma monografia, um artigo, uma tese, por exemplo, e que é difícil ou impossível fazer referência a outros tipos de gêneros quando um texto não pertence a um desses tipos de gênero. Sabendo-se que as ações de linguagem são infinitas e que, consequentemente, os gêneros também o são, antes de tudo não se deve a toda prova ter a preocupação de classificá-los (2.1), mas, por uma necessidade qualquer, precisando-se fazer referência a um tipo de gênero de texto podemos procurar nomeá-lo naturalmente, considerando para isso, por exemplo, a ação de linguagem que o produtor pretende realizar em relação a seu destinatário por meio do conteúdo que é veiculado pelo texto, em vez de considerar logo de antemão a impossibilidade de fazê-lo. Se preciso referir o gênero a 185


que os textos referentes a questões de provas escolares pertencem, posso nomeá-lo dizendo que esses textos inserem-se no gênero questões de provas escolares; ou se preciso nomear o gênero a que textos produzidos entre funcionários de uma empresa sobre assuntos relacionados ao serviço pertencem, posso fazê-lo dizendo que esses textos pertencentes ao gênero correspondências internas do setor X. Se assim não fora, ficaríamos impedidos de designar muitas ações de linguagem que realizamos. Observa-se que a escola procura fazer referência apenas aos tipos de gêneros mais reconhecidos sóciohistoricamente, não dando margem, assim, a que o aprendiz se desenvolva no sentido de procurar reconhecer e nomear as mais diversificadas ações linguagem realizadas no dia a dia nas interlocuções humanas. Possivelmente, na subjacência dessa maneira de pensar, repouse a ideia arraigada de que há tipologias fixas de tipos de gêneros de textos e que dessas não se deve ou não se pode afastar. 2.7 Desconsideração das dimensões de um gênero de texto É patente que a escola, em grande parte, considera que está trabalhando com gênero tão somente porque está promovendo atividades relacionadas a textos que pertencem a gêneros historicamente reconhecidos: propagandas, receitas, cartas, tiras, textos de opinião. Isso se confirma pelo fato de as atividades desenvolvidas continuarem, no que diz respeito à leitura, a promover apenas a interpretação de ideias explícitas ou implícitas ao texto relacionadas a partes do texto ou a esse como um todo; e, no que diz respeito à produção, a observar realizações (corretas ou incorretas) relativas à regência, colocação pronominal, concordância, ortografia, adequação vocabular, estruturação frasal, pontuação, acentuação e, quando muito, a aspectos referentes à tessitura do texto (coesão). É possível que a escola em grande parte não saiba ou não entenda que as características de um gênero definidas por Bakhtin: o que é dizível por meio dele (o conteúdo temático); a forma de organização do dito (a estrutura composicional); e os meios linguísticos que operam para dizê-lo (o estilo) (Schneuwly, p. 137), são imprescindíveis para que se mude de paradigma quanto à forma de conduzir a leitura e produção de textos com base na noção de gênero, que em seu cerne concebe a linguagem com função dialógica 186


e que essas considerações se pautam por uma orientação interacionista de linguagem. Não sendo isso claro ao professor, muito menos será ao aluno. É preciso, antes de tudo, portanto, que o professor saiba por que está trabalhando com gênero e por que está seguindo a orientação de que é importante fazer circular na sala de aula tipos diferenciados de gêneros de textos, por que, por exemplo, está promovendo leitura de textos pertencentes ao gênero receita ou piada ou aviso, bem como qual a ação de linguagem que determinado texto realiza em função do destinatário (leitor ou ouvinte) e quais as implicações desse conhecimento no ensino-aprendizagem da leitura e da produção, para que não continue, embora julgando trabalhar com gênero, a desenvolver uma prática de ensino que contemple o texto pelo texto e sua expressão adequada a que segue a norma padrão. 2.8 Confusão entre gênero e tipos de textos Embora os PCN (1987/1998) orientem que a finalidade do ensino de língua materna seja levar os alunos ao domínio de diferentes gêneros de textos, a escola nem sempre tem seguido essa determinação, e, quando a contempla, não tem levado em consideração as implicações metodológicas que suscita. Talvez isso se deva à não-compreensão da proposta teórica que lhe subjaz. Assim o que muito se observa é uma prática do ensino de texto restrito à produção de texto escrito (redação, conforme é nomeado o texto produzido pelo aluno) com base em diretrizes gerais, entendendo ainda que essas devam ser as mesmas para todo e qualquer tipo de texto, independentemente, portanto, do gênero a que este pertença (2.2). Como exemplo de encaminhamentos didáticos dessa natureza, podemos citar Martos & Mesquita (1986). Em vista dessa mudança de paradigma, as palavras de Dolz, Noverraz & Schneuwly (2004, p. 120) são bastante esclarecedoras: Não se deve encarar a aprendizagem da expressão como um procedimento unitário, mas sim como um conjunto de aprendizagem específica de gêneros textuais variados. Não é porque se domina o processo de escrita de um texto narrativo

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que se domina o processo de escrita de um texto explicativo.

A escola, muitas vezes, quando julga que está trabalhando com texto segundo a noção de gênero, continua ensinando texto considerando três tipos de composição, tradicionalmente reconhecidos no ensino-aprendizagem de línguas, identificando-os como tipos de gêneros de textos: narração, descrição e dissertação (cumprindo rigorosamente essa ordem); o texto narrativo sendo visto como texto-base, que se trata de um fato, um acontecimento; o descritivo, como aquele que descreve ambiente ou personagem; o dissertativo, como o que expõe sobre um tema, uma tese. Então fica como se nada tivesse alterado na forma de conduzir o ensino de texto. No entanto, que relação se pode estabelecer entre esses modos de organização cognitiva e os tipos de gêneros de textos? Para responder a essa questão, recorremos a Adam (1991, apud Brandão, 2003, p. 28-29), que, baseando-se na estrutura sequencial prototípica dos textos, apresenta uma teoria de tipologia de textos, e, assim, considera cinco tipos, e não apenas três conforme mencionadas acima, de estrutura cognitiva, por meio dos quais, segundo o autor, sequenciamos textos: narração, descrição, argumentação, explicação e diálogo. Então, se os textos pertencentes a um mesmo gênero apresentam o mesmo tipo de estrutura cognitiva, é possível relacionálos aos tipos de sequências definidas por Adam. Nessa linha de pensamento, considerando também que os gêneros apresentarem certo número de regularidades linguísticas, Dolz, Noverraz & Schneuwly (2004, p. 121) propõem uma tipologia de agrupamentos de gêneros, relacionando-os com as cinco capacidades de linguagem dominantes (narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações), mas ressaltando que não se restringem a considerações estritamente linguístico-textuais, haja vista relacionarem essas capacidades de linguagem, respectivamente, a referências externas da linguagem, ou seja, aos domínios de comunicação em que se realizam os textos: cultura literária ficcional; documentação e memorização de ações humanas; discussão de problemas sociais controversos; transmissão e construção de saberes; e instruções e prescrições.

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Distinguindo também aqueles modos de organização cognitiva de tipos de gêneros de textos, Bronckart (2006) considera os mesmos modos apresentados por Adam (2001), concebendo, no entanto, que os textos, independentemente dos gêneros a que pertençam, comportam diferentes tipos de segmentos e de estruturas sequenciais e que são esses segmentos e essas sequências que apresentam características linguísticas relativas a cada uma das categorias: narrar, relatar, argumentar, expor e descrever. PALAVRAS FINAIS Os oito itens relacionados neste artigo, que consideramos como equívocos que estão ocorrendo no ensino-aprendizagem de língua portuguesa quanto à condução da leitura e produção de textos, segundo a noção de gêneros de textos, sob a perspectiva interacionista da linguagem, surgem de observações feitas de colocações inadequadas de professores graduados, alunos meus de especialização, bem como de professores mestres e doutores em colóquios acadêmicos a respeito do assunto. A intenção é abrir um meio de diálogo com professores no sentido apontar e procurar discutir as questões postas. Considera-se, no entanto, que não é simples, ou tão simples, compreender e pôr em prática as orientações teóricas advindas da concepção de linguagem como ação, que subjaz à noção de gênero apresentada por Bakhtin, visto toda mudança de paradigma demandar certo período não apenas para ser aceita, mas também para ser assimilada a contento, sendo para isso, muitas vezes, necessário um longo tempo. Embora os PCN tenham embasado as diretrizes sobre novos procedimentos a serem adotados ao ensino-aprendizagem da língua portuguesa em considerações teóricas referentes ao interacionismo, conforme se observa em uma de suas passagens: “A linguagem existe na escola porque existe fora dela. Não é, propriamente, um conteúdo escolar. É uma atividade humana, histórica e social. Uma forma de ação interindividual orientada por uma finalidade específica.” (PCN, Ensino Fundamental, 1997, p.21), não surtiram grandes efeitos positivos, o que se pode atribuir ao fato de não ter havido um entendimento pleno do que fora proposto bem como uma preocupação paralela em subsidiar o professor de práticas metodológicas mais efetivas condizentes com essa orientação teórica. 189


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADAM, J. –M. Le récit. Paris, PUF, 1984, in BRANDÃO, Helena Nagamine. Gêneros do discurso na escola: mito, conto, cordel, discurso político, divulgação científica. São Paulo: Cortez, 2003, p. 28-29. DI PAOLO, Darcy Flexa; DI PAOLO, Ítalo Flexa. Belém: cidade das mangueiras. São Paulo: Cortex Editora, 2008, 2ª Edição. BRANDÃO, Helena Nagamine. “Texto, gênero do discurso e ensino” in BRANDÃO, Helena Nagamine. Gêneros do Discurso na Escola: mito, conto, cordel, discurso político, divulgação científica. São Paulo: Cortez, 2003, p. 17- 45. BRONCKART, Jean-Paul. Atividades de linguagem, textos e discursos: Por um interacionismo sociodiscursivo. São Paulo: EDUC, 2006. CASCAES, Vera. O Liberal: Magazine. Belém, 7 de outubro de 2008, p.2. DOLZ, NOVERRAZ, SCHNEUWLY, Bernard. “Sequências didáticas para o oral e a esrita: apresentação de um procedimento” in SCHNEUWLY, Bernard & DOLZ, Joaquim. Gêneros Orais e Escritos na Escola. Campinas, São Paulo: Mercado das Letras, 2004, p. 95 - 128.

MACHADO, Anna Rachel. Por que e para que ensinar gêneros de discurso (ou de texto)? Palestra no Sedes Sapientiae, São Paulo, 17/08/2001. MACHADO, Irene A. Os gêneros e o corpo do acabamento estético, in BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas, São Paulo: Editora da UNICAMP, 1997, p. 141 – 158.

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MAINGUENEAU, Dominique. Análise de comunicação. São Paulo: Cortez, 3ª Ed., 2004.

textos

de

MARTOS, Cloder Rivas; MESQUITA, Roberto Melo. Técnicas & criatividade de redação. São Paulo: Saraiva, 4ª ed., 1986. SCHNEUWLY, Bernard. “Gêneros e Progressão em Expressão Oral e Escrita – Elementos para Reflexões sobre uma Experiência Suíça (francófona)” in SCHNEUWLY, Bernard & DOLZ, Joaquim. Gêneros Orais e Escritos na Escola. Campinas, São Paulo: Mercado das Letras, 2004, p. 41-70. VEJA, 1º de fevereiro de 2012.

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VARIAÇÃO FONÉTICO-FONOLÓGICA E MORFOSSINTÁTICA NA FALA DE PARTICIPANTES DO PROGRAMA ROTA CIDADÃ-190 Liane da Silva Mendes FIBRA RESUMO: Este estudo visa a investigar, à luz da Sociolinguística Variacionista, a variação fonético-fonológica e morfossintática presente na fala de alguns informantes que fazem parte do programa Rota Cidadã-190, apresentado todos os sábados às 11h30, na emissora RBA, pelo repórter Joaquim Campos, analisando as diferenças fonético-fonológicas e morfossintáticas nos falares de três categorias que aparecem no programa: repórteres, policiais e acusados. A base teórica para esta pesquisa é formada pelos estudos sociolinguísticos realizados no Brasil e pela teoria que aborda o assunto de modo geral. Como corpus, utilizamos nove vídeos de reportagens do supracitado programa. Leva-se em consideração o fato de que os informantes fazem parte de classes sociais distintas e, por este motivo, apresentam diferenças na fala, ou melhor, apresentam variantes linguísticas diferentes, o que, segundo Tarallo (1986), diz respeito às diferentes formas de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto. PALAVRAS-CHAVE: Sociolinguística; fonológica; Variação morfossintática; Fala.

Variação

fonético-

1 INTRODUÇÃO Sabemos que muitos fatores sociolinguísticos contribuem para a formação da variação linguística no Brasil, pois consideram a estrutura linguística e os aspectos socioculturais da produção linguística. De acordo com Bagno (2007, p. 43), para se fazer “um trabalho de investigação minucioso sobre a variação linguística, os sociolinguistas selecionam um conjunto de fatores sociais que podem auxiliar na identificação dos fenômenos de variação lingüística”.

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Assim, propomos estudar casos de variação presentes na fala de alguns informantes, buscando entender os fatores que motivam a variação linguística. Como corpus, utilizaremos alguns vídeos de reportagens do programa Rota Cidadã-190, apresentado todos os sábados às 11:30 horas na Tv RBA por Joaquim Campos. O programa em questão nos chamou a atenção por apresentar interação face a face entre pessoas de classes sociais diferentes. Objetivamos, com este estudo, a partir da fala desses informantes, fazer a descrição e análise de aspectos fonéticofonológicos e morfossintáticos, levando em consideração que os informantes fazem parte de classes sociais distintas, a saber: repórteres, policiais e acusados, sendo assim, esses falantes apresentam diferentes variantes linguísticas, ou seja, diferentes formas de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto (TARALLO, 1986). Para uma melhor caracterização, este estudo se divide em duas partes. A primeira trata do referencial teórico que consiste em uma descrição do conceito de sociolinguística e das variações linguísticas fonético-fonológicas e morfossintáticas. A segunda parte diz respeito à análise dos fenômenos fonético-fonológicos e morfossintáticos observados nos informantes das 9 reportagens do programa Rota Cidadã-190. Com isso, procuramos contribuir para um melhor esclarecimento acerca do fenômeno da variação, no que diz respeito aos diversos modos de se usar a língua pelas classes sociais a serem estudadas neste artigo, uma vez que a língua não é homogênea, mas sim “um processo, um fazer-se permanente e nunca concluído” (BAGNO, 2007, p. 36), que está sempre em desconstrução e reconstrução, e por isso motiva o surgimento das variações. 2 APORTE TEÓRICO 2.1 SOCIOLINGUÍSTICA: O ESTUDO DA VARIAÇÃO Como as línguas variam, podemos dizer que a língua não é usada de modo homogêneo por todos os seus falantes, pois seu uso varia de época para época (variação diacrônica), de região para região (variação diatópica), de classe social para classe social (variação diastrática) e assim por diante, ou seja, existem diferenças no modo de usar a língua, seja pelos membros dos diversos grupos sociais, seja 193


conforme o lugar ou tempo. Daí a relevância da sociolinguística para o estudo das línguas. Pode-se dizer que um dos fundadores da sociolinguística foi William Labov, que começou nos anos 1960 “uma série de investigações sobre a variação linguística, investigações que revolucionaram nossa compreensão de como os falantes utilizam a língua” (TRASK, 2006, p. 277). O estudo de Labov é comumente denominado de “sociolinguística variacionista” ou “teoria da variação”, a qual possui uma “metodologia bem delimitada que fornece ao pesquisador ferramentas para estabelecer variáveis, para coleta e codificação dos dados, bem como instrumentos computacionais para definir e analisar o fenômeno variável que se quer estudar” (CEZARIO; VOTRE, 2008, p. 141-142). Por isso, para a sociolinguística, é impossível estudar a língua sem estudar a sociedade em que essa língua é falada, já que língua e sociedade estão entrelaçadas. Para a sociolinguística, a variação e a mudança linguística devem ser consideradas na análise linguística, por estas serem inerentes à língua. Portanto, o linguista, ao estudar determinada variação, deve “entender quais são os principais fatores que motivam a variação linguística, e qual a importância de cada um desses fatores na configuração do quadro que se apresenta variável” (CEZARIO; VOTRE, 2008, p. 14). Na variação linguística, o estudioso da linguagem deve verificar a variação no interior de uma comunidade de fala, visto que os indivíduos de uma mesma comunidade não estão limitados a uma única variedade linguística, ou seja, em uma comunidade de fala pode-se observar a coexistência de um conjunto de variedades linguísticas, assim como verificar quais contextos linguísticos e sociolinguísticos inibem ou favorecem a variação. Na mudança linguística, procura-se verificar o grau de estabilidade de um fenômeno, buscando saber se está em seu início ou se completou um trajeto que aponta para mudança. Pelo fato de a variação e a mudança linguística estarem presentes na sociolinguística, que “tanto descreve o que ocorre nas diferentes comunidades de fala, tendo em vista diferentes fatores linguísticos e sociolinguísticos, como dá explicações relativas às tendências de mudanças” (CEZARIO; VOTRE, 2008, p. 152), tornase relevante os estudo desse ramo da linguística, o qual estuda a 194


natureza variável da língua como um pressuposto, que orienta e sustenta a observação, a descrição e a interpretação do comportamento linguístico (ALKMIM, 2001). 2.2 VARIÁVEIS LINGUÍSTICAS E SOCIOLINGUÍSTICA EM ESTUDO Como vimos, há diversas maneiras de se falar, logo, os sociolinguistas, para fazer um trabalho minucioso sobre variação linguística, precisam selecionar um conjunto de fatores sociais como a origem geográfica, a faixa etária, o nível de escolaridade, status socioeconômico, gênero etc, o que possibilita variações linguísticas que podem se dar em vários níveis: fonético-fonológico, morfológico, sintático, semântico, lexical e estilístico-pragmático. Isso tudo para auxiliar na identificação do fenômeno que se quer analisar. Nosso estudo, no entanto, irá analisar os níveis de variação fonético-fonológica e morfossintática. No que diz respeito à variável sociolinguística, consideramos a classe social dos informantes, devido à relevância desse fator na análise dos dados. Esse tipo de variação recebe o nome de diastrática por dizer respeito à comparação entre as maneiras de falar das diversas classes sociais. O adjetivo diastrática provém do grego diá, “através de” e do latim stratum, “camada, estrato”. Segundo Alkmim (2001, p. 35), a variação diastrática “relaciona-se a um conjunto de fatores que têm a ver com a identidade dos falantes e também com a organização sociocultural da comunidade de fala”. Dentre os fatores que se relacionam às variações de natureza social, podemos citar: classe social, idade, sexo, situação ou contexto social, dentre outros. Como vimos, consideraremos a classe social dos informantes na análise dos vídeos do programa Rota Cidadã-190, pelo fato de que cada classe social, a saber, repórteres, policiais e acusados, usa de determinada maneira as variedades linguísticas que serão estudadas. 2.2.1 Variação fonético-fonológica No que diz respeito aos fenômenos linguísticos fonéticofonológicos, pode-se dizer que estes são os que mais rapidamente indicam as etapas de evolução linguística, assim como são os que

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mais revelam as diferenças dialetais dentro de uma mesma língua, uma vez que, segundo Camara Junior (1974, p. 57), o sistema fônico de cada língua tira dessa quase infinita multiplicidade de articulação traços característicos dos seus fonemas; e a possibilidade de variação faz com que não se encontrem, de língua a língua, fonemas que em têrmos de realização física sejam rigorosamente iguais.

Existe variação fonético-fonológica quando a mesma palavra é pronunciada de forma diferente pelos falantes de uma dada comunidade de fala, ou seja, diz respeito às diferentes maneiras que uma mesma palavra pode ser pronunciada, seja pelo acréscimo, decréscimo ou substituição de algum fone. 2.2.2 Variação morfossintática Afirmar que a linguagem humana é articulada significa dizer que os enunciados “podem ser desmembrados em partes menores, já que constituem o resultado da união de elementos que, por sua vez, podem ser encontrados em outros enunciados” (MARTELOTTA, 2008, p. 37). Na construção de enunciados, os falantes ligam fonemas para formar morfemas, morfemas para formar vocábulos, vocábulos para formar frases e frases para formar o discurso. E é nesse interim que surgem as variações que vão do nível fonético ao pragmático. O usuário da língua ao selecionar palavras leva em consideração não só o critério do sentido, mas também a forma das palavras (artigo, substantivo, verbo etc), em virtude da função (adjunto adnominal, sujeito, objeto direto etc.) que elas assumem na frase. Logo, não se pode desvincular a morfologia da sintaxe e viceversa, pois forma e função coexistem e seus papéis só se definem solidariamente. Segundo Sautchuk (2004, p. 11), As palavras existentes em qualquer língua são agrupadas em várias classes, conforme a semelhança de forma que apresentam, ou,

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para alguns autores, conforme o tipo de funções que podem desempenhar ou ainda, conforme o sentido que podem expressar. A existência dessas classes gramaticais justifica-se tanto pela necessidade de se organizar um repertório tão grande de palavras quanto pelo fato de elas constituírem um modelo: têm características mórficas (estruturais) que permitem que contraiam ou não determinadas funções sintáticas, propiciando diversas expressões.

Por meio do estudo morfossintático que percebemos como forma, função e sentido estão intrinsicamente ligados para explicar qualquer fenômeno linguístico, definindo-se a forma paradigmaticamente; a função, conforme o eixo sintagmático; e o sentido depreende-se da relação de ambas as partes, associado a fatores extralinguísticos (SAUTCHUK, 2004). Por tudo o que foi exposto, podemos dizer que a variação morfossintática ocorre nas construções frasais, em que o falante faz variações nas formas das palavras e nas construções das sentenças, como no caso das concordâncias verbal e nominal. 3 VARIAÇÃO FONÉTICO-FONOLÓGICA E MORFOSSINTÁTICA NA FALA DE PARTICIPANTES DO PROGRAMA ROTA CIDADÃ-190 3.1 CORPUS O corpus é constituído por 9 (nove) vídeos do programa Rota Cidadã-190. A escolha destes vídeos deveu-se a relevância dos fenômenos abordados neste artigo, ou seja, os vídeos os quais apresentaram um maior número de ocorrência no que diz respeito aos fenômenos fonético-fonológicos e morfossintáticos aqui abordados foram utilizados para constituir este corpus. Quanto ao programa, trata-se de um programa policial, que mostra de perto a rotina dos policias no combate ao crime. Este programa é apresentado aos sábados pela manhã, pela emissora RBA, que é a afiliada da Rede Bandeirantes em Belém, no Estado do Pará.

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Assim, tal programa torna a análise ainda mais interessante, pois, neste programa, as interações se dão no momento em que são feitas as perseguições policiais, ou seja, a troca verbal se dá face a face em situações nas quais o falante encontra-se à vontade, e não monitora sua fala. 3.2 METODOLOGIA Na análise, observamos as variações ocorridas na fala dos informantes do programa Rota Cidadã-190, mais exatamente no que diz respeito às variações fonético-fonológicas e morfossintáticas. Nosso estudo foi dividido em três momentos: escuta e escolha dos vídeos, em que escutamos, via youtube, alguns vídeos do programa citado, selecionando aqueles em que verificamos as ocorrências dos fenômenos aqui estudados; transcrição dos vídeos, ressaltando para a análise somente as partes em que os fenômenos analisados neste trabalho eram feitos, sendo que foi feita transcrição fonética e em seguida uma transcrição ortográfica aproximada da pronúncia; e análise dos dados, na qual se levou em consideração a classe social dos informantes e observaram-se as variações de natureza fonéticofonológica e morfossintática. Além de se fazer uma pesquisa sociocultural dos acusados. Quanto aos informantes, estes foram identificados no trabalho pela classe a que pertencem mais um número, por exemplo: policial 1, policial 2 etc. , a fim de preservar a identidade. 3.3 ANÁLISE DOS DADOS No que diz respeito aos casos de variações fonéticas, foram analisados os aspectos que seguem: 

Monotongação

Fenômeno denominado de redução dos ditongos crescentes ou decrescentes a uma vogal simples, o monotongo, por meio de um processo de assimilação. Neste processo, ocorre o apagamento das semivogais /j/ e /w/ nos ditongos crescentes e decrescentes. Segundo

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Camara Junior (1997, p. 170)28, a monotongação é, “mudança fonética que consiste na passagem de um ditongo a uma vogal simples. Para pôr em relevo o fenômeno da monotongação chama-se, muitas vezes, monotongo, à vogal simples resultante, principalmente quando a grafia continua a indicar o ditongo e ele ainda se realiza numa linguagem mais cuidadosa”. Quadro 1- Ditongo /ow/>/o/ em sílaba inicial de palavra, antes de consoante oclusiva /b/ e /k/. Exemplo Repórter Repórter 1: [ro‟badƱ]-robado Repórter 2: [ro‟badaʃ]-robadas Repórter 3:[ro‟ba]-robá/ [row‟bada]-roubada/ [„powkƱ]- poucu Policial Policial 1: [ro‟bada]-robada Policial 2: [„powkƱʃ]-poucus Acusado Acusado 1: [ro‟ba]-robá/ [ro‟barI]-robari Acusado 2: [„pokƱ]- pocu Quadro 2- Ditongo /ow/>/o/ em sílaba inicial de palavra, antes de encontro consonantal. Exemplo Repórter Repórter 1: [„otrƱʃ]-ôtrus Repórter 2: [„otrƱ]-ôtru/ [„owtrƱʃ]-outrus Repórter 4: [„owtra]-outra Policial Policial 2: [„owtrƱʃ]-outrus Policial 3: [„otrƱʃ]- ôtrus Policial 4: [„otrƱ]- ôtru/ [„otra]-ôtra Acusado Ø Quadro 3- Ditongo /ow/>/o/ em sílaba inicial de palavra, antes de consoante fricativa. Exemplo Repórter Repórter 1: [„owvI]-houvi Repórter 2: [„ovI]-hôvi Policial Policial 2: [„owvI] -houvi Acusado Ø 28

CAMARA JR. Dicionário de linguística e gramática. Petrópolis: Vozes, 1997.

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Nesta pesquisa, pode-se observar que todos os falantes do programa Rota Cidadã-190, independentemente do fator classe social, fizeram uso do fenômeno linguístico monotongação nos termos apresentados, valendo ressaltar, mas sem nos deter, apenas para nível de esclarecimento, que as classes sociais envolvidas neste trabalho fazem variação dentro da sua própria fala, a exemplo dos repórteres que ora utilizam a palavra com ditongo ora com monotongo. Segundo Bortoni-Ricardo (2004), o fenômeno da monotongação está se tornando uma marca gradual, isto é, usada por todas as variedades da língua portuguesa no Brasil. 

A terminação –ndo

A característica do gerúndio é a terminação –ndo. Segundo Bagno (2007, p. 214), como o /n/ e o /d/ são consoantes que compartilham algumas semelhanças no ponto de articulação e no modo de articulação (as duas são oclusivas alveolares), ocorre aquilo que chamamos, nos estudos fonéticos, de assimilação, isto é, uma modificação que leva um dos fonemas a se tornar semelhante ao outro.

Quadro 4- A terminação –ndo Exemplo Repórter Policial Acusado

Ø Ø Acusado 8:[ã‟dãnƱ]-andanu Acusado 9:[fa‟zẽnƱ]-fazenu Acusado 10: [presi‟zãnƱ]-precisanu

Como podemos notar, apenas a classe dos acusados faz o uso do processo de assimilação, que é quando o /d/ é assimilado em /n/, o que acaba por retratar o perfil socioeconômico dos presos, os quais apresentam baixo grau de instrução. Portanto, esta classe produz o verbo no gerúndio com a queda do [d]. 200


Substituição da terminação/-am/ por /-um/ ou/-u/ Na conjugação dos verbos na terceira pessoa do plural, há, em alguns casos, a troca da terminação /-am/ por /-um/ ou /-u/. Quadro 5- Terminação /-am/ por /-um/ ou /-u/ Exemplo Repórter Repórter 2: [pe‟garũ]-pegarum/ [fe‟ʃarũ]-fecharum Policial Policial 1: [le‟varũ]-levarum/ [bo‟tarƱ]-botaru Policial 3: [re‟tʃirƱ]-retiru Policial 8: [ĩtehsepi‟tarũ]-interceptarum Acusado

Acusado 11: [kõvi‟darũ]-convidarum

A mudança da terminação verbal de /-am/ por /-um/ foi observada na fala de todos os informantes do programa Rota Cidadã190, sendo que a substituição de /-am/ por /-u/ foi notada apenas na fala dos policiais, o que mostra também que na construção das frases houve redução fonética nos verbos, pelo processo de economia linguística. Em relação às variações morfossintáticas, foram analisados os seguintes aspectos: 

Concordância de número em nomes e em verbos A concordância verbal diz respeito à solidariedade entre o verbo e o sujeito, isto é, na variabilidade do verbo para conformar-se ao número e à pessoa do sujeito. Na concordância nominal, os determinantes, sejam eles adjetivo, pronome adjetivo, artigo, numeral e particípio, concordam com o substantivo a que se referem em gênero e número. As variações morfossintáticas observadas no corpus encontram-se nos quadros a seguir.

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Quadro 6- Variação quanto à concordância verbal

Repórter

Policial Acusado

Exemplo Repórter 2: [„eλiʃ„pɛdʒi„mãĩ‟paj]eles pedi mãe e pai; [„mãĩu‟paj‟deƱ]mãe e o pai deu; [„mãĩ‟paja‟kaba]mãe e pai acaba. Policial 8: [„treiʃqisĩ‟kõtra]- três que si encontra Acusado 9: [„noiʃ‟tava]- nós tava Acusado 12: [„mĩɲaʃdʒigi‟tajʃ‟devI]minhas digitais devi

Quadro 7- Variação quanto à concordância nominal

Repórter

Policial

Exemplo Repórter 1: [„uʃtripu‟lãtʃI]- os tripulante; [„doiʃbã‟dʒidƱ]- dois bandido; [„desaiʃ‟zahma]dessas arma. Repórter 2: [„pohtaʃduʃkõteĩ‟neh]- portas dos contêiner; [„ʒẽtʃĩvow‟vidaʃ]- gente envolvidas; [uka‟zawqideve‟riasereʃpõsabiλi‟zaduʃ] - o casal que deveria ser responsabilizados; [„variaziʃ‟kola]várias escola; [„esiʃvaga‟bũdu]- esses vagabundo; [iʃ‟tãw‟supehlo‟tada]- estão super lotada. Repórter 3: [pri‟merubata‟λãwiʃpeci‟ajʃ]- primeiro batalhão especiais. Policial 1: [„doizele‟mẽtu]- dois elemento; [„desaʃde‟nũsia]- dessas denúncia. Policial 2: [„powkus‟metru]- poucos metro; [medʒikaduvãwseĩtregI]- medicado vão ser entregue. Policial 3: [va‟loriʃdʒivi‟dʒidƱ]- valores dividido; [mehkado‟riafuh‟tadaʃ]mercadoria furtadas; [„duʃkõteĩ‟ne]dos contêiner; [„pelaʃdobra‟dʒisai‟peluʃpara‟fuzu‟daʃdobra‟dʒisa]pelas dobradiça e pelos parafuso das dobradiça; [„mũĩtaʃ‟dela‟dẽtru‟desi‟cahuʃtrãʃpoh‟tadƱ]- muitas

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Acusado

dela dentro desse carros transportado; [„daʃka‟heta]das carreta; [„aʃdobra‟dʒisa]- as dobradiça; [„sãwkõɲe‟sidƱ]- são conhecido. Policial 5: [„duaʃpiʃ‟tola]- duas pistola. Policial 10: [„daʃgʷarɲi‟sãw]- das guarnição. Policial 11: [„duobi‟ʒƐtuʃ]- do objetos. Acusado 11: [„uʃmẽ‟ɲinƱ]- os menino.

Em relação à concordância verbal, podemos perceber que em [„mĩɲaʃdʒigi‟tajʃ‟devI] (minhas digitais devi), não houve a concordância do determinante (pronome possessivo) e do núcleo do sujeito com o verbo, que se encontra na 3ª pessoa do singular do presente do indicativo; em [„treiʃqisĩ‟kõtra] (três que se encontra), não houve a concordância do numeral “três” com o verbo, o qual se encontra na 3ª pessoa do singular do presente do indicativo ; em [„noiʃ‟tava] (nós tava), a forma verbal “tava”, redução do verbo estar na 1ª ou 3ª pessoa do singular do pretérito imperfeito do indicativo não concorda com o pronome pessoal da 1ª pessoa do plural “nós”; em [„eλiʃ„pɛdʒi„mãĩ‟paj] (eles pedi mãe e pai), o verbo na 3ª pessoa do singular do presente do indicativo não concordou com o sujeito que no caso é o pronome de 3ª pessoa do plural “eles”; em [„mãĩu‟paj‟deƱ] (mãe e pai deu) , o verbo na terceira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo “deu” não concordou com o sujeito composto “mãe e o pai”; o mesmo fato ocorre em [„mãĩ‟paja‟kaba] (mãe e pai acaba), uma vez que o verbo na terceira pessoa do singular do presente do indicativo “acaba” não concorda com o sujeito composto “mãe e pai”. Quanto à concordância nominal, podemos perceber de um modo geral que adjetivo, pronome adjetivo, artigo, numeral e particípio, não concordam ora com o substantivo, ora com o pronome substantivo, ora com o numeral substantivo a que se referem, o que mostra que na modalidade falada pelas classes estudadas, a saber, repórteres, policiais e acusados, a falta de concordância nominal é quase definitiva. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Por meio deste trabalho, foi possível verificar que os falantes do Programa Rota Cidadã-190, apesar de pertencerem a classes 203


distintas não falam de forma tão diferente, como podemos notar no quadro 9, que sistematiza todas as realizações fonético-fonológica e morfossintáticas. Em relação ao fenômeno da monotongação, podemos notar que os repórteres e os policiais realizaram mais este fenômeno do que os acusados; quanto ao uso das preposições, podemos perceber, no geral, que 8 (oito) repórteres, 8 (oito) policiais e 6 (seis) acusados fizeram uso da variação “para” e suas variantes e que 7 (sete) repórteres, 4 (quatro) policiais e 1 (um) acusado usaram a preposição “por” e suas variantes; que 3 (três) acusados trocaram a terminação do gerúndio –ndo por “nu”; 1 (um) repórter, 3 (três) policiais e 1 (um) acusado trocaram a terminação /am/ por /um/ ou /u/; e notamos, também, que os repórteres e policiais fizeram uso do fenômeno alteamento e os acusados não o fizeram. Em relação à variação morfossintática, percebemos que houve mais casos de variação quanto à concordância nominal, sendo a classe dos policiais dentro do Programa Rota Cidadã-190 os que mais fizeram uso desta (7 policiais), seguidos dos repórteres, 3 (três) e acusados, 1(um). No que diz respeito à variação quanto à concordância verbal, observamos que os acusados são os que mais fizeram uso desta. Assim, percebemos, por meio dos fenômenos observados tanto de natureza fonético-fonológica e morfossintática que todos os falantes deste programa produzem variações no seu modo de falar em relação à variedade padrão, o que confirma a hipótese inicial a de que todos os participantes do programa apresentam diferentes variantes linguísticas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALKMIM, Tânia Maria. Sociolingüística-parte I. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A.C. (Orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. Volume 1. 2ª edição. São Paulo: Cortez, 2001. BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação lingüística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. BORTONI-RICARDO, S. M. Educação em língua materna: a sociolingüística em sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004. 204


CAMARA JR, J. M. Princípios de linguística geral. 4ª edição. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1974. CAMARA JR, J. M. Dicionário de linguística e gramática. Petrópolis: Vozes, 1997. CEZARIO, M. M; VOTRE, S. Sociolinguística. In: MARTELOTTA, M. E. (Org.). Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2008. p. 141-155 MARTELOTTA, M. E. Dupla articulação. In: _________(Org.). Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2008. p. 37-41. SAUTCHUK, Inez. Prática de morfossintaxe: como e por que aprender análise (morfo)sintática. Barueri, São Paulo: Manole, 2004. TARALLO, F. A pesquisa sócio-linguística. São Paulo: Ática, 1986. TRASK, R. L. Dicionário de linguagem e linguística. Trad. Rodolfo Ilari.

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A CULTURA DA LEITURA EM ESCOLAS DA ZONA RURAL: O professor e sua realidade Álvaro Fernando do Nascimento Silva Profª Drª Célia Maria Coêlho Brito (Orientadora) FIBRA RESUMO: A cultura da leitura não é uma discussão nova. Há muito tempo, tem integrado pautas e encontros que discutem a educação em nosso país. Muitas pesquisas mostram as dificuldades em fazer o aluno gostar de ler e muitas técnicas são apresentadas a cada dia por especialistas no assunto. Este trabalho apresenta as metodologias aplicadas pelos professores da zona rural, no Estado do Pará, em sala de aula, no que diz respeito ao ensino, prática e cultura da leitura. Além disso, observa a realidade dos professores na referida região e o perfil profissional destes, a fim de verificar as possibilidades da cultura da leitura, a partir dos próprios educadores. A pesquisa entrevistou professores de dez escolas, de ensino fundamental, todas de vilas agrícolas, nos municípios de Castanhal, Curuçá, São Caetano de Odivelas e Terra Alta. A pesquisa observou práticas educacionais (in)adequadas capazes de criar ou não a cultura da leitura entre os alunos, além de mostrar a opinião dos professores a respeito do assunto. PALAVRAS-CHAVE: Cultura da leitura; Educação; Formação de docentes; Zona rural.

INTRODUÇÃO Nos primeiros anos da vida escolar, o aluno descobre e aprimora sensações até então pouco conhecidas por ele: pintar, desenhar, escrever, cantar e ler, por exemplo. Nessa fase o aluno, segundo inúmeros autores afirmam, gosta (tem prazer) de fazer tudo isso. Com o passa do tempo é comum que o educador verifique que esse prazer já não faz parte da vida do aluno. Ele já não suporta fazer atividades que envolvam pintura; expressar oralmente sua opinião sobre algo é um tormento, quanto mais cantar em sala; não gosta de escreve; pede cópia de tudo ao professor; e tem aversão à leitura. 206


O que faz com que o aluno, que nas séries iniciais gostava de fazer determinadas atividades, agora não goste mais? Seria o método aplicado que não é interessante aos olhos dos alunos? Seria a concorrência com os aparelhos de multimídia e a internet que estaria atrapalhando? Considerando o exposto, esta pesquisa teve como objeto de estudo a leitura. Os professores do ensino fundamental, da zona rural, são nossos protagonistas. Eles são os responsáveis pela metodologia usada em sala de aula e, dependendo da forma de conduzir essa metodologia, é possível criar (ou não) a cultura da leitura. O trabalho buscou conhecer a realidade dos professores e das escolas onde atuam. Saber o perfil dos professores e verificar as metodologias aplicadas por eles bem como a visão que eles têm sobre leitura são outros relevantes da pesquisa. Sabemos que há aspectos importantíssimos a serem observados no que diz respeito à cultura da leitura. A escola precisa ser um espaço agradável e propício, os professores precisam ser acolhedores e terem metodologias que chamem atenção dos alunos, a leitura precisa ser agradável e interessante aos alunos e nunca poderá ser vista por eles como uma obrigação. Esses são apenas alguns itens a serem tratados neste trabalho. Muitas pesquisas apontam que, nos dias atuais, os maiores concorrentes da cultura da leitura são a internet e as tecnologias digitais. É sabido por todos que as zonas rurais têm índices muito irrelevantes com relação ao acesso a esse tipo de tecnologia. Partindo deste princípio, poderíamos afirmar que, na zona rural, os livros ainda são a melhor companhia (diversão) para crianças e adolescentes, no entanto, a prática da leitura não tem sido bem sucedida. Eis, então, uma pesquisa de campo, elaborada por meio de questionário (com perguntas fechadas), que conta com a participação de dez escolas, de quatro municípios, da região do nordeste paraense e busca encontrar respostas para essa falta de sucesso. Trataremos de tópicos importantes à compreensão deste trabalho, tais como: da cultura da leitura, para que são consultados autores importantes a respeito; da metodologia, que será subdividida em outros dois tópicos (conhecendo o campo e o perfil dos professores), por meio dos quais poderemos compreender um pouco mais do espaço e dos próprios entrevistados; e, finalmente, da análise

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dos dados recolhidos durante a pesquisa que possibilitará alcançar os objetivos que foram traçados para o trabalho. 1 A CULTURA DA LEITURA Não há novidade alguma quando afirmamos que os alunos brasileiros não têm o hábito da leitura e, muitos menos, que isso acarreta uma série de problemas futuros para eles. São pesquisas e dados que a cada dia comprovam esses fatos e que levam os professores a alguns questionamentos: Como fazer o aluno gostar de ler? Onde estou errando e onde posso melhorar? Que novidades podem me ajudar nesta empreitada? Compreender o espaço de sala de aula é fundamental para que possamos enxergar os erros e acertos com relação à educação. É preciso detectar, primeiramente, em sala de aula, a partir da metodologia aplicada pelo professor, se há avanços ou não, para em seguida podermos indicar novos caminhos, a fim de contribuir para a cultura da leitura. A cultura da leitura é inicialmente responsabilidade dos educadores, principalmente aqueles que lidam com as séries iniciais e, é claro, dos professores de língua (portuguesa ou estrangeira). Tornou-se comum, entretanto, encontrarmos em sala de aula alunos que já deveriam ser leitores e que sequer sabem ler. São alunos que têm aversão à leitura e que o sistema leva em direção ao fracasso. O enunciado transcrito a seguir endossa esse fato: Por isso, ao encontrar-se, na 5ª série, com um aluno alfabetizado que, via de regra, além de não se ter tornado leitor, desenvolveu uma atitude negativa com relação à leitura, não cabe ao professor de português apenas lamentar essa constatação, mas empreender tarefa de desenvolver-lhe o gosto, o hábito e a necessidade da leitura. (GUEDES, 2006, p.64)

Como podemos observar, o professor precisa estar comprometido com o projeto, ou seja, não cabe apenas criticar os professores anteriores do aluno, por este não saber ler ou dizer que não pode fazer nada para ajudá-lo. O professor precisa estar atento e 208


preparado para esses entraves e assim, “é preciso que o professor tenha vontade e, o que é mais difícil, continue a ter vontade de formar os jovens na alegria [...], pois, um bom professor é capaz de ensinar qualquer coisa...” (SNYDERS, 1993, p.75). O professor, portanto, é o principal colaborador para a cultura da leitura. Não podemos apontar o professor como único colaborador, pois há outros atores sociais que devem contribuir. Segundo Simka (2010, p.75), “a escola precisa ser um espaço capaz de gerar prazer no aluno, que precisa sentir desejo em querer estar na escola, gostar do ambiente, ficar encantado com tudo o que existe na escola”. Esse prazer a que o autor se refere, também, é fundamental para o ensino e a cultura da leitura, pois, “o prazer é a satisfação que se sente quando se realiza uma tarefa ou se participa de um acontecimento que se acha agradável. (PETRONI, 2001, p.25). Queremos ressaltar, portanto, que o educador tem papel importantíssimo no processo de ensino e cultura da leitura. Segundo Oliveira (2010, p. 29) “ensinar não é uma simples e irreal transferência de conhecimento” e sim, conforme Freire (1996, p. 22) “criar as possibilidades para a sua produção e a sua construção”. E quem melhor do que o próprio professor para criar tais possibilidades? Não é demais lembrar que “a educação será o que forem os professores” (SOUZA, 1979, p. 27), no entanto, infelizmente, e sabemos disso, não tem sido o professor tratado com dada importância, como mostra Jacques Therrien (1993): Ao mesmo tempo em que se concede aos docentes um papel de importância, sua formação se restringe cada vez mais ao saber compartimentalizado e especializado em “disciplinas cientificas”, e isso numa perspectiva de educação limitada à tarefa de meros transmissores desses saberes, como técnicos especializados em repetir os conhecimentos produzidos por outros.

Faz-se necessário citarem afirmações como essas para que o leitor não veja este trabalho como mais um que trata sobre educação.

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Antes de partimos rumo ao campo, é preciso compreender o que encontraremos à frente. Este trabalho, assim, trata da realidade dos professores da zona rural do Estado do Pará, e, sem dúvidas, sabemos que há muitas dificuldades enfrentadas por esses educadores. A questão financeira, o fato de precisar trabalhar em várias escolas diferentes para garantir a carga horária, as dificuldades de chegar a muitas escolas, poucas horas de sono e a alimentação inadequada são apenas algumas das dificuldades enfrentadas por aqueles professores. Como disse anteriormente, este trabalho visa à realidade do professor de localidades da zona rural, do Estado do Pará. Contudo, não iremos nos ater aos problemas, externos à sala de aula, que o professor enfrenta. Queremos saber quais as metodologias usadas por eles durante as aulas e compreender a cultura da leitura, a partir do próprio professor. Nenhum leitor é criado entre o dia e noite. Há muitos fatores que contribuem para a (não)cultura da leitura. Em uma obra de linguagem simples, porém, muito importante, chamada “como conquistar um leitor”, Petroni (2001) dispõe dez mandamentos para tal conquista e mostra aos educadores práticas a serem desenvolvidas ou evitadas em sala de aula no processo de ensino e cultura da leitura. Além disso, a autora esclarece importantes sensações que podem ser percebidas nos leitores. Essas sensações variam de pessoa para pessoa, contudo o leitor poderá passar por pelo menos uma dessas: prazer, angústia, medo, raiva, indiferença ou preguiça. Então, se o prazer que os alunos têm ou não, no que diz respeito à prática da leitura, é resultante de nossas ações para com eles em sala de aula, precisamos verificar novos caminhos para que possamos possibilitar a cultura (e o prazer) da leitura. Para que o aluno goste de ler é preciso, como já vimos anteriormente, que ele goste do que lê (desde o título). O aluno precisa saber “os objetivos da leitura”, além de participar de “atividades de pré-leitura”, que devem ser realizadas pelos professores, como propõe Oliveira (2010, p.67). É necessário que o professor seja conhecedor dos vários tipos de gêneros textuais e saiba quando e como usá-los. Outro ponto importante para o professor é que o livro didático seja auxilio durante sua ação em sala de aula e não seja, de forma alguma, o próprio professor, por motivos óbvios, mas, principalmente, porque “os livros didáticos têm qualidade 210


duvidosa” (OLIVEIRA, 2010, p.100). Somente a partir dessas compreensões poderemos avançar no que diz respeito à prática e cultura da leitura. 2 METODOLOGIA Trata-se de uma pesquisa de campo, realizada em dez escolas, de ensino fundamental, nos municípios de Castanhal, Curuçá, São Caetano de Odivelas e Terra alta, todos no nordeste paraense. São escolas, previamente selecionadas, que possuem uma característica em comum e fundamental a nossa pesquisa: fazem parte da zona rural dos municípios citados anteriormente. Para que fique mais claro, compreendemos como zona rural as áreas distantes do centro comercial dos referidos municípios. São vilas ou povoados que, normalmente, têm como ocupação (comercial) principal a pesca e a agricultura. Nosso principal objetivo era perceber as metodologias utilizadas pelos professores em sala de aula e como essas metodologias contribuem ou não para a prática e cultura da leitura local. Além disso, queríamos perceber a realidade desses professores e verificar se tal realidade lhes propicia um trabalho capaz de sustentar e/ou gerar novos leitores. Para tanto, realizamos uma pesquisa de campo, por meio de um questionário em que os professores entrevistados puderam responder a sete questões fechadas, a fim de verificar a percepção, bem como a metodologia utilizada em sala de aula por eles no que diz respeito à leitura. Tivemos o cuidado, durante a elaboração do questionário, em não nos afastarmos do propósito exposto em nossos objetivos. 2.1 Conhecendo o “campo” Nossa pesquisa passou por quatro municípios do nordeste paraense: Castanhal, Curuçá, São Caetano de Odivelas e Terra Alta. Trata-se de municípios pequenos (como mostra a tabela 01) e em desenvolvimento, cujas maiores fontes de renda são a agricultura e a pesca.

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Tabela 01 – O perfil dos municípios estudados Município Castanhal Curuçá São Caetano de Odivelas Terra Alta

173.149 34,294

1.028,888 672,674

117 72

Nº de alunos matriculados no ensino fundamental 32,808 7,723

16.891

743,454

49

3,598

10.262

206

16

2,234

Habitantes

Área territorial (Km²)

Nº de escolas de ensino fundamental

Fonte: senso demográfico IBGE (2010).

Pensamos que seja de relevância significativa dizer que nossa pesquisa, inicialmente, se daria apenas no município de Terra Alta, contudo, ao percebermos que os professores desse município também lecionavam em outros da região, acabamos por expandir nosso projeto. Durante a pesquisa de campo, inclusive, um fato chamou muita atenção e merece destaque: Estava em uma vila agrícola, no município de Terra Alta (a uns 06 km do centro), entrevistando alguns professores, quando surgiu um professor, que estava correndo para pegar o ônibus e assim me interpelou: - Amigo! Bom dia! Você poderia fazer minha entrevista em outro momento? Respondi-lhe: Sim, é claro! Mas, o que houve? - É que eu preciso correr pra apanhar o ônibus que vai para o Bacabal. (respondeu-me) A princípio tudo normal, não fosse o fato de Bacabal ser outra vila agrícola, localizado no município de Castanhal (a 27 km de Terra Alta), distante outros 20 km do centro. Sabemos que o simples fato de professores precisarem se deslocar para lugares tão distantes, mesmo se tratando de municípios vizinhos, já seria objeto de estudo para muitos artigos, monografias e muito mais. É realmente difícil de acreditar que professores precisem de tal sacrifício para chegar a determinadas escolas, no entanto, não é esse o nosso objeto de estudo.

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Nossa tarefa, como já dissemos, é verificar o olhar do professor da zona rural no que diz respeito à leitura. Observar as metodologias utilizadas e perceber de que forma elas contribuem ou não para a prática e cultura da leitura. 2.2 O perfil dos professores Durante nossa pesquisa, visitamos quatorze professores, que atuam em dez escolas. A grande maioria trabalha em mais de um dos municípios anteriormente citados. Os entrevistamos e chegamos a algumas observações reveladoras. A primeira, que faço questão de destacar, é o fato de não mais serem as mulheres as únicas envolvidas no processo de ensino das séries iniciais, como foram por muito tempo e como destaca Bruschini (1978), citado por Tardif & Lessard (2009, P.60). Mais do que qualquer outra profissão, o ensino primário está historicamente associado ao imaginário social fundado no dom ou na aptidão que só as mulheres teriam de modo natural. A escolha dessa profissão se explicaria então pela oportunidade que teria a mulher de por em prática habilidades aprendidas desde o seu nascimento.

Outra observação muito interessante de nossa pesquisa é que, 42% dos professores entrevistados já possuem o nível superior concluído, enquanto apenas 14% não têm e não estão cursando a graduação, são professores remanescentes do chamado magistério que, segundo eles, estão esperando o momento e a oportunidade para fazê-lo, oportunidade que a grande maioria já assegurou por meio da PLATAFORMA FREIRE, um programa do governo federal, criando em 2010, onde 44% dos entrevistados estão cursando nível superior, em áreas especificas da educação (licenciaturas ou pedagogia), além de 13% que aproveitam a oportunidade para cursarem uma nova graduação. É imprescindível destacar que 28% dos entrevistados já possuem pós-graduação (especialização) em áreas especificas de ensino. E que, em média, os professores entrevistados têm mais de 13 213


anos de profissão, ou seja, são professores experientes e que tem buscado qualificação. Um dos entrevistados possui 31 anos de profissão, é graduado e possui especialização, sua experiência em sala de aula é enorme – ressalte-se: ele foi professor de cinco de suas sete irmãs. Mas nem todos os dados são agradáveis. Se nosso foco é a cultura da leitura, bem, então é relevante destacar que nenhum dos entrevistados é graduado em Letras e, entre os que cursam ou pretendem cursar nível superior, não há interesse pela área. E as justificativas foram tantas que precisaria de um livro para escrevê-las. 3 ANALISANDO OS DADOS A análise dos dados leva em consideração as respostas referentes a cada uma das sete questões apresentadas aos professores entrevistados, conforme segue: Questão 01 - Você faz leitura na escola? Todos os professores entrevistados (14) afirmam trabalhar leitura em sala de aula e têm a compreensão de que esta é a base da educação. Além disso, os professores têm a percepção de que o trabalho de leitura é transversal, como podemos observar nas afirmações de dois professores entrevistados: (1) “penso que a leitura é a disciplina mais importante e, por isso, todos os dias, independente da matéria estudada, trabalho a leitura em sala de aula.” (2) “por meio da leitura podemos trabalhar várias outras coisas como: o meio ambiente, a história, enfim, o dia a dia dos próprios alunos. Questão 02 - Caso sim, apenas com livros didáticos? As dez escolas visitadas possuem livros didáticos, contudo, a maioria absoluta (12/14) dos professores não os tem como exclusividade para a realização das atividades. Para esta questão destacamos um adendo feito por uma das professoras entrevistadas:

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(3) “Sim, temos livros didáticos na escola. Há muitos livros. Este ano tem até demais! Acho que o governo devia investir mais em merenda do que em tantos livros!”. A princípio, como esta pesquisa trata da cultura da leitura na zona rural do Estado do Pará, poderíamos criticar a fala desta professora, porém, como já dissemos anteriormente, este trabalho também trata da realidade vivida pelos professores da citada região e, por isso, há de se levar em consideração que uma das dificuldades enfrentadas pelo professor em sala é justamente a má ou falta de alimentação de seus alunos, fato este que implica diretamente o aprendizado de todas as disciplinas, inclusive da leitura. Questão 03 - Caso não, que outros tipos de textos você utiliza? Os professores (12/14) utilizam revistas, jornais e outros livros (não didáticos) para a atividade de leitura. Podemos observar na fala (a seguir) de uma das professoras entrevistadas que há esclarecimento sobre a questão. (4) Não gosto e não costumo usar somente os livros didáticos, acho eles muito complexos e fora da realidade de meus alunos... gosto mesmo é de trabalhar com revistas, jornais, rótulos e jogos, porque as crianças tendem a ficar mais atentas e, assim, aprendem mais”. Questão 04 - Você incentiva os alunos a lerem na biblioteca da escola? Outra questão, não muito agradável aos olhos da cultura da leitura, foi verificada durante a pesquisa. Em apenas duas das dez escolas visitadas há bibliotecas funcionando, onde os alunos podem ler ou até mesmo emprestar os livros. Nas outras oito escolas o que há são os conhecidos “cantinho da leitura” – um espaço criado e mantido pelos próprios professores, dentro da própria sala de aula. Trata-se um projeto não tão inovador, que tem por finalidade o auxílio à biblioteca, pois, de forma alguma, poderia ser a biblioteca propriamente dita. Os professores se esforçam para tornar o espaço 215


agradável e tentam fazer circular o maior número de livros possíveis, contudo, segundo eles, é muito difícil, haja vista que tudo isso tem custo e requer tempo. Como conhecemos essa realidade, sabemos que, no caso dos professores, são dois problemas quase que insolúveis. Comprove esse fato na fala de uma professora que atua no município de Castanhal e também no município de Terra Alta (em uma escola há biblioteca e na outra não): (5) “Tento tornar esse espaço agradável, mas não é fácil! O tempo em sala não é suficiente e se não fosse os professores trazerem seus próprios livros o „cantinho da leitura‟ nem existiria... as vezes eu trago livros até da outra escola, porque lá tem a biblioteca e dá muito certo”

Questão 05 - Você incentiva os alunos a lerem fora da escola? A maioria dos professores (13/14) costuma pedir ajuda dos pais e responsáveis com a questão da leitura. Segundo eles, devido à grande quantidade de alunos, é necessário que esses levem tarefas para casa, entre elas as atividades de “cópia” e leitura. Dizem que os resultados são bons, no entanto, é sabido por todos, que a prática da “cópia” e da leitura como “dever de casa”, ou seja, a mando do professor, está relacionada à obrigatoriedade e, consequentemente, leva o aluno a não gostar de ler. Isso tudo, sem dúvidas, prejudica a cultura da leitura. Questão 06 - Antes de realizar uma atividade de leitura em sala de aula você se programa e faz planejamento? Esta foi uma questão que muito me chamou atenção. As respostas foram as mais diversas possíveis. Foi o ponto em que mais houve discordância entre os entrevistados. Na realidade, houve concordância quanto ao fato de todos (14/14) planejarem a atividade de leitura, no entanto, quanto a forma de procederem, não seguem um mesmo paradigma. Alguns dizem que fazem o planejamento em casa, para a próxima aula; outros dizem que fazem na escola o planejamento de toda a semana; há quem diga que o planejamento 216


acontece uma vez por mês e precisa estar relacionado com a temática escolhida pela escola; há professores que fazem o planejamento e o modifica durante a aula e; há aqueles que fazem o planejamento durante as aulas. Reproduzimos, a seguir, falas de dois grupos desses profesores: (6) “eu sempre faço o planejamento em casa, mas durante as aulas as coisas costumam mudar!” (7) “faço planejamento de todas as atividades e tenho de ter o cuidado de adequá-lo ao projeto pedagógico da escola, porque a pedagoga exige isso!” O importante é que, de uma forma ou de outra, há o efetivo planejamento, no entanto, essa tormenta, percebida na resposta dos entrevistados, me leva a alguns questionamentos: - Como podemos imaginar uma atividade com bons resultados se o planejamento, que é o ponto base, se apresenta como o primeiro desafio? - Afinal, que compreensão têm esses professores sobre planejamento? Questão 07 - Você procura variar tipos de gêneros (propaganda, notícias, carta, etc.)? Essa questão nos revela pontos importantes a respeito da disciplina estudada. Os professores destacam que as duas primeiras séries do ensino fundamental são espaços reservados à alfabetização e que a partir da 3ª série é possível criar a cultura da leitura. Podemos verificar que os professores confundem a leitura com a produção. Fazemos essa consideração a partir de inferências dos próprios professores, como percebemos na fala a seguir: (8) “esse é momento mais adequado, pois, o aluno supera a faze de somente ouvir histórias e passa a contá-las, inventálas e reinventá-las, sendo possível (ao professor) desprender-se dos livros didáticos”. Além disso, os professores em sua maioria não sabiam o que são os gêneros textuais. Foi preciso que lhes falasse e mostrasse exemplos para que eles pudessem responder a questão. Mais uma vez vamos passar pela questão “formação do docente”. Podemos observar que os professores estão fazendo sua parte em sala de aula, porém, com relação à noção de gêneros, por 217


exemplo, não podemos afirmar que os professores conhecem, que sabem a real relevância em ensinar gênero. Possivelmente, isso ocorre por serem professores formados em matemática, história, biologia, etc., ou por serem professores que não passaram pela graduação. Ressalto que a culpa não está nesses profissionais, pois vimos ao longo da pesquisa que esses têm se dedicado e feito até o impossível para ensinar, no entanto, sem didáticas e metodologias específicas, há de ser em grande parte em vão tanto esforço. Gostaria de terminar este trabalho com a frase de um dos professores entrevistados. O que reflito ser o mais experiente em sala de aula por ter mais de trinta anos em sala de aula. Formado em biologia, professor da 3ª etapa do EJA, do município de Curuçá: (9) “Tenho muita dificuldade em trabalhar a leitura em sala de aula. Os alunos até gostam de ler, mas não sei como levá-los ao prazer pela leitura... o prazer que eu mesmo tenho! Sei que não sou o mais indicado para estar lá, mas o nosso sistema quis assim!”. Este professor é um retrato da cultura da leitura na zona rural do Estado do Pará. Ele mostra o que, há muito tempo, vem ocorrendo nas escolas da referida região. São professores que atuam em áreas diferentes de suas especialidades (ou que sequer possuem especialidades), que não conhecem técnicas e metodologias que possam criar a cultura da leitura ou que, pelo menos, pudesse levar os alunos a ter prazer em ler e, por isso, vemos a cultura da leitura se afastar cada vez mais de nossos alunos, de nossa realidade, não por que seja algo realmente distante, mas, sim, porque está atrelada a essas dificuldades vivenciadas por professores e alunos e, consequentemente, pela sociedade. CONCLUSÃO Os métodos e as ações pedagógicas são revolucionários e até mesmo mágicos ao passo em que os professores se dedicam e buscam sempre dar o melhor de si em sala de aula, ou seja, quando têm compromisso com os resultados. No entanto, vivemos uma nova sociedade com novos olhares e que cobra cada vez mais da educação e isso requer novas praticas de ensino, novos alunos (cada vez mais focados) e, evidentemente, novos educadores (cada vez mais capacitados). A escola precisa ser um espaço onde todos têm vez e voz ativa, precisa ser encantadora aos alunos para encantar a 218


sociedade, precisa ser rígida, porém democrática, capaz de estreitar elos e torná-los eficientes. Precisamos de novas propostas curriculares para formação de docentes (novos cursos de letras) e um sistema onde a cultura da leitura seja, também, um dos objetivos, onde os docentes sejam conscientizados de seu verdadeiro papel enquanto educadores, pois a má e a não-formação de docentes (que há muito tempo temos observado em nossa educação) estão intimamente ligadas a nãocultura da leitura, fato este que há muito tempo tem sido destacado por inúmeros autores. Não iremos promover a cultura da leitura se continuarmos mergulhados em boas teorias, porém não formos capazes de boas práticas de ensino. A zona rural aqui estudada é retrato da realidade nacional. Não temos o prazer, ou, sequer, o hábito de ler. Os pais não leem para os filhos. Os professores não conseguem acompanhar os alunos (que a cada dia conhecem novas e encantadoras tecnologias) e, consequentemente, não conseguem fazê-los gostar de ler. As escolas não estão preparadas para a tal cultura da leitura e os governantes, convenientemente, se bastam em prometer de quatro em quatro anos as mudanças necessárias. Como podemos perceber, os professores que estão em sala de aula empenham-se em executar seus papéis, no entanto, poucos sabem o caminho ideal, além de não terem apoio necessário por parte dos responsáveis e do poder público, e, por isso, têm tratado a leitura como parte das aulas, porém, sem paradigma metodológico, com práticas pouco eficientes e cada um ao modo que mais lhe seja pertinente. Seria utópico demais querermos encontrar escolas perfeitas com professores e alunos (todos) apaixonados pela leitura, pois essa não é a nossa realidade. Todavia, queremos, pelo olhar do professor, provar que a cultura da leitura é possível e que os principais responsáveis pelo projeto são os próprios educadores. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, São Paulo: Paz e. Terra, 1996 (Coleção Leitura).

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GUEDES, Paulo Coimbra. A formação do professor de português: que língua vamos ensinar? – São Paulo: Parábola, 2006. OLIVEIRA, Luciana Santos, o professor no processo de produção do vídeo: a célula e suas organelas, Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação. Salvador, 2010. OLIVEIRA, Luciano Amaral. Coisas que todo professor de português precisa saber. São Paulo: PARÁBOLA EDITORIAL, 2010. PETR0NI, Marilze S. Como conquistar um leitor. São Paulo: IBRASA, 2001. Revista de Ciência da Educação – Educação e Sociedade – nº 46, dezembro/93. Campinas: Papirus. SIMKA, Sérgio. A Relação entre Professor e Aluno – Um olhar interdisciplinar sobre o conteúdo e a dimensão humana. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2010. SNYDERS, George. Alunos Felizes. Reflexão sobre a alegria na escola a partir de textos literários. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. SOUZA, Paulo Nathanael Pereira de. Desafios Educacionais Brasileiros. São Paulo: PIONEIRA, 1979. TARDIF, Maurice e LESSARD, Claude. Ofício de professor: história, perspectivas e desafios internacionais; tradução de Lucy Magalhães. 3 ed. Petrópolis, R.J: Vozes, 2009. http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/result ados_dou/PA2010.pdf http://pensador.uol.com.br/frase/MTMzMzY/

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INFORMAR PARA FAZER CONSUMIR: Cena de enunciação e ethos como estratégias discursivas em embalagens de produtos Clauber da Silva Mano Profª Drª Célia Maria Coêlho Brito (Orientadora) FIBRA RESUMO: Este estudo objetiva identificar e analisar as estratégias discursivas construídas em embalagens de produtos produzidos no Estado do Pará, com base na cena enunciativa criada na relação empresa-cliente. Para tanto nos apoiaremo nos pressupostos teóricomedotológicos da Análise do Discurso de vertente francesa, principalmente nas orientações de gênero e ethos discursivo propostas por Maingueneau (1997; 2008), procurando salientar como estas estratégias são utilizadas pelas empresas, por meio de suas embalagens, para informar e seduzir clientes. PALAVRAS-CHAVE: Análise do Discurso; Cena de Enunciação; Ethos discursivo; Embalagem.

INTRODUÇÃO Produzir um texto, tanto oral quanto escrito, significa tentar convencer o outro de algo. Ao falar ou escrever estamos sempre procurando produzir determinado efeito de sentido em nosso destinatário, mesmo que o sentido produzido no outro não seja aquele pretendido pelo enunciador. Portanto, ao enunciar, ao utilizar a língua para se comunicar, o enunciador sempre o faz a fim de atingir determinado objetivo. Neste sentido, a fim de revelar como locutores procuram influenciar o público por meio de seus discursos, propomo-nos a analisar como se dá a construção de sentido do discurso publicitário presente nas embalagens de produtos, considerando embalagem como um gênero discursivo. Para procedermos à análise, escolhemos como corpus embalagens de produtos produzidos no Estado do Pará, a partir das quais estudaremos as categorias de cena de enunciação e ethos

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discursivo, estratégias estas que trabalham em favor de vender o produto contido na embalagem. Nosso estudo está dividido em duas partes. Na primeira, fazemos um levantamento dos pressupostos teóricos que embasarão nossa análise; na segunda parte, trazemos a descrição e análise do corpus de pesquisa, tomando como base o quadro teórico de Dominique Maingueneau, que engloba os componentes e procedimentos da cena de enunciação e ethos discursivo. Assim, este artigo, intitulado “Informar para fazer consumir: cena de enunciação e ethos como estratégias discursivas em embalagens de produtos”, faz um estudo do discurso veiculado pelas empresas paraenses, por meio da embalagem de seus produtos, os quais, além de informar, ou mostrar o produto aos clientes, interagem com eles e buscam seduzi-los ao consumo. 1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS Partindo da hipótese de que algumas embalagens constituem gêneros que se utilizam de estratégias discursivas as quais, além de mostrar o produto ao consumidor, procuram persuadi-lo, convencê-lo das qualidades deste produto, visando à venda, adotamos, como instrumental teórico para análise destas embalagens, as orientações teóricas da Análise do Discurso, principalmente as de Dominique Maingueneau. Assim, neste tópico, trataremos dos pressupostos teóricos que servirão de base para a análise do nosso corpus. Começamos por apresentar a Escola de Análise do Discurso a qual no filiamos, isto é, a Escola Francesa. Em seguida, faremos um estudo sobre cena de enunciação e ethos, para, enfim, apresentarmos algumas características do gênero embalagem de produtos. 1.1 A ANÁLISE DO DISCURSO Surgida na França, na década de 60, a Escola Francesa de Análise do Discurso filia-se, de acordo com Maingueneau (1997), a certa tradição intelectual europeia, sobretudo francesa, de unir reflexão sobre texto e sobre história. Tal disciplina, cujos nomes mais influentes foram Michel Foucault e Michel Pêcheux, buscava articular, desde cedo, linguística e história, numa teoria do discurso que era feita “do estruturalismo 222


que acabava, da epistemologia da descontinuidade, de uma prática marxista das ciências humanas e da considerável impregnação pela psicanálise” (COURTINE apud PINTO, 2002, p. 21). Assim, há, na base da Análise do Discurso, uma articulação entre linguística, marxismo e psicanálise. O discurso, objeto da disciplina, é definido como prática social determinada pelo contexto sócio-histórico, em que a função das ideologias são entendidas como constitutivas da produção/reprodução dos sentidos sociais. Na Análise do Discurso de vertente francesa, portanto, ressalta-se o discurso como objeto de estudo, ou seja, busca-se ver a língua no seu caráter discursivo, no qual não apenas há transmissão de informação, mas media-se a relação entre o homem e o meio social. Nesta relação convergem aspectos sócio-históricos e ideológicos, já que, para enunciar, para usar a língua, um sujeito deve ocupar determinado lugar social. 1.2 CENA DE ENUNCIAÇÃO Ao tratar de cena de enunciação, Maingueneau (1997; 2008a; 2008b) propõe uma análise em três cenas distintas: cena englobante, cena genérica e cenografia. A cena englobante diz respeito ao tipo de discurso, ao estatuto pragmático atribuído a determinado discurso: quando recebemos um panfleto na rua, por exemplo, Devemos ser capazes de determinar a que tipo de discurso pertence: religioso, político, publicitário etc., ou seja, qual é a cena englobante na qual é preciso que nos situemos para interpretá-lo, em nome de quê o referido folheto interpela o leitor, em função de qual finalidade ele foi organizado (MAINGUENEAU, 2008a, p. 86)

A cena genérica, por sua vez, é definida pelos gêneros de discurso. Cada gênero de discurso implica uma cena distinta, definindo os papéis que cada um dos parceiros envolvidos na interação deve assumir: numa aula, por exemplo, trata-se de um professor dirigindo-se ao aluno; em uma consulta médica, de um médico dirigindo-se a um paciente etc. 223


O espaço do tipo e do gênero de discurso, ou seja, as cenas englobante e genérica, de acordo com o autor francês, definem em conjunto o espaço estável no qual o enunciado ganha sentido. Entretanto, outra cena, que não é imposta nem pelo tipo nem pelo gênero, pode intervir, sendo esta instituída pelo próprio discurso, a qual é tipificada de cenografia. A cenografia impõe-se de imediato em determinado discurso, diz respeito à própria maneira como o enunciador realiza a enunciação. Entretanto, nem todo gênero de discurso suscita uma cenografia. Determinados gêneros mantêm a sua enunciação voltada apenas às cenas englobante e genérica. 1.3 O ETHOS DISCURSIVO Um recurso discursivo muito utilizado pela linguagem publicitária na atualidade é a noção de ethos, ou, como define Amossy (2005), a imagem de si no discurso, construída consciente ou inconscientemente pelo enunciador. Essa imagem criada pelo enunciador já é vista pelos retóricos clássicos, mais precisamente por Aristóteles, o qual “sistematizou a retórica como arte de persuasão e colocou o conceito de ethos como ponto importante para o exercício dialógico da argumentação” (KARWOSKI, 2008, p.109). Na atualidade, a Análise do Discurso trata a questão do ethos como a imagem de si no discurso, não mais apenas um caráter do orador de criar uma imagem para convencer um auditório, restringindo-se especificamente à oralidade. Amplia-se, portanto, a noção de ethos para uma perspectiva discursiva, uma vez que, segundo Maingueneau (1997, p. 46), A AD deve recorrer a uma concepção de ethos que, de alguma forma, seja transversal à oposição entre o oral e o escrito. A retórica organizava-se em torno da palavra viva e integrava, consequentemente, à sua reflexão o aspecto físico do orador seus gestos bem como sua entonação.

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A concepção de ethos proposta por Maingueneau se inscreve, dessa forma, num quadro da Análise do Discurso. Esta noção pressupõe alguns princípios mínimos, quais sejam: - O ethos é uma noção discursiva, ele se constrói através do discurso; - o ethos é fundamentalmente um processo interativo de influência sobre o outro; - é uma noção fundamentalmente híbrida (sociodiscursiva), um comportamento socialmente avaliado, que não pode ser apreendido fora de uma situação de comunicação precisa, integrada ela mesma numa determinada conjuntura sóciohistórica. (MAINGUENEAU, 2008c, p. 17)

Tal noção de ethos, principalmente retomada e reelaborada nos trabalhos de Maingueneau, está ligada à noção de cena de enunciação, uma vez que “cada gênero de discurso comporta uma distribuição pré-estabelecida de papéis que determina em parte a imagem de si do locutor” (CHARADEAU & MAINGUENEAU, 2008, p. 221). 1.4 EMBALAGEM Até o presente momento, fizemos algumas considerações sobre a Análise do Discurso e algumas categorias que se inscrevem nesta disciplina a fim de nos dar suporte teórico para analisarmos o nosso corpus, o qual é constituído de embalagens de produtos, ou melhor, é constituído pelo gênero embalagem. Por ser considerada como um gênero, a embalagem possui algumas características comuns que devem ser seguidas por quem procura se comunicar por meio deste tipo de gênero. As características gerais da embalagem são regularizadas pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), segundo a qual, pela Resolução - RDC nº 259, de 20 de setembro de 2002, uma embalagem de alimento deve conter: denominação de venda do alimento; lista de ingredientes; conteúdos líquidos; identificação da origem; nome ou razão social e endereço do importador, no caso de

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alimentos importados; identificação do lote; prazo de validade; instruções sobre o preparo e uso do alimento, quando necessário. Como a concorrência para se vender um produto é grande, empresas têm produzido cada vez mais embalagens que trazem estratégias discursivas capazes de convencer o cliente a consumir determinado produto e não outro, de seu concorrente. Assim, além de proteger e conservar, a embalagem tem como função mostrar um produto, ou melhor, chamar a atenção do consumidor para determinado produto. Nessa perspectiva, Negrão & Camargo (2008 apud ESPINDOLA, 2010) enumeram os atributos característicos das embalagens, quais sejam: acondicionar adequadamente e ampliar a validade do produto; ser funcional, ampliando a aplicação e uso de seu conteúdo; formar e consolidar uma imagem; proteger e vender; agregar valor. Podemos dizer, com base nas afirmativas acima, que o objetivo da embalagem é, portanto, proteger, identificar, informar (ou mostrar), divulgar, promover, e vender um produto. Nessa relação de consumo, insere-se a empresa, a qual assume o papel de enunciador, e o leitor, assumindo o papel de cliente. 2 ANÁLISE DO CORPUS DE PESQUISA Neste tópico empreenderemos a análise do corpus de pesquisa, o qual é composto por embalagens de produtos. Para procedermos a tal análise, tomamos como base teórica os pressupostos de Maingueneau (1997; 2008a; 2008b), que engloba os componentes e procedimentos da cena de enunciação e ethos discursivo. Assim, após delimitarmos o nosso corpus e exemplificarmos a metodologia, partiremos para a discussão dos dados, buscando verificar como o gênero embalagem se organiza a fim de persuadir o leitor consumidor. 2.1 O CORPUS O corpus é constituído por 5 (cinco) embalagens, sendo estas divididas por tipo de produto, ou seja, café, salgadinho e refresco. No que se refere ao café, foram escolhidas as embalagens do café Diário, café São Cristóvão e café DuNosso; a embalagem de

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salgadinho escolhida foi a do salgadinho Gury; já a de refresco, escolhida foi a embalagem do refresco Refry. Estes produtos tornam a pesquisa mais instigante, uma vez que há grande quantidade de marca desses produtos disponíveis no mercado, fazendo com que as empresas utilizem cada vez mais estratégias discursivas, por meio de suas embalagens, para vender esses produtos. Quanto ao critério adotado para a seleção do corpus, este se restringiu a produtos produzidos no Estado do Pará, por ser nosso Estado de origem, cujas embalagens se utilizassem das estratégias discursivas empreendidas nesta pesquisa. 2.2 METODOLOGIA Na análise, observamos como se caracteriza a cena de enunciação no gênero embalagem de produtos, estudando como este gênero constrói um discurso o qual procure persuadir o leitor/consumidor a consumir determinado produto, dentre tantos outros disponíveis nas prateleiras do supermercado. Assim, foram estudadas, dentro da cena de enunciação, a cena genérica, que diz respeito ao próprio gênero embalagem; a cena englobante, a qual se refere ao tipo de discurso presente nas embalagens, ou seja, o discurso publicitário; a cenografia e o ethos discursivo, que são, como veremos, as principais estratégias que tentam chamar a atenção do consumidor para determinada produto a fim de, em última instância, vendê-lo. Dessa forma, consideramos que a cena englobante de todas as embalagens aqui analisadas pertence ao tipo de discurso publicitário, pois, de acordo com Espindola (2010), a embalagem, por sua função social e seus propósitos comunicativos, também é uma propaganda do produto que ela contém. Outro dado importante levado em consideração para a análise do corpus diz respeito à utilização não só da linguagem verbal, mas também das imagens, as quais também veiculam sentido, uma vez que, de acordo com Maingueneau (2008a, p.13), “um texto publicitário, em particular, é fundamentalmente imagem e palavra; nele, até o verbal se faz imagem”.

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2.3 ANÁLISE DAS EMBALAGENS 2.3.1 Embalagem 1 – Café Diário A embalagem analisada do café Diário trata-se de uma embalagem de 250g, de forma retangular, feita de material metálico, nas cores dourada e vermelha, predominantemente. É uma embalagem do tipo exportação, embalada a vácuo. Há destaque, na parte frontal da embalagem, à marca do produto “café Diário”, em letras grandes na cor preta com contorno amarelo, e à imagem de uma xícara de café pronta para ser servida. A embalagem também traz as informações que são obrigatórias, segundo regulamento da ANVISA, como peso líquido, lote, validade, data de fabricação etc. Além destas, outras informações são veiculadas pela embalagem do café Diário, informações estas que funcionam como propaganda do produto que está sendo vendido, isto é, café. Vejamos, assim, como se dá a construção de sentido deste gênero a partir da cena de enunciação e do ethos discursivo.  Cena englobante: discurso publicitário  Cena genérica: embalagem de produto  Cenografia: a cenografia desta embalagem é dada tanto por imagens quanto por textos. No que se refere à imagem, ilustra-se uma xícara de um tradicional café brasileiro, quentinho, pronto para ser servido. Os grãos de café colocados abaixo da xícara, e a própria xícara de café já preparado, revelam que a qualidade do café diário está desde a escolha destes grãos, até o preparo, o que será reforçado pelo discurso veiculado por meio dos textos; no que diz respeito à linguagem verbal, a cenografia é dada a partir de quatro discursos, que criam a imagem do produto, revelando o ethos do enunciador:  Ethos 1 – “Diariamente Necessário” Colocado logo abaixo da marca da empresa, em letras maiúsculas na cor branca, este discurso diz respeito à necessidade de se consumir o produto diariamente, o que apela ao discurso sóciohistórico de o café ser um tradicional produto consumido no dia a dia do brasileiro.  Ethos 2 – “Controle de Qualidade” Este selo-marcação colocado no canto superior da parte esquerda frontal da embalagem procura demonstrar que o produto a 228


ser consumido possui um controle de qualidade, o que ressalta a qualidade do produto. Tal discurso é reforçado por outro selomarcação colocado nas duas partes laterais da embalagem, que se refere ao prêmio “qualidade Brasil”, ou seja, o café Diário é, reconhecidamente, um café de qualidade.  Ethos 3 – “Cafés do Brasil” Por ser um produto exportado para outros países, na embalagem é colocado um selo, ao lado da xícara de café, referindo o produto como café do Brasil. Este discurso nos remete a um momento sócio-histórico em que o Brasil foi o maior exportador de café no mundo. Assim, por meio deste selo, a empresa coloca o seu produto no ramo daqueles que já foram considerados os melhores do mundo.  Ethos 4 – Texto Nas partes laterais da embalagem, é colocado um texto, em português de um lado e em inglês do outro. Este texto visa a ressaltar ainda mais a qualidade do café, já que este é feito com “grãos selecionados”, além de colocar o café Diário como um dos melhores cafés, uma vez que este é “torrado no ponto certo e moído cuidadosamente para preservar o sabor e aroma dos melhores cafés”. Assim, procura-se demonstrar que o café Diário possui a qualidade, o sabor e o aroma dos melhores cafés. 2.3.2 Embalagem 2 - Café São Cristovão O café São Cristovão pertence à mesma empresa do café diário. Talvez, por este motivo, ambas as embalagens tenham características parecidas. No caso do café São Cristovão, também analisamos uma embalagem de 250g, a qual possui o mesmo formato e material da do café Diário. As cores destacadas são amarela e preta. Há, na parte frontal da embalagem, a imagem do Santo o qual dá nome ao produto. Logo abaixo da imagem, em letras grandes na cor vermelha, encontramos o nome do café “São Cristóvão”. Na parte superior da embalagem, destacasse o café in natura, como ele é colhido antes de ser torrado e moído. Vejamos, assim, como se estabelece a cena de enunciação e o ethos discursivo nesta embalagem.  Cena englobante: discurso publicitário 229


 Cena genérica: embalagem de produto  Cenografia: A embalagem traz a imagem do Santo o qual dá nome à embalagem, ressaltando o valor da tradição, reforçado pelo discurso veiculado pelo selo “57 anos de tradição”, uma vez que a Religião Católica é uma das religiões mais tradicionais do mundo. Quanto à linguagem verbal, os discursos veiculados revelam o ethos do enunciador29, que podemos observar a seguir:  Ethos 1: “57 Anos de Tradição” Colocado na parte superior direita do produto, este selomarcação sustenta a imagem de um café que já está no mercado há bastante tempo, já é um café tradicional. E a tradição, sóciohistoricamente, é muito valorizada.  Ethos 2: “Cafés do Brasil” Na mesma linha do café Diário, o café São Cristóvão, por meio do selo “café do Brasil” colocado na sua embalagem, coloca-se como pertencente a uma das cafeiculturas mais respeitadas no mundo.  Ethos 3: “É mais Café” Abaixo do nome do café, centralizado, é veiculado o discurso “é mais café”, ou seja, o café São Cristóvão está além dos outros cafés, é “mais café” do que os demais. 2.3.3 Embalagem 3 – Café DuNosso A embalagem do café DuNosso difere das outras embalagens analisadas até aqui. Esta embalagem não é embalada a vácuo e nem do tipo exportação. Possui apenas frente e verso. As cores destacadas são amarela, azul, laranja e marrom, cor do café torrado. Na parte frontal, encontramos a marca do produto em letras grandes na cor branca, com contorno azul. Também há uma xícara de café com o emblema da marca DuNosso. Além das informações obrigatórias como peso, Fabricação, Validade etc. A cena de enunciação desta embalagem é constituída por:  Cena englobante: discurso publicitário  Cena genérica: embalagem de produto 29

O ethos, nesta embalagem, assim como observamos no café Diário, estabelece-se por meio de 4 (quatro) discursos. Entretanto, o texto colocado nas laterais da embalagem do café São Cristóvão é o mesmo encontrado no café Diário, por isso não o destacaremos, neste momento.

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 Cenografia: com relação às imagens, percebemos novamente a relação do café torrado com o café já pronto. Já o ethos veiculado por meio do enunciado “o brasileirinho gostoso”, colocado acima do nome da empresa, remete, como as outras embalagens, ao discurso sócio-histórico do café brasileiro, além de mostrar o café DuNosso como um café saboroso, pelo adjetivo gostoso, e próximo do dia a dia do brasileiro, pelo sufixo diminutivo –inho, em brasileirinho. 2.3.4 Embalagem 4 – Refry A embalagem de Refry trata-se de uma embalagem de 300 ml, em formato de copo, material plástico, nas cores verde, amarela e laranja, predominantemente. Tal embalagem difere das outras até aqui analisadas, pois volta seu discurso ao público infantil, como podemos observar na análise a seguir:  Cena englobante: discurso publicitário  Cena genérica: embalagem de produto  Cenografia: a embalagem está cheia de discursos veiculados por meio de imagens, os quais dialogam com os discursos textuais. Primeiro, situa-se o produto em determinada categoria, isto é, por meio do discurso de que “Fruta Amazônica Alimenta”, coloca-se o produto como pertencente à floresta amazônica, a qual possui grande variedade de frutas que servem de alimento, como o próprio discurso veicula, o que é reforçado pelas imagens, que mostram a floresta amazônica com sua variedade de fauna e flora. Pode ser vista a onça, o macaco, o jacaré, as araras, a vitória-régia, o rio, os índios, enfim, a floresta. Tais imagens, além de visar atrair a atenção do público infantil, sustentam o ethos que é veiculado pela empresa, o qual diz respeito ao interdiscurso do desmatamento, ou seja, a empresa, por meio do discurso “zero desmatamento” e também pela “tabela biobotânica”, coloca-se como protetora da floresta e da biodiversidade amazônica mostrada nas imagens. 2.3.5 Embalagem 5 – Salgadinho Gury A embalagem do salgadinho Gury é mais veemente no seu discurso veiculado ao público infantil. Analisamos uma embalagem do salgadinho sabor queijo, de 45g, em que predomina a cor verde. A 231


marca do produto é trazida na parte de cima da embalagem, em letras grandes na cor amarela. No que se refere à cena de enunciação, observamos o seguinte:  Cena englobante: discurso publicitário  Cena genérica: embalagem de produto  Cenografia: A imagem veicula o “espírito de aventura” que as crianças possuem. Trata-se de um menino brincando com seu bicho de estimação, o que também dialoga com o universo dos desenhos infantis, já que em muitos deles, como Digimom, Pokemon, entre outros, cada criança tem seus bichos, ou monstros, de estimação e juntos vivem grandes aventuras. Podemos destacar, ainda na cenografia, alguns ethé veiculados por meio do discurso verbal. São eles:  Ethos 1: “Fonte de vitamina e ferro” Colocado na parte superior da embalagem, acima do nome da marca, este discurso é voltado aos pais, que procuram produtos que sejam saudáveis para seus filhos. Assim, a embalagem, por meio deste enunciado, procura não só informar que o produto contém vitamina e ferro, mas visa a conquistar a confiança destes pais. O que é reforçado pelas informações colocadas na parte inferior da embalagem, são informações que buscam ressaltar as qualidades do produto, o qual é “feito de milho”, “não frito, assado no forno”, contém “0% de gorduras trans”, por isso é “mais saudável”.  Ethos 2: Texto O texto colocado na parte de trás da embalagem também é dirigido aos pais, e cria a imagem que a empresa quer passar do produto, ou seja, que é um produto nutritivo para os seus filhos. Assim, o discurso veiculado por meio deste texto revela que o salgadinho Gury contém os “melhores ingredientes naturais”, por isso é mais saudável e nutritivo. Além de sugerir o salgadinho como ideal para festas de aniversário, reuniões e horas de lazer.  Ethos 3: “Preserve a Natureza” Há também na embalagem, como observamos na do refresco Refry, o interdiscurso ambiental, tentando conscientizar as pessoas da importância de reciclar o lixo a fim de preservar o meio ambiente. Assim, a empresa cria a imagem de protetora do meio ambiente, o que está sendo muito valorizado nos últimos tempos, e o que tem feito empresas atraírem mais clientes pelo uso deste discurso. 232


CONSIDERAÇÕES FINAIS Com este estudo, objetivamos revelar como se dá a construção de sentido no gênero embalagem de produtos. Assim, estudamos a relação que se estabelece entre a empresa, que assume o papel de enunciador, e o consumidor (o leitor), investido no papel de cliente. Nesta cena enunciativa, buscamos ressaltar, ainda, as imagens de si construídas discursivamente pelo enunciador. Dessa forma, observamos que, nas embalagens de produtos, as empresas, muito mais que informar aos clientes as características dos seus produtos, utilizam discursos os quais visam a seduzir o leitor/cliente ao consumo, pois as embalagens aqui analisadas revelaram que tal gênero interpela o leitor por meio de um tipo de discurso publicitário, isso significa dizer que, concordantes com Maingueneau (2008a), a cena englobante, a qual precisamos nos situar para interpretar este gênero, é a cena englobante do tipo de discurso publicitário. No que diz respeito ao ethos discursivo, todas as embalagens veicularam alguma imagem positiva do produto que continha, umas mais que as outras, mas todas veicularam, conscientemente ou não, um ethos o qual revelava as qualidades do produto, a fim de convencer o leitor/consumidor de que ao consumir estes produtos estará consumindo algo de qualidade. Vale ressaltar, porém, que visamos estudar, como já dissemos, os discursos que são transmitidos por meio das embalagens, ou melhor, as estratégias discursivas utilizadas pelas empresas, mais precisamente por aquelas ligadas à cena de enunciação, a fim de interpelar o cliente para, consequentemente, levá-lo a consumir o produto. Entretanto, se tais estratégias funcionaram ou não, se o produto foi ou não consumido por causa destes discursos, não coube a esta pesquisa dizer. Assim, esperamos ter alcançado nosso objetivo e ter conseguido explicitar, por meio da análise do nosso corpus, as nossas afirmações introdutórias, de que toda produção textual, seja ela oral ou escrita, procura produzir determinado efeito de sentido no destinatário.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMOSSY, R. Da noção retórica de ethos à análise do discurso. In: _______. (Org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005. p. 9-28 BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 259, de 20 de setembro de 2002. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/legis/resol/2002/259_02rdc.htm. Acesso em: 02 ago. 2011. CHARADEAU, P.; MAINGUENEAU, D. Dicionário de Análise do Discurso. Tradução de Fabiana Komesu. São Paulo: Contexto, 2008. ESPINDOLA, M. H. Modos de organização do discurso argumentativo: uma proposta para a leitura de anúncios publicitários e embalagens de produtos. Dissertação (Mestrado). Taubaté-SP, 2010. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp136357.pdf. Acesso em: 05 fev. 2011. KARWOSKI, A. M. Ethos como argumento retórico na linguagem publicitária. In: Gláuks: Revista de letras e artes. UFV: DLA, v. 1, n. 1, jan./jun., 2008. MAINGUENEAU, D. Novas tendências em Análise do Discurso. Tradução de Freda Indursky. 3ª edição. Campinas: Editora da UNICAMP, 1997. _________________. Análise de textos de comunicação. Tradução Cecília Pérez de Souza-e-Silva e Décio Rocha. São Paulo: Cortez, 2008a. _________________. Cenas da enunciação. Tradução de Sírio Posenti et al. São Paulo: Parábola Editorial, 2008b. _________________. A propósito do ethos. In: MOTTA, A. R.; SALGADO, L. (Orgs.). Ethos Discursivo. São Paulo: Contexto, 2008c. p. 11-29. PINTO, M. J. Comunicação e discurso: Introdução à análise de discursos. 2ª edição. São Paulo: Hacker Editores, 2002. 234


A PRODUÇÃO DE TEXTO NO 6º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL: Cenas de uma prática Adriano Nascimento Silva UEPA RESUMO: O ensino da produção de texto escrito no desenvolvimento educacional deve ser estruturado no decorrer das séries iniciais, do 1º ao 5º ano, pois o 6º ano do Ensino Fundamental é o primeiro ano de uma nova etapa, o Ensino Fundamental do 6º ao 9º ano, que, para ser bem desenvolvida, necessita de uma base sólida. Desta forma, este trabalho, por meio de estudos sobre o ensino de língua portuguesa no contexto educacional brasileiro e sobre o processo de produção de textos, bem como ao longo da análise de cenas de práticas de mediação da produção de texto, põe em evidência as estratégias de ensino desenvolvidas por professores do 6º ano de uma escola da rede particular de ensino, pontuando aspectos importantes que podem auxiliar na melhoria das produções de textos dos discentes, de forma que a maior parte dos alunos possa aprender, por meio do fazer fazendo, ou seja, a partir da prática cotidiana de produzir textos, esta propiciada, na escola, sobretudo, pelo professor de língua portuguesa. PALAVRAS-CHAVE: Produção de texto escrito; Ensino de língua portuguesa; Estratégias de ensino.

INTRODUÇÃO O ensino de Língua Portuguesa – LP possibilita aos indivíduos uma compreensão dos processos que estão envolvidos na interpretação de textos, na leitura de placas, na adequação da fala em comunicações do dia a dia e ou em entrevistas, por esta disciplina trabalhar diretamente com a língua que utilizamos, dessa forma verifica-se a necessidade da leitura, da interpretação e da compreensão de textos e da produção textual que desenvolve a escrita e o pensamento, já que esses processos, se praticados de forma adequada, podem aperfeiçoar os indivíduos nessas atividades.

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A partir do estudo da LP, as pessoas começam a perceber a importância do contato com a leitura de vários gêneros textuais, sendo esta a base para a produção de textos escritos com desenvoltura, de acordo com os padrões formais. Assim, o ato de ler contribui para um aperfeiçoamento da oralidade, que deve ser adequada a cada situação comunicativa. Um fator para que o processo ensino-aprendizagem de produção textual possa ser bem desenvolvido é que o professor de LP seja o facilitador da aprendizagem da leitura e da escrita, adequando as propostas de ensino ao seu alunado a serem desenvolvidas em sala de aula, orientando a prática de produção de texto, como a importância da reescrita, para que ele possa obter bons resultados no ambiente escolar, como: objetivos alcançados e alunos compreendendo as temáticas abordadas, além de saber o que melhor aplicar, pois deve apresentar um olhar analítico da realidade dos fatores que interferem no processo de ensino-aprendizagem presentes na turma. Com isso, poderá identificar o que é mais necessário no momento para cada turma, assim efetivará seu trabalho considerando as necessidades de cada discente. Desta forma, apresentaremos estratégias de ensino utilizadas por professores durante a prática de produção textual (como apresentam às atividades aos alunos; quais encaminhamentos são dados no decorrer da atividade; a mediação realizada após o produto inicial – primeira versão do texto do aluno; como se processa a atividade de reescrita), pois por trás delas há uma concepção de ensino de língua e de homem imbricada. Somente diante da análise dessas estratégias é que vislumbraremos um caminho a seguir, no sentido de sanar as dificuldades de escrita apresentadas por alunos do ensino fundamental. Assim, o estudo por ora desenvolvido tem como objetivo geral analisar as estratégias desenvolvidas pelos professores no Ensino Fundamental, para pontuar aspectos importantes que possam auxiliar na melhoria das produções de textos dos discentes, de forma que a maior parte dos alunos possa aprender, por meio do fazer (produzindo), as melhores maneiras de se elaborar um texto, e como objetivos específicos evidenciar as estratégias dos professores no ato educacional para verificar como estes docentes estão desenvolvendo suas práticas de ensino no que respeita a produção de texto, mais

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especificamente com o se dá a mediação durante a escrita do texto pelos alunos e como se dão as correções dos textos produzidos. A partir dessas especificações, o presente artigo está dividido em três seções, a saber: O ensino de Língua Portuguesa no contexto educacional brasileiro; O processo de produção de textos; Cenas de práticas de mediação da produção de texto. Na Seção 1, é apresentada uma abordagem da situação atual do ensino da Língua Portuguesa e quais as especificações dos Parâmetros Curriculares Nacionais para um bom desenvolvimento da disciplina, observando os agentes envolvidos neste processo. Já na Seção 2, intitulada “O processo de produção de textos”, é explicitada a relação do contato dos discentes com o ato de produzir textos, a importância da leitura para essa atividade e como esse processo está sendo aplicado, verificando a mediação do docente para práticas adequadas. A última seção, a Seção 3, apresenta as observações evidenciadas na pesquisa realizada no Centro Educacional Silva Machado, que tem o propósito de mostrar as práticas de ensino desenvolvidas por dois docentes de Língua Portuguesa desta Unidade de Ensino. Por fim, as considerações finais com as relativas observações para conclusão do trabalho, no qual se evidenciam as concepções dos trabalhos dos professores e suas práticas de correção textual, identificadas como correções resolutivas. 1 O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO CONTEXTO EDUCACIONAL BRASILEIRO O principal objetivo da educação brasileira concentra-se em estar melhorando e desenvolvendo o aspecto social, cultural e econômico de jovens e adultos, por meio das práticas de ensino elaboradas pelos docentes. A perspectiva é sempre a melhor: pessoas educadas e aptas ao mercado de trabalho, por ser os objetivos que estas almejam através da prática educacional. Todavia, os professores encontram barreiras ao desenvolver tais práticas e o que se pretende é eliminá-las ou diminuí-las, para a concretização do ensinoaprendizagem. A disciplina Língua Portuguesa pode ser evidenciada como uma base para qualquer indivíduo poder ler e escrever, desde que este possa interagir e compreender o ato educacional. Logo, percebe-se a 237


importância que essa disciplina traz a partir de uma lógica que seus professores precisam desenvolver atividades que possam suprir as necessidades dos alunos em produção de textos. Segundo o PCN (1997), Desde o início da década de 80, o ensino de Língua portuguesa na escola tem sido centro da discussão acerca da necessidade de melhorar a qualidade de educação no país. No ensino fundamental, o eixo da discussão, no que se refere ao fracasso escolar, tem sido a questão da leitura e da escrita. (PCN, 1997, p. 19)

Para que o ato educacional possa ser evidenciado de forma satisfatória, em se tratando da compreensão da disciplina de Língua Portuguesa, verifica-se que cada ser humano (professor e aluno) está interligado, pois só há uma boa prática educacional se a proposta dos docentes é compreendida e efetivada pelos discentes, o que ocasiona uma aceitação do que é proposto pelo professor, tarefa que desenvolve o pensamento do aluno. Parte integrante do próprio ato de escrever – é aprendido por meio da participação do aluno em situações coletivas de revisão do texto escrito, bem como em atividades realizadas em parceria e sob orientação do professor, que permitem e exigem uma reflexão sobre a organização das ideias, os procedimentos de coesão utilizados, a ortografia, a pontuação, etc. Essas situações, nas quais são trabalhadas as questões que surgem na produção, dão origem a um tipo de conhecimento que precisa ir se incorporando progressivamente à atividade de escrita, para melhorar sua qualidade. (PCN, 1997, p. 55) Sabe-se que para qualquer atividade que envolva práticas de educação sempre haverá barreiras, mas elas podem ser quebradas. No caso das aulas de Língua Portuguesa que envolvem tarefas de leitura, de compreensão e de produção de texto, na qual os alunos devem praticar para criar hábitos e desenvolver habilidades e competências, pensa-se que vale muito os professores criarem maneiras próprias para se trabalhar e desenvolver suas atividades de maneira satisfatória.

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Não se forma bons leitores oferecendo materiais de leitura empobrecidos, justamente no momento em que as crianças são iniciadas no mundo da escrita. As pessoas aprendem a gostar de ler quando, de alguma forma, a qualidade de suas vidas melhora com a leitura. (PCN, 1997, p. 29) As práticas de leitura e produção de diferentes gêneros textuais serão elaboradas a partir de mediações do educador, pois cada intervenção e explicação que o professor faz a seu aluno, de forma a conscientizá-lo do uso de estratégias que possam ser eficazes à compreensão e ao próprio entendimento, desenvolverá seu senso crítico e torná-lo um conhecedor de regras; estas podem ser colocadas em evidência pelo professor de maneira simples, sem que haja a ideia errada de decorar o que é mais importante para a atividade. Usando de uma imagem diria que, do ponto de vista sociointerativo, produzir um texto assemelha-se a jogar um jogo. Antes de um jogo, temos um conjunto de regras (que podem ser elásticas como no futebol ou rígidas como no xadrez), um espaço de manobra (a quadra, o campo, o tabuleiro, a mesa), e uma série de atores (os jogadores), cada qual com seus papéis e funções (que podem ser bastante variáveis, se for um futebol, um basquete, um xadrez, etc.). Mas o jogo só se dá no decorrer do jogo. Para que o jogo ocorra, todos devem colaborar. Se são dois times (como no futebol) ou dois indivíduos (como no xadrez e na conversação dialogal), cada um terá sua posição particular. Embora cada qual queira vencer, todos devem jogar o mesmo jogo, pois, do contrário, não haverá jogo algum. Para que um vença, devem ser respeitadas as mesmas regras. (Marcuschi, 2008, p. 77) Assim, todo processo de aprendizagem precisa de atos interativos entres as partes que o compõem, pois dessa maneira as atividades desenvolvidas terão uma proporção bem mais abrangente dos pontos que se pretendiam analisar e desenvolver. A educação no contexto brasileiro pode ser bem elaborada e absorvida pelos alunos, já que as pessoas estão sujeitas a modificações, principalmente no sentido positivo.

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2 O PROCESSO DE PRODUÇÃO DE TEXTOS Diante de tantas indagações frente às atividades de escrita, muitas pessoas não gostam de produzir textos, não importando o gênero, o que prejudica outro processo, que é o da leitura, esta pouco praticada, se considerado o número de habitantes brasileiros, sobretudo os que têm acesso à escola. Assim, se a leitura, ou melhor, se o conceito de leitura “está geralmente restrito à decifração da escrita, sua aprendizagem, no entanto, liga-se por tradição ao processo de formação global do indivíduo, à sua capacitação e atuação social, política, econômica e cultural”. (MARTINS, 1984. p. 22) É válido destacar que estas duas atividades estão relacionadas. Sua imbricação é tão forte que para que um indivíduo possa escrever bem, ele necessita de uma leitura bem desenvolvida e ela deve ser praticada por gosto e por vontade própria, para que, durante o processo de produção textual, obtenha um resultado satisfatório. Isso é corroborado por Martins quando este afirma que “Muitos educadores apregoam a necessidade da constituição do “hábito de ler”. A leitura seria a ponte para o processo educacional eficiente, proporcionando a formação integral do indivíduo”. (MARTINS, 1984. p. 25) A todo o momento, quando falamos, produzimos textos, uma vez que o ato de falar é uma produção de texto oral, sendo que pode ser um texto muito mais descontraído pela própria rapidez que a fala desempenha e exige na comunicação. Isso fica claro quando muitos deles transpõem a fala para escrita. Além disso, em termos funcionais podemos pensar que enquanto a fala é utilizada mais em contatos sociais, a escrita serve ao trabalho intelectual, pois serve tanto para o registro como para o estoque de informações. Poderíamos pensar ainda nas diferentes formas de expressão para quais a escrita e a fala servem, suas diferentes estruturas sintáticas e seu processo de produção. (MATÊNCIO, 1998, p. 27) Assim como o ato de produzir textos, a leitura é vista por muitas pessoas como uma perca de tempo, quando esses dois processos deveriam ser vistos como essenciais, já que estão interligados e são importantes para o desenvolvimento mental e argumentativo de um indivíduo. Essa importância é evidenciada por 240


Matêncio (1998, p. 28), quando esta afirma que “o acesso à escrita, como outras formas de interação entre o sujeito e outro, passa ser visto como um dos aspectos da construção histórica do conhecimento, individual e coletivo”. Dessa forma, do mesmo modo ou à mesma proporção que se ensina gramática, devem-se evidenciar a leitura e a escrita em sala de aula, pois tudo se encaixa; o aluno precisa das regras para produzir um texto bem estruturado e precisa ter um maior contato com os gêneros textuais para se familiarizar com os diversos tipos de textos, e, consequentemente, com a prática de produção escrita. O professor, ao propor atividades de produção textual em sala de aula, deverá conhecer o público que sua proposta atingirá e os gêneros textuais com os quais mais têm contato e com os quais mais se identificam. Logo, com essa análise seu trabalho será muito mais satisfatório, devido ao fato de os alunos serem atraídos pelo que mais gostam. O defendido aqui é legitimado por Matêncio quando esta assegura que Tal concepção implica uma abordagem que reconheça não apenas o estágio em que o aprendiz se encontra, mas que procure também valorizar seus interesses e necessidades, tornando o processo significativo. Dessa maneira, o ensino não se tornará mecânico e terá um peso real no desenvolvimento do aprendiz, no sentido de proporcionar avanços significativos e efetivos no uso da linguagem: a escrita deve ser vista como uma das descobertas a serem feitas pelas crianças dentro dos processos gerais de seu desenvolvimento linguístico. (MATÊNCIO, 1998, p. 37)

Além das questões já mencionadas com relação à produção de texto, há o problema de o aluno pensar que não sabe escrever. Muitos dizem que não conseguem escrever, conseguem responder falando, mas no momento da escrita “travam”. Isso ocorre pela pouca prática com esse tipo de atividade. Para amenizar o problema, o

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docente deve criar estratégias para argumentar nessas situações. Não pode deixar sem atividade ou acompanhamento o aluno que fala isso. 3 CENAS DE PRÁTICAS DE MEDIAÇÃO DA PRODUÇÃO DE TEXTO Para desenvolvimento do presente trabalho, foi realizada uma pesquisa no Centro Educacional Silva Machado, uma escola de Educação Infantil e de Ensino Fundamental da rede particular de ensino, localizada no município de Castanhal, estado do Pará. A instituição atende alunos do 1º ao 9º ano. O período de observação para coleta de dados foi um período de dezesseis dias, nas aulas destinadas à produção textual, que tem como docentes dois professores de língua portuguesa, que serão identificados por professor A e professor B. A pesquisa foi realizada nas duas turmas do 6º ano. A turma na qual o professor A é regente possui trinta e quatro alunos e a turma na qual o professor B é regente há trinta e cinco alunos.

3.1 A mediação durante o processo de produção de texto O professor e o aluno são peças fundamentais no processo de ensino-aprendizagem, pois estes interagem e nesta interação acontece o ato educacional, a partir das trocas de conhecimento e através das intervenções do docente na construção desse conhecimento, pois, segundo Antunes (2003. p. 43), o sujeito da aprendizagem, o aluno, é “quem realiza, na interação com o objetivo da aprendizagem, a atividade estruturadora da qual resulta o conhecimento”. As práticas apresentadas a seguir foram observadas com intuito de verificar como os docentes de uma escola medeiam o processo de produção dos textos. A instituição observada apresenta dois docentes de Língua Portuguesa e suas mediações divergem de certa forma, pois seus posicionamentos são contrários no olhar sobre a reescrita textual. O professor A atua em sala com as seguintes estratégias: debate do texto em sala para familiarizar os discentes sobre o assunto; apresenta a proposta, assim leva os alunos a produzirem; 242


recolhe o material e os leva para casa para as devidas correções; na semana seguinte, entrega-os aos alunos e pede que façam as devidas correções. O professor B pede que produzam textos sem um debate; entrega textos aos alunos e pede que eles façam as reflexões devidas e comecem a produzir; recolhe os textos e os entrega na semana seguinte para que os discentes façam as correções. Durante esse processo de produção, as crianças ficam cheias de dúvidas sobre os próprios elementos que constituem os tipos de textos, mesmo que os professores tenham repetido várias vezes, como eles comentam. O professor A pede para que os alunos que tenham dúvidas venham até ele para os esclarecimentos. O professor B pede para que o discente levante o braço e faça a pergunta; após a indagação, responde à pergunta para toda a classe. No acompanhamento das atividades ficou claro que nas aulas do professor A os alunos se concentravam mais e também havia uma maior quantidade de produções em sala de aula. Nas aulas do professor B, muitas das crianças não conseguem terminar o texto em sala, isso as obriga a levar o material para casa a fim de concluírem a atividade, mas voltam na semana seguinte sem que as redações tenham sido feitas. É interessante quando Ruiz (2003) faz observações sobre as práticas de correção de redações em seu livro: “Como se corrige redações em sala de aula”, no qual fala sobre três tipos de correções: a indicativa, a resolutiva, e a classificatória. Falar em problemas de redação significa falar necessariamente, em problema de redação. Por isso, definir o que seja um problema de produção é também, ao mesmo tempo, definir o que seja um problema de recepção. Muito embora uma dada sequência linguística tenha sido produzida no momento específico que se convencionou chamar de produção (feitura, elaboração, execução), essa ocorrência só será considerada problemática se gerar um estranhamento no momento da recepção da leitura. (RUIZ, 2003, pp. 27-28)

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Nesta citação, fica evidente que o déficit que o aluno enfrenta não é só problema de escrita, mas também um problema de leitura, já que ambas estão associadas, pois a leitura desenvolve muito o processo de escrita, já que para produzir um texto é necessário que vários conhecimentos, alguns aprendidos com as leituras realizadas, sejam mobilizados. Durante as observações da prática docente dos professores da escola supracitada, evidenciou-se que a prática de produção proposta pelos dois docentes apresenta pontos positivos, apesar de existirem métodos mais eficientes e mais atraentes, o que veremos posteriormente ao abordar como as correções dos textos são feitas. 3.2 A mediação a partir do produto – 1ª versão do texto do aluno Ao longo do processo de produção textual, o professor, como mediador, deve estar atento aos acontecimentos do mundo, à linguagem dos alunos, aos temas que lhes chamam atenção ou de seus interesses, aos conhecimentos que têm sobre os temas propostos, dentre outros aspectos, para que, ao propor uma produção de texto, os discentes tenham as mínimas condições de escrita em sala, só assim os objetivos de ensino para aquela atividade poderão ser alcançados e a aprendizagem da escrita consolidada. A forma de condução da reescrita do texto utilizada pelos professores A e B é distinta. O professor A corrige os textos observando erros de ortografia, concordância, pontuação, regência, estrutura, etc., apresentando as maneiras corretas a partir dos problemas dos alunos, e no final de cada texto faz observações destacando-os e apontando as formas corretas para pontuação, acentuação e ortografia, em cima ou ao lado do escrito; para outras deficiências, identifica em forma de recados o que precisa melhorar, como: dificuldades em concordância, e assim por diante para os erros que o aluno comete com maior frequência, ou aqueles que ainda não conseguiu assimilar. O professor B realiza o processo de correção de forma semelhante à do professor A, o que há de diferente no modo de trabalho dos dois são os encaminhamentos propostos para a reescrita do texto. Para o professor A, a reescrita do texto é obrigatória; o professor faz suas observações e pede aos alunos que devolvam na próxima aula de produção textual. Assim, o aluno reescreve esse 244


texto e mostra-o ao docente, recebendo nesta entrega o visto pela atividade desenvolvida. Com base na classificação abordada por Ruiz (2003), quanto aos tipos de correções de texto mais recorrentes, a que mais se aproxima do tipo de correção feita por esse professor é a resolutiva. Esta é a que ocorre quando o docente reescreve os erros encontrados para que o discente possa verificar qual a maneira correta. Estratégias resolutivas no corpo do texto: estratégia de adição – o professor acrescenta forma(s) no espaço interlinear superior à linha em que ocorre o problema, – estratégia de substituição – o professor reescreve a forma substitutiva no espaço interlinear superior à linha em que ocorre o problema. (RUIZ, 2003, pp. 56-57)

Assim, com a devolutiva dos alunos, após a reescrita do texto e a partir das anotações feitas pelo professor, se o mesmo verifica que todos conseguiram elaborar a atividade de identificação dos erros, ele faz um comentário de forma geral para esclarecimentos de algumas dúvidas que são necessários, com isso há a conclusão da atividade. Dessa forma é feita apenas uma reescrita e assim conclui-se aquela produção e dá-se início a uma nova produção, se houver tempo, se nãose inicia na próxima aula de produção textual, já que, das seis aulas, quatro são específicas para gramática e duas para produção de textos. O professor B, após suas observações no texto, solicita que os alunos o reescrevam, deixando os mesmos livres para que realizem a atividade em suas casas, sem, no entanto, buscar saber se o aluno a fez, se existiu alguma dificuldade, se ainda falta assimilar algo. Nesse sentido, o direcionamento da atividade de reescrita conduzido por esse professor acontece da seguinte forma: logo após a entrega dos textos, pede-se que façam as correções em casa e em seguida apresenta uma nova proposta de produção. É interessante notar que os alunos percebem esta não continuidade da atividade, o que ficou claro na fala de uma criança que afirmou não fazer a atividade de reescrita “porque o professor não olhava o caderno para verificar”.

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Ainda que o professor B não cobre a atividade de reescrita apesar de solicitar que ela seja feita, o tipo de correção adotada por ele é também a resolutiva, uma vez que faz anotações dos erros e problemas no texto dos alunos. A partir da comparação dessas duas práticas, fica evidente que o professor A pode obter resultados mais satisfatórios, porque o processo de produção textual tem início, meio e fim, tem seu ciclo finalizado, ainda que a escrita abordada por esse docente tenha foco na língua, uma vez que, de acordo com os estudos de Koch e Elias (2009) o que está em pauta nessa prática são os conhecimentos que os alunos têm acerca das regras gramaticais da língua e do seu vocabulário. Com o professor B, cujo ensino da escrita também tem foco na língua, o processo tem valia, só que precisa ser revisto, pois, se de um lado, há o ensino, de outro lado a aprendizagem não se consolida, e essa não consolidação se deve, em parte, ao modo como o ensino ou como a prática de produção de texto foi conduzida. É importante ressaltar que para que o resultado esperado com as atividades dessa natureza seja satisfatório, de modo que os discentes se tornem produtores de texto proficientes, precisam compreender tais propostas, bem como seus objetivos. Isso pode ser conseguido se o professor assumir o papel de mediador (facilitador) do processo educacional e também ter clareza da forma como conduz o processo de ensino, ser capaz de refletir sobre sua prática, para que faça se necessário, as devidas adequações na condução do processo de ensino-aprendizagem. CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho aqui desenvolvido teve como propósito verificar quais estratégias de ensino de produção textual são desenvolvidas por professores que atuam no 6° ano do Ensino Fundamental; para isto, observou-se a prática de dois professores de língua portuguesa do Centro Educacional Silva Machado, sobre as quais realizou-se uma análise a partir da mediação e/ou intervenções dos professores, sujeitos da pesquisa, durante o processo de produção escrita do aluno e após a primeira versão elaborada pelo mesmo. No decorrer da pesquisa, foi constatado que cada docente procura uma estratégia para desenvolver o processo de ensino, e como parte dessa estratégia, e o que considero interessante, é que os 246


professores “cobram” as elaborações desses alunos. Acredito ser interessante por ser sabido que muitos professores ainda se omitem de pedirem produções textuais devido ao grande trabalho que essas atividades trazem, pela quantidade de alunos e, consequentemente, pelo volume de correções que este tipo de atividade acarreta. Nesta perspectiva, pode-se dizer que os professores pesquisados trabalham em conformidade com o que os PCN defendem: as práticas de elaborações textuais em sala de aula. As práticas do professor A são mais abrangentes, uma vez que a leitura, a interpretação e a produção de textos se fazem presentes no cotidiano das aulas de língua portuguesa. Já o professor B, apesar de trabalhar de forma semelhante, peca por não cobrar a atividade de reescrita dos alunos. Ao não corrigir o texto ou qualquer outra atividade escrita do aluno, o docente perde a oportunidade não só de auxiliar o aluno no processo de aprendizagem a partir das dificuldades indicadas em suas produções, mas, sobretudo, de rever sua prática, de verificar o que não funcionou, em qual aspecto pode melhorar. No processo de ensino e de aprendizagem deve ser considerado que os alunos precisam ser “ativos”, sujeitos do processo, pois se o professor encaminhou a atividade, explicou-a, deu suporte para que o discente produzisse, cabe a este, então, interagir com o docente, só assim o ensino e a aprendizagem serão satisfatórios para ambos: o professor com seus objetivos alcançados e o aluno aprendendo com atividades e com métodos que lhe darão suporte para toda vida. Nas elaborações ficou claro que o professor abrange um ensino interacionista, através da mediação do processo de produção textual, identificando, por meio das correções, as inadequações de uso e emprego da língua, para que em uma próxima produção eles possam ser evitados. Enquanto ao trato que está sendo dado à língua, percebe-se que a linguagem utilizada pelo aluno está sendo valorizada, uma vez que se usa a que o discente traz do seu convívio e tenta-se aperfeiçoá-la para a produção de texto, pensando em como esse aluno poderá utilizá-la na sociedade. Os docentes trabalham da maneira que lhe convém, ou seja, da maneira que defendem que deva se processar o ensino da língua, ainda que haja dificuldades, pois como se verificou estas existem e fazem parte do cotidiano do processo de ensino e de aprendizagem. 247


Todavia, acredita-se que os professores A e B ainda podem melhorar suas práticas, a começar pelas mediações das correções, pois da maneira como estas são feitas, evidenciam-se os erros já com a indicação dos acertos, não está permitindo que esses alunos pensem e reflitam sobre a natureza dos erros que cometem. Uma maneira bem melhor de se fazer essas correções seria evidenciá-las por meio de marcações que permitissem ao aluno identificar o seu erro, analisá-lo, compreendê-lo a fim de não cometêlo novamente. Com essa pesquisa, é notória a necessidade de que os docentes permaneçam sempre estudando, lendo e verificando quais as melhores maneiras para se trabalhar em sala de aula, mesmo que o sistema de ensino não apresente meios adequados para tal fim. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, Irandé. Aula de português, Encontro & Interação. São Paulo: Parábola, 2003. DI PAOLO, Darcy Flexa. Elaborando trabalhos acadêmicos e científicos: TCC, Dissertação e Tese. Belém: Paka-Tatu, 2009. MATÊNCIO, Maria de Lourdes Meirelles. Leitura, produção de textos e a escola. São Paulo: Mercado das Letras, 1998. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Moderna, 2008. MARTINS, Helena Maria. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1984. PARÂMETROS CURRICULARES Portuguesa. Brasília, 1997.

NACIONAIS.

Língua

RUIZ, Eliana Maria Severino Donaio. Como se corrige redações na escola. São Paulo: Mercado das Letras, 2003.

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ARQUEOTURISMO PARAUARA EM ÁREAS NATURAIS Marcelo Pamplona Baccino FIBRA RESUMO: A pesquisa trata sobre a importância da preservação do patrimônio arqueológico e natural como meio de desenvolvimento social na Amazônia. Expressa o papel do planejamento da atividade turística como alternativa de atividade econômica para a nossa região amazônica, sendo ao mesmo tempo uma ferramenta de conservação do meio-ambiente natural, do patrimônio arqueológico e de desenvolvimento social. A metodologia utiliza-se do levantamento bibliográfico e estudos de caso. O presente trabalho apresenta fundamentos sobre a prática do arqueoturismo bem planejado em diversas localidades que possuem um turismo de contemplação da natureza motivado pela existência de recursos turísticos naturais e culturais, como sítios arqueológicos com arte rupestre cercados de natureza preservada. PALAVRAS-CHAVE: Arqueoturismo; Planejamento; Educação; Sustentabilidade.

1 INTRODUÇÃO Percebe-se que a quantidade de turistas que se deslocam até áreas naturais tem sido cada vez mais freqüente (WEARING, 2001) e, dentre essas áreas, destaca-se a nossa Amazônia brasileira e mais especificamente a porção parauara, possuidora de grande biodiversidade e de importante cultura regional. Sabe-se que o Pará é um dos estados de região norte do Brasil onde se encontra grande parte da floresta amazônica, sendo esta possuidora de ricos recursos turísticos. Para explorarmos esses atrativos culturais e naturais é importante a eficácia dos projetos turísticos e estes devem ser focados na solidificação de uma nova ética no planejamento do desenvolvimento e nas ações humanas. Assim, educação patrimonial deve ser compreendida como um processo permanente para o êxito de suas funcionalidades. Nesse contexto, a exploração do turismo em áreas naturais emerge não apenas como uma opção viável de 249


desenvolvimento que dinamize a economia, mas também como um instrumento de defesa, resgate e continuidade do patrimônio natural e cultural. O presente trabalho procura oferecer informações sobre um segmento do turismo cultural, no caso o turismo arqueológico ou arqueoturismo, dentro de nosso contexto regional amazônico. A importantíssima ação de viajar pode ser uma das formas mais eficientes, prazerosas e completas de educação. Também foi e sempre será uma das metáforas mais opulentas para a contínua reestruturação do quadro pessoal de referências a que denominamos aprendizado. Porém, atualmente, o lazer do turista é geralmente apenas uma gratificação pelo estresse de uma vida esquizofrênica e não a recriação do próprio ser (CAMARGO, 1999). O homem viajante busca apenas um conforto temporário para os males como os que a mídia mundial norte-americanizada (EUA) gera profetizando malignidades para todo o planeta, e desperta nas pessoas o desejo de “ter” aquilo e “ser” assim, sem que as suas condições econômicas, sociais, políticas, culturais e ecológicas permitam (DIAS, 1999). Neste complexo contexto, a elaboração de um estudo referente ao planejamento de áreas que possuem recursos arqueológicos (principalmente áreas naturais já que estamos falando de sítios arqueológicos encontrados na região amazônica) e que recebem ou receberão visitação turística será de grande valia para viabilizar estudos relacionados com o turismo arqueológico sustentável e, trará também, subsídio para o planejamento do turismo comprometido com o aprendizado ininterrupto do turista/viajante. 2 METODOLOGIA Foi utilizado o levantamento e análise bibliográfica dos assuntos correlacionados ao tema. Levando em consideração principalmente os trabalhos de pesquisa feitos por pesquisadores que adentraram em matérias como arqueologia, arqueoturismo e planejamento turístico. E pesquisadores-educadores que trataram sobre educação patrimonial e os processos educativos e informativos dentro da atividade turística.

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3 ARQUEOLOGIA Segundo Pedro Funari (2003) a arqueologia é a ciência que estuda os vestígios materiais que foram deixados pelo ser humano para que se compreendam as relações sociais e as transformações nas sociedades passadas. Nesta conjuntura, sabe-se que os vestígios estudados pela arqueologia são encontrados nos sítios arqueológicos. É importante citar que quando conhecemos e entendemos nosso passado, majoramos ainda mais o interesse e o respeito pela nossa herança cultural oriunda de uma sociedade diferente da que vivemos hoje e, procedente de uma cultura distinta da atual. Conhecer a importância do patrimônio deixado pelos nossos antepassados é o primeiro passo para evitar a sua destruição. Para isso é preciso oferecer ao grande público as informações produzidas pela pesquisa científica de diversas outras formas além das publicações de cunho científico, que são imprescindíveis. 4 TURISMO Em 1841 o inglês Thomas Cook dá início a comercialização do turismo, organizando uma viagem com um grupo de pessoas pelo seu país. O desenvolvimento do transporte ferroviário, o melhoramento dos navios transatlânticos, a criação do automóvel e o surgimento da aviação civil, encurtaram cada vez mais as distâncias e contribuíram muito para que a atividade turística se tornasse cada vez mais importante no mundo inteiro. Com o desenvolvimento da tecnologia houve a elevação da produtividade humana, provocando a diminuição das horas de trabalho e conseqüentemente o aumento do tempo livre. Boa parte deste tempo ocioso será dedicada ao lazer, que hoje adquiriu grande importância uma vez que o cotidiano da maioria das pessoas tornouse estressante devido vários fatores como, o crescimento desordenado das cidades, poluição sonora e visual; e poucas áreas verdes disponíveis para a população (GUEDES e BACCINO, 2006). O turismo é uma atividade que gera efeitos positivos para a cultura e a saúde do corpo e da mente das pessoas que o praticam. Sobre o arqueoturismo podemos falar que é a soma da arqueologia à atividade turística que chega ao Turismo Cultural e este, segundo o Ministério do Turismo, compreende as atividades turísticas relacionadas à 251


vivência do conjunto de elementos significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os bens materiais e imateriais da cultura. Neste segmento do turismo (o cultural) está o arqueoturismo, o qual será especificamente tratado mais para adiante do presente texto. 5 TURISMO E ARQUEOLOGIA O patrimônio arqueológico tem um potencial extraordinário de atração turística, por isso é tão valorizado. Mas, essa valorização se potencializa em função de alguns elementos, como as facilidades de acesso ao sítio arqueológico; a possibilidade de visualização ou manipulação dos objetos componentes; a importância na história local, regional, nacional e internacional; a beleza plástica da arte e dos objetos; além das construções e monumentos antigos (FIGUEIREDO e PEREIRA, 2005). Segundo Roberto Boullón (1986), o espaço turístico é conseqüência da presença e distribuição territorial dos atrativos turísticos que, não devemos esquecer, é a matéria-prima do turismo. A partir disso é importante mencionar que o produto turístico é abstrato, pois este oferece experiências para serem vividas que, no entanto, para dar apoio a esse produto, é necessária uma estrutura física aliada a um processo informativo e educativo. No caso do presente estudo teremos como espaço turístico principalmente as áreas naturais, já que a maioria dos recursos arqueológicos presentes em nossa região estão nesses espaços. Neste contexto surgem então iniciativas públicas, como por exemplo, a criação de reservas ambientais, parques nacionais, reservas biológicas e extrativistas, sendo apenas algumas das medidas adotadas para a preservação do meio ambiente e do patrimônio cultural. No entanto, como foi dito anteriormente, o turismo necessita de determinada infraestrutura para que possa se desenvolver, e muitas vezes os projetos são levados a funcionar mesmo sem um planejamento adequado, o que pode acarretar em muitos casos a segregação social da população tradicional e o uso inadequado de recursos naturais e patrimoniais (BACCINO e GUEDES, 2006). Existe a importância de mencionar que é preciso abandonar essa visão romântica ligada a natureza, de que o melhor será não desenvolver nenhuma atividade que gere impacto no meio, o que se precisa é explorarmos um recurso sem que 252


ele venha a ser prejudicado ou se extinguir, ou seja deve-se utilizar-se do modo sustentável (BACCINO e GUEDES, 2006). 6 ARQUEOTURISMO Por arqueoturismo entende-se a junção do turismo com a arqueologia, ou seja, a motivação do deslocamento é o objeto de estudo da arqueologia: neste caso os vestígios arqueológicos presentes nos sítios arqueológicos. O arqueoturismo está inserido no turismo cultural que é aquele em que o atrativo turístico é a cultura, os bens materiais e imateriais produzidos pelo homem (BARRETTO, 2000). No Brasil, há sítios arqueoturísticos por todas as regiões geográficas, sendo que há exemplos de visitações com ações planejadas e não planejadas. No território brasileiro há uma grande quantidade de sítios arqueológicos com arte rupestre (a arte rupestre é a mais antiga manifestação artística, pode ser pinturas ou gravuras) e este tipo de atrativo arqueoturístico será a matéria-prima do nosso estudo. Na Amazônia os sítios arqueológicos de arte rupestre são numerosos, no Pará destaca-se, até então, os sítios arqueológicos presentes nos municípios de Monte Alegre e São Geraldo do Araguaia. Os recursos arqueológicos presentes na região amazônica sempre chamaram muita atenção de viajantes e pesquisadores de todo o mundo prova disso são as centenas de pesquisas, tratados e crônicas de viagens que foram publicados no nosso país e pelo mundo a fora desde que o Brasil era colônia portuguesa até os dias atuais. Encontrar o patrimônio arqueológico é um dos momentos mais fascinantes na prática do turismo, pois remete o visitante ao passado, a outras realidades e ao mistério de nossa origem. Esse aspecto e a segurança das viagens fazem com que um número cada vez maior de turistas busque visitar esses locais. No entanto, na maioria das vezes os sítios arqueológicos não estão preparados para esse uso. É necessário, portanto, que se utilize o turismo no auxílio da manutenção desses sítios, e não como um elemento que propicie a destruição, que é o que acaba acontecendo com a retirada indevida de material arqueológico ou pichações nos paredões com arte rupestre (FIGUEIREDO, BACCINO e GUEDES, 2007). Destaca-se a importância de sensibilizar a comunidade local através da educação patrimonial. Tal sensibilização é um processo vital para o 253


desenvolvimento sustentável, pois debate a melhor forma de inserir a comunidade de modo participativo no planejamento turístico (BACCINO; BARBOSA, 2007). Deverão ser adotados os critérios de intervenção mínima, criando um Programa de Conservação, que deve ser seguido por um Programa de Monitoramento. Estes programas deverão ser estendidos a outros locais do atrativo turístico a medida que outros sítios arqueológicos com pintura ou gravura rupestre forem sendo abertos a visitação. Estes procedimentos visam à preservação dos sítios arqueológicos, restituindo suas condições visuais, proporcionando aos visitantes maior fruição e utilização do ambiente como recurso de experiência e aprendizado. 7 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL Fazer a preservação dos bens culturais nacionais e dar condições para que os mesmos tenham sua salvaguarda continuada é de grande importância, não somente porque é importante passar essa herança para as próximas gerações, mas partindo da geopolítica percebe-se que no que diz respeito a invasão cultural, a partir dos princípios expressos por Paulo Freire a educação patrimonial tem o importantíssimo papel dentro da relação invasor e invadido. O invasor é quem atua e o invadido é manipulado para crer que está atuando conjuntamente com o primeiro, sendo que o invadido está sendo dirigido e conquistado. A invasão cultural deseja conquistar o invasor e para isso precisa descaracterizar e tornar insignificante a cultura do invadido, destruindo sua forma, suas referências e suas bases. O modo mais utilizado para essa destruição é a inserção proposital de subprodutos e símbolos da cultura do invasor. O patrimônio arqueológico, assim como todos os bens culturais materiais e também os imateriais de nossa nação, tem a possibilidade de serem protegidos e preservados através da educação patrimonial. Tais ações são necessárias já que nenhum colonizado, como indivíduo ou como nação, sela sua libertação, conquista ou reconquista sua identidade cultural sem assumir sua linguagem, seu discurso e por eles ser assumido (FREIRE, 1992 apud SOUZA, 2010). Os sítios arqueológicos de arte rupestre em sua grande maioria localizam-se em áreas naturais e por isso são atrativos turísticos localizados em espaços não-escolares, estes procuram 254


desenvolver suas próprias teorias, sabendo que somente o sistema formal não dará conta de todas as relações pedagógicas nos ambientes em que estão presentes. Deste modo, busca-se levar as práticas pedagógicas na tentativa de complementar o processo de formação dos indivíduos. Freire (2005) diz que a ação junto aos oprimidos tem que ser no fundo “ação cultural” para a liberdade, por isso mesmo, ação com eles. Então libertar o homem a partir de uma educação em outros espaços é libertar, também, o educador o qual irá ampliar seu campo sustentando sua intervenção em espaços variados, garantindo uma instância de circulação e produção cultural do conhecimento e de emancipação e possibilitando aos envolvidos o desenvolvimento de capacidades que os impulsionarão a indagar, criticar, dialogar, refletir e investigar. Nesta conjuntura, procurando essa conexão homem e natureza, para atenuar essa realidade precária, a educação promove a compreensão da existência e da importância da interdependência econômica, social e ecológica da sociedade; proporciona a todas as pessoas a possibilidade de adquirir o sentido dos valores, o interesse ativo e as atitudes necessárias para proteger e melhorar a qualidade do ambiente em que vivem. A educação também induz a prática de novas formas de conduta nos indivíduos, nos grupos sociais e na sociedade, tornando-os aptos a agir em busca de alternativas de soluções para os seus problemas ambientais (BACCINO, 2007). Pensando como Paulo Freire (2001) o qual diz que a leitura da palavra é precedida da leitura do mundo. A visitação turística inclui a observação, que propicia o desenvolvimento da percepção visual; a interação, que irá gerar relações com a paisagem e o cotidiano do local visitado; e a intervenção, que formará profundos laços através da contribuição feita pelo viajante a qual será facilitada pelo turismólogo e pelo educador. Todo esse processo precisa ter a participação permanente da educação patrimonial e ambiental. 8 CONCLUSÃO A utilização de áreas naturais possuidoras de sítios arqueológicos com arte rupestre deve ser feita com planejamento, objetivando causar o menor impacto ambiental possível e interferências sociais positivas no cotidiano dos locais da área explorada e também aproveitar a visitação ao local turístico como 255


momento de educação para os visitantes. Neste contexto, espera-se que o presente trabalho forneça fundamentos para gerar uma forma de planejamento onde o turismo possa ser visto como um fator importante na conservação do patrimônio natural e cultural, além de tornar-se um grande motivador econômico da manutenção dos atrativos turísticos, transformando-os em recurso importante, a fim de possibilitar a construção de uma consciência para a preservação e a reconstrução do nosso patrimônio material e imaterial. Assim educação patrimonial, ambiental e o planejamento turístico, devem ser compreendidos como processos permanentes para o êxito de suas funcionalidades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAMARGO, Luiz Octávio de Lima (org.). Perspectivas e resultados de pesquisa em educação ambiental. São Paulo: Arte & Ciência, 1999. BACCINO, Marcelo Pamplona. Práticas de Turismo no Parque da Serra dos Martírios/Andorinhas: estudos de potencialidades. 2007. 88f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Turismo) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2007. BACCINO, Marcelo Pamplona; BARBOSA, Liliane Carrera. Ecoturismo, Patrimônio Arqueológico e Desenvolvimento. In: Anais do X Encontro Nacional de Turismo com Base Local. João Pessoa, 2007. BACCINO, Marcelo Pamplona; GUEDES, Josiel Rodrigues. Turismo, Arqueologia e Desenvolvimento Sócio-cultural. In: Anais do Encontro Norte e Nordeste de Estudantes de Hotelaria e Turismo 2006. Maceió, 2006. BARRETO, Margarita. Turismo e legado cultural: As possibilidades do planejamento. Campinas: Papirus, 2000. BOULLÓN, Roberto. Planificación Del Espacio Turistico. México: Trillas, 1986. 256


Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 27ed, 2001. DIAS, Genebaldo Freire. Elementos para a capacitação em educação ambiental. Ilhéus: Editus, 1999. FIGUEIREDO, Silvio Lima; BACCINO, Marcelo Pamplona; GUEDES, Josiel Rodrigues. Arqueoturismo e Áreas Naturais: pesquisa e planejamentol. In: Anais do X Encontro Nacional de Turismo com Base Local. João Pessoa, 2007. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 44ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005. FREIRE, Paulo; FREIRE, Ana Maria Araújo (org.). Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo: UNESP, 2001. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2ed, 1996. FUNARI, Pedro. Arqueologia. São Paulo: Ática, 1988. São Paulo: Contexto, 2003. LIMA, Roberto Kant de e LIMA, Magali Alonso de. Capoeira e Cidadania: negritude e identidade no Brasil republicano. São Paulo: Rev. de Antropologia da USP, n.34, 1991, p.143-182. Ministério do Turismo. Turismo Cultural. http://www.turismo.gov.br/turismo/programas_acoes/regionalizacao_ turismo/estruturacao_segmentos/turismo_cultural.html. Acesso em 27 de março de 2011. PEREIRA, Edithe; FIGUEIREDO, Silvio Lima. Arqueologia e Turismo na Amazônia – Problemas e Perspectivas. Pelotas: Cadernos do LEEPAARQ, 2005. SOUZA, Ana Inês. Paulo Freire: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2ed, 2010.

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BELÉM NOVA: passadismo e modernidade, um debate sobre as influencias estilísticas na revista Me. Gidalti Moura Júnior IESAM/CESUPA RESUMO: O trabalho versa sobre o aspecto visual da revista „„Belém Nova‟‟, que circulou entre as décadas de 1920 e 1930, analisa a sintaxe visual presente nesse impresso, permitindo que se destaque de forma crítica - com base nos conceitos presente nos estudos de Dondis A. Donis (2003), Fayga Ostrower (1983) e Wassaly Kandynsk (2005), dentre outros - as matrizes estéticas e formais presentes no seu projeto gráfico notadamente nas capas das edições pertencentes ao acervo da biblioteca da Acadêmia Paraense de Letras. Palavras-Chave: Revista Paraense; Belém Nova; Análise gráficovisual. Apresentamos nesse artigo uma contextualização sobre as influências estilísticas identificadas no projeto gráfico da revista „„Belém Nova‟‟ (BN), liderada por Bruno de Menezes na década de 1920, como o estilo clássico, a estética do modernismo e as características do Art Nouveau. Como uma análise da linguagem visual torna-se vazia sem referência a contextos sociais e políticos da época, apresentamos o principal fator que determinou o desenvolvimento das artes aplicadas no Pará: a modernização de Belém em razão da exploração da borracha; ainda iniciamos o debate sobre as influências na estética da BN: a contextualização sobre o método formalista e as influências estilísticas identificadas no projeto gráfico da revista, como o estilo clássico, a estética do modernismo e a influência do Art Nouveau. No início e meio do século XX no Norte do Brasil, várias revistas tinham seu conteúdo literário e visual parecidos, e isso se deve ao fato de essas publicações trabalharem com diversos produtores em comum, intelectuais, escritores, editores e artistas. É fundamental termos em mente que os movimentos artísticos e literários, assim como a efervescência cultural e intelectual em Belém foram frutos de uma longa experiência ocorrida

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na virada do século XIX. O diálogo entre os intelectuais locais e o mundo estrangeiro, a fim de construir uma ponte entre a Europa e a Amazônia, para se alcançar o progresso, foi determinante para o desenvolvimento das artes e das letras no Pará. O desenvolvimento do conhecimento, da cultura e do cenário das artes gráficas no Pará teve relação direta com a expansão do comércio da borracha no período de 1850 a 1920, quando a Amazônia era a maior produtora de borracha do mundo. A capital Belém cresceu em média 3,5% ao ano. O “afrancesamento” de Belém e a solidificação de uma elite intelectual contribuíram para a existência de mais de 200 publicações no Estado nesta época30. Ao compreendermos o cenário político e cultural que a cidade de Belém vivenciou nas décadas em que a revista BN circulou, podemos identificar as características estéticas típicas do modernismo no projeto gráfico desta revista, assim como podemos identificar o seu direcionamento para uma sociedade em transição em termos culturais e de referenciais de valores. A modernidade, conforme Sarges (2002, p.13), se caracteriza pela expansão da riqueza, ampliando as possibilidades, pelo avanço da tecnologia (Revolução Industrial), pela construção de ferrovias, pela expansão do mercado internacional, pela urbanização e crescimento das cidades (em área, população e densidade), pela mudança de comportamento público e privado e pelo bafejo da democracia, transformando as ruas em lugares onde as pessoas circulavam e exibiam seu poder de riqueza. Em Belém, a modernidade pode ser compreendida de forma semelhante ao que ocorreu na Paris de Haussman31, onde as transformações na paisagem urbana e na arquitetura foram alguns dos principais efeitos da modernização. Sobre essa modernização, Argan (1992, p.186) comenta:

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Cf. ROCQUE, Carlos. História geral de Belém e do Grão Pará: Atualização: Antonio José Soares. Belém: Distribel, 2001 31

(Georges-Eugène Haussmann foi nomeado prefeito de Paris por Napoleão III. Foi o grande responsável pela modernização de Paris, cuidando do planejamento da cidade no final do século XIX.)

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Pouco a pouco, os próprios empresários se convencem de que as máquinas cada vez mais aperfeiçoadas exigem mão-de-obra qualificada e de que, melhorando a qualidade de vida e de cultura dos operários, melhora-se o rendimento: surgem, assim, as primeiras vilas operárias, em geral constituídas de casinhas unifamiliares “enfileiradas”. Enquanto as propostas urbanistas de Owen e Fourier, nitidamente ligadas à nascente ideologia socialista, permanecem em grande parte utópicas, por outro lado executa-se rapidamente o plano de reforma do centro de Paris idealizado pelo barão Haussmann, administrador de Napoleão III, como típica intervenção do poder sobre a imagem e funcionalidade urbana: consiste num cinturão de grandes artérias de tráfego (boulevards) obtidas com a demolição dos bairros populares. Melhoram o fluxo do trânsito viário, enriquecem a cidade com amplas perspectivas, mas respondem claramente a um interesse de classe. Os pobres continuam a viver amontoados nos velhos bairros, que os boulevards isolam, mas não saneiam; em compensação, facilita-se às tropas a repressão dos movimentos operários e aos proprietários de imóveis a especulação dos terrenos. O modelo parisiense serve de inspiração às principais intervenções urbanas realizadas após 1870 em algumas cidades italianas, embora sem igualar sua eficácia: a abertura da via Nazionale em Roma, da chamada “via reta” em Nápoles.

Os componentes básicos do processo de modernização são: a industrialização, a divisão técnica do trabalho, a urbanização, a formação de uma elite nacional e indicadores do progresso. São notáveis na BN, diversos fatores que nos confirmam a modernidade como tema recorrente nessa publicação, como os diversos anúncios de fábricas, de prestadores de serviços e as mais variadas atividades 260


comerciais. Diversas capas eram estampadas com fotografias de pessoas relevantes na sociedade, o que nos confirma a formação e a manutenção de uma elite. Um dos grandes, se não o maior líder político responsável pela modernização de Belém, foi o „„todo-poderoso de Belém na Belle Époque‟‟ Antonio Lemos. Em 1897, Lemos chegou ao ápice de sua carreira política quando foi eleito intendente da capital, Belém. Sua gestão ficou caracterizada pelos esforços em modernizar a cidade de Belém segundo os moldes parisienses. O planejamento de Antonio Lemos realizou reforma urbana e gerou beleza urbanística no centro da cidade e nas suas proximidades. Em 1902 completou seu projeto de construção da Paris n‟América ou de Petit Paris. A influência da estética dominante na Europa, e em especial em Paris, pode ser percebida em diversas páginas e capas da BN. Outro fator fundamental para a compreensão da visualidade da BN é entendermos o direcionamento da revista a essa nova elite tão característica da Belle Époque, formada por comerciantes, seringalistas, financistas, com destaque para os profissionais liberais, geralmente de famílias ricas e oriundos de universidades europeias. Belém, portanto, tornou-se, sob alguns aspectos, uma capital agitada, pretensamente mais europeia do que brasileira, dominada por um francesismo, especialmente no aspecto intelectual, que ressaltava a ligação da cidade com as principais capitais europeias, causada de um lado pela dependência financeira e comercial à Inglaterra, e por outro, por uma relação cultural intensa com a França. 2 AS INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS 2.1 O ESTILO CLÁSSICO A mais notável das influências estilísticas na revista BN foi o estilo clássico. Esse estilo chegou ao Brasil por meio da missão artística francesa, da importação de produtos e das referências da Europa como modelo em vários campos, como na arquitetura, nas artes, nos costumes, etc. A Europa, durante séculos, e em especial a França, tiveram como referência estética o estilo clássico, e Belém, como procurou se modernizar „„espelhando-se‟‟ em Paris, teve muito de sua arquitetura, pintura, padrões de moda e estética editorial referenciada nesses padrões. Para que possamos compreender essas 261


marcas clássicas no debate formalista, procuramos identificar as principais características desse estilo. Os gregos e romanos tiveram influência na produção artística ocidental por mais de 2000 anos, tanto que foram a fonte de referência para diversos períodos e estilos artísticos, como o Renascimento no século XVII e o Neoclassicismo no século XVIII. Períodos esses, cujos nomes significavam exatamente isso, uma retomada da tradição clássica. Assim como a cultura greco-romana, o Renascimento foi um grande marco divisório de ideias artísticas e filosóficas, e um período de grandes gênios. Sobre sua influência em diversos momentos da História da arte clássica e romântica, Argan (1992, p.12) comenta: Quando se fala da arte que se desenvolveu na Europa e, mais tarde, na América do Norte durante os séculos XIX e XX, com frequência se repetem os termos clássico e romântico. A cultura artística moderna mostra-se de fato centrada na relação dialética, quando não de antítese, entre esses dois conceitos. Eles se referem a duas grandes fases da história da arte: o clássico está ligado à arte do mundo antigo, grecoromano, e àquela que foi tida como seu renascimento na cultura humanista dos séculos XV e XVI; o romântico, à arte cristã da Idade Média e mais precisamente ao Românico e ao Gótico.

A arte grega estava associada à ideia de mimese, ou seja, o ideal, para os gregos, é representado pela perfeição da natureza, desta forma, a arte deve ser perfeita. Logo, segundo o ponto de vista clássico, a arte é imitação da Natureza. Sobre as técnicas visuais, a estética clássica privilegia a harmonia, a simplicidade, a exatidão, a simetria, a agudeza, o monocromatismo, a profundidade, a estabilidade e a unidade. Dentre estas, podemos observar no templo grego Erecteion (Fig. 17) várias das citadas técnicas visuais. Wölfflin (2000) identificou algumas características interligadas do ideal clássico de representação da beleza: a 262


linearidade, a percepção espacial por meio de planos sucessivos, a forma fechada, a pluralidade e a clareza absoluta. Sobre as verticais e horizontais na arte clássica, Wölfflin (2000, p. 170) diz: A arte clássica é a arte das verticais e das horizontais bem definidas. Os elementos manifestam-se com total nitidez e precisão. Quer se trate de um retrato ou de uma figura, de um quadro que narre uma história ou de uma paisagem, no quadro predominam sempre as aposições entre as linhas horizontais e as verticais. Todos os desvios são medidos em relação à forma primitiva pura.

A teoria geral da beleza foi feita nos tempos antigos e consiste nas proporções e suas inter-relações. Isto pode ser observado na arquitetura Greco-Romana. A beleza é alcançada via as relações entre volume, número e ordem, assim como acontece na música. Tatarkiewicz (1992, p. 157) nos esclarece que nos padrões estéticos clássicos „„a beleza pode ser encontrada apenas nos objetos cujas partes mantiveram uma relação umas com as outras, como os números pequenos, um em um, um a dois, dois a três, e assim por diante‟‟. Vitrúvio, arquiteto e engenheiro romano que viveu no século I a.C, defendia a ideia de que um edifício é bonito quando todos as partes têm as devidas proporções de largura e altura e largura e comprimento, e que, em geral, todos seguem uma relação de simetria. Vitrúvio afirmou que essas relações devem ser aplicadas na escultura e na pintura. A própria natureza que serviu de referência aos artistas clássicos segue rigorosas regras de proporções. 2.2 O ESTILO MODERNO O final do século XIX e início do XX se caracterizaram por serem períodos de enorme riqueza, complexidade, multiplicidade e simultaneidade de ideias. As transformações sociais, políticas e econômicas ocorriam paralelamente ao desenvolvimento filosófico e científico. O questionamento e a rejeição ao passado se tornaram foco em todo o mundo. A modernidade fez surgir novos paradigmas para a arte. „„Aquilo que se chamou de arte moderna, refletindo 263


outras atitudes na sociedade, tornou-se uma força libertadora explosiva no início do século, contra a opressão de pressupostos com frequência cegamente aceitos até então‟‟(STANGOS, 2000, p.8). O fundador da revista BN, Bruno de Menezes, procurava alinhar os ideias de renovação e desprendimento às referências clássicas. A busca ao novo, ao moderno, era, de fato, a principal motivação da revista BN. No entanto, a transição do estilo clássico ao moderno não ocorreu de forma radical. Para que possamos compreender essas marcas modernistas no debate formalista, procuramos identificar as principais características desse estilo, segundo Argan (1992, p.185) nos esclarece sobre o termo Modernismo: o termo genérico Modernismo resumem-se às correntes artísticas que, na última década do século XIX e na primeira do século XX, propõem-se a interpretar, apoiar e acompanhar o esforço progressista, econômico-tecnológico, da civilização industrial. São comuns às tendências modernistas: 1) a deliberação de fazer uma arte em conformidade com sua época e a renúncia à invocação de modelos clássicos, tanto na temática como no estilo; 2) o desejo de diminuir a distância entre as artes maiores (arquitetura, pintura e escultura) e as aplicações aos diversos campos da produção econômica (construção civil corrente, decoração, vestuário etc.); 3) a busca de uma funcionalidade decorativa; 4) a aspiração a um estilo ou linguagem internacional ou europeia; 5) o esforço em interpretar a espiritualidade que se dizia (com um pouco de ingenuidade e um pouco de hipocrisia) inspirar e redimir o industrialismo. Por isso, mesclam-se nas correntes modernistas, muitas vezes de maneira confusa, motivos materialistas e espiritualistas, técnico-científicos e alegórico-poéticos, humanitários e sociais. Por volta de 1910, quando ao entusiasmo pelo progresso industrial sucede-se a consciência da transformação em curso nas

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próprias estruturas da vida e da atividade social, formar-se-ão no interior do Modernismo as vanguardas artísticas preocupadas não mais apenas em modernizar ou atualizar, e sim em revolucionar radicalmente as modalidades e finalidades da arte.

Dentre os tão famosos „„ismos‟‟ do primeiro quarto do século XX, o Futurismo, Expressionismo, Cubismo, Dadaísmo e Surrealismo influenciaram de maneira direta ou indireta, pelos seus pronunciamentos teóricos e pelas obras de seus representantes, os modernistas brasileiros. Sob as questões formalistas, no modernismo surgiram diversas movimentos estéticos e estilos que se utilizavam de representações abstratas estabelecendo contrastes com a forma de representação típica do período clássico. O Modernismo permite ao artista a desvinculação aos preceitos clássicos de representação. Dentre os elementos e as técnicas visuais, não há mais indicações ou expectativas para a escolha de uma determinada solução visual. Para o quesito formalista, todas as possibilidades são validas, segundo o modernismo, tanto que os movimentos artísticos desse período ocorreram várias vezes simultaneamente, porém com padrões estéticos muito diferentes um dos outros, mas em comum o repúdio ao estilo clássico e a busca de valores novos. A modernidade não tem nenhum respeito pelo seu próprio passado. Tenta romper com todas as condições históricas anteriores. As ideias de progresso estão também refletidas na comunidade profissional de belas artes, onde provavelmente cada geração de artistas faz avanços no potencial expressivo de seu meio de comunicação. Ao comparamos a estética e a representação da figura humana, por Modigliani, e por Sandro Botticelli, perceberemos significativas diferenças formais e temáticas. Dentre as formais, destacamos os valores de saturação, os contrastes de tonalidades, a composição, as relações de pluralidade e unidade, o que torna as duas obras muito distantes uma da outra no quesito formalista. Nunes (apud ÁVILA, 2002, p.39) comenta que „„a estética do Modernismo será um amálgama de ideias, de valores e de procedimentos díspares e até contraditórios‟‟. A visualidade da BN, 265


por exemplo, é bastante eclética e expressa estéticas típicas do clássico e do moderno, e isso é um parâmetro para a reflexão sobre o grau de inserção, ao menos no aspecto visual, dessa revista, dos intelectuais e dos artistas de Belém no modernismo. 2.3 A INFLUÊNCIA DO ART NOUVEAU NA ESTÉTICA EDITORIAL A revista BN e algumas de suas contemporâneas como a revista Guajarina e a revista Pará Ilustrado tiveram sua estética muito influenciada pelo movimento artístico modernista conhecido como Art Nouveau. As referências dessa estética podem ser percebidas em quase todas as edições da revista, por meio da valoração das formas femininas, dos elementos da natureza, das linhas, formas e cores sobre numerosos aspectos do mundo mineral, vegetal e animal, que, como se sabe, são de uma beleza considerável, como muito bem respalda os estudos de Kandinsky (2005, p. 97). O Art Nouveau se referência na natureza e explora suas formas para compor uma estética visual. Porém esta estética foi aplica na banalidade, no cotidiano, a fim de embelezar aquilo que é prático, ou seja, levar ao funcional o ornamental. Agregar o aspecto de belo a uma cadeira, a um espelho ou a um cartaz consiste em alguns dos mais diversos empregos desse estilo. A ornamentação, portanto, geralmente transcende à questão funcional de um produto, objeto ou meio de comunicação, agregando um maior valor ao design. A burguesia preferia móveis e objetos trabalhados por artistas e artesãos qualificados em materiais nobres, enquanto a pequena burguesia consumia produtos de do mesmo tipo e de qualidade inferior. Esses produtos ainda eram banalizados pelos processos repetitivos da produção e reprodução industrial. A explosão desses ornamentos está de fato vinculada à situação econômico-social. Quanto ao estilo ornamental, Dondis ( 2003, p. 176) comenta que „„enfatiza a atenuação dos ângulos agudos com técnicas visuais discursivas que resultam em efeitos cálidos e elegantes. Esse estilo não só é suntuoso em si mesmo, como também costuma ser associado à riqueza e ao poder.‟‟ No que se refere às questões formais, o Art Nouveau explora o ornamento, a complexidade, a profusão, o exagero, a rotundidade, a ousadia, a fragmentação, a variação e o colorísmo. Argan (1992, 266


p.199) ainda destaca que o estilo tem certas características constantes: a temática naturalista (flores e animais); 2) a utilização de motivos icônicos e estilísticos, e até tipológicos, derivados da arte japonesa; 3) a morfologia: arabescos lineares e cromáticos; preferência pelos ritmos baseados na curva e suas variantes (espiral, voluta etc.), e, na cor, pelos tons frios, pálidos, transparentes, assonantes, formados por zonas planas ou eivadas, irisadas, esfumadas; 4) a recusa da proporção e do equilíbrio simétrico, e a busca de ritmos “musicais”, com acentuados desenvolvimentos na altura ou largura e andamentos geralmente ondulados e sinuosos; 5) o propósito evidente e constante de comunicar por empatia um sentido de agilidade, elasticidade, leveza, juventude e otimismo.

No mundo todo, no Brasil e da mesma forma especificamente em Belém, o estilo prevaleceu nas revistas de arte e de moda; do comércio e de seu aparato publicitário; das exposições mundiais e espetáculos. O Art Nouveau foi universal e rapidamente generalizouse no seio de uma classe social abastada e educada à europeia. Veio para o Brasil via elite da sociedade, que, por meio de importação de objetos, viagens, compra de mercadorias, consumo e importação da moda implantaram a estética na cultura brasileira e paraense. Os navios europeus, principalmente franceses, não traziam apenas os figurinos, o mobiliário, as roupas, mas também as notícias sobre as peças e livros mais em voga, as escolas filosóficas predominantes, o comportamento, o lazer, as estéticas e até as doenças, tudo enfim que fosse consumível por uma sociedade altamente urbanizada e sedenta de modelos de prestígio. Sevcenko (1983) observa que no jornal „„A Província do Pará‟‟, de 5 de janeiro de 1900, encontramos a seguinte pauta de importação: „„...de Hamburgo: relógios, pianos, livros, calçados, vidros, meias, chapéus, fazendas, papel, joias, fósforo, medicamentos etc.; de Havre: 267


perfumarias, leques, couro, óculos, sementes, lenços, material fotográfico, cristais etc. (apud SARGES, 1983. p.36) A divulgação em revistas estrangeiras que eram consumidas no Brasil também foi relevante para a implementação do estilo na região. Essas revistas influenciavam a estética das revistas nacionais e locais afirmando um diálogo da elite intelectual letrada do Brasil com a França. A elite brasileira ia a Paris, visitava o Moulin Rouge e dialogava com vários países da Europa. Há de se considerar também que o estilo ornamental veio ao Pará, dentre as já citadas maneiras, por meio das exposições. Theodoro Braga e João Affonso do Nascimento, ambos antigos professores de Bruno de Menezes, eram assíduos frequentadores das exposições parisienses, na virada do século XIX. Theodoro Braga realizou, com seus alunos, vastas pesquisas sobre o Art Nouveau aplicado à natureza amazônica, tanto na pintura, no desenho, no vestuário, no mobiliário e na escultura, caracterizando uma postura de busca ao valor do local e o desprendimento aos conceitos estéticos clássicos europeus. O estilo foi aplicado por Theodoro Braga essencialmente nas artes gráficas. Seu maior legado foram seus alunos Manuel Santiago e Manuel Pastana, exímios divulgadores do novo estilo no Pará, em São Paulo e no Rio de Janeiro, nos anos de 1920, aparecendo regularmente nas páginas de BN, em especial Pastana, por meio de ilustrações que preenchiam páginas inteiras da revista. Outra “porta de entrada” para o Art Nouveau em Belém foram aqueles artistas estrangeiros contratados para serviços temporários no Norte do Brasil, como De Angelis, artista que deu aula no liceu paraense e que trouxe como assistente Caprannesi. Especificamente na Amazônia, a rica fauna e flora facilitaram ainda mais a longa e profunda imersão do estilo na região. Os artistas usufruíram de diversas referências amazônicas, como a flora e a fauna aquática e terrestre, árvores de pequeno porte como castanheiro, com suas folhagens e folhas de forma anatômica feminina, a papoula, o lírio, ou ainda caules, trepadeiras, dormideiras, musgos, etc. Ainda citamos a vegetação marinha, com a sua enorme variedade de algas, nenúfares, estes aproveitados por suas belíssimas e amplas flores, as aves como o avestruz, o cisne, o pavão, os patos selvagens, o falcão, etc. Os animais aquáticos, em especial os peixes, ou ainda os répteis, como os lagartos e certos tipos de cobra, ou mesmo os anfíbios, como o sapo, as rãs, salamandras, e insetos como 268


libélulas, e as borboletas são também aproveitados por seu colorido, sua sinuosidade e seus caracteres ornamentais variados (BASSALO, 1984). Percebemos principalmente nas capas da BN o quanto a característica das linhas e formas femininas assim como a imagem da mulher se fazem presentes na revista. Entre 1900 e 1930 foi o período em que Belém, como parte do território brasileiro, vivenciou o movimento modernista, e São Paulo, em especial, realizou a famosa semana de 22. Este período está diretamente ligado à produção de revistas de conteúdo editorial mundano, ou seja, valores sociais, cultura, arte, literatura e afins. A cidade que respirou o modernismo, e em especial uma produção editorial em busca do „„novo‟‟foi São Paulo, que, entre fins do século XIX e o começo do século XX, cresceu significativamente, graças à riqueza gerada pelo café e pela industrialização posterior. Segundo Farias (2003, p.43), “Klaxon‟‟, “Mauricéia‟‟, “Era Nova‟‟, “A Revista‟‟, juntamente com BN “constituíram o conjunto de revistas publicadas no Brasil na década de 20 e 30 que sustentaram, fundaram ou anunciaram o movimento modernista em São Paulo, Recife, Paraíba, Belo Horizonte e Belém, respectivamente.‟‟ CONCLUSÃO Observamos na BN uma impressão gráfica que explorava várias cores nas capas e um projeto gráfico diferenciado e inovador para a época, pois a revista já explorava diversos elementos da linguagem visual, assim como diversas técnicas visuais e suas polaridades em ilustrações, charges e fotos. As capas coloridas quebravam a monotonia visual dos tradicionais jornais que a sociedade paraense estava habituada a ler, enquanto algumas propagandas e anúncios causavam “impactos” no leitor, devido à originalidade gráfica e pela imposição de novos costumes e hábitos da modernidade. Em 1920, os intelectuais paraenses estavam de fato em busca do novo nas artes e na literatura e, sob a influência do movimento artístico e intelectual chamado modernismo, a revista BN, que pode ser considerada uma espécie de “Klaxon paraense”, apresentou, em sua linha editorial e gráfica, novos conceitos estéticos. Esta revista serviu de canal para que aos paraenses entrassem em sintonia e 269


conhecessem mais a fundo o movimento modernista, e isso se respalda em sua linha editorial definida no primeiro número, em que se destacam: reação ao passadismo; renovação; coragem da mocidade; e culto ao progresso. O próprio nome da revista evidencia toda essa busca pela novidade, e assim enfatiza mais uma característica do modernismo ao se utilizar das palavras “nova” e “Belém”, remetendo ao regionalismo, ao local e ao novo. Levando em consideração os ideais de Bruno de Menezes, suas influências revolucionarias e modernistas e o conteúdo editorial da BN, a intenção da revista era a de valorizar o contexto do Norte tomando como referência não mais os clássicos padrões estéticos europeus A BN existiu num período agitado, tanto no contexto social como no político, o que impulsionou o desenvolvimento das artes aplicadas no Norte do Brasil e possibilitou à revista um conteúdo visual e editorial muito rico, por isso, a BN pode ser considerada uma espécie de “capa‟‟ do início do século XX, por que se situa no início desse século cronologicamente e é repleta de características típicas desse período como: a transição de valores estéticos e culturais; o direcionamento a uma sociedade fruto da modernização e a experimentação visual presente em seu projeto gráfico. Assim considerando, não pretendemos menosprezar outras publicações do período, como as revistas „„Caraboo‟‟, „„Pará Ilustrado‟‟, „„Guajarina‟‟ e outras, que são também ricas em conteúdo editorial e visual. A pesquisa desse periódico nos proporciona o privilégio de captar a ebulição das ideias modernistas, na vivência de toda uma época, a partir de uma realidade concreta, que emerge de suas páginas. A versatilidade das revistas do início do século XX está em mixar o seu tempo e o passado, e a BN é o melhor exemplo disso, tanto que foi, a um só tempo, passadista e modernista, conforme a identificação de uma estética em seu projeto gráfico, ora referenciada nos padrões clássicos, ora em padrões modernos. Mais que uma expressão artística, os designs da BN são elementos que nos permitem perceber a estética e a linguagem que se utilizava naquele período, e consequentemente percebemos como o nortista recebia essas informações, especialmente as informações visuais. As capas da revista apresentam um domínio sobre a linguagem visual por parte dos editores, designers e ilustradores, mesmo que de forma parcial. 270


Formas, cores, linhas, composições e outros recursos foram usados com maestria em determinados momentos, porém, com imperícia em outros, caracterizando o experimentalismo típico do modernismo. As capas nos permitem compreender todo o período em que a BN circulou. Não há dúvidas de que seu longo tempo de circulação fez com que sua identidade visual e seu conteúdo editorial se modificassem a cada periodicidade a fim de se adaptar às diversas necessidades da sociedade, fato que tornou o estudo desse periódico ainda mais complexo e instigante. Por meio das capas transparecem mais nitidamente essas mudanças, e nelas podemos melhor compreender a metamorfose visual e conceitual dessa revista, que se comunicava com uma sociedade igualmente em mutação. O domínio da linguagem visual certamente foi fundamental para que a BN sobrevivesse por aproximadamente seis anos, o que nos leva a compreender a importância deste, principalmente por parte dos designers, ilustradores, artistas, comunicólogos ou quaisquer que por ela se interessam. Mesmo aqueles que ignoram o uso da visualidade em qualquer tipo de processo, seja artístico, funcional ou comercial, devem estar atentos aos benefícios em se conhecer melhor tais ferramentas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Trad. Denise Bottmann e Frederico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. __________________; FAGIOLO, Maurizio. Guia de História da Arte. Lisboa: Estampa, 1994. ÁVILA, Afonso. O Modernismo. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002. BASSALO, Célia Coelho. O “Art Nouveau” Em Belém. Belém: FUNARTE, 1984. DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual. Trad. de Jefferson Luiz. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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FARIAS, Edison. Calor Chuva Tela e Canivete: A pintura no tempo do modernismo. Tese de doutorado. Escola de Comunicações e Artes da universidade de São Paulo, 2003. FERNANDES, Maria Lucia. Novíssima: estética e ideologia na década de vinte. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1987.

FIGUEREDO, Aldrin. Eternos modernos: uma história social da arte e da literatura na Amazônia, 1908 – 1929. Tese de doutorado. Unicamp, 2001. FRASCINA, Francis[et all]. Modernidade e Modernismo. A Pintura Francesa do Século XIX. São Paulo: Cosac & Naify Edições Ltda, 1993. OSTROWER, Fayga. Universos da arte. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1983. SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão: Tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1983. RÊGO, Clóvis Morais. Theodoro Braga hitoriador e artista. Belém: conselho estadual de cultura, 1974. (Coleção “Historias do Pará” serie “Barão de Guajara”) ROCHA, Alonso. Bruno de Menezes ou a Sutileza da transição. Belém: CEJUP, 1994. ROCQUE, Carlos. Grande Enciclopédia da Amazônia. Belém: Amel - Amazônia editora LTDA, 1968 (volume 4 letras J-N) ______________. Grande Enciclopédia da Amazônia. Belém: Amel - Amazônia editora LTDA, 1968. (volume 5 letras O-R). ______________. História geral de Belém e do Grão Pará. Atualização: Antonio José Soares. Belém: Distribel, 2001.

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WÖLLFLIN, Heinrich. Conceitos Fundamentais da História da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ______________. A Arte Clássica. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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ANEXOS

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PAISAGEM E LUGAR NA AMAZÔNIA URBANA: Rearranjos da globalização Mauro Emilio Costa SILVA UFPA RESUMO: O objetivo central visa analisar a noção de lugar e nãolugar dos bairros de Nazaré e Umarizal, a partir das alterações da paisagem urbana, motivada pela instalação das empresas transnacionais e nacionais do setor fast food. A metodologia utilizada foi o levantamento bibliográfico, pesquisa de campo e catalogação de dados oficiais. No que concerne aos resultados e conclusões auferimos que houve: centralização dos capitais, com as formas hegemônicas de reestruturação do espaço, polarizações de várias dimensões, desde questões comerciais até culturais, comprometeu a estabilização do lugar, abrindo precedentes para estranhamento e sentimentos difusos de pertencimento, contribuindo para o estabelecimento de não-lugares, uso misto dos dois bairros, residencial e comercial, principalmente o Umarizal, fortalecimento do consumo conspícuo e aumento da segregação socioespacial. PALAVRAS-CHAVE: Lugar; Paisagem; Fast food; Bairro; Nãolugar.

INTRODUÇÃO Em face do avassalador processo de globalização expressa pela interdependência entre vários povos e nações em trocas principalmente econômicas, carregado pela tentativa de imposição cultural dos centros hegemônicos do capitalismo em direção ao restante da superfície terrestre, o binômio informação-consumo é o trunfo primordial por parte das grandes corporações mundiais para promover seus fluxos comerciais, estas empresas em grande parte sediadas em países desenvolvidos, os centros de dispersão do poder, que até pouco tempo tinham suas atuações circunscritas às áreas desenvolvidas, atualmente vem vorazmente alcançando países subdesenvolvidos.

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No contexto econômico mundial hodierno, explicado em parte pela nova divisão internacional do trabalho, vem ocorrendo à tendência da relocalização/expansão de empresas, por questão estritamente econômica de redução de custos e conquistas de mercados consumidores, facilitado pelo aporte do meio técnicocientificoinformacional, apontando para a dispersão de marcas e valores, em direção a alguns países subdesenvolvidos, atingindo inclusive, elementos culturais, pois há necessariamente contato entre tais valores externos com os hábitos endógenos arraigados, imbricamento este, que pode ser complementar ou conflituoso, como assim pode ser observado por Ianni (1999): A cultura do capitalismo seculariza tudo o que encontra pela frente e pode transformar muita coisa em mercadoria, inclusive signos, símbolos, emblemas e fetiches. Tudo seculariza, instrumentaliza, desencanta (IANNI, 1999, p. 83).

Os bairros do Umarizal e Nazaré, apresentam-se no momento atual providos de objetos espaciais essenciais tanto no seu interior quanto nas suas intermediações (shoppings centers, supermercados, farmácias, bares, boates, restaurantes, escolas particulares, praças, bancos, prédios comerciais etc.) para o fluxo do capital, com infraestrutura mais preparada e por um mercado consumidor potencial, residente nestes espaços, além de serem espaços de passagem para o bairro mais comercial da cidade, o Comércio, tornando assim, espaços com poder de atração a investimentos produtivos maiores em relação a outros bairros da cidade. Em Belém é um caso emblemático, metrópole que abriga atividades de serviços e comércio, tornando o aporte para outras atividades no Estado. Entretanto, globalização e urbanização são processos, que estão amalgamados, e, é produto do capitalismo em suas diversas formas de representação. A metropolização e, no contexto hodierno, reforçado pela globalização, desestrutura formas antigas, ao que a geografia brasileira crítica convencionou chamar de rugosidades espaciais, incidindo, diretamente na metamorfose das paisagens urbanas.

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O conteúdo também se esfuma paulatinamente e, este conteúdo seria o componente essencial do espaço vivido, definido primordialmente pelas relações interpessoais, que dão sentido ao lugar, ao termos os dois bairros em tela como tal, por parte de seus moradores. O lugar é o espaço mais sensível aos ditames do global, tornando-se o glocal (GIDDENS apud HAESBAERT, 2004), receptor imediato das ordens buliçosas mundiais, emanados pela globalização. O lugar é tanto assediado, e alterado em sua forma e conteúdo, por uma matriz de caráter urbana (não deixando de ter um pano de fundo econômico), quanto por outra de caráter unicamente econômico, a globalização na sua maior essência. É prudente esclarecermos que a categoria lugar é privilegiada nos estudos da Geografia humanista, com forte cuidado do método fenomenológico, no entanto, o nosso trabalho enfatizará o materialismo histórico dialético, pois o lugar ganhará esta ambivalência em termos de abordagem teórica, denunciado pelos autores alinhavados na pesquisa. O lugar, ou melhor, os lugares são espaços de orientação na metrópole, referência significativa da vida, que tem uma dimensão objetiva e subjetiva. Assim, os espaços se ampliam, a casa e a rua podem ganham a dimensão do bairro. Em termos práticos, se a metrópole não pode se confundir com o lugar, o bairro também não pode ser inteiro e conceitualmente aceito como lugar. Algumas ressalvas merecem ser tecidas quanto a este impasse, conforme declara Tuan (1983, p. 108), o bairro é um conceito, o sentimento que se tem pela esquina da rua local não se expande automaticamente com o passar do tempo até atingir todo o bairro. (...) agora se for para se declarar pertencente ao bairro ou para a conquista de benefícios, o sentimento do bairro inteiro se aguça. A categoria paisagem também se torna essencialmente importante no trabalho através do seu poder analítico de irradiar informações de recortes espaciais. A paisagem, desde os tempos remotos da geografia tradicional até o momento atual, sua função primordial é distinguir os espaços pelos seus atributos concretos. A paisagem urbana é tributária de distinção entre cidades e até bairros, a análise da paisagem por várias vertentes geográficas contribui decisivamente para o conhecimento aprofundado da cidade.

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Todavia, a paisagem urbana promove também as comparações, que de certa forma evidência as cidades. Um grande exemplo que podemos ressaltar é entre Belém e Paris, cidades que já foram comparadas no início do século XX, exatamente por suas morfologias incluindo as paisagens. Comparação esta que não se permite operacionalizar no início do século XXI, pois no primeiro momento Paris já tinha praticamente encerrado o seu processo de urbanização, enquanto que Belém estava ensaiando sua urbanidade. Ao se passar cem anos, as paisagens comparativas de Belém com Paris, foram sendo substituídas, ou se mantém de modo muito tímido no interior da metrópole amazônica, enquanto Paris ainda é mundialmente reconhecida por suas paisagens. Apesar desta diferença, o mundo metropolitano caminha na tendência de homogenia espacial pelo espectro da modernidade, com esta ininterrupta busca ao moderno com suas consequentes variáveis, nos leva a imaginar se as metrópoles estariam envolvidas numa revolução urbana como defende Ascher (2004, p. 60), (...) la tercera revolución, ciudad que se mueve y se comunica, que parte de nuevos compromisos entre los desplazaimentos de personas, bienes e información, animada por acontecimentos. Os acontecimentos sugeridos pelo autor seriam a ubiqüidade do acontecer, sucedendo-se a outros aconteceres, engrenagem esta que não permite o antigo envelhecer antes da chegada de um novo. Na cidade nos remete a ressaltar que este espaço é um adensamento de objetos, coisas e homens, que dependendo de seus aspectos físicos da natureza e o tipo de urbanização que sofreu, ganha, não apenas uma materialidade urbana, mas, também uma fisionomia própria, engendrando a diferenciação entre cidades, mesmo esta, sendo produto de uma urbanização genérica, pretérita e, desorganizada como do Brasil, deslanchada no pós-guerra. A individualidade de uma cidade pode também ser atribuída, às diversas paisagens, que compõem o seu espaço. A forma dá sentido ao conteúdo, ou seja, o formato das casas, a arquitetura dos prédios, o traçado das ruas, incluindo a arborização, exumam sua formação até o seu presente conteúdo, reconhecido por seus habitantes-citadinos.

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O Bairro da Metrópole, o Lugar e a Globalização A revisão da literatura geográfica acerca da categoria lugar, especialmente numa zona urbana metropolitana, nos levou a tentar aproximar para uma justaposição do lugar/bairro como afirma (CARLOS, 2001, p. 244) trata-se do lugar da casa e de tudo, que o ato de habitar implica à vizinhança, em contatos contínuos; a rua, com seus encontros, intercâmbios, troca de informações e sua dimensão lúdica. Do ponto de vista histórico-social Lefébvre (1971, p. 197) reforça a idéia de que o bairro corresponde a uma escala territorial que é definida também por um módulo social, ou melhor, é onde há maior convergência entre o espaço geométrico e o espaço social , entre o quantificado e o qualificado. “O bairro seria a „diferença mínima‟ entre os espaços sociais múltiplos e diversificados, ordenados pelas instituições e pelos centros ativos”. O bairro seria então o ponto de contato mais acessível entre o espaço geométrico e o espaço social, o ponto de transição entre um e outro; a porta de entrada e saída entre espaços qualificados e espaço quantificado, o lugar de onde se faz a tradução (para e pelos usuários), dos espaços sociais (econômicos, políticos, culturais, etc.) em espaço comum, quer dizer, geométrico. As metrópoles de um país capitalista impõem seu ritmo, altamente frenético, motivado pelo contexto econômico presente. No entanto, as cidades são, internamente, segmentadas administrativamente em bairros, e esse subespaço, pode ser denominado de lugar, pela categorização geográfica, a partir da seguinte afirmação de Carlos (1996, p. 32), a metrópole não é “lugar”, ela só pode ser vivida parcialmente, o que nos remeteria à discussão do bairro, como o espaço imediato da vida das relações cotidianas mais finas. Outros autores convergem para a mesma idéia da autora anteriormente citada, na observação de que, um bairro é uma realidade, ao mesmo tempo, objetiva e inter-subjetiva como diz Souza (2006, p. 308). Um bairro não é socialmente produzido, somente porque seu substrato material (as ruas, as construções) representa a natureza transformada, pelo trabalho humano, mas porque cada bairro é, ao mesmo tempo, e, em última análise, um 279


espaço dotado de significado, um espaço vivido e percebido enfim, um “lugar”. O lugar pode conquistar sua individualidade de modo involuntário, através de práticas espaciais próprias entre o homem e as possibilidades de um determinado meio, necessitando também de certa temporalidade de acumulação, e corre-se o risco de perdê-la em um curto período, pelas forças homogeneizantes exteriores. O lugar circunscrito como um bairro revela o cotidiano do grupo, não apenas pelas relações tecidas entre as pessoas, mas as trajetórias distintas pessoais com esse espaço, como um histórico de vida ou a recém-chegada, um avanço profissional ou estagnação social, formação ou separação familiar. Enfim, o bairro representa a arena de vários campos de lutas, positivas ou negativas, mas demarcadora da subjetividade, e da memória de cada indivíduo. O lugar como componente analítico do espaço, melhor compreendido pelas percepções com a ação praticada pelo sentimento de pertencimento resultando na subjetividade independente de qualquer força interna e externa de antisentimentalismo e mudanças no lidar com o espaço. Os bairros de uma metrópole, sobretudo, os centrais estão em face à globalização, com fortes eminências de perder a sociabilidade entre seus habitantes, que necessitam de espaço, mesmo que seja uma pequena fração, a exemplo de uma praça e\ou de pequeno comércio local, para que haja os encontros cotidianos e, conseqüentemente, se estreitem tais relações. Os espaços de sociabilidade de um bairro são comumente públicos ou de proprietários locais. Estes últimos, mesmo promovendo um espaço com valor de troca para a própria reprodução de seu comércio, entretanto, por ser local, engendra uma relação mais próxima com os clientes, promovendo uma concepção de clientes/amigos para com o proprietário e, até entre os próprios clientes, já que estes podem ser, os únicos locais de encontros entre os moradores do bairro. Desta forma, se aventa a possibilidade destas frações espaciais ganharem um valor simbólico, justapondo e mesclando em certa medida, um valor de uso com valor de troca, simultaneamente nestes espaços. 280


A globalização em curso atua na transmutação dos espaços, para sua melhor fluidez, desde que seja conveniente para o capital se reproduzir, com riscos menores e maiores possibilidades de sucesso. No caso em tela, aventamos os bairros centrais de uma grande metrópole. Nestes bairros, há mudanças incessantes imprimidas na sua morfologia espacial, movidas especialmente pelas empresas transnacionais, com suas bandeiras estandardizadas no planeta, para que estes lugares se perfilem, aos seus moldes. No decorrer dos últimos catorze anos, bairros centrais da metrópole Belenense, como Nazaré e Umarizal vêm sendo espaços de atração para as grandes corporações nacionais e transnacionais ligadas ao ramo de fast food, como a McDonald‟s, Bob‟s, Habib‟s, Pizza Hut, China In Box e Subway. A Toponímia de Belém As lojas de fast foods são destacadamente presentes no espaço metropolitano, possuem como estratégia primordial a localização e, por conseguinte, sua valorização, como diz Claval (2007), A evolução atinge ainda mais o setor de restaurantes, pois ali é mais fácil obter economias de escala. Cantinas e restaurantes recebem produtos pré-acondicionados e précozidos, onde é suficiente aquecer e servir. O segmento fast food deve a isto o fato de valorizar melhor do que outra forma de atividade o metro quadrado nos bairros onde confluem as pessoas, onde se desloca para outros serviços. A educação do gosto proposta pela alimentação tradicional desaparece e as maneiras à mesa simplificamse: em muitos casos, o garfo e a faca não servem mais; retorna-se a uma forma de trincho (CLAVAL, 2007, p. 285).

Tais firmas podem possibilitar risco para a manutenção da caracterização do conceito de lugar, nestes dois bairros, enquanto subespaços, pela transmutação da relação entre homem-homem, e, 281


este com o meio, através da disposição de novos espaços de consumo, engendrados pelos equipamentos urbanos estandardizados, presentes na configuração espacial das principais cidades brasileiras e mundiais. A convivência dos citadinos nas metrópoles como Belém, cidade que ainda é marcada por uma forte singularidade cultural, incorporada, sobretudo, através de um gênero de vida particular, que se estendeu do campo/floresta, para a cidade. É importante frisar que apesar de Belém viver imersa no modo de vida metropolitano, implementando dia a dia a sociedade da inovação, percebem-se resquícios do modo de vida da floresta, com alguns hábitos ainda remanescentes, com destaque a danças, comidas, sexualidade entre outros. Pois, o meio natural amazônico proporcionava ao homem do passado, a possibilidade de um tipo de subsistência a partir da prática do extrativismo e pesca, materializado com os alimentos próprios deste ambiente (tacacá, maniçoba, pato no tucupi, vatapá, entre outros), caracterizando um gênero de vida amazônico/ribeirinho, assim, como afirma La Blache (1946), E assim se introduziu entre os agrupamentos um novo princípio de diferenciação, porque, os modos de vida, pelo tipo de nutrição e pelos hábitos que implicam, são por sua vez, uma causa que modifica e modela o ser humano. Entre as relações que ligam o homem a um certo meio, uma das tenazes é, aquele que aparece quando se estudam os modos de alimentação (LA BLACHE, 1946, p. 195).

Para La Blache, o meio influencia na elaboração de determinados tipos de armamentos, vestuários e alimentação no interior de uma sociedade, porém, estas formas de tessituras sociais específicas, são postergadas com o contato comercial com outras sociedades, com a exceção da alimentação que permanece por mais tempo arraigada no grupo. A Paisagem glocal 282


A observação e a interpretação da fisiologia da paisagem fazem parte da essência do saber geográfico, ao partir da descrição geral, objetivando alcançar a explicação singular, que uma paisagem pode revelar. Assim, a paisagem acompanha os anseios da sociedade, logo não é estática e vive em permanente modificação. Como analisa Santos (2008a, p. 73), a paisagem não se cria de uma vez, mas por acréscimos e substituições, a lógica pela qual se fez um objeto do passado era a lógica da produção daquele momento, uma paisagem é uma escrita sobre a outra. No prisma anterior, a paisagem como produto do que uma sociedade considere como produção, pode incluir a cultura como componente essencial para a tipificação da paisagem numa dada fração do espaço geográfico, como no dizer de La Blache (apud Claval, 2007, p. 33), a cultura pertinente é aquela que se apreende através dos instrumentos que as sociedades utilizam e das paisagens que modelam. Ainda, nesta mesma linha de pensamento, apontando para o meio urbano complementa Carlos, (2005, p. 36) que na metrópole a paisagem vai revelando o movimento de um “fazer-se incessante” que aniquila o que está produzido com o objetivo de criação de outras formas. As paisagens culturais numa metrópole podem alcançar o status de patrimônio cultural/material, seja, pelo momento histórico que ela representa para a sociedade e o espaço que lhe abriga, seja, até pelos materiais utilizados na sua construção. A individualidade de uma cidade pode também ser atribuída, às diversas paisagens, que compõem o seu espaço. A forma dá sentido ao conteúdo, ou seja, o formato das casas, a arquitetura dos prédios, o traçado das ruas, incluindo a arborização, exumam sua formação até o seu presente conteúdo, reconhecido por seus habitantes-citadinos. A forma não se explica por si só, podendo inclusive, passar uma idéia falseada da realidade, e suas constantes mutações provoca confusão em sua compreensão em termos de conteúdo e mesmo função por parte dos habitantes e visitantes. As mudanças nas formas por processos estruturais de ordem externa e de dimensão mercantil sinalizam outras funções apontando, 283


necessariamente, incrementando novas paisagens, que em muitos casos, nada relembram o passado ou símbolos regionais do presente. Neste caso, podemos considerar os logotipos e os alimentos comercializáveis das empresas de fast food, como uma compra de conveniência e induzido pelo prazer cosmopolita de consumo (principalmente das elites e classes médias de países periféricos), completamente alheio ao que se conhece de cultura paraense, com ênfase para a capital, reconhecida por seus traços culturais próprios de diversas naturezas, sobressaindo-se à questão dos alimentos. CONCLUSÃO Estamos como seres humanos, especialmente os citadinos de metrópoles, no início do século XXI, imersos no estágio de sociedade técno-urbana-consumista, num grande dilema, nos imposto pelas novas condições técnicas produzidas pelo próprio homem, o de aceitar totalmente ou parcialmente os elementos materiais e imateriais exógenos, pois sua rejeição completa torna-se, contigenciada pela própria dinâmica da metrópole, premida pelas forças globais e nacionais, impondo novos símbolos e signos, atendendo a ótica do capital, abarcando a sociedade quase numa marcha só. As empresas nacionais e transnacionais atuam no lugar, pela adaptação/mudança das paisagens locais em paisagens mundiais ou nacionais, estas, invariavelmente, econômicas promovendo mesmo que não propositalmente lugares para não-lugares, subjacente ao ator social envolvido, como trabalhador, consumidor, concorrente local e morador. A partir do prisma local, é que melhor podemos compreender que, as ordens externas e as internas nem sempre se conflitam e, em alguns casos se complementam, é, no reino mercantil que ganhos e perdas constantes se revezam localmente. Porém, esta engrenagem capitalista é cognoscível mesmo em complexos ambientes urbanos capitalistas, como as metrópoles subdesenvolvidas, em que se percebem benefícios para uma minoria como a verificação de maior poder econômico privado e maior auto e induzida segregação sócioespacial, em detrimento as mazelas sociourbanas para a maioria da população.

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Como já foi dito de outra forma, a retirada da paisagem cultural não apenas promove esquecimento espacial, como amnésia cultural pela perda da sensibilidade do lugar, as empresas fast foods, são vetores desta obliteração visível e afetiva, talvez (in) conscientemente. Um atenuante a tantas amnésias é, que o tempo passado salvaguardado no imaginário por certo tempo pode ser reconhecida e exaltada sempre que for necessário, mesmo que no presente não haja retoques de lembranças e controle dos novos mecanismos que orientam a sociedade e a cidade, bem como os seus rumos. A exaltação dos relevantes momentos pretéritos não é exatamente necessária, mas vem a tona sem muito esforço e sem esperar, e, isto tudo ocorre no cotidiano, no qual o imaginário é quem decide o que ativar de lembranças. Nos bairros de Nazaré e Umarizal, as sociabilidades foram substancialmente abaladas, por paisagens que reúnem pessoas sem referenciais, ficando altamente comprometido a estabilização do lugar, abrindo precedentes para estranhamento e sentimentos difusos de pertencimento, contribuindo para o estabelecimento de nãolugares. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASCHER, F. Los nuevos princípios del urbanismo. Madri: Alianza Editorial. 2004. (traducción de Maria Hernández Díaz). CARLOS, A. F. A. O lugar no/do mundo. São Paulo: Hucitec,1996. ______. A cidade. 8 ed. São Paulo: Contexto, 2005. ______. Espaço-tempo na metrópole: a fragmentação da vida cotidiana. São Paulo: Contexto, 2001. CLAVAL, P. A geografia cultural. 3 ed. Florianópolis: UFSC, 1999. (Tradução de Luíz Fugazozzola Pimenta & Margareth de Castro Afeche Pimenta)

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COSTA, R. H. da, O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. 3 ed. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2007. LA BLACHE, V. de. Princípios da geografia humana. 2 ed. v. 1. Edições Cosmos, Lisboa: Coleção A marcha da humanidade. 1946. (Tradução de Fernandes Martins) LEFEBVRE, H. “ Barrio y vida de barrio” In: De lo rural a lo urbano. Barcelona: Ediciones Península, p. 195-200, 1971. SANTOS, M. Metamorfoses do espaço habitado. 6 ed. São Paulo: Edusp, 2008. SOUZA, M. L. Mudar a cidade. Uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. SPOSITO, E. S. Geografia e filosofia: contribuição para o ensino do pensamento geográfico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.

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DA PALAVRA À IMAGEM, OU VICE-VERSA: Processos de transposição Bruno Sérvulo da Silva Matos Profª Drª. Bene Martins (Orientadora) UFPA RESUMO: A sociedade atual tornou-se mais imagética. Somos tomados por uma “avalanche” de informações que em suma, se processa por meios visuais. Umberto Eco, em seu livro “Não contem com o fim do livro” discute a possível morte anunciada do livro pelas intromissões de recursos áudio-visuais que estão substituindo o prazer pela leitura. Verdade ou não, isso provavelmente provoca a constante apropriação de recursos visuais no processo narrativo dos escritores contemporâneos, ordenando seus relatos sob uma incidência do olhar, ou seja, narrar é antes de tudo olhar os fatos, há uma “ocularização” da cena. Bem como, numa tentativa de buscar um efeito estético aproximado ao da literatura, alguns artistas da imagem emprestam recursos literários e poéticos para construção de um trabalho que valoriza o texto literário. De lá e de cá, o trabalho propõe uma averiguação desse “confronto” entre palavra e imagem. PALAVRAS-CHAVE: Palavra, imagem, transposição, literatura, artes.

INTRODUÇÃO Das muitas semelhanças entre literatura e cinema aquela que mais se destaca é a função e o objetivo de atrair a atenção do leitor/espectador por meio de uma narrativa. Ambas as linguagens tomam os olhos como ponto de entrada, porém de modo diferenciado: a escrita trabalha com a leitura, cujas imagens são traduzidas e se projetam no campo da mente. O cinema, entretanto, é assistido por uma plateia, e apresenta um caráter de espetáculo por meio de imagens fotográficas em movimento. No livro A experiência do cinema organizado por Ismail Xavier, Jean Epstein deixa clara a dicotomia que envolve as duas linguagens: “Na verdade, a imagem é um símbolo, mas um símbolo 287


muito próximo da realidade sensível que ele representa. Enquanto isso, a palavra constitui um símbolo indireto, elaborado pela razão e, por isso, muito afastado do objeto.” (XAVIER, 1983, p.293). Ou seja, para que a palavra esteja apta a provocar sentimentos precisa antes passar pela razão, decifrar e arrumar logicamente o signo para então atingir o âmago do leitor. Já, a imagem animada, forma uma representação semipronta que diretamente é dirigida à emoção do espectador. E corrobora sua ideia: “Assim, o filme e o livro se opõem. O texto só fala aos sentimentos através do filtro da razão. As imagens da tela limitam-se a fluir sobre o espírito da geometria para, em seguida, atingir o espírito do refinamento.” (XAVIER, 1983, p. 294). Apesar de se tratar de linguagens diferentes e trabalharem, em sua maioria, sob um mesmo compromisso, o de narrar, ambas exigem de seu leitor/espectador certo nível de compreensão e entendimento de forma diferenciada. Aparentemente, pelo fato do cinema apresentar os fotogramas sequencialmente, de maneira a organizar uma narrativa, é comum acharmos que se trata de um veículo de mais fácil entendimento. Ledo engano. Com o advento da montagem, como um recurso que possibilita leituras múltiplas organizadas inteligentemente, ler ou assistir a um filme já não se trata de uma prática tão simples, ao contrário, a lógica ou o ilogismo da construção filmo-fotográfica exige cada vez mais do espectador perspicácia no processo de junção imagética. A verdade é que quanto mais leituras o espectador/leitor possui, maior é o grau de exigência, de expectativa e de entendimento da obra em foco. O cinema, atualmente, usufrui de recursos que podem deixá-lo mais metafórico. Juntamente com a montagem, as cores e o som, o cineasta pode desenvolver técnicas como o flashback; a utilização dos planos possibilitou uma dimensão subjetiva que afeta a ação narrativa; a música ou a falta dela, o silêncio, intensificaram a narrativa, dando ao cinema um caráter mais artístico e, dessa forma, mais subjetivo e passível de entendimentos múltiplos. Fazer cinema já não é um trabalho simples ou fácil, quanto mais recursos, maior a exigência de qualidade na realização de um filme, pelo menos em relação ao cinema dito mais “comercial”. Apresentar somente imagens linear e sequencialmente de forma lógica do início ao fim, perdeu o interesse. O “verdadeiro” cinema hoje é aquele que utiliza sua linguagem de forma inteligente e 288


dinâmica, na busca de criar uma matéria artística, mas que não perca seu interesse maior: comunicar, emocionar, relacionar-se com o público. Foi realmente uma coisa de admirar, digna de orgulho e reflexão, particularmente porque, durante todo esse curso percurso, a linguagem cinematográfica se expandiu constantemente, se modificou, se adaptou à inconstância dos gostos. Uma evolução fundamental, pois as formas que apenas se repetem morrem rapidamente de esclerose (CARRIÈRE, 1994, p. 28) Esse desenvolvimento, ou melhor, esse aperfeiçoamento da linguagem cinematográfica, para alguns autores, deve-se muito à aproximação com a literatura, numa tentativa de alcançar o efeito estético e receptivo transmitido pelas letras. No entanto, sabemos não ser um processo tão simples. Na literatura, a abstracionismo32, por exemplo, é um efeito quase impossível de ser transpostos pelos recursos audiovisuais, mesmo com a evolução da ciência cinematográfica. Se a literatura apresenta, dentro de certo nível, complexidade, o cinema, por outro lado, busca uma consistência dessa complexidade.33 Devemos lembrar que até os menos letrados são capazes de entender/ler a imagem e, às vezes, com certo grau de profundidade. A magia se faz presente. No novo livro de Umberto Eco e Jean-Claude Carrière, Não contem com o fim do livro (2010), citado aqui livremente, os autores discutem sobre uma possível morte anunciada do livro. Os autores se debruçam sobre a avalanche de equipamentos ultramodernos, como e-books, iPad e até mesmo o cinema, como possíveis fomentadores da dúvida sobre o destino do livro impresso. É bem verdade que o mundo está mudando e se tornando mais virtual. Há, portanto, uma corrupção inegável e desmedida de sedução pela imagem. Os atrativos do livro empalidecem diante do turbilhão de possibilidades aberto pelos meios audiovisuais, e sua estrutura e sua Utilizo “abstracionismo” para explicar descrições, situações e até contexto que apenas na literatura é possível encontrar seu espaço. Como exemplo, o olhar de Capitu: olhos de cigana oblíqua e dissimulada. Olhos de ressaca. 33 Quando me refiro à complexidade das formas literárias e a busca pela simplicidade dessa mesma forma na sua transposição cinematográfica, não defendo a idéia de que o cinema é uma linguagem simplista. São muitas as formas cinematográficas de grandes artistas do cinema que, em suas criações, revolucionaram as artes e, ainda hoje, são incompreendidos, a exemplo de O cão andaluz (1928, França) de Luis Buñuel e Salvador Dali. Defendo a idéia de que o cinema, quando busca sua forma de expressão, usa de recursos distintos daqueles apresentados pela literatura e que, muitas vezes, alcança diretamente o entendimento do espectador. 32

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funcionalidade padecem de uma rigidez cadavérica quando comparadas com os recursos informatizados, interativos e multimidiáticos das „escrituras‟ eletrônicas (MACHADO, 2002, p. 172). Walter Benjamim, já profetizava que o “livro na sua forma tradicional, encaminha-se para o seu fim” e que “os enxames de gafanhotos escriturais, que hoje já obscurecem o sol do pretenso espírito dos cidadãos das grandes cidades, tornar-se-ão ainda mais densos nos últimos anos”. (BENJAMIM, 1978, 77-79) As opiniões, ora apocalípticas, ora entusiastas sobre um recurso midiático superar o outro são tão divergentes quanto inesgotáveis. O que vale ressaltar é que o ser humano necessita desses recursos, singelos ou sofisticados, para preencher, satisfazer a sua busca por outras formas de conhecimento, de prazer estético e por que não -, de entretenimento. Ao ler ou assistir determinada trama, à sua imaginação e capacidade interpretativa cabe atribuir significados bem particulares. Livro ou filme? A escolha e a preferência variam conforme interesses e gostos de quem procura. O cinema, quando surgiu, foi visto como um “vilão” diante da literatura, assim como os outros meios midiáticos. As pessoas podem deixar de ler um livro, porque um filme logo será lançado, baseado naquela história. O cinema realmente pode facilitar a compreensão de uma história, porque carrega imagens prontas e acessíveis (pelo menos aparentemente), porém a literatura ainda domina nosso desejo de imaginar, segundo nossos próprios gostos e critérios de construção, pois o homem tem essa gana, esse prazer pela criação. Resultado: para quem gosta de ler, ao sair do cinema, surge a vontade de comprar o livro do filme que acabou de ver. Isto porque, segundo Epstein, A leitura desenvolve na alma as qualidades consideradas superiores, ou seja, adquiridas mais recentemente: o poder de abstrair, classificar, deduzir. O espectador cinematográfico atua primeiramente sobre as faculdades mais antigas, logo sobre as fundamentais, que classificamos de primitivas: a emoção e a indução. O livro aparece como um agente da intelectualização enquanto o filme tende a reavivar uma mentalidade mais instintiva (EPSTEIN, 1921. p. 295) E completa:

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Mas os excessos de intelectualismo conduzem a uma outra forma racionalizante de estupidez (...) onde a abundância de abstrações e de raciocínio sufoca a própria razão, afastando-a da realidade ao ponto de não mais permitir o aparecimento de uma proposição útil; (...) Se o livro encontrou o seu antídoto no cinema, pode-se concluir então que tal remédio era necessário (EPSTEIN, 1921. p. 295)

Transformar os homens em seres completamente letrados e leitores não é uma tarefa fácil e talvez seja até impossível, mas aquele que poderia ser um vilão, também pode ser o maior auxiliador nesse processo. O homem é um bom leitor visual que, com o exercício do olhar, aperfeiçoa-se. O cinema, por compartilhar de uma relação tão íntima com a literatura, é o motivador para tantas pessoas desejarem ler um livro que é sucesso nos cinema. Dan Brow é o bom exemplo, seus livros dispararam nas vendas depois que o Código Da Vinci foi transposto para o cinema. É evidente que a comparação é desleal no que se refere aos ganhos e à procura por Best sellers. É mais fácil assistir ao filme que ler o livro, este último, custa tempo, para uma sociedade que vive em ritmo acelerado. O cinema, por sua vez, é rápido demais e deixa de mostrar coisas que só degustando um bom livro se pode sentir. Como ficamos então? A dosagem de um e outro é o mais adequado. Se o livro vai morrer ou não essa é uma discussão restrita apenas aos círculos de filósofos, pois, no fundo, tudo é uma questão de definir o que é que estamos chamando de livro. O homem continuará, de qualquer maneira, a inventar dispositivos para dar permanência, consistência e alcance ao seu pensamento e às invenções de sua imaginação. E tudo fará também para que esses dispositivos sejam adequados ao seu tempo (MACHADO, 2002, p. 187) O livro não vai morrer e o cinema está em processo de evolução ainda; o cinema é amado pela modernidade porque nasceu com ela. Mesmo assim, na maioria das vezes, alguns espectadores saem do cinema com o sentimento de que “o livro é melhor que o filme”. Cada um tem suas virtudes, desvirtudes e/ou limites. Apesar, ou para além da tensão existente entre o dialogismo texto x imagem, o importante é que antes de dormir, temos o livre-arbítrio: ou 291


pegamos o controle remoto e assistimos a um bom filme de madrugada, ou acendemos o abajur para ler um bom livro, porque a verdade é que um não substitui o outro, mas temos o direito de escolher aquele que mais nos agrada, em determinado momento. Não é de hoje que o cinema se utiliza da literatura como ponto de partida. Logo se formou uma mão-dupla, pois é comum literatos e dramaturgos inspirarem-se no cinema para elaborar suas narrativas e tecer suas poéticas. A literatura está carregada de cinema, bem como o cinema está eivado de literatura. É interessante dizer que a montagem progrediu e acabou por influenciar outras artes. O romance, por exemplo, encontrou na montagem uma possibilidade de sequenciar o enredo, de maneira linear ou fragmentada, que dependem das escolhas e proposta estética de quem escreve. A literatura trabalha como recurso, quase que único, a palavra escrita na elaboração narrativa (esquecemos por um instante a poesia visual e as HQs); já, o cinema parte da imagem em movimento para incluir palavras nos diálogos; além, é claro, da sonoplastia, trilha sonora e outros recursos de som (off e incidental). Muitos teóricos e estudiosos afirmam que a relação “cinema x literatura” é tão forte que é possível estabelecer indícios de um “pré-cinema” na literatura, antes mesmo do surgimento do cinema. Isso provavelmente se deve ao fato de os escritores ordenarem os relatos narrativos sob uma incidência do olhar, ou seja, narrar é antes de tudo olhar e organizar fatos, há uma “ocularização” da cena. O cinema veio para concretizar o modo narrativo que enfatiza a visualização e percepção imagética em movimento de uma cena (efeito este que já se encontrava dentro da literatura, porém de forma velada), as lentes fílmicas intentam desvelar e, às vezes, exacerbar efeitos subentendidos. Esta relação não se dá apenas pelo processo de adaptação, mas pela constante incidência de diálogos (implícitos ou não), citações, evocações, etc. trata-se, portanto, de um relacionamento indispensável que o cinema recebe constantemente da literatura, bem como a literatura já se familiariza com a intromissão da linguagem cinematográfica. Um bom exemplo disso é a influência nas descrições demasiadas de paisagens que se tornaram mais anacrônicas na literatura, pois a câmera faz isso com mais perfeição. As sentenças estão mais dinâmicas, as descrições são fotográficas e as percepções, 292


ao lermos um livro, são visuais e auditivas. Hoje, já se fala em um roteiro cinematográfico literário, e é uma constante surgirem escritores que trabalham com os olhos no cinema e roteiristas que não se desprendem das raízes literárias e buscam cada vez mais um roteiro literário. O cinema mais artístico, porém, usufrui dessa abordagem literária – sensibilidade e expressividade – dando um caráter mais profundo e reflexivo à arte cinematográfica, que pode dever à relação com a literatura. Grandes diretores, com maestria, transpuseram com originalidade obras literárias para matéria fílmica, como Nelson Pereira dos Santos em Vidas Secas de Graciliano Ramos, ou Luchino Visconti de Morte em Veneza da novela de Thomas Mann. Estes cineastas deram um caráter poético às imagens em movimento para assim alcançar o grau artístico que as obras sugeriam. Não ouso dizer que tais trabalhos e seus respectivos diretores, transpuseram com fidelidade o texto literário para uma recepção fílmica, não é o caso, tendo em vista que se trata de um processo impossível, porém é evidente o grau de envolvimento e busca pelo respeito ao processo de tradução semiótica34 levando-se em consideração as especificidades das linguagens. Apesar de ser constante a utilização da literatura no cinema, estamos falando de um “terreno perigoso”, pois os veículos são diferentes não apenas na sua linguagem, mas nas sensações e nos sentimentos provocados durante a leitura. Esse encontro, portanto, de antemão, está fadado ao fracasso, pois quando lidamos com efeitos sensoriais, adentramos em processos particulares que podem provocar o aparecimento de um discurso de valor. Estabelecer essa comparação entre cinema e literatura, e não extirpando um critério valorativo de um e outro, é um erro. Nada garante que para se tornar um grande filme, este precisa ser necessariamente baseado em uma grande obra, ou o contrário, tratase de algo que depende profundamente dos agentes envolvidos no produto artístico: o diretor, seus diretores de arte, roteirista, recursos financeiros, locações. Deve-se pensar que são linguagens diferentes 34

Termo usualmente utilizado por pesquisadores para explicar o processo de passagem de uma linguagem à outra. Depois de muitas nomenclaturas a maioria dos estudiosos vê no termo aquele que mais explica esse fenômeno intersemiótico. A intersemiótica ou transmutação, a partir da qual temos a tradução de um signo verbal para o sistema não verbal (JAKOBSON, 1985, 64-65).

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que possuem suportes distintos e que precisam ser valorizados dentro de suas propostas e de seus lugares de criação e atuação, para que nos incitem quando lemos ou assistimos. Um, portanto, não substitui o outro. Ambas precisam existir dentro de suas especificidades. Precisamos de bons filmes e de bons livros. Alguns autores atualmente recorrem às estratégias cinematográficas, à medida que a leitura de seus textos, invariavelmente, passa imagens, o leitor pode ser induzido a construir seu próprio filme. Determinados livros estão cada vez mais cinematográficos, a exemplo de Rubem Fonseca, Paulo Lins. E não se pode afirmar que se trata de uma tendência contemporânea, é possível ter essa recepção imagética lendo texto canônico de escritores como Homero (século VIII a. C), antes mesmo do advento do cinema. Caio Fernando Abreu é outro escritor que utiliza componentes fílmicos na sua escrita, uma linguagem poética nascida da cinematográfica. Sua escrita tem (re)cortes como uma montagem, a música como trilha-sonora (ver contos Pela noite e O ovo apunhalado). Há uma ligeira impressão de estar assistindo a um filme, quando, na verdade, estamos lendo um livro. Sua narrativa é fragmentada. Há, como elemento surpresa, a quebra do ritmo que se imobiliza numa fotografia da cena onde se passa a ação. Uma sequencia de ações dando a impressão de “tomadas” em série. Nasce um estilo imagético. “[...] é bom ler durante a viagem, embora eu prefira ficar olhando pela janela e pensando coisas, estas mesmas coisas que estou tentando dizer a você sem conseguir, por favor, me ajuda, senão vai ser muito tarde, daqui a pouco não vai ser mais possível [...]” (ABREU, 1995, p. 105). No trecho é possível perceber a fragmentação dos pensamentos com rápidos fluxos de consciência, quebrando a totalidade da cena, num processo de montagem. As coisas não são descritas ao leitor, apenas apresentadas para construção da cena por meio de uma linguagem mais dinâmica que não abre caminho para a reflexão sobre o espaço em que a personagem se encontra. Por outro lado, é possível, a partir do que foi vozeado pela personagem, perceber a rapidez do olhar para as coisas provisórias e fugidias. O leitor transforma o olhar em imagem e estabelece uma correspondência entre narrar e mostrar. Em seu conto Para uma avenca partindo temos a escrita caracterizada pela fluidez da leitura quase sem pontuação e 294


parágrafos operando com cortes em sequência. A leitura se faz como um processo de montagem e desmontagem, características cinematográficas. A linha que separa as duas artes se torna tênue, frágil e quase invisível. Como explicar isso? A Literatura também é imagem, imagem que pode ficar dentro do seu contexto verbal, ou se desenvolver no campo visual. Como afirma Umberto Eco: Somos capazes de perdoar Proust por ocupar trinta páginas com o processo de adormecer, mas por que Manzoni tem de ocupar uma página inteira para nos dizer: „Era uma vez um lago, e aqui pretendo situar a minha história‟? Se tentássemos ler esse trecho com um mapa diante de nós, veríamos que Manzoni elabora sua descrição conjugando duas técnicas cinematográficas: zoom e câmara lenta. Não venham me dizer que um escritor do século XIX desconhecia técnicas cinematográficas: ao contrário, os diretores de cinema é que usam técnicas da literatura de ficção. Manzoni age como se estivesse filmando de um helicóptero que aterrissa bem devagar (ou como se estivesse reproduzindo a maneira pela qual Deus olha do alto para escolher um indivíduo humano na superfície da Terra) (ECO, 1994, p. 77). Para Umberto Eco a literatura teria antecipado métodos hoje usados amplamente pelo cinema. A literatura adquiriu uma rapidez na condução da trama. A velocidade com que se passam os acontecimentos é característica da linguagem cinematográfica e, ao mesmo tempo, é possível perceber tal recurso nos textos canônicos, de modo que não podemos confirmar se esse esteticismo tão recorrente faz parte de uma tradição das grandes narrativas ou mesmo de uma influência nos atuais meios comunicativos. A verdade é que cinema e literatura, quanto à sua construção e velocidade narrativas, estão intimamente ligados e relacionados. A literatura possui a capacidade de criação de imagens na mente do leitor (um cinema interior), isso torna esse leitor “um cineasta”, quando entendemos que criar um filme é construir cenários, justapor imagens, fazer recortes. O filme, por sua vez, também é pré-concebido de um pensamento e de uma escrita. Eis, portanto, as relações de proximidade que se estabelecem até mesmo no processo de construção, concepção e recepção de ambas as linguagens. Isso prova que a capacidade de montagem não pertence eminentemente ao cinema, nem à literatura e nem às demais artes, ela 295


também faz parte de um processo mental e humano que adquiriu formas consistentes no cinema. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Caio Fernando. Pedras de Calcutá. São Paulo. Companhia das Letras. 1996. _______. Estranhos Estrangeiros. São Paulo. Companhia das Letras. 1996. _______. Ovelhas Negras. Porto Alegre. L&PM. 2002. _______. Morangos Mofados. São Paulo. Companhia das Letras. 1995. ALFRADIQUE, Júlio & LIMA, Carla. Da literatura para o cinema. Ed. Mirabolante. RJ. 2010 ANDREW, Dudley J. As principais teorias do cinema: uma introdução. Tr. Tereza Ottoni. Ed. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro, RJ. 2002 BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. São Paulo/SP. Ed. Parma LTDA: 2005 BARTHER, Roland. Ensaio: Lição de Signos: A semiologia literária. Ed. UFJF. Argos editora universitária. JF, MG. 2002. BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. Ed. Martins Fontes. 3º ed. SP. 2010. ______.O Prazer do texto. São Paulo/SP. Perspectiva: 1987. BAZIN, André. O Cinema – ensaios. Ed. Brasiliense. 1ª ed. 1991. BENJAMIN, Walter. Reflections: essays, aphorisms, autobiographical writings. New York, Helen & Kurt Wolff, 1978. BRITO, José Domingos de (org.). Literatura e cinema vol.4. Ed. Novera. SP. 2007. 296


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A MORTE DO CAIXEIRO VIAJANTE: Do Teatro ao Cinema Bruno Sérvulo da Silva Matos FIBRA RESUMO: A morte do caixeiro viajante é uma obra teatral do escritor e dramaturgo americano Arthur Miller transposta para sua versão cinematográfica em 1985. A película está carregada de elementos teatrais que fazem da obra um exemplo do processo de transposição e exploração das riquezas de uma linguagem sobre a outra, especificamente o teatro sobre o cinema. As possibilidades desse tipo de leitura enriquecem as análises de obras literárias, principalmente aquelas que transitam por outras linguagens, como as visuais. Em virtude disso, este trabalho propõe uma releitura desse trânsito intersemiótico, conjunto à análise dos elementos narratológicos, ora do filme, ora da peça. Acima de tudo, pretende-se demostrar, os ganhos e as perdas nesse diálogo entre linguagens distintas. Dessa “troca de alianças” é possível reconhecer a acentuação de elementos artísticos e, pela sua proposta, a inovação, dentre outras coisas, da construção fílmica reduzindo do ângulo panorâmico do cinema americano, para um espaço limitado bem estruturado, coberto de lirismo e sensibilidade que emociona oleitor/espectador por uma historia de conflito entre pai e filho que parece, muitas vezes, o reflexo da vida daqueles que assistem ou leem a peça/filme. PALAVRAS-CHAVE: Cinema, teatro, linguagens, transposição.

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INTRODUÇÃO

Sob uma atmosfera densa, o homem dirige seu carro numa estrada que reflete a própria solidão, mas não está sozinho, pois o cansaço é seu companheiro inseparável. Durante toda a narrativa (teatral e fílmica) observa-se a degradação de um homem que lutou durante a vida, porém, na atualidade, vê-se diante da incapacidade e do desperdício. Tanto o texto literário quanto o filme mostram uma condição do ser humano. Em ambas as obras, o leitor/espectador é envolvido 299


por um drama que pode ser o espelho refletindo a história de muitas famílias. Fisgado por uma trama intimista e ao mesmo tempo comum a tantos, encontra-se uma possibilidade de leitura sobre a (in) (con)fluência de duas linguagem distintas, que num dado momento se aproximam. Desse encontro, inevitavelmente, saltam elementos e informações que podem ser ou não concebidos em um suporte distinto, a depender das possibilidades e das escolhas daqueles envolvidos. O processo de transposição de um texto a outro, também chamado de tradução intersemiótica, far-se-á por um longo percurso, desde a leitura do texto embrionário (nesse caso a peça teatral) até sua transformação em texto fílmico. Desse encontro, nasce o filme A morte do caixeiro viajante que além de explorar a linguagem cinematográfica, mantêm alguns recursos tipicamente teatrais, fazendo da película um exemplo do que estudiosos como André Bazin (1985) classificam com Cinema teatral ou teatro filmado. Este trabalho tem por objetivo evidenciar alguns pontos da intromissão do teatro sobre a linguagem cinematográfica, os efeitos estéticos das apropriações escolhidas pelo diretor, além da análise dos elementos narratológicos em ambos as obras (fílmica e teatral). É importante ressaltar que os exemplos aqui mencionados e as análises propostas são uma possibilidade de leitura de uma obra instigante e inesgotável quanto aos seus variados olhares. Uma obra que, já pela ousadia de misturar linguagens aparentemente distantes, torna-se rica tanto pela exploração desse encontro, quanto pela beleza e sensibilidade no tratamento visceral da condição humana. 2

A OBRA E SEU ENREDO

Arthur Miller é escritor/dramaturgo e um dos principais expoentes do teatro contemporâneo norte-americano. Em suas obras, costuma fazer referências e críticas diretas ao “sonho americano”, a falta de liberdade de expressão, a perseguição a comunistas, etc, seu trabalho mais conhecido, A morte do Caixeiro viajante, peça escrita em 1949, recebeu o Prêmio Pulitzer, um dos mais importantes prêmios outorgado a pessoas que realizam trabalhos de excelência na área do jornalismo, literatura e música. A Morte de um Caixeiro-Viajante conta a história de Willy Loman , vendedor há mais de 30 anos, pai de dois filhos (o mais 300


velho Biff e o caçula Happy) e casado com Linda. Sem saber, vive suas últimas horas e revisa o seu passado, as oportunidades que deixou escapar, seus encontros e desencontros com a vida. Trabalhou duro, ganhou “reputação”, mas ainda não se livrou da hipoteca da casa. Vê, no tempo presente, no rosto do filho Biff, seu sucessor no fracasso. Loman é um personagem-símbolo da dramaturgia do século 20 e representa uma geração que viveu o pós-guerra e o sonho americano. O texto de Arthur Miller é envolvente tanto pela linguagem, quanto pelos elementos utilizados para criar uma atmosfera de delírios e devaneios. Por meio de flashback‟s o espectador se depara com um drama carregado de diálogos vigorosos e vertiginosos vagueando pela mente de um homem que busca ora no passado, ora no presente explicações para seu insucesso, tanto nos negócio quanto na vida. Seu sucessor, o primogênito Biff, antes motivos de orgulho, passa a ser visto como espelho refletindo sua derrota provocando assim, uma relação espinhosa. 3

TEATRO OU CINEMA?

“Filme teatral” ou “teatro filmado”? Nessa difícil conceituação para essa forma artística que hibridiza duas outras, ou até mais, deve-se levantar em consideração que se está diante de outra obra, de outra forma, ou outro texto e, é claro, outra possibilidade de leitura para o texto que o originou. Dessas implicações resultam limites que devem ser levantados nesse processo de transposição intersemiótico. No cinema, observa-se a liberdade de ação em relação ao espaço e o ponto de vista da ação. No teatro, no entanto, o espaço é limitado e as ações só podem ocorrer onde materialmente o palco pode oferecer. Há, portanto, no cinema, um conceito de realidade mais precisa. Quando o cinema adapta uma peça teatral, busca exatamente o que falta no teatro para expressar esse tom realista, injetando uma força do cinema no teatro. No filme A morte do caixeiro viajante, há a quebra desse realismo que o cinema emprega, e busca respeitar rigorosamente a artificialidade da cenografia teatral, por exemplo.

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Por ser apenas um elemento da arquitetura cênica, o cenário de teatro é, portanto, um lugar materialmente fechado, limitado, circunscrito, sendo os únicos “lugares abertos” os da nossa imaginação aprovadora. Suas aparências estão voltadas para o interior, em frente do público e do proscênio; ele existe graças ao seu avesso e à sua ausência de além, como a pintura graças à sua moldura. Do mesmo modo que o quadro não se confunde com a paisagem que representa, nem é uma janela numa parede, o palco e o cenário onde a ação se desenrola são um microcosmo estético inserido à força no universo, mas essencialmente heterogêneo à natureza que o rodeia.(BAZIN, 1985, p.129)

O diretor do filme, ao invés de tentar dissolver em cinema o teatro, faz o contrário, utiliza dos recursos cinematográficos, como a câmera, para salientar, confirmar as estruturas teatrais e intensificar os elementos psicológicos tão evidenciados no enredo da peça. Ocorre, portanto, os ganhos da utilização de uma linguagem sobre a outra, sem desrespeitar as exigências do cinema e do teatro. Provoca, na verdade, uma comunhão entre duas formas artísticas. Minha única proposição será, reconheço, mais arriscada. Considero até aqui o teatro como um absoluto estético do qual o cinema aproximaria de maneira satisfatória, mas de quem seria, de todo modo e no melhor dos casos, o humilde servidor. (BAZIN, 1985 p. 159)

A grande dificuldade nessa transposição não está essencialmente na ação da obra teatral que reside no cinema, mas sim as “obrigações” de respeito estético. E é justamente nesse trânsito respeitoso que a obra enriquece. Pensar numa “arte pura” para o cinema ou o teatro, é deixar de experimentar formas novas, ousadas que não apenas modifica o fazer, mas proporciona possibilidades extremamente valiosas de novas formas artísticas. 302


Desse modo, não somente o teatro filmado está desde então esteticamente fundado de direito e de fato, não somente sabemos de agora em diante que não há peças que não possam ser levadas à tela, qualquer que seja seu estilo, contanto que se saiba imagina a reconversão do espaço cênico para os dados mise-en-scènecinematográfica – mas é ainda possível que apenas a mise-en-scène teatral e moderna de certos obras clássicas sejam possíveis agora no cinema. (BAZIN, 1985 p. 163)

Bazin, ao apontar que o cinema moderno consegue transpor elementos cênicos usualmente teatrais para o cinema, abre novos paradigmas de outra forma de construção fílmica que enriquece o fazer cinematográfica, extraindo os elementos mais valiosos do teatro, aparentemente não funcionais no cinema, que, a depender dos agentes envolvidos no trabalho, pode render excelentes resultados estéticos. 4

LEITURA DE ELEMENTOS FÍLMICOS

O conceito de “cinema teatral” ou “teatro filmado” se deve, a princípio, pela presença de elementos de uma linguagem dramatúrgica sobre a cinematográfica, ou vice-versa. O filme homônimo dirigido por VolkerSchlöndorff abusa desse princípio. O cenário do filme é bastante restrito. O diretor não se utiliza de planos externos ou planos gerais35. As cenas fora da casa dos Lonam são visivelmente de uma iluminação artificial; não se encontra, em nenhum momento, cenas externas como das ruas ou paisagens do campo e da cidade, apesar de textualmente elas existirem, pois ao discursar sobre o passado e sua época áurea, Willy Lonam relembra a paisagem verdejante da cidade. São citadas pelos protagonistas, mas não apresentadas na cena. Plano Geral – mostra todos os elementos da cena, geralmente, mostra uma área de ação relativamente ampla. 35

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LINDA Tome uma aspirina. Quer que eu pegue uma aspirina? Vai se sentir melhor. WILLY (perplexo) Eu estava dirigindo, sabe? E estava bem. Ia olhando a paisagem. Você imagina, eu olhando a paisagem, na estrada toda a semana a minha vida inteira. Mas está tão bonito lá fora agora, Linda, as árvores tão cerradas, o sol tão quente. Abri o para-brisa e deixei o ar quente soprar em cima de mim! E de repente estava saindo da estrada (...) (MILLER, 2006 p. 173) A câmera passeia intencionalmente mostrando os cenários vazados, algumas portas sem paredes e paredes sem teto. No filme Dogville36, dirigido por Lars Von Trier, o diretor utiliza do mesmo princípio e chama atenção pela simplicidade de seus cenários e cortes de cenas não convencionais. É o uso da teatralidade numa proposta fílmica. Na verdade, pelo fato de o ser humano ser o elemento mais importante de uma peça de teatro, os cenários não precisam ser uma representação fiel da realidade, podendo até mesmo ser abstratos. Ao entrarmos em uma sala de espetáculo, sabemos que estamos entrando em um espaço artificial, simbólico. Sabemos perfeitamente que aquelas três paredes que vemos não são uma casa, dispostas no palco, apenas sugerem a ideia de uma carruagem. Ao entrarmos no teatro, deixamos de lado a descrença, e damos asas à imaginação. (SEGER, 2007 p. 55)

Em A morte do caixeiro viajante, no proscênio37, há as cenas do quintal e alguns locais da cidade de Nova York e Boston. A 36

E um filme lançado em 2003 e dirigido por Lars Von Trier, estrelando Nicole Kidman e Paul Bettany. Este filme faz parte da trilogia "E.U.A. Terra de Oportunidades" tendo como sequência Manderlay (2005) e Washington (planejado inicialmente para 2007, atualmente sem data prevista). 37

Parte do palco adiante do cenário, junto à ribalta.

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paisagem é feita por telas pintadas mostrando o horizonte (durante o regresso ao passado), e os prédios (no tempo presente), assim temos a mudança de uma realidade americana que se desenvolveu vertiginosamente por meio de prédios, indústrias etc. a casa dos Lonam, estagna no tempo e parece ser a única construção simples em meio à babel que se instala naquela realidade vertical. Tal efeito no cinema não se trata de um recurso comum e nem sempre funciona aos olhos do espectador, isso porque teatro e cinema são artes de linguagens distintas e com particularidades que precisam, de certa forma, ser respeitadas. Porém, não exclui a possibilidade de uma experiência que pode ou não funcionar. No teatro, os atores se movimentam livremente pelo espaço cênico. Não há necessidade de realismo, como no cinema. Na verdade, a presença de realismo pode interromper a ação e destruir a magia do teatro. Durante o processo de transposição de uma linguagem a outro, é visível a liberdade no tratamento do texto dramatúrgico e o texto cinematográfico por parte do diretor e do roteirista. Assim como há um respeito pelo texto teatral, (pois analisando de forma comparativa, é evidente a fidelidade de muitas passagens), há também, ao mesmo tempo, o acrescimento de diálogos, a omissão de outros e até mesmo a intensificação de discursos, principalmente de Willy Lonam. Seus delírios e divagações são intensificados na narrativa fílmica, o personagem se mostra ainda mais delirante na tela(pelo menos em comparação ao texto dramatúrgico).38 Deve-se pensar que o cinema é uma mídia imagética. Não necessita, portanto, de muitos diálogos para levar à diante a história, ou para revelar a personagem. No teatro, por sua vez, a linguagem é uma elemento chave, um meio de explorar as ideias. Em uma peça de teatro não é incomum ver uma fala longa, ou mesmo um trabalho que se pauta exclusivamente pelo monólogo. No cinema, isso pode ser um erro fatal. A fala longa pode desacelerar o ritmo do filme e interromper a relação entre as personagens. 5

ANÁLISE DAS OBRAS

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Leva-se em consideração que aqui faço uma análise do texto teatral e não de sua representação. Sabemos perfeitamente que o texto dramatúrgico só adquire vida na sua forma representativa. Os delírios acima citados, podem ser intensificados até mais do que ao texto sugere, o que vai depender do desempenho do ator em cena.

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As personagens de A morte do caixeiro viajante tornaram-se marcantes do grande público principalmente por representar uma sociedade americana pautada num sonho. São marcadas por traços de personalidades fortes, dúbias e esféricas. Como seres humanos encontram-se integrados num denso tecido de valores de ordem cognoscitiva, religiosa, moral, político-social e tomam determinadas atitudes em face desses valores. Muitas vezes debatem-se com a necessidade de decidir-se em face da colisão de valores, passam por terríveis conflitos e enfrentam situações-limite em que se revelam aspectos essenciais da vida humana: aspectos trágicos, sublimes, demoníacos, grotescos ou luminosos. Estes aspectos profundos, muitas vezes de ordem metafísica, incomunicáveis em toda a sua plenitude através do conceito, revelam-se, como num momento de iluminação, na plena concreção do ser humano individual. (CANDIDO, 1968, p. 96)

O texto de Arthur Miller preza as mudanças que o tempo inevitavelmente provoca; mudanças estas que não se apresentam apenas pela fragilidade do corpo, mas principalmente da mente, das ideias, dos princípios. É bem verdade, que alguns dos personagens não permitem tais mudanças, ou mesmo ignoram a passagem do tempo e parecem perder o senso de realidade. Willy Loman é o personagem principal da narrativa, o enredo se situação ao redor e entre sua vida, num vai-e-vem em flashback com o passado e o presente que confundem a mente do personagem. Antecipadamente é possível prever que este mesmo personagem já está destinado à morte, não se sabe por qual motivo e como ocorrerá, porém, a partir das primeiras imagens/leitura pode-se perceber a decadência de um homem que trabalhava como Caixeiro viajante de uma empresa que antes o prestigiava e o reconhecia com alguém importante, de caráter inquestionável e respeitado por todos. Willy Loman é o retrato estereotipado de uma sociedade americana causticante da segunda metade do séc. XX, a 306


desconstrução do sonho burguês. Por meio de um percurso psicológico análogo ao de BlancheDubois de “Um bonde chamado desejo”39, tem-se a derrocada de um homem que não enxerga a realidade nua e crua da sociedade competitiva onde está inserido. A exemplo desse sistema capitalista desleal, está a figura de seu vizinho que, mesmo sem prestígio, sabe que a conquista abstrata da reputação não se deve apenas pelo caráter, mas por aquilo que podemos vender. WilliLonam é impassível a essa mudança, continua acreditando nas mesmas coisas ora acreditado no passado. Ainda confia na sociedade e no caráter das pessoas, sem levar em consideração a mudança drástica do mundo em virtude da guerra. Por outro lado, em decorrência de todas as agruras da vida, dos seus insucessos, dos desperdícios e das insatisfações, tornou-se um homem amargo, nervoso e impaciente, principalmente com a esposa. Linda Lonam é a esposa apaixonada, fiel e preocupada. Cuida do marido com dedicação absoluta. No passado tinha um papel quase que secundário, pois representava a típica mulher do começo do século XX: dona de casa, sem opinião e propensa a cuidar do marido exclusivamente. Porém, as mudanças sociais, mudam Linda, (destaca-se que o pós-guerra também ficou conhecido pela revolução feminista), a personagem se mostra mais desmedida, opiniosa e com a “queda” do marido, torna-se o esteio da família. É a única consciente dos fatos e sabedora da doença do marido. É mulher digna de admiração, inclusive pelos filhos. “HAPPY (olha para a porta por onde linda saiu) Que mulher! Quebraram a forma depois que fizeram. Sabia disso, Biff?” (MILLER, p.212). A mãe, Linda, ampara e afaga a todos. Quer ter a família próxima, nem que seja para manter a atmosfera de uma patética união inexistente. Ela percebe o desmoronar do marido, mas, mesmo assim, compactua com uma realidade forjada. É dela a cena mais angustiante, a conclusão melancólica, o acenar vazio ao futuro perdido e a amarga percepção de que sabia o que aconteceria, mas também sabia de sua impotência para evitar a inevitável conclusão. “(...) BIFF Não ponha a culpa toda em mim. Essa história é entre eu e ele...só digo isso. Eu vou contribuir de agora em diante.

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Peça A StreetcarNamedDesiredeTennessee Williams, escrita em 1946.

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Ele vai sossegar com metade do meu pagamento. Ele vai ficar bem. Eu vou para a cama. (vai para a escada). LINDA Ele não vai ficar bem. BIFF (vira-se na escada furioso) Eu detesto esta cidade e vou ficar aqui. Agora o que a senhora quer? LINDA ele está morrendo, Biff Happy vira depressa para ele, chocado. BIFF (depois de uma pausa) Por que ele está morrendo? LINDA está tentando se matar. BIFF (com grande horror) como? LINDA Eu vivo um dia depois do outro (...)” (MILLER, 2006, p.206) A morte de um caixeiro viajante choca porque é absolutamente atual. Atransmissão genética do fracasso é poderosa e letal. O sonho pode ser facilmenteconfundido com realidade quando não interessa acordar. O fato de se viver próximos apessoas de sucesso não garante nada, esse é o preceito. Biff, assim como Willy, é uma das personagens que mais sofrem mudanças de atitudes. Apesar de não estar doente e delirante como o pai, tem sua vida afetada pelo mau relacionamento paterno que se reflete na vida social. Se antes era vigoroso, cheio de vida e o depósito de esperança da família, no presente, é o declínio em pessoa. Sem emprego, desprestigiado por todos, não consegue se “encontrar” no mundo. Mostra-se mais impaciente com o pai e, apesar de ainda respeitá-lo, guarda rancorosos sentimentos. Happy, o filho mais novo, por outro lado, não reconhece a própria incapacidade, sonha acordado e não percebe que o tempo está contra ele próprio. É rapaz imaturo, pensa em mulheres o tempo inteiro e, mesmo empregado, não reconhece a infrutífera vida que leva. Mal sucedido, está nem em melhor, nem em pior situação, ele apenas vive roboticamente. Apesar de preocupado, não faz nenhum esforço para mudar. Evidentemente, essa personagem deseja muito a mudança, até anseia por ela, mas suas atitudes são claramente contrárias a isso. Está se tornando alcóolatra inconscientemente. Happy é uma personagem que se encontra na linha de fogo entre dos outros, Biff e Willy. Willy, nunca depositou demasiada confiança em Happy, não depositou a esperança e o peso da família sobre suas costas (como fez em Biff) e, portanto, não sofreu as crises que o 308


primeiro filho sofreu. Por outro lado, sempre lhe foi negado voz altiva e notas de orgulho por parte do pai, que ignorava seus feitos, dando pouco ou nenhuma importância às suas ações, resultando no fracasso amoroso e social. Duas personagens surgem, apesar de secundárias, de forma até moralizante na história, Bernard e seu pai. Charley, vizinho de Willy e pai de Bernard, é um empresário bem sucedido que sempre empresta dinheiroa Willy para pagar suas apólices. Aliás, ésempre ele quem o ajuda com recursos financeiros, pois Willy, a cada dia que passa, não recebe nenhum valor em seu serviço. Bernard,filho de Charley, era da classe de Biff e não possui dotes físicos, não é um esportista, usa óculos e é visto como CDF chato que constantemente tenta incitar Biff a estudar para as provas de matemática, caso contrário, será reprovado. Também não está de acordo com os roubos dos irmãos Lonam e consegue ver grandes consequências nas ações. No passado, aquele que se mostrou o fracassado, Bernard, no presente, literalmente “vira o jogo”, forma-se, torna-se advogado, adquire riqueza e prestígio. Biff, contudo, reprovou em matemática, viu a traição do pai e desde então regrediu em tudo. Biff humilha-se para o antigo amigo a procura de emprego, este, por sua vez, não esquece o passado e relembra as tantas vezes em que o chamou para estudar com a esperança de construir um futuro valorizando coisas que realmente valiam á pena, como a educação. Bernard estudou, foi criticado, mas venceu, triunfou. A peça de Arthur Miller deixa clara uma discussão referente do tido “sonho americano”. Após a 2ª Guerra mundial os Estados Unidos viveram um sentimento de nostalgia refletindo diretamente em sua população, principalmente a classe média emergente que nesse momento vê a possibilidade de crescimento econômico. Consistia em um estilo de vida generoso, banhado pelo ideal sedutor da felicidade material. E se concretizará por meio do maravilhoso desenvolvimento econômico da reconstrução do pós-guerra. Nasce, desta forma, o que se entende por capitalismo e socialismo. As donas de casa já não apenas sonhavam com um sofá novo, uma geladeira de marca famosa, naquele momento, era uma realidade urgente e iminente. Os televisores minavam informações de compras e vendas de produtos em prestações a perder de vista com todas as facilidades para a construção de um “sonho”, mas na verdade se tratava de uma ilusão que os americanos aceitavam sem protestos. Na 309


peça e no filme simbolicamente esse novo sistema econômico é representado por uma geladeira e um automóvel que vivem avariando, sem o término das prestações que sufocam as finanças da família. Nesse contexto, os Estados Unidos era o melhor país do mundo para os pobres, os sem oportunidades, esperançosos e sonhadores. Com a vitória na Guerra tal sentimento se intensificou que anos mais tarde foi corroborado como uma inverdade. A peça de Arthur Miller faz críticas diretas a essa “esperança”. Os EUA do pósguerra foi um país para os que eram ricos se tornarem mais ricos, aqueles que lucraram com a guerra, aqueles que investiram na indústria e exploraram a mão de obra barata da classe média, pelo preço de quase nada. A família Lonam é o reflexo direto dessa condição social. Com a destruição avassaladora do final da Segunda Guerra, emergiu nas sociedades um desejo de aproveitar o aqui e o agora, pois a eminência de destruição não permitepensarem projetos a longo prazo. Começa a imperar um espírito hedonista em uma sociedade amedrontada e ameaçada pela guerra fria de um mundo separado em dois blocos. Onde muros e paredes começam a ser erguidos. A peça/filme é uma tragédia moderna que guarda características da tragédia clássica. Irá retratar o cotidiano de uma família de classe média, a qual está massacrada por seus sonhos e ideais capitalistas vivenciados pelas personagens de Willy Loman, sua esposa e filhos. A personagem Willy Loman, um homem completamente decadente, devido ao forte poder econômico do estado, e à beira do suicídio, vive em uma situação deplorável, já que a força de trabalho que tem a vender no mercado provoca a sua decadência moral e financeira. Os trabalhos (filme e peça) mostram assim toda a fragilidade do indivíduo americano diante da potência estadunidense. Willy Lomantenta se apegar a esperanças, para se reerguer economicamente, a voltar a ser como era antes. Sonha com seus filhos, Biff e Happy, montando uma loja de artigos esportivos na expectativa de que Biff se reergue e a família volte a se unir. As cenas em que Willy fala sozinho são mais que presentes, são constantes. Sabe-se que foi a intenção maior de Arthur Miller focalizar as questões psicológicas do protagonista e as mudanças de um personagem engolido pelo progresso. No filme, no entanto, o diretor, optou por apresentar esse psicologismo com mais evidência. 310


Quando escrevia a peça, Miller pensou em chamá-la O Interior da Cabeça Dele. Um bom título para um texto que cava fundo a psicologia do seu personagem central. Os efeitos utilizados por esses momentos de lembranças que assombram o personagem marcam a presença do expressionismo no texto, que se expressa, por sua vez, na sua representação teatral e fílmica. Ambos (filme e peça)utilizam de cortes precisos, efeitos de luz e sombra, vozes em off, etc. para criar os flashback e as cenas memorialista. O expressionismo no teatro perde o conceito de espaço e tempo e passa a submergir a uma expressão mais subjetiva enfatizando a evolução psicológica do personagem e o irracionalismo, em uma atmosfera de introspecção. Utilizava uma linguagem concisa, sóbria, exaltada, patética, dinâmica, com tendência ao monólogo, forma idônea de mostrar o interior do personagem. Igual simbolismo adquiriu a cenografia, outorgando especial relevância a luz e a cor, e recorrendo à música e até mesmo a projeções cinematográficas para potenciar a obra. Existem inúmeros momentos onde o plano da realidade é desconstruído em função da memória de Willy, como aqueles em que recorda a infância com os filhos e as aparições em que vê Ben, seu irmão (irmão de Willy Loman, deixou-se contaminar pela febre do ouro que atraiu milhares de pessoas para o Alasca). A personagem sempre aparece durante os delírios de Willy; A mulher misteriosa, que no começo da peça surge apenas em voz em off, também remete aos delírios de Willy. Muitas vezes ela é representada pelo simbólico par de meias40. Com maestria, Arthur Miller consegue fazer digressões de forma natural. O mesmo ocorre no filme. Preservando os elementos teatrais de transposição de uma época a outra, com o artifício da iluminação e dos cenários vazados e a câmera, que também faz seu papel transportando, sem cortes, para os delírios de Willy. 6

CONCLUSÃO

A Morte do Caixeiro Viajante é uma peça de teatro que muitos ouviram falar, mas poucos sabem sobre o seu enredo e muito menos de sua construção teatral/fílmica. Ao assistir o filme, 40

Willy sempre comprava meias caras para sua amante (mulher misteriosa). Quando vê Linda cosendo meias velhas se irrita, pois o fato remete sua traição.

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prontamente o leitor pode vê-se envolvido por questões pessoais queofazem pregar os olhos na tela tentando entender os porquês aquela história. Trata-se de uma experiência tão pessoal que o entendimento imediato do enredo, é a relação conflituosa de pai e filho e, mais tarde, com um olhar mais analítico, veem-se as questões de ordem social e econômicas expostas de forma velada, porém latentes e constantes. O cinema, as artes de forma geral, possui, às vezes, a indesejada (para alguns ou muitos) capacidade de fazer refletir sobre a vida, sobre o mundo, sobre aqueles que assistem e sobre seus atos e as atitudes. A cada leitura é possível rever, refazer, reler os atos falhos e os acertos, a depender do olhar que se deposita sobre a arte. Ele(a) (peça e filme), ainda é chocante, pois abre feridas que não cicatrizam e expõe vísceras muitas vezes repudiadas. Sua linguagem (teatral e fílmica) é ousada ao transportar o leitor para a mente de um homem decadente na busca de tentar entender, ou averiguar, os motivos e as causas de seu fracasso. Até se descobre! Mas acima de tudo faz reacender dúvidas sobre o ser humano. O passado é o passado e ele pode servir para transformar o futuro. Na peça depressiva de Arthur Miller, o passado é apenas um vilão que maldosamente expõe os erros para a culminância de uma tragédia anunciada no presente: a morte do caixeiro viajante. As personagens são características de uma sociedade e refletem tanto uma condição num determinado momento histórico, como a expressão da condição do ser humano e suas falhas e imperfeições. O que deprime Willy Lonam não é apenas seu fracasso, mas é o fracasso dos filhos em decorrência de seus erros no passado. Seus sonhos, seus anseios e o desejo constante de crescer trava um embate com um pretérito que não condiz com seu presente. Ele percebe a mudança do mundo, mas insiste em permanecer em seu mundo. As diversas tentativas de suicídio não se tratam de uma fuga, mas sim é uma forma de “purificação” dos pecados outrora cometidos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTONELI, Cristina Aparecida Zaniboni & CAMOCARDI, Eleusis Mirian. Interfaces Midiáticas: do teatro ao cinemaem O cavalinho

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azul, de Maria Clara Machado. São Paulo/SP: Ed. Arte e Ciência, 2006. BASTOS, Rogério Lustosa. Ciências Humanas e complexidades – projetos, métodos e técnicas de pesquisa: o caos, a nova ciência.. Juiz de Fora/MG. Ed. Ufjf. Edições CEFIL2006 BAZIN, André. Ensaios. São Paulo/SP. Ed. Brasiliense 1985. CÂNDIDO, Antônio. Personagem de ficção. 2º edição. Ed. Perspectiva. São Paulo/SP. CUNLIFFE, Marcus. História da literatura dos Estados Unidos. Trad. BernadettePintoLeite. Lisboa: Europa-América, 1986. KANTOR, Tadeusz. O teatro da morte.. São Paulo/SP Ed. SescSP2008. MILLER, Arthur. A morte do caixeiro viajante e outras 4 peças. Tr. José Rubens Siqueira. São Paulo/SP Ed. Companhia das Letras.2006. ROUBINE, Jean-Jacques. Introdução às grandes teorias do teatro Rio de Janeiro/RJ,. Ed. Jorge Zahar. 2000. SANTOS, Luiz Alberto Brandão & OLIVEIRA, Silvana Pessôa. Sujeitos, tempos e espaços ficcionais. São Paulo/SP Ed. Martins Fontes.2001. SEGER, Linda. A arte da adaptação: Como transformar fatos e ficção em filmes?.. São Paulo/SP. Ed. Bossa Nova2007 WILLIAMS, Raymond. Tragédiamoderna.Trad.BetinaBischof. São Paulo: Cosac &Naify,2002. FILMES: A Morte do Caixeiro Viajante, 1985 (Deathof a Salesman) Direção: VolkerSchlöndorff.

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Um bonde chamado desejo (A streetcarnameddesire), 1951 Direção :Elia Kazan Dogville (Dogville), 2003. Direção: Lars Von Trier. MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas & pós-cinemas. São Paulo: Papirus Editora, 1997.

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AVALIAÇÃO DA HORA PEDAGÓGICA DAS PROFESSORAS DA EJA Profa. Ma. Rosa Maria Lopes Noronha FIBRA RESUMO: O objeto do estudo é a formação continuada em serviço na Hora Pedagógica das professoras da 1ª e 2ª Totalidades da EJA, em escola da rede municipal de ensino de Belém. O artigo objetiva revelar a avaliação da HP pelas professoras da EJA. Utilizou a abordagem qualitativa, com enfoque descritivo, na perspectiva de Bogdan e Biklen (2004) e o método materialismo dialético segundo Triviños (1987). Os dados produzidos foram analisados com base na técnica de análise de conteúdo, do tipo temática [categorial], segundo Bardin (1977). Os resultados indicam que as professoras da EJA avaliam a HP como importante espaço de formação. No entanto, revelam a falta de condições objetivas da formação em serviço e a necessidade de investimentos, para que a dimensão de estudo volte a ser contemplada, com apoio da coordenação pedagógica do noturno, para melhor articular a formação em serviço na HP ao projeto político pedagógico da escola. PALAVRAS-CHAVE: Formação Continuada; Hora Pedagógica; Avaliação Professoras; EJA.

1 INTRODUÇÃO O conhecimento de forma geral e os saberes adquiridos na vivência escolar e na vida passam por um processo de construção e de (re)significação permanente, que torna a formação um processo inacabado, projeto de vida permanente e dialético. Nesta perspectiva, a educação é uma atividade intencional, uma prática social que intervém na existência humana, mediante relações que se estabelecem entre seres humanos, num determinado contexto histórico-social, almejando promover aprendizagens, pela atividade dos próprios sujeitos envolvidos, quer individualmente, ou em grupo.

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Diante dos alcances obtidos pela EJA, com a Constituição Federal de 1988, ratificados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996 e no Plano Nacional de Educação (PNE), de 2001 esta modalidade ainda apresenta fragilidades a serem superadas, dentre as quais a de formação dos professores que nela atuam, para fazer face ao atendimento das necessidades específicas da clientela que atende. A EJA é uma modalidade41 de educação que nos anos de 1990 ganhou novas concepções e avanços, marcadamente voltados para a garantia de direitos, com legislação específica e políticas públicas em nível nacional. As políticas educacionais, tanto na LDB 9394/1996, quanto no PNE, de 2001, apresentam como um de seus objetivos centrais a melhoria da qualidade de ensino, que deve estar alinhada à promoção da valorização do magistério que depende de que a política global contemple simultaneamente a formação profissional inicial, as condições de trabalho, salário, carreira e a formação continuada destes profissionais tendo em vista seu desenvolvimento profissional. A emergência da formação continuada dos professores no Brasil nos anos de 1990 tornou-se uma estratégia para a construção de um novo perfil profissional dos docentes, propugnada como parte das reformas das políticas educativas sintonizadas com as tendências internacionais, que extrapola a esfera federal e se incorpora às ações dos sistemas estaduais e municipais de ensino. Assim, em decorrência das políticas nacionais para educação foi concebida e implementada a Proposta de Formação Continuada de Professores, no Projeto Escola Cabana, como Política Educacional do Município de Belém, no ano de 1997, dadas às condições sócio – econômico - político e culturais daquele momento histórico. No contexto desta reforma educacional foi instituída a Hora Pedagógica – HP42, como proposta de formação continuada em serviço, que se realiza no espaço da escola, ofertada pela Rede Municipal de Ensino que se estendeu, também ao segmento EJA. A instituição da Hora Pedagógica atendeu à antiga reivindicação dos O termo modalidade significa que a “EJA tem, assim, um perfil próprio, uma feição especial diante de um processo considerado como medida de referência”. (BRASIL, 2000, p. 26). 37 A Hora Pedagógica é a denominação da formação continuada de professores, que se realiza no contexto da escola, tendo por finalidade garantir encontros coletivos semanais destinados a planejamento e estudo. 41

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professores, oficialmente expressa em jornada pedagógica43 da categoria em 1997. Com a instituição da HP, o Sistema de Ensino de Belém também atendeu à LDBEN/1996, que em seu artigo 67, aponta importantes elementos para o desenvolvimento docente, dentre os quais o aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento remunerado para este fim; período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluídos na carga horária de trabalho e condições adequadas de trabalho são conquistas legais importantes que favorecem o desenvolvimento profissional dos professores. No entendimento de Távora (2004, p. 164), “estas questões legais postas devem fazer parte da agenda da escola, do seu projeto”. Portanto, que busque mudanças nas relações entre indivíduos, instituições e o contexto do qual são integrantes, no sentido de fazer acontecer o almejado pela vontade e compromisso dos envolvidos. É desta maneira, que a formação centrada na escola - HP, como atividade docente remunerada que articula formação e salário implementada em 1998, no município de Belém, inicialmente em nove escolas, e posteriormente estendida para toda a rede em períodos subseqüentes, se apresenta em consonância com a proposição legal, sendo, assim, “uma ação que se vincula à diretriz valorização do profissional da educação” (BERTOLO, 2004, p.260) Diante da realidade complexa da EJA na escola pública, para atender às especificidades desta modalidade educativa, que se ressente, ainda de preparo dos professores na formação inicial, a formação continuada em serviço do Sistema Municipal de Ensino na HP, apresenta-se como possibilidade de desenvolvimento de ações propositivas, mediante a reflexão coletiva sobre a prática pedagógica, de preparo contínuo e sistemático considerando a natureza instável e transitória do conhecimento, diante das mudanças que se fazem como única certeza no processo de transformações por que passa a docência, o que afeta a identidade profissional44 de professores. 38

Ação realizada no início do período letivo congregando todas as escolas municipais, para socializar e viabilizar as diretrizes para o planejamento educacional. Cadernos de Educação: n. 01, SEMEC / Belém, 1999a, p 115. 44 A identidade profissional docente na acepção de Pereira & Martins (In: BRZEZINSKI, 2002, p. 131) é construída no cotidiano, a partir dos pressupostos do exercício de sua atividade “sobre o alicerce da trilogia dos saberes específicos, dos saberes pedagógicos e das experiências

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Associo-me aos que defendem a formação continuada em serviço tendo como eixo o desenvolvimento profissional, que considera não apenas a formação convencional, mas também, os diversos elementos que integram a profissão docente e as experiências vivenciadas no cotidiano da prática docente, em dada escola. De forma mais específica no estudo considerei como desenvolvimento profissional das professoras da EJA “qualquer intenção sistemática de melhorar a prática profissional, crenças e conhecimentos profissionais, com o objetivo de aumentar a qualidade docente de pesquisa e de gestão” (IMBERNÓN, 2006, p. 45). A escola, nesse contexto se constitui em espaço privilegiado de construção de saberes e práticas, mediante vivência de relações tendo em vista, a superação das dificuldades objetivas e subjetivas que envolvem a profissão e que podem dificultar a autonomia pedagógica e intelectual de professores. Dessa forma, entendo que a formação continuada em serviço é aquela que parte do pressuposto de que os professores produzem saberes a partir da reflexão sobre suas práticas cotidianas em sala de aula, em determinado contexto escolar, e na interação com seus alunos e seus colegas de trabalho. Esta concepção de formação continuada tem inúmeras conotações e, portanto, abre espaços para várias formas de desenvolvimento referindo os estudiosos que a defendem, como Nóvoa (1992), que deve ser parte de uma política de formação contínua dos sistemas de ensino, ou de um projeto de escola que se deseje fazer emergir a partir dos sujeitos que dela fazem parte, sendo minha convicção consoante com esta segunda abordagem, por considerá-la mais propícia à continuidade e desenvolvimento da autonomia da produção em ato dos professores, e à persecução da qualidade dos processos formativos em serviço. A concepção de formação continuada em serviço, aqui adotada se articula à gestão da organização escolar e à coordenação do trabalho pedagógico, que considera imprescindível a participação de professores nas reuniões de planejamento escolar, nas discussões sobre a prática a partir das dificuldades apresentadas pelos alunos, adquiridas dentro e fora da sala de aula, nos desafios enfrentados e superados no exercício da função ao longo do processo histórico”.

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nos estudos teóricos para subsidiar a prática pedagógica, em sala de aula e as defasagens de conhecimentos dos professores, para atender as novas exigências da sociedade com prevalentes interesses neoliberais. Essa formação deve fazer parte integrante do projeto pedagógico da escola, coletivamente construído, com sentido próprio, para atender às necessidades da realidade escolar inserida em um contexto sócio-econômico-histórico-cultural, muitas vezes adverso à consecução de sua função social. Minha intenção foi a de apreender para retratar, a visão pessoal das professoras da EJA a respeito da formação em serviço, em que considerei suas subjetividades como fonte que me permitiriam captar suas maneiras de ver a HP, o que fez emergir por meio da avaliação as limitações do contexto real em que se realiza essa formação. Foram sujeitos do estudo quatro professoras da EJA, sendo 02 da Primeira Totalidade e 02 da Segunda Totalidade. Considerei para esta escolha os critérios de regência de turma da EJA de forma contínua, participação na HP da escola e expresso interesse de colaborar como informante no estudo. Neste artigo me detenho na subcategoria avaliação da HP, que emergiu das vozes dos sujeitos e das recomendações que como professoras fazem, para articular o processo formativo em serviço ao desenvolvimento profissional e Institucional. 2 A AVALIAÇÃO DA HP PELAS PROFESSORAS DA EJA Da análise dos discursos das professoras emergiu a subcategoria avaliação que revela a capacidade critica das professoras em relação ao processo formativo em serviço na HP. Ao fazer uma análise retrospectiva de seu processo formativo na HP, uma das professoras, se ressente da ausência da coordenação pedagógica na prática formativa, como expressa o excerto a seguir: Precisamos avançar na HP, mediante apoio técnico-pedagógico, para realizar estudo fundamentado teoricamente para melhorar nossa prática, com alunos de EJA. Os momentos de estudo precisam ser resgatados na escola pela coordenação (P3).

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A formação na HP da escola para a EJA tem sofrido rupturas na sua organização, uma vez que os encontros de estudo são desconsiderados, pela ausência de trabalho da coordenação pedagógica organizando e orientando os momentos formativos. A professora se ressente desses estudos para subsidiar suas práticas e contribuindo para o seu desenvolvimento profissional na escola. A coordenação pedagógica como articulara dos fundamentos teóricos às práticas pedagógicas é preceituada na proposta de formação ao enfatizar que “para fazer acontecer as HP‟s é necessário reunir os professores com o direcionamento da coordenação pedagógica, que será a organizadora do processo a ser definido pelo coletivo”, (BELÉM, 2002, p. 24). Refletindo acerca do propósito da supervisão pedagógica45 dos professores, que no sistema municipal de ensino em Belém costumam exercer a coordenação pedagógica, Alarcão (2005, p. 656), refere que é uma atividade cuja finalidade visa o desenvolvimento profissional dos professores, na sua dimensão do conhecimento e de ação (...) de construção intra e interpessoal, fortemente enraizada no conhecimento do eu, do outro e dos contextos em que os atores interagem, nomeadamente nos contextos formativos (...) com o objetivo de dar sentido ao vivido e ao conhecido, isto é, de compreender melhor, para melhor agir.

É, portanto, uma exigência dos sistemas de ensino e da realidade escolar a presença da supervisão pedagógica, ou pedagogo escolar46, tendo em vista melhorar a qualidade da oferta de ensino para a população (LIBÂNEO, 2009).

45

Segundo a autora, nos EUA, e até no Brasil a supervisão se focaliza muito no acompanhamento de professores no exercício da profissão, na monitorização da escola e na difusão da inovação, [...]. Enfatiza que ultimamente tem vindo a alargar o conceito de supervisão à dimensão escola entendida como escola reflexiva, em desenvolvimento e em aprendizagem (Alarcão, 2001 a,b,c; 2002). 46 Denominação utilizada por Libâneo (2009) para designar o profissional pedagogo especialista em supervisão escolar.

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É preciso que ocorra uma transformação na concepção das responsabilidades dos diversos profissionais de educação que atuam no sistema de ensino, para alterar as práticas de formação no sentido de agir, de forma compartilhada e integrada. É certo que compete a todos, e a cada um na esfera das atribuições próprias de seus cargos, planejar, executar, avaliar, replanejar de forma articulada cabendo ao Supervisor Escolar contribuir para que as informações sejam repassadas aos diversos níveis do sistema escolar e de ensino (ALARCÃO, 2005). Nesta perspectiva, os profissionais especializados responsáveis pela gestão da escola, inclusa a coordenação pedagógica no turno, precisam se conscientizar que a produção de mudanças na escola não está afeta apenas aos professores e a sua formação, mas também, à equipe de gestão. Duas professoras, também se posicionam em relação a esta questão, como segue: Considero que seria importante que a formação na HP tivesse a coordenação de um pedagogo especialista que nos ajudasse no processo de reflexão conjunta de nossas práticas e a dar visibilidade ao que está dando certo em cada turma de EJA (P2). Temos inúmeras dificuldades na EJA, mas a necessidade de formação do professor e do apoio técnico-pedagógico para trabalhar com os alunos da EJA portadores de necessidades especiais, me parece a maior (P4).

É visível que as professoras imputam à coordenação um papel que lhe foi “delegado”, No entanto, é preciso considerar que a essa mesma coordenação pedagógica é comum ser delegada, também a coordenação do turno, tendo que dar conta de questões relativas à rotina administrativa que ocasiona um desvio de função. Torna-se, assim difícil a esse profissional disponibilizar tempo para atuar no projeto político pedagógico e fazer articulações que estimulem um “processo permanente de reflexão e discussão dos problemas da escola, na busca de alternativas viáveis à efetivação de

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sua intencionalidade” (VEIGA, 1995, p.13), inclusos os que afetam a docência, com alunos jovens e adultos, na HP. A reiterada solicitação da presença da coordenação pedagógica no processo formativo é significativa e pode ter várias interpretações, como a de que há grande aproximação dos discursos das professoras, do discurso instituído (BELÉM, 2002a, p. 78-9). a HP se constitui numa conquista dos educadores, sendo imprescindível a utilização desse espaço, por ser capaz de apropriar momentos coletivos de estudo, trocas de experiências e planejamento da prática docente a ser desenvolvida pela escola, e melhorar, consequentemente, a qualidade deste serviço oferecido à comunidade.

Os discursos das professoras revelam que participaram do processo de instituição da HP e internalizaram os preceitos. Isso lhes permite fazer críticas ao perceberem, que somente o que lhes compete, pessoalmente realizar nos momentos formativos permanece como forma de justificar a incorporação da HP, à jornada de trabalho; também justificam a falta da reflexão coletiva sobre as práticas e o estudo teórico nos momentos formativos, pela ausência do profissional que a deva orientar e estimular esse processo, conforme o prescrito e realizado na fase inicial da HP. Segundo Rios (2006, p. 36), o discurso liberal permeia entre nós, as propostas oficiais e muitas das concepções dos próprios educadores. Para não cairmos na armadilha do discurso, é necessário considerar sempre a prática concreta que se desenvolve no sistema escolar como um todo, e procurar superar a dominação.

Para superar esquemas de dependência dos discursos oficiais é importante considerar como ponto de partida das aprendizagens dos professores o cotidiano e as relações nele estabelecidas, as influências múltiplas, da qual resulta a construção individual e coletiva da realidade do contexto educativo. 322


Prada (1997, p.144) entende que a formação em serviço, de professores de pessoas jovens e adultas constitui-se em um processo “trans-formador”, quando os docentes, nas instituições escolares , a partir de suas relações cotidianas, geram construção de conhecimento que resolvem “situações” participativamente.

Portanto, transformar o trabalho docente para atender às peculiaridades da educação de pessoas jovens e adultas, no sistema de ensino público, implica que os próprios professores valorizem o conhecimento produzido no cotidiano, na relação com seus pares e alunos, com as devidas pausas para reflexão, sistematização e confronto com o saber sistematizado. Assim, é necessário que atuem intencionalmente sobre as relações estruturais não compactuando com a separação entre os discursos e as práticas, que funciona como estratégia ideológica, para deixar o professor inseguro em relação a sua autonomia de produção. O envolvimento das professoras em seu processo formativo na HP lhes permite avaliar as condições da formação e a verbalizarem reivindicações concernentes ao investimento nas questões objetivas, que consideram necessárias, em uníssono: É preciso melhorar as condições da formação na HP em sala com melhores condições de trabalho coletivo, acervo de consulta sobre a EJA, acesso à Internet na escola (P1). Precisamos de ambiente na escola mais tranqüilo, para a HP, pois a sala de professores não é apropriada, também precisamos de livros para consulta (P2).

As professoras ao fazerem a avaliação sobre as condições materiais e organizativas da formação na escola, na HP, revelam uma visão crítica do contexto estrutural e ideológico em que esta se realiza e verbalizam desejos de mudanças que incluem a responsabilização de todos os agentes no processo educativo: 323


Há necessidade de articulação entre a coordenação geral da SEMEC para EJA e a coordenação da unidade de ensino para uma proposta de planejamento conjunto da HP, a partir das necessidades dos professores visando estudo e o retorno de melhores resultados na EJA, a partir da HP (P3). É preciso fazer em algum momento da HP a necessária articulação de trabalho entre os professores dos multimeios e os professores de regência de turma para serem trabalhadas as dificuldades dos alunos conjuntamente (P4).

O discurso das professoras revela a ausência de articulação tanto relativa ao processo formativo, como ao trabalho docente nas turmas da EJA. Percebe-se que se sentem “isoladas”, sem apoio para dar conta da complexidade da educação de jovens e adultos, que requer o empenho e envolvimento dos diversos profissionais envolvidos no processo. Neste sentido Nóvoa (1992, p.28), considera que ”as escolas não podem mudar sem o empenho dos professores; e estes não podem mudar sem uma transformação das instituições em que trabalham”. É, portanto, num quadro mais global, balizado pelo projeto educativo da escola que deve ser pensado e concretizado o plano de formação em serviço dos professores, no qual cada profissional se assume como responsável pelas decisões tomadas no coletivo da escola. Canário (2004) refere que a formação centrada na escola concebe o professor como profissional que se forma, num trabalho coletivo de inteligência dos seus processos de trabalho, e a escola como o lugar fundamental da aprendizagem profissional. Nesta perspectiva, as situações de trabalho na escola se constituem em situações de formação mediante estabelecimento de uma cultura colaborativa e para uma visão da escola como uma totalidade organizacional em que pedagogos, especialistas e docentes “têm suas atividades mutuamente fecundadas por conta da especialidade de cada um, da experiência profissional, do trato 324


cotidiano das questões de ensino e aprendizagem (...)”, no dizer de Libâneo (2009 p.63). É imprescindível o apoio da equipe pedagógica da escola, para estimular, orientar, acompanhar e avaliar, com os professores as ações formativas na escola, a fim de que, não fiquem reduzidas as chances desse processo contribuir com o desenvolvimento profissional docente e o desenvolvimento do projeto da escola. É preciso reiterar que a formação em serviço tem como um de seus pressupostos, dotar os professores de autonomia em relação à produção da docência, valorizando as experiências adquiridas em situações de trabalho. Neste sentido, “opõe-se a um raciocínio em termos de „necessidades‟, cujo ponto de partida é, justamente, um inventário das lacunas dos formandos e não de seus saberes e experiências” (CANÁRIO, 2004, p.82) Desse modo, as professoras precisam estar em contínua expansão de seu próprio processo formativo, aumentando progressivamente sua capacidade de controle sobre seu trabalho, avançando na carreira docente, mediante aprendizagem de saberes próprios às especificidades da docência na EJA, do qual devem se apropriar, também num processo de autoformação, como algumas falas, ao longo do estudo deixou transparecer: Procuro estar sempre me atualizando para aproximar meu trabalho docente na EJA, dos reais interesses de aprendizagem dos alunos, que são muito diferentes (P1). [...] minhas inquietações na docência da EJA me levam a fazer vários cursos fora do sistema, com meus próprios recursos financeiros, em busca de referências teóricometodológicas na EJA (P3).

A formação das professoras da EJA é uma educação de adultos e como tal devem ser consideradas as características próprias de aprendizagem das pessoas adultas nesse processo, o que é motivador e relevante para seus interesses, suas experiências vivenciadas, que devem ser consideradas, como é explicitado em Prada (1997, p. 76):

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o que caracteriza as pessoas adultas são suas experiências, sua história de vida, seus saberes, As experiências prévias influenciam cada novo conhecimento e determinam pauta de comportamento [...]. Servem de referencial para analisar outras experiências próprias ou de outras pessoas, definem atitudes ante situações de múltiplas escolhas, e assim construindo sua identidade pessoal, eles orientam o presente e visualizam o futuro.

As professoras, com base em suas experiências formativas vivenciadas na escola expressam que almejam mudanças na HP, com ampliação e re-estruturação dos encontros, para que estes se articulem de forma mais efetiva ao projeto pedagógico da escola, como nos é revelado nos excertos que a seguir destaco: Além das HP‟s semanais de planejamento precisamos de HP‟s semestrais conjunta de professores da EJA, com a coordenadora pedagógica para avaliar, re-direcionar ações articuladas ao desenvolvimento do projeto político pedagógico (P1). É necessário pelo menos uma reunião mensal de estudos teóricos, que embasem práticas e introdução de novas estratégias pedagógicas em sala de aula com os alunos na EJA, a partir das sugestões de professores, e orientação da coordenação pedagógica (P3).

As professoras concebem a formação em serviço como espaço de encontro em que vão buscar respostas para embasar suas práticas com apoio da coordenação pedagógica articuladas ao projeto da escola. Não se concebem como produtoras de conhecimento a partir das suas experiências com alunos jovens e adultos. A formação em serviço só será verdadeiramente transformadora, se conscientemente crítica, em sua apropriação pelo professor, com adesão de foro particular, como refere Nóvoa (1992), para que não incorra no erro de ser apenas espaço e tempo de 326


organização de conteúdos, sem função social, nem política nos recônditos da docência na EJA. A forma como a HP se realiza com a responsabilização apenas das professoras gera insatisfações, que não encontram ressonância, posto que, limitadas aos pares de professores nos encontros semanais, sem ter a quem recorrer pelas limitações impostas, em conseqüência da falta de investimentos, do descaso com a formação continuada das professoras. Ao proporem ampliação da ação da HP num trabalho conjunto, articulado ao projeto político pedagógico da escola, as professoras vivenciam o presente com os olhos voltados para o futuro, reconhecendo que a realidade não é imutável, mas que pode transformar-se ante os desafios que enfrentam no cotidiano do contexto da escola e que o futuro está sendo escrito diariamente, por aqueles que hoje não se conformam em contemplar passivamente a história. CONSIDERAÇÕES FINAIS Enfrentar os desafios das mudanças vistas como necessárias pelas professoras da EJA, no processo formativo na HP requer da equipe de gestão escolar, em suas dimensões, administrativa e pedagógica, um compromisso com a gestão do projeto político pedagógico construído coletivamente, para compreender que o plano de formação precisa ser pensado e concretizado considerando esses indicativos, que as vozes dos sujeitos a quem ela se destina, revelam. Dessa forma poderiam ser desmistificadas ao longo do processo formativo, as concepções equivocadas a respeito da EJA, da formação continuada em serviço dos professores, da necessidade de espaços de reflexão acerca das experiências da docência com alunos jovens e adultos, que se constituiriam como produção de saberes, no âmbito do projeto da escola, que poderão ser socializados como saberes construídos pelas professoras, tanto na própria escola como, em redes de formação de professores da SEMEC. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALARCÃO, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. SP: Cortez, 2005.

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_______ (Org.). Escola reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre: ARTMED, 2001. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Trad. L.A.Reto e A. Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 1997. (Original publicado em 1977). BELÉM, Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal de Educação.Cadernos de Educação n. 1. Escola Cabana: Construindo uma educação democrática e popular. Belém: SEMEC, 1999ª ______ Educação de Jovens e Adultos - Caderno de Formação. Belém: PMB/SEMEC, 2002 BERTOLO, S. de J. N.. Formação continuada de professores no Projeto Escola Cabana: contradições e contrariedades de um processo centrado na escola. (mimeo). Belo Horizonte, UFMG/FAE, 2004. BOGDAN, R. e BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994. BRASIL. Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, São Paulo: Cortez, 2000. ______ Plano Nacional de Educação. MEC, 2001. BRZEZINSKI, I. (Org.). Profissão Professor: Identidade e profissionalização docente. Brasília: Plano Editora, 2002. CANÁRIO, R. A experiência portuguesa dos centros de formação das associações das escolas. In: MARIN, Alda Junqueira (Org). Educação continuada. Campinas, São Paulo: Papirus, 2004, p. 6388. IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional: Formar-se para a mudança e a incerteza. Coleção Questões da Nossa Época. São Paulo: Cortez, 2006.

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LIBÂNEO, J. C. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo: Cortez, 2009. NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA, A. (Coord.). Os professores e sua formação. 1ª ed. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992 (Coleção Temas de Educação, 39). PRADA, L. E. A. Formação participativa dos docentes em serviço. Taubaté, SP: Cabral Editora Universitária, 1997. RIOS. T. A. Ética e competência. São Paulo: Cortez, 2006. – (Coleção Questões de Nossa Época; v.16) TÁVORA, M. J. de S. Um Novo Engendramento Para a Escola. IN: APOLUCENO, I. & TEIXEIRA, E. (Org.). Referências para pensar aspectos da educação na Amazônia. Belém, PA: EDUEPA, 2004, pp. 141-170. TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. VEIGA, I.P. Alencastro. (org.). Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. Campinas, SP: Papirus, 1995.

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INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA PARA ESTUDANTES COM PARALISIA CEREBRAL: Um estudo de caso em Belém do Pará José Carlos Vilhena Castro FIBRA RESUMO: O presente artigo propõe, a partir de um estudo de caso, uma reflexão acerca dos possíveis benefícios de intervenções pedagógicas na vida acadêmica de alunos com paralisia cerebral. Afirmar que um estudante nessas condições, inserido em uma sala de aula regular consegue avançar academicamente, pressupõe, em tese, práticas e materiais pedagógicos diferenciados. A partir de uma pesquisa qualitativa, realizada durante um ano letivo, com um aluno paralisado cerebral de 10 anos, matriculado no 1º ano/9 (antiga alfabetização), pretendo descrever essa prática e de alguns materiais utilizados nela, objetivando levar os leitores à refletir o processo de aquisição da leitura e da escrita de estudantes com necessidades educacionais especiais, especificamente estudantes com deficiência física, bem como à difusão dessa temática no que concerne o ambiente escolar. Perceber a evolução de todo o processo de aquisição tanto da leitura, quanto da escrita desse aluno no decorrer dos meses, é a experiência que pretendo partilhar. PALAVRAS-CHAVE: Intervenção Pedagógica; Paralisia cerebral; Leitura; Escrita. INTRODUÇÃO Quando resolvi descrever a prática pedagógica para um estudante de inclusão, pretendia levar ao conhecimento dos leitores a existência de possibilidade de intervenções pedagógicas eficazes para o público com necessidades educacionais especiais (NEE). Com a intenção de fomentar esse debate sobre inclusão em ambiente escolar, este trabalho pretende fazer uma análise do método fônico permeando as práticas docentes para um aluno com paralisia cerebral inserido numa classe regular e identificar as estratégias utilizadas para promover a inclusão, os materiais didáticos utilizados nesse processo, bem como os fatores que contribuíram para os avanços desse estudante no ambiente escolar. Nesse sentido, farei a 330


descrição da intervenção pedagógica, feita por mim, durante um ano letivo, para um aluno paralisado cerebral de 10 anos de idade, matriculado pela primeira vez no 1º ano/9 de uma escola da rede privada da cidade de Belém. EDUCAÇÃO INCLUSIVA O processo de inclusão escolar tem sido um grande desafio para as escolas, principalmente para os professores que têm o desafio de promover a inclusão, em sala de aula, de um aluno com necessidades educacionais especiais; e que apenas o ingresso desse estudante na escola, nem sempre é garantia de avanços para ele. A escassez de relatos de experiências dessa natureza, que poderiam contribuir para a formação de profissionais para a prática de educação inclusiva, acaba gerando dúvidas indissolúveis no contexto de trabalho dos profissionais dessa modalidade de ensino. Educação Inclusiva, segundo Batista (2006), é quando qualquer aluno, independente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras de qualquer escola. E esta saber que deve incluir a ta diversidade, não ter preconceitos contra as diferenças e atender-lhes às necessidades TODO FONICO E TEORIA CONSTRUTIVISTA O tema educação é, por si só, muito complexo, sobretudo ando falamos da modalidade educação especial. Contudo, a partir desse estudo sobre intervenção pedagógica com um aluno com paralisia cerebral, pretende-se demonstrar conceitos específicos dessa prática e descrevê-la; e o quanto tal prática favoreceu a interação do estudante com o mundo e, por assim dizer, seu aprendizado. Quando se pensa em processo de aquisição da leitura e consequentemente da escrita, ocorrem na lembrança, duas opções para o ensino: ou parte-se do todo para as partes (da frase para o código lingüístico), os chamados métodos analíticos ou iniciamos da parte para o todo (do código lingüístico para a frase), que são os métodos sintéticos. O método analítico defende que a leitura é um ato global e audiovisual, isto é, aprende-se a ler, por exemplo, ouvindo as pessoas falarem ou vendo uma frase escrita. Nesse sentido, os que se utilizam desse método começam a trabalhar a partir de unidades completas de linguagem (uma frase) para depois dividi-las em 331


partes menores (os signos). Assim o aluno partiria de uma frase pronta para então dela extrair as palavras e, depois, dividi-las em unidades mais simples, as sílabas. O método sintético estabelece uma relação entre o som e a grafia, entre o oral e o escrito, por meio do aprendizado do alfabeto, depois das sílabas e posteriormente das palavras. E pode ser aplicados de três maneiras diferentes: o alfabético, o fônico e o silábico. No alfabético, o estudante aprende necessariamente, em primeiro lugar, as letras; depois forma as sílabas, juntando consoantes com vogais e, somente então, forma as palavras que construirão uma frase. No fônico (foco de análise deste trabalho), o aluno parte do som das letras, ou das sílabas formadas. Já no silábico, o estudante aprende primeiro as sílabas, depois as letras, para então formar as palavras. Neste método, os livros didáticos podem ser utilizados para orientar os alunos e professores no processo de aprendizagem, sistematizado de modo que se apresente um fonema e seu grafema correspondente por vez, evitando confusões auditivas e visuais. Como este aprendizado é feito de forma sistemática, através da repetição, para alguns educadores o método sintético é considerado mais cansativo para as crianças, pois é baseado apenas na repetição, e pode ser considerado fora da realidade da criança, que não criará nada, apenas agirá sem autonomia. Para que os leitores tenham uma melhor compreensão do método sintético do tipo fônico, eis uma definição que o explica: O Método Fônico é todo aquele que ensina, de forma explícita, a relação entre grafemas e fonemas (OLIVEIRA, 2004, p.38). Esse método, basicamente ensina a decodificar os signos lingüísticos, quer nos sons falados (fonemas) ou nos símbolos grafados (grafemas). Ainda segundo esse autor, o estudante precisaria criar estratégias (metacognição) para monitorar sua própria aprendizagem, e isso pressupõe: a maneira correta de pegar no lápis, a postura correta ao sentar, verbalizar a direção e o sentido dos movimentos das formas das letras, perguntas de antecipação ao texto, reconhecendo palavras conhecidas, descobrindo e corrigindo possíveis erros. Assim: [...] no domínio educacional encontramos duas formas essenciais de entendimento da metacognição: conhecimento sobre o

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conhecimento (tomada de consciência dos processos e das competências necessárias para a realização da tarefa) e controle ou auto-regulação (capacidade para avaliar a execução da tarefa e fazer correções quando necessário - controle da atividade cognitiva, da responsabilidade dos processos executivos centrais que avaliam e orientam as operações cognitivas) (RIBEIRO 2003, p. 109-116).

A metacognição é, portanto, uma estratégia que faz com que o aluno monitore sua própria produção acadêmica, seu aprendizado, sua postura e sua fala; levando-o, por exemplo, a perceber uma falha ou um erro na sua leitura e escrita, e assim, tentar corrigir-se. Outro conceito que está inserido nessa teoria, é o de consciência fonológica. O termo refere-se à percepção de que a fala pode ser segmentada em unidades menores e de que tais segmentos podem ser manipulados como afirmam Bertelson & De Gelder (1989, apud Capovilla & Capovilla, 2000). Pode ainda, ser entendida como uma capacidade de armazenar na memória sons ou códigos lingüísticos para poder resgatá-los nos momentos oportunos. Blischak (1994, apud Capovilla & Capovilla, 2000) diz que tal consciência começa a se desenvolver quando a criança percebe de forma consciente que frases, palavras, sílabas e segmentos sonoros são unidades independentes e que podem ser manipulados. Nesse sentido, pressupõe-se uma forte relação existente entre a consciência fonológica e o processo de aquisição da leitura e escrita e, despertar essa consciência para potencializar tal processo pode representar avanços importantes para os estudantes e para o ensino, sobretudo se estimulada precocemente. A ausência desse tipo de consciência pode levar um estudante, por exemplo, a não conseguir diferenciar e pronunciar corretamente, sons de pares mínimos como “p” e “b”, ou “v” e “f”. PARALISIA CEREBRAL (PC) De acordo com Schirmer (2007) sobre Atendimentos Educacionais Especializados (AEE) para pessoas com deficiências físicas, a pessoa terá suas funções físicas comprometidas quando 333


houver amputação, má-formação ou deformação de algum membro gerando alterações no sistema muscular e esquelético. Ainda encontraremos alterações funcionais motoras decorrentes de lesão do Sistema Nervoso Central (é o caso de pessoas com paralisia cerebral) onde observaremos principalmente a alteração do tônus muscular. A paralisia cerebral é classificada de acordo com o tipo de comprometimento neuromuscular em: a) espástica, b) discinética (inclusive as formas córeo-atetóide e distônica), c) atáxica, d) hipotônica e, e) mista. Com base na distribuição topográfica a paralisia cerebral espástica pode ser classificada em espástica quadriplégica (abrangendo os quatro membros, sendo os superiores mais afetados), espástica diplégica (afeta os membros inferiores com mínimo comprometimento dos superiores) e espástica hemiplégica (a espasticidade atinge o membro superior e inferior de um dos lados, sendo frequentemente o superior mais comprometido). METODOLOGIA Para este estudo, foi realizada uma pesquisa qualitativa de caráter descritivo, baseado na análise de uma prática pedagógica a um aluno com (PC). A abordagem do problema, que era exatamente saber o quanto um aluno nessas condições avançaria academicamente, foi feita a partir de análises interpretativas dos dados. O sujeito da amostra constitui um aluno, que chamarei de RG, o qual fora escolhido exclusivamente segundo suas condições patológicas. Matriculado no 1º ano/9 (sistema de 9 anos correspondente à antiga alfabetização) do Colégio Ipiranga que fica localizado na Travessa do Chaco, bairro do Marco, na cidade de Belém-PA. A escolha de apenas um sujeito, ainda que possa parecer exíguo, coincide com os pressupostos de uma pesquisa qualitativa que nos aproxima da consistência e variabilidade das respostas e nos distancia da validade estatística amostral confirmada com a grande quantidade de informações iguais. Além disso, outro aspecto positivo dessa decisão foi o fato de poder dedicar-me integralmente ao aluno enquanto estava na escola e perceber as minúcias de seu avanço. O período da investigação durou todo o ano letivo de 2007. Durante esse tempo, estive exclusivamente dedicado ao ensino do 334


aluno e com ele convivia às manhãs inteiras. Concomitantemente a esse processo aperfeiçoava minha experiência com educação inclusiva. A essa prática de pesquisa, Triviños (1993) define como “exploratória”. Fazendo parte do corpo docente da escola, participava também de toda a rotina escolar, sobretudo quando a pauta era inclusão. Nesse aspecto, participava de todas as reuniões pedagógicas relativas ao aluno como: mesa redonda, conselho de classe e plantão pedagógico. A análise da metodologia e da utilização dos materiais didáticos será feita na própria descrição do fenômeno e na verificação dos resultados da pesquisa. PERFIL DO ALUNO RG tem desordens dos movimentos e da postura; limitação das atividades motoras. Alterações não progressivas, que ocorrem no cérebro fetal ou infantil, ou simplesmente paralisia cerebral (PC) do tipo quadriplegia espástica, que o obriga a ficar em cadeira de rodas. Associado a isso, apresenta comprometimento motor, sensorial, cognitivo e na linguagem. É o filho caçula de sua família. Mora com seu pai, mãe e irmão. Tem excelente convívio com todos e sempre que possível é tratado naturalmente, sem privilégios ou mordomias. Em uma estrutura familiar equilibrada, RG recebe carinho e atenção às suas necessidades especiais, na medida certa; sem contar o empenho de todos para torná-lo o mais autônomo possível. Então, mesmo não sendo via de regra, na experiência aqui descrita, parte-se do princípio de que existia uma estrutura mínima que dava apoio às atividades acadêmicas, tanto no ambiente escolar quanto fora dele. Reitero, RG tivera lesão cerebral na área dos movimentos voluntários “córtex motor”. Nessa região podemos encontrar áreas especializadas do controle motor da fala (área de Broca), encarregada da formação/vocalização das palavras e das funções que controlam a respiração durante a fala, a ativação das cordas vocais e o controle dos movimentos da boca e da língua. Ainda podemos observar entre os lobos occipital, temporal e parietal, a área de Wernicke; região que desempenha um papel muito importante na produção de discurso e, por assim dizer, trabalha em associação com a área de Broca. 335


A área de Wernicke nos permite compreender o que os outros dizem e que nos faculta a possibilidade de organizarmos as palavras sintaticamente corretas. De acordo com o exame de tomografia computadorizada, o aluno teve lesões hipodensas periventriculares, adjacentes ao corno frontal e corpo dos ventrículos laterais, em especial à direita. Tais áreas são subcorticais, isso significa que as lesões concentraram-se principalmente em seções mais profundas do cérebro, na região que constituem o diencéfalo. Essa região mais interna dos hemisférios cerebrais está associada a outras que possuem uma coloração esbranquiçada, pois é constituída por neurofibras de dendritos e axônios – estruturas neurais recobertas por mielina – que levam informações a partes mais superficiais (córtex) do cérebro e trazem dele instruções para o funcionamento corporal; ainda podemos perceber a presença de outras estruturas importantes ali, como o tálamo e o hipotálamo. Agora, analisando a lesão cerebral de RG, de acordo com resultados de seu exame de ressonância magnética, houve comprometimento da substância branca, tecido subcortical do lobo frontal e tálamo. Este último é uma região de passagem obrigatória de todas as mensagens sensoriais (com exceção das provenientes dos receptores do olfato) em direção ao córtex cerebral. O Tálamo tem a função de retransmitir os impulsos que recebem do sistema nervoso periférico ao córtex cerebral. Ele é responsável pela condução dos impulsos às regiões apropriadas do cérebro onde eles devem ser processados. Por isso, podemos pressupor que, quando existe lesão no tálamo, pode-se perder mais funções quando comparado às lesões no próprio córtex cerebral. Podemos concluir, comparando as figuras das possíveis áreas lesionadas e suas adjacências, a partir dos laudos emitidos por médicos neurologistas, que as partes afetadas no SNC do aluno pertencem a regiões subcorticais (tálamo, ventrículos laterais e substâncias brancas). As áreas das substâncias brancas (são regiões mais internas dos hemisférios cerebrais, constituídas ou formadas por fibras nervosas de dendritos e axônios que são partes dos mesmos neurônios que dão formato ao córtex cerebral). O córtex cerebral é responsável por muitas das funções mentais mais complexas e desenvolvidas, como a linguagem, a fala, o processamento de informações e o raciocínio lógico para resolver problemas. Porém, 336


para que tais funções aconteçam, é preciso que as informações sensoriais (estímulos externos ao corpo) cheguem íntegras até o córtex cerebral. No aluno RG, parte desse percurso foi lesionado, impedindo ou retardando a chegada das informações provenientes do meio externo ao córtex cerebral, prejudicando assim a execução de movimentos, controle muscular ou a elaboração de pensamentos mais complexos O INÍCIO DA INTERVENÇÃO Sabia que deveria honrar o termo “inclusão escolar” enquanto prática que garantisse não somente a integração dos alunos à escola, mas verdadeiramente seus avanços sociais e acadêmicos. Uma inclusão escolar começa na matrícula. É quando a escola aceita incluir a todos. Mas não acaba aí: é preciso dar garantias para esses avanços, ainda que para alguns seja preciso eliminar barreiras físicas e intelectuais. Parti de uma situação real, da vida do estudante, que mesmo não demonstrando, era um competente leitor de toda a atmosfera em sua volta. Ele conseguia perceber situações implícitas em tudo aquilo que ouvia e via; dialogava fluentemente com qualquer pessoa desde que o assunto lhe fosse significativo. A partir daí, percebi uma “porta” de acesso ao mundo do aluno e passamos a intervir a partir daquilo que mais o interessava: seus temas, seus assuntos, seus desenhos animados, seus filmes, suas músicas, seu time de futebol, etc. O próximo passo foi identificar aquilo que o aluno já dominava em termos acadêmicos e, então continuar o processo. PRIMEIRAS ADAPTAÇÕES Para iniciar uma prática, precisei fazer algumas avaliações preliminares a partir daquele contexto: RG era cadeirante, e sua cadeira era mais baixa que as demais cadeiras da sala de aula; sua linha de visão necessitava de uma lousa mais baixa que a altura padrão e ao alcance de suas mãos, por isso foi necessário adaptar uma segunda lousa dentro de sala de aula. A melhor solução era fixála na parede lateral, próximo à parte de trás da sala de aula.

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Sua cadeira era adaptada com uma mesa acoplada que facilitava muito suas tentativas de escrita convencional (usando o lápis). Em virtude de sua patologia, RG falava e raciocinava de maneira lenta, além de omitir e trocar fonemas devido à problemas fonoarticuladores; tinha inabilidade nos membros superiores e dificuldades de preensão (segurar); nenhum controle de tronco, espasmos, estrabismo corrigido cirurgicamente e fazia tratamento medicamentoso que o deixava bastante sonolento. EM SALA DE AULA O conhecimento prévio do aluno foi (e deve ser para qualquer outra intervenção pedagógica para alunos de inclusão) o que me levou a buscar alternativas de acessibilidades dos materiais pedagógicos e o que e quando ensinar. E, obrigatoriamente, nas primeiras horas em sala de aula, aproveitava sua disposição inicial e procurava trabalhar com ele o conteúdo programado para aquele dia. Apresentava-lhe aquilo que precisava aprender antes que o medicamento fizesse efeito e passasse a ficar sonolento. Às vezes, RG dormia profundamente no horário de aula. O que era contornado com atividades dinâmicas, sem nunca perder o foco e respeitando seus limites. E com o tempo, percebi que da manhã inteira (4h/aula) conseguia sua atenção com compreensão somente nos primeiros 50 minutos. Depois disso, as possibilidades de aprendizado eram bem menores. Além disso, as intervenções pedagógicas podiam acontecer tanto coletivamente, junto com os demais colegas de turma, quanto em sua lousa, na lateral ou ainda, individualmente, na sala de tecnologia assistiva. Levando em conta as condições físicas do aluno, percebi o seguinte fato: para realizar qualquer movimento, ele gastava muita energia. Não raro, uma das situações muito desgastante para ele, era quando, na tentativa de realizar um movimento qualquer como pegar uma massinha de modelar em cima de sua mesa, acabava por contrair a musculatura dos quatro membros; só conseguindo concluir sua ação depois de relaxar sua musculatura. Esse desconforto levava quase 1 minuto. O estudante foi dando as respostas esperadas e eu buscava explorar sempre mais seu potencial. A aprendizagem acontecia de 338


maneira prazerosa: quase sempre as aulas começavam a partir de frases retiradas de conversas com o próprio aluno. Como ele era uma pessoa muito expansiva, tornava essa tarefa fácil. O aluno logo demonstrou que sua leitura deslancharia. O que, de fato, aconteceu. Antes do final do 1º semestre, ele já se esforçava para ler muitas palavras dissílabas e pequenas frases. A aquisição da linguagem escrita, que geralmente é posterior à aquisição da linguagem oral, é um importante indicativo de que o aprendiz adentrou no processo de leitura. Percebendo, então, que talvez RG não conseguisse escrever utilizando lápis ou caneta, e que, talvez sua escrita não acompanhasse sua leitura, como saber se o aprendizado da linguagem oral refletia na linguagem escrita? Como saber se fora alcançada a meta para aquela aula? Precisava fazê-lo escrever. O VELCRO E O COMPUTADOR – TECNOLOGIA ASSISTIVA Queria que o aluno registrasse seu aprendizado para poder saber o momento certo de avançar ou permanecer com o mesmo conteúdo. A estratégia de usar velcro na mesa adaptada e no quadro magnético foi a acessibilidade pensada e executada, pois, sabia que o aluno identificava as letras do alfabeto e algumas sílabas simples. Tudo funcionava como um quebra-cabeça: fixei um dos lados de tiras de velcro no quadro e em sua mesa adaptada e o outro lado, em letras tipo bastão, feitas em madeira, de modo que as letras fossem fixadas nesses dois lugares. A partir daí, escrevia uma pequena frase no quadro magnético – inicialmente com letra de imprensa – e depois de ler, o aluno partia para a tentativa de copiar a frase, fixando as letras na parte do quadro adaptada com velcro. A mesma estratégia era utilizada em sua mesa adaptada, com a vantagem de que a mesa quase sempre acompanhava a cadeira para todos os lugares, podendo aproveitar qualquer momento oportuno para o ensino. Exercitamos a escrita do estudante com letras soltas ou palavras prontas adaptadas com velcro. A tentativa de colocar a letra certa na sequência lógica levava minutos, mas que era coroado não somente com o acerto da escrita, fato que acontecia com frequência, mas com a consciência adquirida de que ler ou escrever é mais que

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sequenciar logicamente os códigos linguísticos; é interagir com as palavras, é interpretá-las; e isso começa com o desejo de fazê-lo. Outra possibilidade de escrita fora com o computador. Nesse caso, adaptado a um hardware (moderna “mesa” alfabética) que tinha como interface, uma bandeja onde o aluno tinha a oportunidade de escrever colocando cubos representadas com as letras do alfabeto, e a escrita produzida aparecia no monitor do computador. Para o leitor tentar imaginar as atividades desenvolvidas, uma delas funcionava assim: o computador emitia o som pronunciando a maneira correta da escrita de um objeto qualquer – pré selecionado – e o aluno tentava encaixar os cubos de maneira a escrever a palavra corretamente. O software oferecia mais de 100 possibilidades de atividades e que ainda poderiam ser configuradas. Era um momento prazeroso e menos cansativo, pois tentar escrever segurando um cubo, de aproximadamente 3cm3 e que poderia ser facilmente seguro, era mais confortável que tentar escrever convencionalmente. Outras tecnologias assistivas foram tentadas, como acionadores que, ligados ao mouse do computador, serviam para efetuar o “click” e interagir com os programas, com a vantagem de não precisar direcioná-los. Além disso, no teclado havia o que chamamos de “colméia”: uma espécie de proteção para o teclado, com furos que coincidem com as teclas, mas que impossibilitam pressionar mais de um dígito ao mesmo tempo. Esse mecanismo é Ideal para alunos com dificuldades motoras, porque aumenta a precisão dos movimentos e não gasta muita energia digitando e deletando as palavras até acertar. ALGUNS RESULTADOS As intervenções por mim feitas partiram, na maioria das vezes, da condição física do aluno. Perceber que sua tolerância estava baixa dosava minhas intervenções. O desgaste físico e os efeitos colaterais dos remédios, levaram-me a flexibilizar ou acessibilizar os momentos, os tipos de aulas e seu tempo de duração. Para o aluno RG, o aprendizado ocorria principalmente vendo ou ouvindo, quase nunca tendo o contato físico. Sabia que esse contato da criança com o meio ambiente, o solo, a água, o piso revestido com lajota, enfim, tudo era estímulo, tudo era nova possibilidade de estímulo. Tinha certeza que quando RG manipulava 340


os signos linguísticos ou matemáticos, associava com aquilo que estava vendo e ouvindo, tornando o tempo de aprendizagem menor, por isso procurava confeccionar esses signos com materiais resistentes para que o aluno pudesse manipulá-los; e sempre com velcro, para que tivesse a oportunidade de escrever. Com isso, precisou-se de uma metodologia apropriada para desenvolver a leitura no aluno. Naquele momento, foi importante compreender que não existia uma teoria ou uma única metodologia exclusivamente pensada para alfabetizar alunos (PC); e muito menos materiais didáticos para tal. O método fônico encaixou-se bem nos treinos fonoarticuladores, fazendo com que o aluno percebesse seus avanços quando conseguia pronunciar corretamente uma palavra e desejasse se corrigir quando não conseguia. Ao mesmo tempo em que, intencionalmente, buscou-se extrair da socialização com seus colegas e de toda a sua bagagem cultural, o insumo de tudo aquilo que permeava a prática pedagógica para seu aprendizado, que nada mais são que metodologias construtivistas. Sem pretender adentrar na questão polêmica que possa existir na escolha do melhor método ou teoria de alfabetização, minha principal proposta, aqui, era a de fazer com que o estudante aprendesse a decodificar códigos linguísticos e diferenciar seus fonemas, considerado, para o aluno nas condições aqui descritas, um pré-requisito para a aquisição da leitura e da escrita. Fato comprovado de maneira satisfatória, diante daquilo que me propus a experimentar. No final do ano letivo, RG conseguia ler frases e palavras simples, identificar palavras estudadas por ele, dentro de textos; pronunciava os fonemas conscientemente e também, conseguia fazer abstração em cálculos matemáticos. Quando, numa frase, apareciam palavras com sílabas ou fonemas ainda não estudados por ele, era a oportunidade de avançar um pouco mais com o conteúdo programado. Acreditando que um número variado de leitores terá acesso a este escrito e tendo em vista o crescimento das especializações científicas relacionando educação e neuroanatomia funcional, procurei, também, correlacionar as estruturas da região internas do cérebro humano com sua morfologia externa. Além disso, para esses, como também para outros interessados nessa pesquisa, procurei dar 341


uma visão espacial de áreas descritas na ressonância magnética do aluno, através de imagens simplificadas, para facilitar o entendimento e a localização nos hemisférios cerebrais. CONSIDERAÇÕES FINAIS A complexidade do ser humano assusta. Nossa vida tem dimensões ainda pouco ou nada exploradas e conhecidas. Estaremos sempre nos distanciando desse entendimento se quisermos conceber o homem ignorando alguma de suas dimensões. Ensinar esse ser tão complexo, não deve ser tarefa fácil. E não é! Como não foi fácil o processo aqui descrito. Houve sofrimento, dor, lágrimas e a angústia de, algumas vezes, não perceber avanços acadêmicos no aluno. Acredito que o acesso à leitura e escrita, abre muitas portas para qualquer pessoa. É uma conquista e tanto. Mas para RG, foi mais do que isso. Foi como se pudesse correr livremente ou percorrer longos caminhos sem sair de sua cadeira. O estudante subira mais um degrau na escadaria da autonomia. Ele mereceu. E merece muito mais, pois é uma pessoa guerreira. Sem limites. Vale ressaltar que nenhum estudante é igual ao outro, mesmo que sejam gêmeos univitelinos. Poderemos ter em nossa sala de aula, dois, três ou cinco estudantes com paralisia cerebral, todos com mesma idade e na mesma série, mas cada um terá sua singularidade e, sem dúvida, a metodologia, materiais pedagógicos e os avanços serão diferentes para todos. Tenho clareza que os leitores entenderão que todo o processo descrito aqui, acaba tornando-se específico para o estudante em questão e que o uso dessa metodologia ou dos materiais pedagógicos, bem como de toda a tecnologia assistiva aqui descritas, podem ser aproveitadas para outros alunos, mas isso será apenas coincidência.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BATISTA, Cristina A. Mota. Educação inclusiva: atendimento educacional especializado para a deficiência mental. Brasília: MEC, SEESP, 2006. CAPOVILLA, Fernando C. Pesquisa e Desenvolvimento de Novos Recursos Tecnológicos para Educação Especial: Boas Novas para Pesquisadores, Clínicos, Professores, Pais e Alunos. Boletim Educação/ UNESP, n. 1, 1997. CAPOVILLA, A & CAPOVILLA, F. Efeitos do treino de consciência fonológica em crianças com baixo nível sócioeconômico. Psicologia Reflexão e Crítica, vol.13 n.1 Porto Alegre, 2000. RIBEIRO, C. Metacognição: um apoio ao processo de aprendizagem. In: Revista de Psicologia: Reflexão e Crítica. Porto alegre. Vol.16, p. 109 – 116, 2003. SCHIRMER, Carolina R. et al. Atendimento educacional especializado: Formação continuada a distância de professores para o atendimento educacional especializado – deficiência física. MEC. 2007. Brasília/DF. 129p. TRÍVIÑOS, Augusto M. S. Pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo, Atlas, 1993.

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INCLUSÃO: Desmistificando as impossibilidades impostas aos alunos autistas Maria Josilane Gomes da Silva Melo Almeida FIBRA RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo sugerir alternativas mais eficazes como recurso para mudanças nos comportamentos de indivíduos autistas com dificuldades na aprendizagem e nos processos de aquisição da linguagem. Pretende-se, assim, estabelecer diálogos entre autores como Benenzon (1987), Relvas (2005), Oliveira, (2000), Vigotski (1998), Piaget (1993) e Bagno (2003) cujas concepções preponderantes contribuirão ao desenvolvimento cognitivo do ser humano bem como o conhecimento de si mesmo. Uma vez concatenadas referenciam que a linguagem é um exercício efetivo da fala e intrínseca para a ampliação do pensamento. Este por sua vez depende das associações lingüísticas (neurolinguisticas) para resignificar o mundo. Tais ações nos permitirão alcançar a aprendizagem de todo e qualquer aprendente desde que bem articulada e atenda, de fato, as reais necessidades dele. Que somadas às interações sociais em diversos ambiente despertarão o indivíduo para as potencialidades, em ações concretas e reais do cotidiano. Assim, a garantia autônoma do ser capaz de aprender. Portanto, um ser social, incluso na sociedade para o qual foi gerado. PALAVRA-CHAVE: Inclusão; Desenvolvimento Programação Neurolinguística; Autismo.

1

Cognitivo;

INTRODUÇÃO

Trabalhar com crianças deficientes, que apresentam dificuldades ou distúrbios na linguagem, é um processo lento, oposto ao cenário tecnológico ao qual vivemos dotados de múltiplas e rápidas informações e serviços. A interação é responsável por esses avanços, intrínseca à comunicação. A escola e o lar são os lugares nos quais se inicia o processo de ensino-aprendizagem. A inclusão é um tema muito atual em fase de “adaptações” por se tratar de desafios no âmbito da interação, de serviços e de 344


reabilitação do individuo. Nesse processo, o apoio de especialistas multidisciplinar é relevante para o desenvolvimento da pessoa com necessidade especial e da sociedade. O que torna esse trabalho inédito é a metodologia utilizada para realizar o atendimento individualizado e de socialização do individuo autista para uma vida mais independente valorando seu enriquecimento cultural e pessoal. Assim, o presente artigo tem por objetivo geral investigar as dificuldades na aprendizagem (D.A.) em aluno autista- o estudo de caso, com socialização comprometida, linguagem fora dos padrões esperados para a idade mediante laudo. A investigação qualitativa a versa uma discussão interacionista, aliada ao corpo docente de uma escola pública de Belém para sugerir intervenções mais eficazes para sua interação com o meio. E revisa autores que abordam a respeito dessa temática. Assim, o estudo procurou gerar valores e melhorias nas relações entre a pessoa deficiente, a família e o complexo institucional. Neste projeto as investigações se detêm: Quais são a adaptações que contribuem para o desenvolvimento das habilidades cognitivas no processo ensino-aprendizagem dos alunos autistas e quais as conseqüências das adaptações quanto intervenção pedagógica para que ele viva socialmente mais independente? Antes de adentrar na discussão, discorre-se sobre alguns princípios fundamentais os quais me lançaram a adoção de intervenção humanizada e adequada da linguagem: assisti-lo em casa como sua auxiliar neuropsicopedagógica. Esse trabalho é uma direção para novas possibilidades associando alguns conceitos científicos aos conceitos espontâneos interligados as faculdades concretas e humanizadas para a evolução do indivíduo. 2

REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 REABILITAÇÃO: COGNIÇÃO, REPRESENTAÇÃO DA LINGUAGEM E PENSAMENTO Quando se trata de ensino especial muita perguntas emergem. E para responder a essas perguntas conhecer o processo de “construção do conhecimento” é preciso, como diz Ferreiro (2007, p.10).

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Visando a esse conhecimento a respeito das dificuldades reais do aluno H.- autista e sujeito de caso47- realizou-se uma entrevista (Anamnese). A partir disso iniciou uma interação com demais especialistas e a família dele. Quando o aprendizado se dá de forma inadequada ele prejudica a linguagem, logo haverá um comprometimento na interpretação e significação do mundo, portanto uma desordem na construção do conhecimento, do pensamento a gerar “grandes problemas na cognição” (FERREIRO, 2007, p. 10) e/ou em um canal específico. Uma exigência do cérebro. Oliveira (2000, p. 291) esclarece bem essa noção: O uso contínuo da linguagem ativadora da fala estimula os brotamentos sinápticos que são fixados por substâncias químicas e usados se difundem pelas redes neuronais formadas e em formação ampliando a capacidade criativa do pensamento. (Grifo meu).

Um caso a parte: a mãe antecedia a todas as necessidades de H. Essa conduta Benenzon (1987), em seu estudo com autistas, denominou de quisto (encapsulamento familiar): em que ambos mãefilho fixam em um ponto e não mais desenvolvem, não evoluem, paralisam-se. A super proteção ou medo do desligamento é muito natural, porém perigoso. Essa cumplicidade sim precisa de auxilio, não só o transtorno do filho. Na década de 70 algumas investigações a respeito do comportamento e o funcionamento do cérebro (ação e pensamento) usavam como objeto básico a lingüística. Assim surgiu a Programação Neurolinguística (PNL): “é um conjunto de técnicas e procedimentos rápidos capazes de iniciar processos de mudanças profundas nos comportamentos” (MASCARENHAS) 48

Conforme Benenzon (1987, p.37) “autismo vem do grego „autos‟, que quer dizer por si mesmo, próprio. O primeiro a conceituar o termo em 1011 foi Bleuler: “perda de contato com a realidade, acarretando uma impossibilidade ou uma grande dificuldade de comunicação com os demais” (apud BENENZON, 1987, p.37. Grifo meu). 47

48

Vide bibliografia completa.

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As práticas significativas contextualizadas auxiliam no domínio de uma língua, e corrigir positivamente, praticar de forma mais associada ao cotidiano e reforçá-la é determinante para a aquisição da fala: “a combinação transmitida de significações a outra pessoa” (MAIA, 1989, p.13) no meio social nativo– variação lingüística- e desencadeiam comportamentos e experiências. O isolamento acentua a dificuldade de aprendizado. Para Possenti (2006, p.32) o ensino da escrita requer um conhecimento da modalidade oral. Como ensinar então um aluno autista se nele não há cognição e a fala é ecolálica uma vez que a função da escola é ensinar a língua padrão? O primeiro passo é desmitificar o conceito de certo e errado na língua e não “confundir a capacidade ou dificuldade de aprender uma língua com a de aprender a escrever segundo um determinado sistema de escrita” (POSSENTI, 2006, p.27). Para Bagno (2003, p.192) a norma culta é “uma discriminação explicita contra os que „não sabem português‟ ou contra os que „atropelam a gramática‟- discriminação estampada e difundida (...) um mecanismo de exclusão”. O ensino especializado exige uma flexibilidade, sem intransigência. Para Faria (1994, p.94) a criança aprenderá a pensar ou construir significados “quando agir espontaneamente sobre os objetos” o que necessariamente não quer dizer que exista o entendimento dos significados e pensamento. Quanto à fala ecolálica do autista49 é reforçada e despercebida pela família: quando completam a frase, a falta de paciência ou afirmar positivamente ou negam aquilo que a muito custo o indivíduo foi buscar na memória para dialogar ou formar uma seqüência lógica a intensificar o isolamento- não sou compreendido. A criança aprende naturalmente a falar a linguagem do grupo em que vive (regional). Cabe a escola desenvolver a linguagem

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Algumas características são inerentes e mais comuns, porém se diferencia: risos e gargalhadas inadequadas, não tem a noção do perigo por isso agride pessoas sem motivos, e ecolalia, cheira e lambe os brinquedos ou49 objetos, tendência ao isolamento, preso a rotina, gosto por objetos circulares, dificuldade em expressar suas necessidades; emprega gestos ou sinais para os objetos em vez de usar palavra. (Essas informações foram adquiridas ao longo do curso de especialização em Neuropsicopedagogia na FIBRA, 2010.)

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oral/formal que o estudante traz pela atividade pedagógica que deve garantir a aprendizagem de leitura e escrita. (RELVAS, 2007, p.66).

O educador precisa conhecer aquilo que é intricado com um trabalho específico como os programas reeducacionais, fisioterápicos e exercícios físicos- a prática de aumenta a produção de neutrofinasas reações e o crescimento advém dessa molécula - vitais para o cérebro. Esses estímulos responderam em forma de neutransmissores melhorando a comunicação entre os neurônios, possibilitando assim novos conhecimentos a garantir ao aluno avanços de acordo com as imposições legais, assegurando-lhe, portanto a autoconfiança e estima e evita o fracasso escolar. Aqui positivo não significa ser bom. Se esperamos mudar um comportamento, é crucial conhecer a intenção positiva que está por trás desse comportamento e encontrar outras formas de satisfazer essa intenção. Devemos tentar dar as pessoas ou a nós mesmos, outras opções. (JUNGES, 2002, p.208)

Para trabalhar com inclusão devem-se considerar as capacidades, não ressaltar o problema do aluno e, dentre outras coisas, compreendê-lo. Então autismo é: Um distúrbio do desenvolvimento de origem orgânica (lesão encefálica) cuja causa específica é de componente genético, todavia ainda não se conhece com detalhes. Caracterizada pela tríade (DMS-IV, CID10): alterações na interação social, na linguagem e no comportamento. [...] Entretanto, a maioria não tem causa e nenhum exame mostra qualquer lesão no sistema nervoso (RELVAS, 2007, p.78).

Por isso, comecei atender essa lacuna ainda presente nos espaços família-escola- sociedade explanado no capítulo três (3), mas 348


antes de descrevê-la apresentar-se-á algumas contribuições relevantes acerca do desenvolvimento cognitivo, como o pensamento e a função da linguagem a luz dos estudos Piagetianos e de Vigotski. 2.2 ALGUNS HUMANIZADAS

CONCEITOS

PARA

MEDIAÇÕES

2.2.1 Penso, logo existo! O pensamento não é simplesmente expresso em palavras, é por meio delas que ele passa a existir. (VIGOTSKI, 1998, p.156)

A proposta interacionista de Piaget diz que a criança ao ser ensinada ela organiza o seu meio. Isso é inerente ao processo de desenvolvimento cognitivo, precisamente da linguagem quando de fato há possibilidades e meios de se fazer combinações dos objetos ao uso concreto, fator este que implicará a mudanças gradativas de comportamento (aprendizagem) a depender da maturação do corpo do individuo e por meio da experiência e interação (desenvolvimento). Essa tríade (linguagem, aprendizagem e desenvolvimento) concatena-se a uma imensa recarga de transferência de informações via sinapses para a formação da memória, o que “amplia a comunicação”, conforme Relvas (2005, p.71). Piaget (1993, p.2) definiu linguagem como um elemento que “serve ao individuo para comunicar seu pensamento” e os distinguiu em: o pensamento dirigido (inteligente) e o autístico (não dirigido).50 O seu desenvolvimento progride via sensório-motor e paulatinamente evolui a medida dos acréscimos do aprendizado, o tempo um determinante para o amadurecimento a se converter em pensamento de adulto (PIAGET, 1993, p.32-35). O legado de Piaget perpassa pelo egocentrismo infantil e o socializado. Já Vigostki considera a interação do indivíduo com o meio uma ação e reação capaz de transformá-lo, cujas mudanças geraram o desenvolvimento humano. Por isso há uma carga histórica nas relações sociais, processo sincrônico e diacrônico- a desencadear as variações lingüísticas. Ainda, a linguagem funciona 50

Para saber mais a respeito vide PIAGET, 1993, p.32.

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separadamente do intelecto e “a fala não pode ser descoberta” sem o pensamento. (VIGOTSKI, 1998, p.41-42). 51 Para o problema entre o que ensinar a um autista apresentar-se-á a metodologia para o desenvolvimento do comportamento os quais exigem regras sociais para um bem comum. 3

METODOLOGIA

A coleta de dados deu-se nos ambientes mais comuns que H. freqüenta: escola-casa. Lentamente avançamos para outros espaços “incomuns” para ele como shoppings, supermercados etc., visando aplicar as linhas que norteiam o Projeto de Atendimento Domiciliar, por mim desenvolvido, tendo por instrumento a Neurololinguística (Programação Neurolinguística- PNL). Os dados foram registrados ora com filmagem ora arquivados (os transcritos, desenhos) conforme a execução das atividades e autorizado pela mãe do aluno a forma um portifolio. O atendimento domiciliar com H. iniciou-se em novembro de 2010, três vezes por semana (segunda, quarta e sexta-feira) por uma hora diária. Reservamos às sextas-feiras a exploração de espaços turísticos, comércio e serviços para resgatar a socialização e a um aprendizado concreto, pois em H. há uma lacuna extensa de comportamento a ser reforçado. 3.2

RELATO DO CASO: OUVI UMA VOZ. FALEI...!

O histórico de escolar de H. iniciou-se aos cinco (05) anos de idade. Poucas vezes fora estimulado a interagir com outras pessoas fora do ambiente familiar. Fora marcado por varias rejeições em algumas instituições de ensino; não avançou o 3ºano/9 (o curso pela terceira vez). Freqüenta a escola especializada pela manhã e a, regular à tarde. Em ambas o aluno interage com crianças menores em

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No seu desenvolvimento ontogenético, o pensamento e a fala têm raízes diferentes. Podemos, com certeza estabelecer, no desenvolvimento da fala da criança, um estágio préintelectual; e no desenvolvimento de seu pensamento, um estágio pré-linguístico.A uma certa altura, essas linhas se encontram; conseqüentemente, o pensamento torna-se verbal e a fala racional.( VIGOTSKI,1998,p.54)

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estatura e faixa etária, o que intensifica o comportamento infantil, ora hostil. Como a rotina é muito marcante para os casos de autismo, sair de casa era exaustivo para os entes envolvidos: demorava a aceitar a mudança de rotina, a tomar banho, comer algo etc. Por isso as paredes para H. denotam proteção e reconhece especificamente as da sala de aula e da sua casa. A noção geográfica (espacial) é limitada e fica extremamente nervoso, como se estivesse perdido. H. favorece-se da deficiência só para receber os “cuidados” dos responsáveis e atenderem as necessidades dele. H. passava a maior parte de seu tempo jogando vídeo-game e assistindo DVD animados da turma da Mônica. É muito comum ouvi-lo imitar os sons dos jogos. Caso a TV esteja desligada, H. pouco dialoga e a voz a do vizinho alcoólatra e violento ecoa em H. com quem aprendeu os palavrões e alguns adjetivos agressivos. Habituou-se a andar pela casa sem vestimentas. O quintal da casa é em concreto: o adolescente teve pouco contato com terra, que somado ao processo alérgico, despojava-se disso. Assim pude detectar as necessidades, gosto, curiosidades e intolerâncias. O atendimento abranda e os objetivos visam atender subjetivamente cada sujeito. 4

ANÁLISE DOS DADOS

A linguagem não se encerra na construção sequencial de elementos estruturais- gramaticais, ela se forma pelo conjunto de valores e sentimentos que para funcionar com significação real, emoldura o pensamento e a reflexão. Mas para isso exige-se amadurecimento lingüístico (fala habitual), social, emocional e visual. De maneira lenta e gradativa, o sistema nervoso recebe estímulos (experiências) responsáveis pela modificação do comportamento e assim a ocorrer o aprendizado - plasticidade cerebral (RELVAS, 2005, p.33). Mas só se melhora o aprendizado quando ouvimos, falamos (oral ou gestual) e nos comunicamos. As angustias da mãe- filho (H) foi o norte desse trabalho. Não adiantaria reforçar o b+o (bo) /l +a (la) a formar “bola”, desenhar e pintá-la se H. nunca vira uma. É mais significativo pegar a bola, por exemplo, classificá-la e depois mostrar sua função 351


brincando com ela. Assim aprendemos as classes de palavras. Uma vez pedi que H. jogasse a bola para mim contando até dez, ele o fez. Depois ele disse: “Agora joga vinte”, e começou a jogá-la contando até vinte. Anteceder a dificuldade impede que o aprendente paralise, sem mudança brusca, e, melhor, contínua. Ver o que falta para melhorar sem desistir, ainda que haja dificuldades, descartar o negativo e comemorar com os sucessos, menores que sejam. Segundo Relvas (2005, p. 44-45) “é uma atuação correta e eficaz na estimulação da plasticidade e de fundamental importância para a máxima da função motor-sensitivo do alunado, visando facilitar o processo de aprender a aprender”. 4.1

UM CARRINHO DE SURPRESAS

Nossa ida ao supermercado teve dois pontos relevantes que nos fazem repensar em uma atividade externa: tempo e autonomia. H. dirigiu o carro de supermercado sozinho pela primeira vez, pôs os alimentos que gostava de comer dentro do carrinho chamando a atenção da mãe que os desconhecia. Para o reforçarmos o assunto “quantidade”, no setor de frutas selecionava e agrupava-as: - Ponha quatro maçãs no saco, e dois mamões no outro. H. não sabia tirar o saco. Intervir demonstrando como fazer. Em seguida apareceu uma senhora muito sorridente, com as mãos cheias de frutas pedindo ajuda: - Meu filho ponha no saco para mim, me ajude, por favor! Ela nem percebeu que H. era deficiente. O tratou naturalmente. Reforcei com H. a necessidade de aprender, fazê-lo só e ainda ajudar as pessoas. Somente compreendendo que as origens de todos os processos mentais complexos não estão nas profundezas da alma e sim nas formas complexas de vida social do homem e na comunicação da criança com as pessoas que a rodeiam é que poderemos, finalmente, superar os preconceitos arraigados durante séculos na ciência da psicológica. (LURIA &YUDOVICH, 1985, p.14).

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Para H. era muito difícil aquele aglomerado de pessoas, de informações devido o grau do comprometimento das ausências de socialização. O barulho das máquinas, das pessoas e a fila que não andava. O aspecto tempo não foi satisfatório, pois desrespeitamos o limite de H. foram mais de duas horas, ocasionando-lhe um estresse. O trabalho domiciliar não esbarra só no aluno, contempla também a família. Tudo precisa ser executado dia a dia com ela, por isso sugiro meios e auxilio todos. Integrá-lo nas atividades domésticas e lazer em maior número e qualidade possíveis. 4.2

UM PASSEIO AO SHOPPING

A questão comportamental preocupava a mãe. Visamos então oportunizar a H. situações que lhe permitisse enxergar as conseqüências das atitudes que temos, acrescentando que a sociedade vive num sistema de regras e enfatizamos a necessidade de H. cumpri-las para ser aceito. Sua deficiência não fazia dele uma exceção. Principalmente porque buscávamos alcançar sua inclusão na sociedade e garantir seus direitos. Era necessário experimentar as conseqüências de atitudes ofensivas de modo natural. Um dia isso aconteceu de forma concreta, real. A mãe foi alcançar a pizza no balcão, ao voltar uma moça estava chamando a atenção de H. dizendo que o que fizera era feio. Desse dia em diante H. entendeu porque não gesticular em gesto obsceno. Sempre que é “tentado” a fazê-lo, pergunta: “é feio é, professora? A menina do shopping disse é, né?! Aqui H. adentra nas etapas primárias do desenvolvimento dos processos mentais complexos a tornar-se capaz de organizar sua linguagem, o que nos permite concordar com os estudos de Luria &Yudovich (1985, p.15): “o desenvolvimento mental humano tem origem na comunicação verbal entre criança e adulto e que „uma função, que esta em principio dividida entre duas, passa depois a ser meio pelo qual se organiza a conduta pessoal da criança”‟. 4.3 NÃO SEI EXPOR EM FALA O QUE SINTO, MAS SINTO AO DESENHAR Durante esse período percebi que H. sempre pedia para desenhar, assim, permitia-lhe desenho livre. 353


Uma ocasião ele pediu para desenhar a flor que estava na estampa da mesa de jantar. Outra agudeza de H.: fazer gravuras. As fez com detalhes. Detalhes ricos que por minha óptica via algo torto, inclinado, mau traçado... Mas ele explicou-me com olhos de um artista. Luria & Yudovich (1985, p.16) em um de seus estudos, a respeito da linguagem, ensinam que ao permitirmos a criança o contato com o traço de um objeto, sua percepção ampliará sua memória distintiva e “coerente” e conseqüentemente as opções para o desenvolvimento. Trabalho com desenhos para autistas permite o relaxamento, ameniza o devaneio e a angústia sem razão aparente, como ainda auxilia a coordenação motora evitando o Flapping (movimentos repetitivos das mãos e dos braços). Por eles nomeamos e classificamo-los objetos. H. é hábil para o desenho e, como estímulo, fizemos um cantinho de exposição dos desenhos a apresentá-los a quem desejar. 4.4 A INTERVENÇÃO AO ALCANCE DAS MÃES O aparecimento das aptidões de H. atribui-se a observação da relação familiar que exerce a partir do planejamento antecipado das atividades futuras e traçando a investigação suas relações passadas de organização do aprendizado da linguagem. Nesse momento, sempre explicava os objetivos daquela atividade, às vezes dando-lhe a resposta. Em momentos de maior ansiedade H. agia com flapping. O estudo era interrompido varias vezes ao andar da sala-cozinha e vice-versa e pelo desligar da lâmpada. Com a rotina e exaltação das atitudes comportamentais esperadas eles diminuíram. Para centrar-se mais nas atividades, quando o vejo ansioso, o chamo pelo nome em tom mais auto e converso sobre coisas que ele gosta, pergunto outras. Antecipar as aulas foi satisfatório, pois valoriza a autonomia da organização e preparação do ambiente ou para o ambiente, quando chego a sua residência já está pronto ou quase, evitando a demora no banho. Que, segundo Benenzon (1987, p.42), “seu grande prazer pelo contato com a água. Isto se deriva do fato que a água se assemelha ao meio aquoso que envolve o feto.”

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Hoje para sair H. fala com ânimo e sai à frente dizendo “vam borá, vam borá fessora!”. As listas de supermercado e outras palavras o auxiliou na leitura-escrita. A leitura noturna e diária na companhia da mãe associado ao uso de cartazes com boas maneiras foi fundamental, já que aprendizagem de H. é visual. Os gestos e palavras obscenas ocorrem, porém em menor grau e H. relembrava o episódio do shopping. H.fala, mas a seu modo. Benenzon (1987, p.129) diz que a linguagem falada de um autista “não é um problema imediato a resolver, mas sim será o resultado de uma serie de transformações na criança”. Por isso quebramos a redoma geográfica doméstica, a exploração em diversos ambientes a atender o desenvolvimento de H. autonomamente em seu ritmo. O portfólio permitiu o individuo se descobrir, enxergar a evolução dos processos, confiança em si e em ultrapassar toda a dificuldade, até o preconceito. Na família emergiu a compreensão e o respeito. Um salto. De um estágio limitado de conhecimento para a coordenação das mudanças na linguagem, portanto na sua vida.52 Com o método da Programação Neurolinguística (PNL) equacionou-se possibilidades de comunicação, ação e emoção contextualizando-as (ensino concreto) a torná-las expressiva, significativas. CONSIDERAÇÕES FINAIS As exigências do novo modelo de sociedade acelerada não nos permitem tempo para treinarmos. Precisamos de uma reprogramação do cérebro para tentar sempre e alcançarmos o sucesso. É o que nos ensina a PNL: aprender a aprender. Esse universo é inverso ao do autista. Ele paralisa-se em si mesmo, não responde aos estímulos, aparentemente surdo, sem fitar alguém nos olhos como invisível, fora de si. A redoma que ele mesmo põe em defensiva ao mundo exterior. Tocar nos objetos mais de uma vez para codificá-lo em testes olfativos. Um subterfúgio da socialização. Como trazê-lo a realidade e desenvolver a capacidade comunicativa se nele há mutismo? As contribuições a esta pesquisa foram retiradas do livro “Inclusão: um guia para educadores” de STAINBACK e “Passos para inclusão...” de RAMOS (vide bibliografia completa). Visando associá-las a aplicação da PNL. 52

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O processo de ensino aprendizagem da linguagem é contínuo a todo indivíduo, com deficiência ou não. Por que então estimular o uso concreto nas habilidades se adquiriu um nível superior do processo mental por meio do “principio da atividade nervosa – a abstração?” (LURIA, p.99). Porque a realidade é quem coordena a necessidade para aspirações e o ineditismo, e por ela a consunção torna-se efêmera. A experiência de vida atrelada ao auxílio de conteúdos e postura sem paradigmas tornam-se eficazes, caso respeite-se a realidade de cada um, não as expectativas do público (familiares e professores etc.). Sem pressões, livremente aprendendo. O sentimento de pertença ao grupo proporcionava a flexibilidade e aceitação quando apresentado às regras distintas: o direito e o dever. À medida que o tempo passa a tendência é acelerar ao esquecimento. Alguns recursos pedagógicos auxiliam para a melhoria do aprendizado, atenuando o esquecimento como o ensino mnemônico e o método fônico. Siqueira (1998,p.172) diz que para a aquisição do conhecimento e processo de alfabetização sete fatores são fundamentais “para que a aprendizagem se efetive, seja qual for a teoria de aprendizagem considerada: saúde física e mental, motivação, maturação, inteligência, concentração ou atenção e memória”. Todavia eles não são quesitos para que ela seja eficaz. O que nos permite considerar as possibilidades o meio para alcançarmos o desenvolvimento do aprender distintamente. Para traçar as metas é necessário planejar, comprometer-se, pesquisar para estar preparado para as possíveis dificuldades, porque elas existiram para que o cérebro seja provocado a trabalhar pela quebra da rotina, pela mudança de comportamento. Um equilíbrio dosado pelo ato servil: doar-se para que o outro viva dignamente e em comunidade. Logo, todo aluno autista, assim como todo deficiente, pode aprender e desenvolver suas potencialidades assumindo seu lugar na sociedade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AULT, Ruth L. Desenvolvimento cognitivo da criança: a teoria de Piaget e a abordagem de processo. Tradução Álvaro Cabral. Rio de janeiro: Zahar,1978. 356


BAGNO, Marcos. A norma oculta: língua & poder na sociedade brasileira. São Paulo: Parábola, 2003.200p. BENENZON, Rolando O. O autismo, a família, a instituição e a musicoterapia. Tradução Rogério Lima. Rio de Janeiro: Enelivros, 1987. DI PAOLO, Darcy Flexa. Elaborando trabalhos acadêmicos e científicos: TCC, dissertação e tese. Belém, PA: Pakatatu, 2009. FARIA, Anália Rodrigues de. O pensamento e a linguagem da criança segundo Piaget. 2. ed. São Paulo: Ática, 1994. FERNANDES, Elisângela. Teoria passada a limpo. Revista nova escola: o desenvolvimento da inteligência, São Paulo: Abril, ano XXV, n. 238, p.60-67, dez. 2010. FERREIRO, Emilia. Alfabetização em processo. 18. ed. São Paulo: Cortez, 2007. GRILLO, Eugênio; SILVA, Ronaldo J. M. Manifestações precoces dos transtornos do comportamento na criança e no adolescente. J. Pediátrico. Rio de Janeiro, Abr 2004, vol.80, n°.2, p.21-27. ISSN 0021-7557. JUNGES, Simone Santos. A programação neurolinguistica como um recurso para o ensino da língua inglesa. Face em revista. União da Vitória, v. 1, n.5, p. 201-210, out. 2002. LOPES, Mauricio. Um modelo híbrido. Revista T&D: desenvolvendo pessoas, São Paulo, v.11, n. 124, p. 40-41, abr. 2003. LURIA, A.R., YODOVICH, F. I. Linguagem e desenvolvimento intelectual na criança. Tradução de José Claudio de Almeida Abreu. Porto Alegre: artes médicas, 1985.101p.21 cm.

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STAINBACK, Susan, STAINBACK, William. Inclusão: um guia para educadores. Tradução Magda França Lopes. Porto Alegre: artmed,1999. VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Pensamento e linguagem. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,1998.

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POR UMA EDUCAÇÃO VOLTADA PARA A REALIDADE DA AMAZÔNIA: Um desafio para os educadores contemporâneos Carla Caroline Rocha Wilma Bastos Costas Profa. Me. Lucidéa de Oliveira Santos (Orientadora) FIBRA RESUMO: A educação do campo é uma modalidade educativa inovadora, estruturada e organizada para o atendimento dos povos que residem distante dos centros urbanos. Sua história vem sendo construída ao longo das duas ultimas décadas, de 1990 á 2010, sobre forte pressão dos movimentos sociais como o (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra- MST). Na atualidade esta modalidade de ensino já obteve bastante progresso e a cada dia que passa tem ocupado mais espaços tanto nas Universidades como entre os educadores em todo o país, todos com fins de dá sua parcela de contribuição dentro da temática. O presente trabalho se propõe discutir propostas educativas para as populações do Campo, mais especificamente para o contexto da região Amazônica sob a luz da LDB Lei nº 9394/96 e a resolução CNE/CEB 1 de 03 de abril de 2002. PALAVRAS-CHAVES: Educação Metodológicas; LDB Lei nº 9394/96.

do

Campo;

Propostas

INTRODUÇÃO Não se pode negar que até pouco tempo o direito à moradia digna, à educação, à saúde foram negadas às populações que residem distante dos centros urbanos. Segundo o censo de 2000 do IBGE 19,6% da população rural da região norte com idade acima de 15 anos ainda é analfabeta, de 3,8 milhões de pessoas não chegaram a cursar o Ensino Médio e 1,3 milhões não cursaram o Ensino Fundamental, esses dados revelam a situação que ainda vive as populações do campo.

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Para Arroio (2004, p.28) esse esquecimento também é um resquício dos processos de industrialização das décadas de 1960 e 70, que propagavam ideologias as quais ponderavam que com o desenvolvimento dos processos industriais e tecnológicos as cidades cresceriam e o campo desapareceria, essas ideologias ao longo dos anos fundamentaram a dissipação de crenças que favoreceram a valorização do espaço urbano em detrimento do espaço rural, valores que contribuiram para o processo de desvalorização tanto das pessoas, como dos conhecimentos, costumes, atividades desenvolvidas pelas pessoas do campo. Conseqüentemente as pessoas que habitavam nos espaços rurais ao longo dos anos foram ficando a margem principalmente das políticas públicas no que concerne a oferta de educação de qualidade, ao desenvolvimento tecnológico e qualidade de vida. Percebe-se que já se passaram 20 anos desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, que veio determinar o direito a educação a todos os cidadãos brasileiros e o dever do Estado em oferecer esses serviços para povo, porém para as populações que habitam longe das cidades ainda é possível visualizar uma realidade bastante carente, falta escolas, infra- estrutura necessária para um atendimento de qualidade, material didático, equipamento, transporte, falta professores qualificados; assim como ações pedagógicas inovadoras em conformidade com as peculiaridades dessas populações, indo de encontro ao que afirma a mesma lei: Art. 205 A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (SENADO FEDERAL, 2010)

Nas últimas duas décadas, vários movimentos sociais, como o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, conjuntamente com organizações afins e alguns autores renomados e comprometidos com essa questão vêm delatando esse descaso na tentativa de chamar atenção do poder público para a implementação 361


de ações para as populações do campo. O direito a educação, a uma educação de qualidade, também estão entre os questionamentos dos movimentos populares. Esses movimentos sociais por sua vez têm desempenhado um importante papel no processo de construção de ações, projetos e programas inovadores para o desenvolvimento dessas populações. Como conseqüência, o poder público tem estruturado políticas públicas para atendimento dessas demandas sociais e na atualidade as comunidades do campo já podem contar com ações e programas como é o caso do PRONERA; PROCAMPO e outros; podem contar com órgãos públicos como INCRA; secretarias (Secretaria de Educação Continuada de Alfabetiza e Diversidade- SECAD), porém ainda há muito a ser feito. É diante deste contexto que é colocada a questão de como promover uma educação voltada para as populações que viveram à margem das ações políticas e que atenda as especificidades locais de cada comunidade? Sendo assim este trabalho se propõe discutir ações educativas voltadas para as populações da Amazônia que habitam distantes das cidades, entre as quais podemos mencionar os camponeses e trabalhadores rurais, também as populações das florestas, ribeirinhas, indígenas, remanescentes quilombolas, e outras. A EDUCAÇÃO CAMPO NA LEI DE DIRETRIZES E BASES Antes de adentrarmos no proposto anteriormente, é importante situarmos essas ações dentro do hemisfério macro pelas quais elas são regidas. As ações educativas voltadas para a população Amazônica residentes no espaço rural é discutida e direcionada pela modalidade de ensino da “Educação do Campo”. Para melhor situa- lás é importante refletirmos sobre os conceitos que perpassam pela temática. Assim a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB Nº 9394/96, é o primeiro referencial a ser discutido, isso porque é lei que fundamenta todos os processos educativos em nosso país. Art. 1º educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e

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pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

A Educação do Campo por sua vez, é um complexo abrangente que engloba processos educativos desenvolvidos em todos os espaços geográficos que são distintos aos do meio urbano, não diz respeito apenas aos processos de ensino aprendizagem que atendam as pessoas habitantes do meio rural vinculados ao campo extensivo de terras onde há o predomínio das atividades econômicas voltadas para a agricultura e pecuária. É uma modalidade de ensino que vai atender os agricultores, os filhos de camponeses, trabalhadores rurais temporários, boas frias, assentados e reassentados, como também vai atender as demandas educativas provenientes das populações ribeirinhas, pesqueiras, indígenas, populações das florestas, de remanescentes quilombolas e outros. A expressão “do campo” representa uma concepção político pedagógica voltada para entender a dinâmica existente na relação dos seres humanos com a terra, com o meio ambiente, os diversos saberes relativos a memória coletiva dos povos do campo. Sendo assim, a educação do campo pode ser entendida como um processo educativo desenvolvido em espaço delimitado por populações com características culturais e econômicas próprias, que visa o desenvolvimento tanto pessoal, cultural como o da subsistência da população do campo. Por educação do campo concebe-se toda ação educativa que incorpora espaços da floresta, da pecuária, das minas e da agricultura, mas os ultrapassa ao acolher a si os espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos, pantaneiros e extrativistas e fundamenta-se nas práticas sociais constitutivas dessas populações e seus conhecimentos, habilidades, sentimentos, valores, modo de ser e produzir, de se relacionar com a terra e formas de compartilhar a vida. (CARVALHO; PASSOS; ROCHA, s/d)

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No que concerne a proposição de ações desafiadoras a serem desenvolvidas junto a essas populações e as questões que devem ser priorizadas na proposição dessas ações, a Lei de Diretrizes e Bases- LDB 9394/96 que rege os processos educativos no Brasil, traz grandes contribuições. Ela determina que a educação desenvolvida no campo deverá ser adaptada à realidade local, considerando tanto aspectos macros (como a questão do clima) quanto os aspectos específicos (como os conteúdos a partir das necessidades e interesses dos indivíduos): Art 28: “Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I. conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II. organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III. adequação à natureza do trabalho na zona rural. (CARNEIRO, 1998)

Verifica-se na lei em questão que expressa parâmetros a serem adotados junto as populações do campo. Ela delimita tanto o currículo, os conteúdos, a organização das instituições educativas, como a práxis a ser desenvolvida pelos educadores nos sistemas de ensino situados na zona rural. Entre os fatores a serem considerados na estruturação de atividades educativas desenvolvidas para região amazônica, tem- se a questão geográfica. Esta região tem peculiaridades próprias que precisam ser consideradas, isso porque a questão geográfica também influencia no contexto escolar, no nível de envolvimento dos alunos juntos aos processos de ensino e aprendizagem e também nos níveis de evasão escolar. A região amazônica possui grandes extensões de área cobertas por florestas recortadas por abundantes rios e bacias hidrográficas com uma rica e abundante diversidade de espécimes 364


animais e vegetais, sendo assim há um predomínio de atividades econômicas vinculadas à pesca e ao extrativismo vegetal e mineral. O Pará tem como principais atividades econômicas a exploração de madeira, a pecuária e a mineração, é o segundo maior estado brasileiro na extração de minérios de ferro, cobre e bauxita. Muitas famílias sobrevivem do comercio da castanha, do açaí, de ervas medicinais como é o caso dos indígenas entre outros, enfim este possui uma diversidade de atividades econômicas as quais em torno de cada atividade desenvolvida, circula uma grande diversidade cultural, que também precisam ser respeitadas e valorizadas no processo educativo. O art. 28 coloca a importância da escola se adaptar e se estruturar em conformidade com as peculiaridades da comunidade rurais, e não contrário. A escola precisa ser um espaço atrativo, um espaço de construção saberes onde a flexibilidade e o conhecimento científico devam estar à disposição a favor do desenvolvimento dos povos do campo. Sendo a Educação do Campo aquela que vai incorporar as práticas sociais, os meios de produção, em fim, as peculiaridades que constitui as diversidades culturais das populações com identidades distintas as do meio urbano, discutir propostas educativas especificas para a realidade das populações rurais da Amazônia, se faz necessário antes de tudo analisar o contexto sócio-econômico em que as ações serão desenvolvidas, sem a qual poder-se- á cometer o erro de reproduzir práticas educativas tradicionais que não levam em consideração a realidade local, e dessa forma pecar por não contribuir para o desenvolvimento sócio-econômico, cultural e sustentável das populações do campo. Entende-se a partir deste artigo que o educador do meio rural deve possuir uma postura antropológica, assim se faz necessário que este educador também seja um professor pesquisador, no sentido de observar a realidade rural criticamente (os comportamentos individuais, as relações sociais, os valores morais e econômicos) para que este possa levantar as principais questões e necessidades da comunidade local e assim poder pautar sua prática educativa, buscando dessa forma, contribuir na construção da valorização da identidade cultural local. Outro fator relevante a ser considerado nas atividades educativas desenvolvidas na região amazônica é os conteúdos. 365


A seleção dos conteúdos como das metodologias devem ser coerentes com as necessidades de desenvolvimento social e profissional das pessoas do campo. A questão da qualificação para o mundo do trabalho também é uma finalidade da educação como todo, e no caso da educação do campo o ensino profissionalizante, cursos técnicos em nível do ensino médio (como aqüicultura, agronomia, agropecuária, ecoturismo, etc...) tem recebido maior atenção nessa modalidade de ensino, na medida em que possibilita em tempo hábil capacitar as populações do campo para atuarem de forma mais produtiva junto aos meios de produção locais. O currículo também tem que ser pensado segundo a identidade de cada população, (seja ela indígena, ribeirinha, povos da floresta e outros) de forma a valorizar conteúdos referentes a cada espaço geográfico e que sejam significativos para a comunidade nativa, deve favorecer o desenvolvimento dos saberes científicos, tecnológicos e culturais das populações locais sem que haja transposição dos conhecimentos urbanos sobre os conhecimentos rurais, ver o que afirma o Conselho Nacional de Educação- CNE, 2002: Art. 13 Os sistemas de ensino, além dos princípios e diretrizes que orientam a Educação Básica no país, observarão, no processo de normatização complementar da formação de professores para o exercício da docência nas escolas do campo, os seguintes componentes: I- Estudos a respeito da diversidade e o efetivo protagonismo das crianças, dos jovens e dos adultos do campo na construção da qualidade social da vida individual e coletiva, da região, do país e do mundo; II- Propostas pedagógicas que valorizem, na organização do ensino, a diversidade cultural e os processos de interação e transformação do campo, a gestão democrática, o acesso ao avanço científico e tecnológico e respectivas contribuições para a melhoria das condições de vida e a

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fidelidade aos princípios éticos que norteiam a convivência solidária e colaborativa nas sociedades democráticas.

Vale aqui ressalta que apesar do compromisso dos educadores em elaborar propostas pedagógicas para campo vinculadas às peculiaridades locais, essas propostas devem sempre estar em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN para a educação básica, atualmente constituída pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Essas diretrizes é que dão norte para os processos formativos em todo território nacional, dessa forma este referencial teórico é imprescindível aos educadores brasileiros, no momento da elaboração de propostas educativas para as diferentes disciplinas (língua portuguesa, matemática, ciências naturais etc...). A escola na pessoa do gestor e dos técnicos, também desempenha um importante papel nos processos formativos dos educandos do campo. A esta é colocada o desafio de discutir, de propor e aprovar ações e projetos para o desenvolvimento do corpo docente, discente da escola e da comunidade em torno da escola; viabilizar a infra- estrutura para o bom andamento dessas ações, estimular os processos de capacitação da equipe técnica e principalmente dos professores leigos sem habilitação nenhuma ou ainda dos que ministram aulas em disciplinas pelas quais não tem formação acadêmica, favorecer os processos de participação da comunidade através da implantação de uma gestão democrática. AS DIRETRIZES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA NAS ESCOLAS DO CAMPO Outro referencial relevante que pode contribuir para a discussão de propostas pedagógicas para as populações do campo é a resolução CNE/CEB 1 de 03 de abril de 2002, , isso porque ela institui diretrizes operacionais para a Educação Básica nas escolas do Campo. Art. 4º O projeto institucional das escolas do campo, expressão do trabalho compartilhado de todos os setores comprometidos com a

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universalização da educação escolar com qualidade social, constituir-se-á num espaço público de investigação e articulação de experiências e estudos direcionados para o mundo do trabalho, bem como para o desenvolvimento social, economicamente justo e ecologicamente sustentável. Art.7º As atividades constantes das propostas pedagógicas das escolas, preservar as finalidades de cada etapa da educação básica e da modalidade de ensino prevista, poderão ser organizadas e desenvolvidas em diferentes espaços pedagógicos, sempre que o exercício do direito à educação escolar e o desenvolvimento da capacidade dos alunos de aprender e continuar aprendendo assim o exigirem. Art. 8º As parcerias estabelecidas visando ao desenvolvimento de experiências de escolarização básica e de educação profissional, sem prejuízo de outras exigências que poderão ser acrescidas pelos respectivos sistemas de ensino, observarão: I- Articulação entre proposta pedagógica da instituição e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a respectiva etapa da Educação Básica ou Profissional; II- Direcionamento das atividades curriculares e pedagógicas para um projeto de desenvolvimento sustentável; III- Avaliação institucional da proposta e de seus impactos sobre a qualidade da vida individual e coletiva; IV-Controle social da qualidade da educação escolar, mediante a efetiva participação da comunidade do campo

A qualificação para o mundo do trabalho e a valorização meio do ambiente através da sustentabilidade, deve ser o sentido das ações educativas desenvolvidas no campo. É significativo os 368


conhecimentos que favoreçam o desenvolvimento do conhecimento social, assim como o desenvolvimento profissional, porém não se pode deixar de lado os valores de desenvolvimento sustentável, cabe as populações do campo zelar de seus bens e recursos naturais, seu patrimônio cultural, as paisagens naturais, a biodiversidade animal e vegetal. Para tanto a pedagogia de projetos se faz relevante na medida em que se pode lançar projetos que favoreça tanto a promoção da valorização e o respeito ao patrimônio cultural e natural local, assim como a proposta do trabalho interdisciplinar entre os educadores das áreas das exatas, das humanas, das ciências naturais etc. Para a qualificação profissional faz-se necessário buscar técnicas, projetos, cursos profissionalizantes, convênios e parcerias com universidades, eco-museus, com as escolas de pesca, enfim instituições afins que favoreçam o desenvolvimento das atividades econômicas e trabalhistas já desenvolvidas junto à comunidade nativa, assim como propostas que contribuam para a manutenção e preservação da diversidade animal e vegetal local. As mídias (internet, televisão, revistas, artigos científicos etc...) também são importantes pontos de referencias, pois tem contribuído na divulgação de boas práticas de educação no campo que vem sendo aplicadas e dando certo por favorecer o desenvolvimento e a valorização do campo. CONSIDERAÇÕES FINAIS No processo formativo dos povos do campo o educador desempenha um importante papel, pois sua prática será determinante para a concretização e avanço dos processos de desenvolvimento da população rural. O direito a uma educação de qualidade não pode mais ser negado as populações da amazônia, pois a modalidade de ensino da educação do campo alcançou reconhecimento através da Lei de Diretrizes e Bases da educação Lei 9394/96, assim como da resolução CNE/CEB 1, de 3 de abril de 2002 a qual vem instituir diretrizes para a educação do campo. Através destas são lançados inúmeros desafios não só para os professores que atuam junto as populações do campo, mas também para todos os educadores do território nacional. 369


Nesse sentido, as ações educativas voltadas para as populações que residem distantes das cidades devem contribuir para o desenvolvimento dos conhecimentos científicos e tecnológicos, sem perder de vista o fortalecimento da cultura, da autonomia, da formação da autoimagem destes; deve promover a valorização e a afirmação dos valores das populações locais. Nestas é importante também que haja uma articulação entre o conhecimento científico e o conhecimento popular de forma a possibilitar a produção de conhecimentos que atendam as necessidades locais. Para tanto, se faz necessário primeiramente que o educador se proponha a conhecer as características da realidade local para entender a dinâmica do espaço em que as ações educativas serão desenvolvidas, e assim poder fundamentar sua prática de forma coerente com as reais necessidades da comunidade. Aqui a pesquisa de campo desempenha um importante papel, na medida em que se pode levantar as verdadeiras necessidades de cada realidade, é relevante também a analise e pesquisa de boas práticas educativas, ações, projetos, programas, projetos de pesquisas que já foram postos em práticas. Entre os conhecimentos que se considera relevante a serem trabalhados para o desenvolvimento dessas comunidades, pondera-se ações que contribuam para amenizar o processo migratório dos povos do campo os quais seguem para as cidades em busca de capacitação profissional, em busca de melhoria para as atividades produtivas locais. Sendo propõe-se os cursos técnicos profissionalizantes, as oficinas que favoreçam a aquisição de renda para a melhoria da qualidade de vida familiar. Com essas ações acredita-se que se pode favorecer o processo de inclusão das pessoas que até então estavam à margem dos benefícios provenientes de uma educação de qualidade, se poderá possibilitar a permanência dessas pessoas no campo ao perceberem o aumento das oportunidades de desenvolvimento das pessoas em seu local de origem. Conclui-se assim dizendo que é desafio do educador contribuir na disponibilização de recursos necessários para o desenvolvimento da subsistência familiar das pessoas do campo, como para seu desenvolvimento pessoal, cultural e tecnológico. São inúmeras as dificuldades, mas que aos poucos podem ser ultrapassadas na medida em que agregue um maior número de 370


educadores que se comprometa com a divulgação de ações que favoreça o desenvolvimento dessa modalidade de ensino, assim como a divulgação de ações que favoreça o processo de valorização e desenvolvimento dos povos do campo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARROYO, M. G; CALDART, R.S; MOLINA, M.C. (org). Por uma educação do campo. Petropolis, RJ: Vozes, 2004. CARNEIRO, M.A. LDB fácil: leitura crítico compreensiva: Artigo a artigo. Petropolis, RJ: Vozes, 1998. CNE. Resolução CNE/CEB1/2002. Diário Oficial da União, Brasília, de 09 de Abril de 2002. Disponível em http://www.redler.org/directrizes-educacao-campo.pdf. Visitado 10/8/2011 às 19h 43min. IBGE. Censo Demográfico - 2000: Educação- resultados da amostra. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/educa cao/greg_norte_tab212.pdf. Visitado em 28/09/2011 às 17h: 30min. ROCHA, Eliene Novaes; PASSOS, Joana Célia; RAQUEL, Alves. Educação do campo: um olhar panorâmico. P.3 Disponível em http://www.forumeja.org.br/ec/files/Texto%20Base%20Educa%C3% A7%C3%A3o%20do%20Campo.pdf Visitado em 30/9/2011 às 12h 44min. SENADO FEDERAL. Constituição da República Federativa do Brasil texto promulgado em 05 de outubro de 1988. Brasília: Secretaria Especial de Editoração e Publicação, 2010, disponível em http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_05.10 .1988/ CON1988.pdf. Acessado em 16/11/2001 às 19h: 24min. SILVA, Luiz Heron da. Qual conhecimento qual currículo. Petrópolis: Vozes,1999.

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O LOGARITMO ENQUANTO MÉTODO DE APRENDIZAGEM Bruna Nazaré Macedo Rodrigues Prof. Me. José de Ribamar Miranda Marinho (Orientador) FIBRA RESUMO: Este trabalho buscou investigaro logaritmo no processo ensino-aprendizagem. Inicialmente discutiu-se como a matemática é vista pelos educandos. Apresentou-se uma breve contextualização das primeiras concepções e estudo do logaritmo. Em seguida focouse em suas propriedades e ressaltado seu uso em diversos tipos de aplicações. A pouca importância que é dada a este conteúdo, despertou um interesse para pesquisar sobre o assunto. Os resultados indicam que a matemática tem privilegiado o caráter reprodutivo ao logo dos anos, o medo de ousar em determinados conteúdos inibe o educador como educando, mediante a isso a contextualização do conteúdo e capaz de despertar o interesse e o raciocínio. PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem.

Matemática;

Logarítimo;

Ensino;

1 INTRODUÇÃO Este trabalho de conclusão de curso de pós-graduação destina-se a investigação do estudo de logaritmo no processo de ensino-aprendizagem. Inicialmente discutimos como a matemática é vista pelos educandos. Apresentamos uma breve contextualização das primeiras concepções e estudo do logaritmo. Desenvolvemos suas propriedades e ressaltamos se uso em diversos tipos de aplicações. O estudo de logaritmo para o processo de ensino aprendizagem. A pouca importância que é dada a este conteúdo, despertou um interesse para pesquisar sobre o assunto. A matemática tem privilegiado o caráter reprodutivo ao logo dos anos, o medo de ousar em determinados conteúdos inibe o educador como educando, mediante a isso a contextualização do conteúdo e capaz de despertar o interesse e o raciocínio.

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Sabe-se que a matemática é importante para entender vários aspectos da vida real, explora-la com aplicações em problemas práticos, envolvendo outras áreas do conhecimento, foi um dos objetivos desse trabalho. O interesse pela realização deste artigo esta ligado a uma necessidade de reestruturação nos métodos de ensino de logaritmos, isto é, pela forma de apresentação deste conhecimento em um contexto que proporcione ao aluno um real sentindo ao conteúdo que está sendo estudado. No entanto são relatados resultados de uma pesquisa que teve como proposito verificar a eficácia da utilização de uma sequencia didática, para o estudo de logaritmos, partindo de problemas relacionados com o cotidiano dos alunos e com o proposito de auxiliá-los a construir seus próprios conhecimentos. Esta sequencia foi aplicada em uma turma de 1° serie do ensino médio e elaborada segundas etapas da engenharia didática. As situações problemas elaboradas privilegiaram situações diversas, envolvendo varias áreas do conhecimento. Também foi utilizada a história da matemática para mostrar a origem e evolução do conceito de logaritmo, e a utilização desse conceito na construção e aplicações de escalas logarítmicas na interpretação de fenômenos da natureza. As atividades da sequencia didática facilitaram não só a compreensão do conceito de logaritmo como a construção de gráficos, permitindo o desenvolvimento de competências para a interpretação e aplicabilidade da função logarítmica. Os problemas que se levantam no processo de ensino da Matemática em todos os níveis são muitos variados e difíceis, temos a refletir sobre algumas das causas que a nosso ver dificultam a aprendizagem no ensino da Matemática. A Matemática está afetada por uma contínua expansão e revisão dos seus próprios conceitos. Não se deve apresentar a Matemática como uma disciplina fechada, homogênea, abstrata ou desligada da realidade. Ao longo do tempo, ela esteve ligada a diferentes áreas do conhecimento, respondendo a muitas questões e necessidades do homem, ajudando-o a intervir no mundo que o rodeava. Porém, mesmo com tal importância, a disciplina da Matemática tem às vezes uma conotação negativa que influencia os alunos, alterando mesmo o seu percurso escolar. Eles sentem dificuldades na aprendizagem da Matemática e muitas vezes são reprovados ou então mesmo que aprovados, sentem dificuldades em

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utilizar o conhecimento adquirido, não conseguem efetivamente terem acesso a esse saber de fundamental importância. 2 A CONSTITUIÇÃO DA ATIVIDADE MATEMÁTICA A visão absolutista da Matemática gera uma dinâmica de ensino em que os alunos devem acumular conhecimento. Esta é a força que vem dirigindo nosso ensino de Matemática há vários séculos. Com base na construção social do conhecimento matemático descrito anteriormente, a atividade do matemático deve ser descrita com menos acúmulo de informação e mais ação. Dentro dessa visão, o objetivo do ensino da Matemática é que os alunos tenham legítimas experiências matemáticas, ou seja, experiências semelhantes às dos matemáticos. Essas experiências devem se caracterizar pela identificação de problemas, solução desses problemas e negociação entre o grupo de alunos sobre a legitimidade das soluções propostas. Esse processo levará os alunos a compreender a arbitrariedade de processos histórico-sociais, com esses simulados em sala de aula, na decisão do que venha a constituir conhecimento a ser institucionalizado e conhecimento a ser desprezado e descartado. Borasi (1992), por exemplo, discute a arbitrariedade das definições matemáticas e demonstra como levar os alunos a compreender o processo social de tomada de decisões da comunidade de matemáticos sobre o conhecimento a ser institucionalizado. Semelhantemente, Arcavi (1991) traça a evolução histórica da noção dê rigor em demonstrações matemáticas e analisa o contexto histórico-social que resultou nos atuais parâmetros de rigor. Infelizmente, o processo de transmissão de conhecimento utilizado na experiência matemática da maioria dos nossos alunos, incluindo o ensino de Matemática de terceiro grau, não deixa que o aluno analise a Matemática como uma área de pesquisa e investigação. Assim como no processo de construção da Matemática como disciplina a essência do processo é a pesquisa, na construção do conhecimento para cada aluno, a essência do processo tem que ser a pesquisa. Dificilmente o aluno de Matemática testemunha a ação do verdadeiro matemático no processo de identificação e solução de problemas. O professor faz questão de preparar todos os problemas a serem apresentados com antecedência; consequentemente, o legítimo ato de pensar matematicamente é escondido do aluno, e o único a 374


conhecer a dinâmica desse processo continua sendo o professor. Com isso, guarda para si a emoção da descoberta de uma solução fascinante, da descoberta de um caminho produtivo, das frustrações inerentes ao problema considerado e de como um matemático toma decisões que facilitam a solução do problema proposto. O que o aluno testemunha é uma solução bonita, eficiente, sem obstáculos e sem dúvidas, dando-lhe a impressão de que ele também deverá conseguir resolver problemas matemáticos com tal elegância. Mas o que não lhe ocorre é que nenhum verdadeiro matemático sabe resolver um problema antes mesmo de tentar resolvê-lo, conforme implicam as ações dos professores de Matemática. Mais ainda, ao contrário do que vem parecer ao aluno de Matemática, problemas interessantes não se encontram nos livros, mas na própria atividade matemática de explorar e investigar o seu mundo real. O futuro professor de Matemática deve aprender novas ideias matemáticas de forma alternativa. O seu aprendizado de matérias como Cálculo, Álgebra, Probabilidade, Estatística e Geometria, no ensino superior, dever visa à investigação, à resolução de problemas, às aplicações, assim como uma análise histórica, sociológicas e política do desenvolvimento da disciplina. Isso exige uma nova percepção por parte dos matemáticos de como se aprende Matemática, o que para muitos está além de suas preocupações. Portanto, a mudança de cursos formais de Matemática é tamanha utopia que exige da comunidade de educadores matemáticos a procura de alternativas criativas para que o futuro professor tenha legítimas experiências matemáticas simulando as atividades de uma comunidade de pesquisa matemática. São essenciais, também, disciplinas que questionam o conhecimento matemático como algo pronto e acabado analisando as decisões arbitrárias que levam à legitimação de certas formas matemáticas e ao descarte de outras. A análise histórico-social e política da gênese do conhecimento matemático é um campo fértil para se explorar a Matemática como uma criação humana e, como tal, entender suas riquezas e suas fraquezas. A dificuldade na aprendizagem da Matemática provoca fortes sentimentos de aprovação ou de rejeição nos alunos. Alguns alunos, devido a um passado de insucessos em Matemática, acreditam que não são capazes, o que os levou a construírem uma 375


baixa autoestima. No que se refere ao ensino do logaritmo é perceptível à dificuldade de aprendizagem no ensino médio, principalmente devido à falta de conhecimentos matemáticos básicos, onde o logaritmo de um número b, em certa base a, é o expoente x que se deve atribuir a essa base para obter o número b, onde dessa maneira poderemos atribuir o conhecimento e as dificuldades enfrentadas pelos alunos. Exemplos: log28=3↔23=8 log10100 = 2 ↔ 102 = 100. Na escola onde foi realizada a pesquisa foi relatado pela direção que muitos alunos não conseguem aprender este conteúdo. Em todos esses problemas, o logaritmo assume o papel de ferramenta para a resolução de equações exponenciais. O logaritmo é um fator essencial para a resolução de um problema que envolve seus quatros operações básicas (soma subtração, multiplicação e divisão). No decorrer de alguns anos de magistério no ensino da matemática observa-se que a maioria dos alunos da 1° série do ensino médio apresentava dificuldades na compreensão do conceito do logaritmo, isto é, os alunos não entendiam o real significado do conceito de logaritmo e sua utilidade. Na atividade escolar a que se refere ao estudo do logaritmo e a aprendizagem de seu conceito, percebe-se que as dificuldades apresentadas devem-se ao fato de que no ponto da aquisição de um conhecimento, este não pode ser gerado a partir da definição algébrica, definição esta que muitas vezes é apenas memorizada, apesar da importância do estudo dos logaritmos, muitos alunos saem do ensino médio sem entendê-lo e nem se quer relaciona-los com aplicações práticas e conhecidas, isto é, sem saber que a teoria dos logaritmos se aplica a muitos tipos de situaçõesproblema, como por exemplo, a quantificação de níveis de intensidade sonora, a resolução de problema envolvendo juros composto, a medição do grau de acidez ou alcalinidade de uma solução química ou uso na escala Richter na medição de intensidade de terremotos. Percebe-se que muitas vezes a maneira como a matemática vem sendo trabalhada em sala de aula, os alunos não conseguem dar um sentindo ao conteúdo que estudam.

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3 A IMPORTÂNCIA DO LOGARITMO PARA A FORMAÇÃO BÁSICA DO ALUNO. A descoberta dos logaritmos aconteceu como uma forma de ajudar os cálculos matemáticos a serem mais sucintos, e permitindo que se realizassem com mais agilidade, cálculos que na época exigiam grandes dificuldades, como operações de números muito grandes ou simplesmente potenciação de expoente com frações. O fato é que os logaritmos têm a característica de mudar produto em somas, quociente em diferenças, potencia em produtos e por diante. As vantagens dessa descoberta foram bem recebidas por todos, desde aquela época, até nos dias atuais. Só que com o passar dos anos o ensino dos logaritmos veio perdendo a força para o qual foi criado, que era para facilitar o cálculo matemático e isso se deve ao uso desenfreado das calculadoras de bolso. O uso desse ensinamento teve uma representação decisiva do fato que se tornou antiquada. As tabelas utilizadas acabaram se tornando apenas historias. O jeito então é se adequar, pois hoje a maior aparência ligada ao logaritmo é o fato de ser uma função que em conjunto com suas inversas, as exponenciais apresentam uma forma de elementos de variação no qual uma grandeza tem taxa de variação proporcional à quantidade daquela grandeza já existente em cada momento. A chamada variação exponencial é desenvolvida em diversas áreas de informação principalmente na ciência. Com isso mesmo com as maquinas calculadoras os logaritmos não perderam sua importância. Percebemos que os alunos enfrentam grandes dificuldades no ensinomatemático. Isso ocorre por conta das metodologias “tradicionais” que nãocontribuem para a construção dos saberes matemático. A matemática comodisciplina tem fundamental importância na vida do individuo, pois facilita naestrutura do raciocínio lógico. A motivação natural está no estudo de problemas reais e em grande parte físicos. Praticamente todos os grandes ramos da matemática surgiram em resposta a tais problemas e certamente no nível elementar essa motivação é genuína. Talvez pareça estranho que a grande significação da matemática resida fora da matemática, mas deve-se contar com esse fato. Para a maioria das pessoas, inclusive os grandes matemáticos, a riqueza e os valores que se ligam à matemática derivam do seu uso no estudar o mundo real. A 377


matemática é um meio que conduz a um fim. Empregam-se conceitos e raciocínios para atingir resultados. Os logaritmos através de suas propriedades transformam: a multiplicação em adição, a divisão em subtração e a potenciação em multiplicação. Na maioria dos casos, essa citação que era apenas para matemática, extrapolou, em muitos, suas causas originais e passam a se revelar de grande utilidade em outras ciências como a química, a biologia, na física e, evidentemente, em vários ramos da matemática. Para que alcancemos os objetivos é preciso que o ensino do mesmo seja desenvolvido de forma que conduza o educando a aprender com facilidade, segurança e prazer. Compete ao professor com sua habilidade, trabalhando com situações contextualizadas fazendo com que o educando transforme os problemas em situações fáceis, isto é, usando à compreensão e raciocínio. O estudo de logaritmo inicia-se com o aprendizado das propriedades de potencia e reais, passando o estudo de exponencial para finalmente depois do aprendizado destes tópicos se inicia com o estudo das propriedades dos logaritmos em si. Por este motivo ao ensinar as propriedades logarítmicas tem-se que fazer uma revisão dos tópicos anteriores para que se tenha uma melhor compreensão do conteúdo. É notório frisar um pouco da parte histórica por que o estudante tenha uma ideia deste conteúdo para humanidade e que o logaritmo não foi criado por acaso e sim para facilitar as nossas vidas, o mesmo tem que ser bem explicado e mostrando-se onde ele é aplicado em nossa vida. E com isso incentivando o educando na construção do conhecimento. 4 AS DIFICULDADES DO APRENDIZADO LOGARITMO NO ENSINO MÉDIO

SOBRE

Os alunos enfrentam muitas dificuldades quando se trata de resolução de problemas, pois muitas vezes estão acostumados a resolver apenas questões de logaritmos, se tendo apenas à realização mecânica de cálculos, sem analisar, refletir, raciocinar, criar estratégias de resolução de problemas, em um processo tão importante em sua formação. No entanto a causa da dificuldade do alunado em logaritmos é de fato o conhecimento-base que é indispensável para a aprendizagem satisfatória de função logarítmica. Dessa maneira pode-se analisar a importância do problema no 378


processo de ensino-aprendizagem destacando-se a motivação como fator imprescindível para o sucesso desse processo, diversos professores tentam descobrir as causas da falta de interesse dos estudantes em relação à matemática, no momento em que a resposta se encontra na ausência de motivação, geradora da falta de empenho e prazer no aprendizado. Acredita-se que ensinando a matemática vinculada com resolução de problemas pode-se trazer o cotidiano dos estudantes para a sala de aula, por conseguinte a abordagem intuitiva e conceitual, assim se desenvolve o raciocínio lógico do estudante evidencializando-se a contextualização, o que estimula e o faz ter consciência do porque do processo de resolução. É importante a participação do aluno na determinação de situação-problema, pois o que é desconhecido para alguns pode ser resolvido muito rapidamente por outros. O problema deverá ser uma situação diferente da que já se tenha trabalhado, mas utilize de técnicas e estratégias já aprendidas para a sua solução. É importante ressaltar a diferença entre exercício e problema, o exercício sustenta-se num procedimento padrão onde o aluno tem certo domínio para a obtenção do resultado ou tem memorizado o mecanismo resolutivo. E o problema consiste na deparação do estudante com uma situação imprevisível diante de um obstáculo a ser com maior ou menor complexidade. A resolução de problemas consiste em um meio do desenvolvimento da matemática. Um problema pode desenvolver várias ideias ao ser resolvido, necessitando de conhecimentos adquiridos anteriormente e da percepção de novos caminhos a serem traçados. Nesse contexto acredita-se se de grande importância à aprendizagem de conceitos, e a escola e os professores devem dar maior atenção a essa situação. Não se pode aceitar que a compreensão de um conceito possa ser concebida através de uma comunicação verbal, ou seja, não se pode restringir a aprendizagem dos alunos a uma memorização de fórmulas, regras definições. Que o educador conhece realmente o que esta ensinando e que o educando saiba o porquê e para que estudar tais conteúdos e perceba a matemática de forma prazerosa e não mais com repugnância. A matemática escolar transmitida na perspectiva do ensino tradicional que limita a memorização de símbolos e formulas, sem as vantagens da compreensão que não considera os recursos da curiosidade, experimentação ou da concretização não serve para a sociedade atual. 379


Ao logo do processo ensino-aprendizagem é necessário fazer com que os alunos aprendam a ler, a interpretar textos também em matemática e compreender a necessidade e a utilidade de aplicar os conceitos matemáticos que aprenderam mediante as informações, sentimos atraídos em destacar um dos principais conteúdos presente na vida escolar do educando e a dificuldade em que os educadores têm para transmitir de forma clara, objetiva e principalmente contextualizada. 5 NOVAS METODOLOGIAS PARA FACILITAR O ENSINO DA MATEMÁTICA NO ENSINO MÉDIO Uma tarefa que cabe aos professores é prever diversos caminhos para a aprendizagem dos conceitos, ou seja, planejar situações didáticas que permitam a compreensão do conceito para o aluno. Quando os alunos chegam à escola, trazem consigo muitos conhecimentos, é o que é chamado de saber cotidiano e que, por sua vez, não podem ser desprezados. O grande desafio para o professor é organizar ou elaborar situações didáticas que possam contribuir na transposição didática, ou transformação do saber cotidiano para o saber escolar. Para que o aluno possa interagir de uma maneira mais dinâmica e concisa com os logaritmos, os professores vão ter que inovar em suas técnicas de trabalho, para que ocorra um melhor ensino, aprendizagem e compreensão do assunto. O estímulo que o aluno tanto precisa é situações que envolva o cotidiano, onde as operações de logaritmos devem ser utilizadas no planejamento do professor, pois o aluno deve perceber que o que ele estuda em sala de aula, tem grande importância como ajuda no seu dia a dia. Por exemplo, ao ensinar função logarítmica aos alunos do 1º ano do ensino médio, não se restrinja aos cálculos sobre regra gerais, exponenciais e suas variações. E sim que mostre ao aluno que ele pode ir mais além, aprendendo sobre o valor do sistema financeiro, como o dinheiro circula entre as pessoas, comente o principal objetivo das bolsas de valores, e suasaplicações, sua importância nacional e mundial, comente sobre o que é a Inflação, com certeza com esses ensinamentos, o aluno poderá se desenvolver mais no assunto e vai conseguir aprender com mais facilidade. O aprendizado se da geralmente pela curiosidade, pela vontade em aprender, de 380


conhecer algo importante, o incentivo sempre é a melhor pedida, pois com esse estimulo o aluno se sente bem, com palavras do tipo: muito bem, esta ótima, boa trabalho, evite as situações constrangedoras, como repreender um aluno na frente de todos; Utilizando modernas metodologias de ensinamentos como auxilio, Preparando aulas no Datashow, utilizando os recursos da informática, trabalhando com vídeos matemáticos: filmes, desenhos, documentários e entrevistas, com certeza o resultado vai ser alcançado tendo não só um bom aprendizado em logaritmos, mais contribuindo para a formação de cidadãos competentes e capazes de integrar e contribuir para um novo exemplo de sociedade. Nesse sentindo faz-se necessário salientar, nesse contexto, as situações de aprendizagem nas quais os conceitos são elaborados pelos alunos. Hoje em dia, os alunos vivenciam as aulas conforme seu humor, sua disposição, sua capacidade de concentração seu interesse, capacidade de relacionar o que sabem com os outros saberes que já possuem. Pensar que se pode alcançar a todos os alunos de uma sala de aula com uma palestra é ilusão. O fato é que existem tantas situações distintas quantos alunos diferentes. Por isso, para um trabalho mais eficaz em sala de aula, faz-se necessário que os professores sejam capazes de organizar situações de aprendizagem. Organizar situações de aprendizagem significa pensar naqueles alunos que não conseguem aprender a matéria só ouvindo, é observar o tempo certo para inserir as atividades especificas em cada momento, é fugir dos exercícios de repetição ou aplicação de fórmulas. Eis alguns pontos que podem ser trabalhados: - conhecer, para determinada disciplina, conteúdos a serem ensinada tradução em objetivos de aprendizagem; - trabalhar a partir das representações dos alunos; - trabalhar a partir dos erros e de obstáculos à aprendizagem; - construir e planejar dispositivos e sequencias didáticas; - envolver os alunos em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento; A importância de trabalhar com atividades dessa natureza é que não se pode esquecer que o aluno tem conhecimentos prévios e o professor deve levá-los em contas para que seus ensinamentos não se choquem frente as suas concepções. Nesse contexto, a missão dos educadores, torna-se bastante árdua, pois proporcionar um ensino que 381


possibilite ao aluno adquirir habilidades para resolver problemas, tomar decisões e participar ativamente da sociedade a qual esta inserida, não é nada fácil. Assim, acredita-se que oferecer ao aluno uma forma mais significativa de trabalhar com logaritmos, partindo de problemas que representem situações diversas e concretas, isto é, que permitam aos alunos formular hipóteses e conjecturas, é um modo de motiva-los ao estudo desse conteúdo matemático e propiciar o sucesso escolar, uma vez que as aplicações dos logaritmos estão presentes na sociedade e trazem implicações para a vida das pessoas. CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo de logaritmo é tão importante quantos todos os outros conteúdos matemáticos. E é nosso dever de educador tonar as informações claras e perceptíveis aos olhos críticos, mas muitas vezes incompreendidos dos educandos. Para esse motivo investigamos sobre o estudo de logaritmo no processo ensinoaprendizagem. Para isso foram feitas pesquisas em livros didáticos. Durante todo o processo de análise sobre logaritmo, voltamos nossa atenção e enfoque principalmente sobre a dificuldade do educando e do educador em desenvolver o conteúdo no ensino da matemática. A concepção tanto dos professores e principalmente dos alunos seria necessário. A maior duvida era qual a preparação do docente diante do tema, o resultado obtido foi muito preocupante, justamente porque o docente e maioria dos livros didáticos só estão trabalhando com a forma quantitativa, com pouca contextualização, que leva o aluno a aprendizagem mecanizada, não conseguindo assim obter a contextualização desse conteúdo. As considerações feitas ao longo deste trabalho tiveram a intenção de destacar a importância da resolução de problemas como método de ensino em matemática. É desafio constante dos bons profissionais da educação buscar a satisfação em ensinar e principalmente a motivação dos seus alunos em aprender. Encontra mais uma opção para o professor de matemática mediar conhecimentos através da resolução de problemas ajudando assim seus alunos a desenvolver o raciocínio logico o qual ajudarão na resolução de problemas entre outras contribuições que este raciocínio pode trazer. Tal como ocorre em leitura de texto, o ensino da 382


matemática precisa ser contextualizado. Neste sentido, podemos afirmar que o desenvolvimento de uma disciplina ajuda a outra, pois a interpretação e compreensão do problema são importantes para encontrar a solução do mesmo. A resolução de problemas é um assunto fascinante e envolve vários fatores para se chegar à solução desejada, devendo então analisar bem o problema para saber quais as técnicas e estratégicas que serão adequadas à resolução. Neste artigo mostramos que a resolução de problemas deve englobar tanto os conhecimentos que o aluno já adquiriu e sua vida quanto os novos que se aprende diariamente na escola. Contamos que todos os professores pesquisados consideram o método de resolução de problemas matemáticos de eficaz importância no desenvolvimento, análise, interpretação e elaboração de estratégias facilitando a sua aceitação no processo de ensino-aprendizagem, vários são os pontos importantes deste método, seja para desenvolvimento cognitivo do aluno ou para motivar ainda mais o seu conhecimento fazendo-o buscar cada vez mais novos caminhos para a resolução. Segundo a mesma pesquisa, os professores concordam e utilizam este método, pois além de trabalhar a realidade do aluno na sala de aula e na vivencia, ele mostra caminhos para a satisfação tanto do professor quanto do aluno na busca de resolução destes. Deste modo, ao propor situações-problemas, o professor possibilita a produção de conhecimento, onde o aluno busca a participação ativa e compartilha resultados, analisando reflexões e respostas que promovem uma aprendizagem com significado e compreensão para todos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARCAVI, Um benefício de usar a historia. Para a Aprendizagem ou Matemática, 11(2): 11,1991. BORASI, R. Aprendizagem da Matemática através de inquérito. Portsmouth, Heinemann Imprensa,1992.

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A TRADUÇÃO DE HUMOR PARA A DUBLAGEM DO FILME TOY STORY 3: as divergências culturais Cintia Silva da Cruz Prof. Me. José de Ribamar Miranda Marinho (Orientador) FIBRA RESUMO: Este trabalho objetivou fazer uma análise das traduções de humor feitas para a dublagem do filme Toy Story 3, levando em consideração as escolhas do tradutor para tentar manter o mesmo grau de impacto, quando possível, que o humor teve na sua língua original, para a língua de chegada. Sabe-se que, do texto de origem (inglês) para o texto traduzido (português), nas situações humorísticas, houve a clara identificação de que cada língua possui sua própria cultura, portanto, diferentes costumes, valores sociais e lingüísticos. O estudo destas traduções foi possível devido ao bom suporte teórico sobre a tradução, a dublagem para filmes, e sobre o humor. PALAVRAS-CHAVE: Tradução; Dublagem; Humor; Cultura.

INTRODUÇÃO Nos dias atuais, por dia, os cinemas do Brasil recebem milhares de espectadores para assistirem a filmes estrangeiros. As obras cinematográficas estrangeiras de animação são um dos gêneros que mais crescem, a cada ano, em termos de quantidade e qualidade (tanto na produção visual como no roteiro), e assim aumenta cada vez mais o número de espectadores (do infantil ao adulto), haja vista que os roteiros são direcionados para todas as idades. Sendo assim, para os brasileiros é muito grande a procura para assistir a esses filmes, de preferência dublados para sua própria língua, levando muito em consideração o público infantil. E desse modo, é muito grande a procura por profissionais da área de tradução capacitados para fazerem traduções direcionadas para a dublagem de filmes.

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Além das características anteriores, uma película de animação procura apresentar muitas cenas cômicas, as quais podem ser apenas visuais ou envolver palavras, cujas traduções para outras línguas requerem habilidades e competências que vão além do conhecimento lingüístico. Assim, objetivou-se em geral analisar as traduções, considerando apenas as situações que abrangeram o humor, onde ocorreram divergências culturais, da língua fonte (inglês) para a língua meta (português), que foram feitas para a dublagem do filme Toy Story 3. E para alcançar esta meta, procurei localizar as possíveis diferenças lingüísticas na comicidade de uma língua para a outra, nas traduções para a dublagem desta obra fílmica e verificar como ocorreu a tradução desse humor, funcional da língua de origem, para a dublagem desse filme em português. Com o apoio teórico sobre a tradução, a dublagem, a cultura e o humor na tradução para filmes, foi possível fazer esse estudo com mais precisão e consistência. O filme Toy Story 3 foi assistido em DVD na língua de origem (inglês) e com a dublagem traduzida para o português. 1

REVISÃO DA LITERATURA

1.1 TRADUÇÃO: HISTÓRIA E CONCEITOS A história da tradução, de acordo com Campos (2004), pode ser contada através de uma visão bíblica ou histórica. No acontecimento bíblico, ela apareceu no momento em que os povos não se entendiam mais, e historicamente, ela surgiu quando as diferentes línguas, já em vigor, necessitavam e queriam se comunicar. Sobre o ponto de vista da bíblia, Amorim (2005) recorda o mito de Babel, que narra a história da tribo dos Shem, cuja língua eles queriam torná-la única no mundo todo ao construírem uma torre que pudesse chegar aos céus. Entretanto, Deus impede essa edificação e diversifica muitas línguas entre os Shem, chamando este gesto de Babel, entendido também como confusão. Assim, este ato condenou os Shem à tradução, já que precisavam compreender e comunicar uns aos outros. Na concepção histórica, Cruz (2007, p. 10, 11) resume que 385


Três séculos antes da época cristã, já existiam várias línguas que eram faladas no amplo império da Assíria, cujo imperador Sharrukin adorava ter suas façanhas disseminadas para todas essas línguas. Desse modo, sempre existiram culturas, lugares diferentes, desconhecidos, portanto com línguas diferentes, assim, a tradução veio para suprir as necessidades que esses povos tinham para se entenderem, e, por conseguinte, se comercializarem e até mesmo dominar socialmente, politicamente e economicamente outros continentes. Muitas pessoas tiveram que aprender a se comunicar e entender outras comunidades, e assim foram surgindo, os primeiros tradutores (escrita) e intérpretes (fala).

Desse modo, muitos séculos se passaram até a chegada do momento no qual a tradução foi considerada legal, no ano de 146, em Roma, quando o Senado romano mandou que o tratado de agricultura fosse traduzido, pois este estava escrito em cartaginês Magão (CAMPOS, 2004). O teórico francês Maillot (1969 apud CAMPOS, 2004, p. 15) confirmou que “o problema da tradução consiste essencialmente em elaborar um texto fiel ao conteúdo do original, mas que dê a impressão de ter sido escrito diretamente na língua-meta”. Ou seja, o tradutor tem que transmitir o conteúdo de origem, mas com a aparência que foi feito na língua de chegada. Outra idéia é dita por Gorovitz (2005 apud CRUZ, 2007) ao afirmar que a tradução pode ser comparada a um feedback (retorno, comunicação) entre as línguas, as quais estão passando pelo processo de tradução, onde a cultura da língua original (LO) possa entrar na tradução da língua meta (LM), sabendo que, o tradutor vai perceber qual é o momento mais apropriado para aculturar a LM. Segundo a teoria de Catford (1965 apud BASSNETT, 2005, p. 27) é dito que “em tradução dá-se à substituição de sentidos da LO por sentidos da LM, não a transferência de sentidos da LO para a LM. Na transferência há uma implantação dos sentidos da LO no

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texto de chegada”. Com isso, ele quer dizer deve-se evitar que a cultura da LO chegue à LM. Amorim (2005) comenta que há alguns discursos que procuram diferenciar bem a tradução literal de tradução livre, sendo que, a primeira aborda a noção de “tradução palavra – por – palavra”, e a segunda é entendida como “tradução sentido – por – sentido”. E ao analisar essas concepções, o autor chega à conclusão que a tradução “não se reduziria, a um conceito fixo e independente das forças que induzem, em diferentes épocas, à constituição de uma textualidade tradutória que se transforma de acordo com os limites estabelecidos pelos e nos discursos que direcionam suas margens.” (AMORIM, 2005, p. 61). 1.2 A TRADUÇÃO DE HUMOR Como foi visto no tópico acima, a tradução recebe diferentes definições de acordo com a experiência de cada teórico ou praticante desta área. E muitos desses conceitos – não só os mencionados aqui – vão seguir no caminho contrário no que se refere à tradução de humor, pois o que acontece nesta prática não condiz com o que é dito na grande maioria das teorias sobre esta área. A autora Rosas (2002) afirma que a tradução não é nem “ciência”, nem “arte”, mas sim uma prática inserida na linguagem, e seu estudo teórico vai depender de uma perspectiva multidisciplinar. E a autora completa ao dizer essa mesma idéia vale para o estudo do humor verbal. Por ser “um fenômeno de extrema complexidade, [...] a linguagem do humor constitui um campo de estudo que implica necessariamente a multidisciplinaridade.” (ROSAS, 2002, p. 16). Tal afirmação quer dizer que a tradução e o humor não dependem apenas de um dicionário lingüístico para chegar a suas reais intenções e significados. Dar importância ao contexto onde as palavras estão inseridas é o mesmo que valorizar as comunicações entre elas. Assim, o estudo do enunciado deve depender de informações sobre o emissor e o receptor, como: o que eles sabem para poderem se comunicar, em que época eles estão inseridos e o caminho que os acontecimentos costumam seguir de acordo com cada forma de interação verbal (ROSAS, 2002).

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Essas análises vão remeter à produção de sentido, ou seja, a interpretação, que é o “fator essencial ao estudo do humor e da tradução” (ROSAS, 2002, p. 20). E assim como ocorre com outras linguagens, a interpretação é o elemento principal para descobrir a linguagem humorística. Sobre o senso de humor, Rosas cita o estudioso Niedzielski (1989 apud ROSAS, 2005, p. 23): O senso de humor depende de vários fatores sociais e individuais. Vez que cada comunidade cultural organiza seu próprio sistema de valores, costumes e comportamentos de modo distinto de qualquer outra comunidade, as normas e incongruências humorísticas variam de cultura para cultura. Na verdade, a percepção e a expressão do humor são determinadas pela lógica coletiva de uma dada comunidade e pela lógica particular, dela derivada, que possui cada membro dessa comunidade.

Com tantas semelhanças entre ambos, a tradução de humor pode ser simplificada como uma tarefa desafiadora, que requer do profissional desta área conhecimentos lingüísticos e culturais necessários para ocorrer um conciso entendimento e reconhecimento de um enunciado humorístico em seu contexto de origem, sabendo que sua transferência para outra língua e, muitas vezes, discrepante em questões lingüísticas e culturais vai requerer uma reformulação de um novo discurso que tenha sucesso na recaptura da intenção da mensagem humorística original, motivando no público-alvo uma reação de prazer e divertimento tão bons quanto foi na língua de partida (ROSAS, 2002). 1.3

A TRADUÇÃO PARA A DUBLAGEM DE FILMES

A dublagem surgiu em 1927 como uma necessidade do cinema sonoro – já lançado em 1925, e logo substituindo a legenda (a qual antes costumava ser usada quando os filmes ainda eram mudos)

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– ser transmitido para platéias que não falavam seu idioma de origem. Assim, importantes estúdios desta época começaram a filmar em Paris versões francesas de longas-metragens americanos. Com certeza, o custo foi muito caro, e o público ainda era menor que o da época do cinema mudo. Então, em 1930 surgiu o primeiro filme que utilizou um sistema de sonorização, substituindo as vozes originais por outras gravadas em estúdio. Tal método fez sucesso e começou a se expandir pela Europa. No Brasil, a dublagem começou a ser feita em 1938, no desenho animado Branca de Neve e os Sete Anões, dos estúdios de Walt Disney, onde até as canções foram adaptadas para o português. Dessa forma, foi preciso a presença de profissionais capazes de traduzir o idioma de origem ao de destino para a dublagem de filmes. Diferente da tradução feita para livros e da tradução falada (interpretação), a tradução voltada para a dublagem de filmes requer que o tradutor tenha conhecimentos e práticas específicas para esta modalidade. Segundo Bueno (2009), na tradução para a dublagem, a métrica, o movimento labial e a interpretação dos atores devem ser respeitados, e o texto precisa ser dito de modo bem natural. O dublador (ator para esta função) utiliza a adaptação da obra original que o tradutor fez ao idioma local. Bueno (2009) ainda afirma que “traduzir para dublagem é uma atividade que exige estudo e que se aprende com a prática, com muita transpiração e inspiração”. Valadares (2006) complementa ao dizer que é necessário estar atento ao movimento labial dos personagens originais, para que as frases em português possam se encaixar na boca do ator. Também, existem distribuidoras que proíbem o uso de palavrões, referências a produtos e marcas, mesmo quando são utilizados e mostrados no original. Há mais de quinze anos trabalhando como tradutora para dublagem de filmes, Pagano (2009 apud BUENO, 2009) chega a afirmar que o ato de traduzir é uma tarefa muito pessoal, cada um vai fazer uma tradução diferente, o que não quer dizer que esteja errado, é apenas a maneira de colocar as palavras. Também existem as limitações quanto às mudanças no texto, as quais são ditas pelo distribuidor dos filmes, pois é ele quem determina como podem ficar os nomes dos personagens, e escolhe quais vozes irão dublar tais figuras fictícias.

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Apesar de tantas restrições, “o bom tradutor para audiovisual consegue conquistar elogios sempre que descobre maneiras de trazer para o português os trocadilhos ou comentários inerentes a uma determinada cultura, que não a nossa” (VALADARES, 2006). A tradução para a dublagem de filmes, mesmo sendo uma das áreas de maior alcance de público, é das menos conhecidas e valorizadas. Críticas e difamações, por conta de erros encontrados nos filmes, aparecem devido ao não conhecimento das armadilhas, com as quais muitas vezes os tradutores se deparam, e das perdas lingüísticas, que não podem ser impedidas, por motivos que vão além do ato de traduzir (SOARES, 2002). Conforme Soares (2002), tais perdas lingüísticas acontecem devido aos “aspectos culturais e de cotidiano, produtos, personalidades, [...] que esbarram nas limitações impostas pela natureza deste tipo de tradução.” O domínio da técnica é tão importante quanto o domínio do idioma, pois é ela que vai permitir o uso de uma linguagem mais coloquial, aparentemente simples, mas que na verdade é o “plus” desse tipo de tradução. A tradutora Nastasi (2006) explica que, ao traduzir para a dublagem de filmes “com certeza, existem alterações inevitáveis devido a trocadilhos e piadas intraduzíveis e referências culturais muito específicas, que precisam ser adaptadas ou recriadas para tentar salvar seu significado ou preservar seu conteúdo”. Tudo isso para o público poder entender o que nem sempre é possível. 2 O HUMOR NA TRADUÇÃO PARA A DUBLAGEM DO FILME TOY STORY 3 Foram analisadas apenas as frases de humor, cujas traduções para a dublagem sofreram mudanças significativas, importantes à linguagem humorística também da língua de chegada. Primeira situação. Descrição da cena: os brinquedos estão decepcionados ao descobrirem que seu dono (Andy) não vai mais brincar com eles, então o personagem do porquinho diz ao grupo: - “Let‟s see how much we‟re going for on eBay.”, e na tradução ficou: “Vamos ver quanto a gente tá valendo pela internet”.

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Na frase original, a palavra eBay refere-se ao maior site do mundo para venda e compras de bens, cuja empresa foi fundada nos Estados Unidos. Portanto, para os americanos, tal enunciado é muito conhecido e seu significado e intenção são logo compreendidos. Na tradução, foi usada a palavra internet no lugar da própria eBay. O tradutor sabendo que a maioria dos espectadores de nosso país, nossa cultura não é tão familiar com este site, ao ponto de conseguir relacionar de imediato o nome eBay ao famoso site de compras e vendas de bens materiais, ele optou pelo uso do termo mais conhecido e já considerado popular entre a população brasileira (a internet), sabendo que é através dela que são encontrados sites que compram, vendem, como o próprio eBay. Segunda situação. Descrição da cena: a personagem da boneca Barbie foi selecionada pela sua dona (Molly) para ser doada para a creche, e, os outros brinquedos ficaram tristes ao verem tal acontecimento, então o personagem do porquinho diz: - “I get the Corvette.”, e na tradução ficou: “Vou ficar com o carro dela.” No texto original a palavra Corvette está se referindo a um modelo de carro produzido nos Estados Unidos, sendo assim, um termo bastante conhecido entre os americanos, além de ser o tipo de carro da Barbie. Na tradução foi substituída a palavra Corvette pela palavra carro. Neste caso, o tradutor, sabendo que um Corvette não é tão conhecido para a maioria dos brasileiros, achou mais viável generalizá-lo para o termo comum – carro – aos espectadores brasileiros. Terceira situação. Descrição da cena: os brinquedos da creche estão mostrando para os brinquedos novos (que acabaram de chegar à creche) o local, como ele funciona e o personagem, (um urso chamado Lotso) que está informando, diz, em tom brincalhão, que a creche também tem: - “enough fresh batteries to choke a Hungry Hungry Hippo.”, e na tradução ficou: “pilhas para engasgar até um elefante que incomoda muita gente.” Na frase original o termo Hungry Hungry Hippo, refere-se ao nome de um jogo de tabuleiro, lançado nos EUA para as crianças, no qual existem quatro bonecos em forma de hipopótamo e nas suas 391


costas são acionadas alavancas para eles abrirem a boca e abocanharem o máximo de bolinhas (que simbolicamente representam os alimentos desses animais) que for possível e que estão no centro da mesa. Sendo assim, a piada sobre eles sendo engasgados por pilhas, funcionou na língua original, já que tal jogo é muito popular na cultura deles além de saber que uma tradução “ao pé da letra”, ficaria “Hipopótamo Faminto Faminto”. Na tradução, houve a troca deste enunciado por um elefante que incomoda muita gente, e tal termo refere-se a uma cantiga infantil muito popular no Brasil. Então, com essa escolha, o tradutor procurou não só aproximar o enunciado de nossa cultura, mas também de tentar oferecer um impacto de humor que fosse o mais próximo possível – e quem sabe, até melhor – do que ocorreu na língua de partida para a nossa língua. Quarta situação. Descrição da cena: um dos brinquedos explica ao personagem Woody, que a dona deles (Bonnie) costuma brincar com eles, imaginando que eles estão numa missão secreta ou fofocando em lugares como: - “a coffee shop in New Jersey.”, e na tradução ficou: “numa confeitaria em Osasco.” No enunciado original, logo se percebe uma piada local, já que o filme foi feito nos Estados Unidos, cujo estado New Jersey (Nova Jersey) é popular para eles quando se refere a ter um coffee shop adequado para jogar conversa fora. Na tradução para a dublagem, foi feita uma adaptação da frase acima, para que aqui no Brasil o enunciado também tivesse graça. Ao ser traduzido como: numa confeitaria em Osasco, o tradutor procurou abranger o máximo de espectadores, haja vista que a cidade de Osasco fica no estado de São Paulo, o maior estado do Brasil. Desse modo, a graça desta frase será mais significativa para quem mora neste local (Osasco), assim como deve ter ocorrido com a menção de Nova Jersey no original. Quinta situação. Descrição da cena: O personagem Buzz Lightyear está amarrado numa cadeira, quando o personagem Lotso vem desamarrálo e diz em tom de misericórdia: - “F-A-Oh, my Schwarz”, que na tradução ficou: “Pelas barbas do Falcon”. 392


No original, a expressão F-A-Oh, my Schwarz faz referência a uma loja de brinquedos fundada em 1862 nos Estados Unidos, na cidade de Baltimore, sendo nomeada FAO Schwarz, que também são as iniciais do nome do fundador (Frederick August Otto Schwarz). A importância dessa menção se dá por conta dessa loja ter sido a pioneira em facilitar a venda de brinquedos, e popularizar eventos, como os bazares, além de promover a criação do “Papai Noel”. No Brasil, a história deste departamento de brinquedos não é tão conhecida como é para o público do original, então, como a cena tem comicidade nos gestos e na fala do personagem Lotso, o tradutor Garcia Jr, decidiu pegar um dito popular “Pelas barbas do profeta” (indicando a misericórdia pelo brinquedo amarrado), trocando a palavra profeta por Falcon, que se trata de um boneco de ação, com barba, criado em 1977 no Brasil, e ficou muito popular por ter sido o primeiro brinquedo a ser mais procurado pelas crianças, por conta de seus acessórios e pose de herói. Então, o tradutor procurou juntar o senso de piedade para com os brinquedos, quando optou pela tradução “Pelas barbas de Falcon”. Sexta situação: Descrição da cena: na creche, o personagem Sr Cabeça de Batata é trazido do castigo (ficar dentro duma caixa cheia de areia, a qual está localizada numa área aberta, onde as crianças brincam no recreio) e bate na lateral da cabeça dele para sair pelo ouvido o acúmulo de areia, e diz atordoado, que tinha muita areia e: - “A couple of Lincoln Logs”, que na tradução ficou: “uns pininhos marrons.” Na frase original, as palavras Lincoln Logs referem-se ao nome de um brinquedo, de origem americana, constituído de vários pequenos pinos de cor marrom, feitos para encaixar um no outro e construir miniaturas de casas, fortalezas e assim por diante. Para os americanos, o Lincoln Logs é muito popular e seu nome é logo relacionado ao brinquedo. O tradutor Garcia Jr optou traduzir por uns pininhos marrons, já sabendo que a grande maioria dos brasileiros, que irão assistir ao filme no cinema, não conhece o brinquedo acima, pelo nome original (Lincoln Logs). Além do que, o humor desta frase só será compreendido ao ser relacionado com o enunciado que vem logo a seguir.

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Após a resposta do Sr Cabeça de Batata, o personagem Porquinho, ao ver os tais “pininhos marrons” saírem do ouvido do Sr Cabeça de Batata, faz cara feia e rebate: - “I don‟t think those were Lincoln Logs.”, que na tradução ficou: “Eu acho que pino não fede.” No original, quando o personagem do Porquinho franze a testa e diz que não acha que tais pinos sejam os brinquedos Lincoln Logs, implicitamente, tal afirmação vai fazer com que os espectadores (conhecedores desse tipo de brinquedo) relacionem essas peças a outros objetos de parecido formato e cor, e que esses objetos sejam hilários para a cena. Neste caso, o personagem quis dizer que, provavelmente, esses pinos, na verdade, eram fezes (de animais ou insetos). A tradução ficou mais explícita, para o espectador brasileiro identificar com mais facilidade o que realmente eram esses pinos. Ao dizer “Eu acho que pino não fede”, logo, foi possível juntar tal mau cheiro com o que foi dito pelo personagem anterior: “pininhos marrons” e chegar à mesma conclusão do original. Sétima situação: Descrição da cena: A Barbie amarrou o Ken para fazê-lo confessar o que ele e seus comparsas fizeram com o Buzz Lightyear. Ken não fala, então, Barbie ataca o ponto fraco de Ken, suas roupas, e ela começa a rasgá-las, e quando ela rasga uma Bermuda Havaiana, Ken se enfurece e diz que essa era clássica, logo depois ele se finge de forte e diz em tom sem graça que não ligava, pois: - “They‟re a dime a dozen.”, que na tradução ficou: “É tudo de 1,99.” No original, a expressão a dime a dozen significa que o produto é barato e sem nenhum valor. Para os americanos, tal enunciado é muito popular e muito usado em situações cômicas. Na tradução, o uso de 1,99 (um real e noventa e nove centavos), para os brasileiros, já ficou popularmente conhecido como um valor muito barato dado a coisas não valiosas. Portanto, o tradutor Garcia Jr usou sabiamente uma expressão cômica, conhecidíssima em nossa cultura, causando o humor exigido na cena. Oitava situação: Descrição da cena: vários personagens estão assistindo a uma peça de Romeu e Julieta, de William Shakespeare, então o

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personagem do porquinho, o qual está assistindo a peça, faz uma pergunta ao personagem que está ao seu lado: - “May I sugest Hamlet?”, e na tradução ficou: “Posso participar, só um porquinho?”. No caso da frase original, o personagem quis sugerir outra obra (Hamlet) de Shakespeare, mas a graça do enunciado está na entonação e comicidade que ele transmite ao dizer a palavra Ham, cuja tradução literal seria presunto de porco, e também remete ao nome do personagem. Portanto, se a tradução desta frase fosse ao pé da letra, ficaria como “Posso sugerir Hamlet?”, e, desse modo, para a nossa língua, ela não transmitiria a relação cômica, entre o nome Hamlet e o nome do personagem, que o original conseguiu passar para sua língua. Assim, o tradutor teve que perceber essa pretensão humorística e tentar encontrar a melhor alternativa para haver esse impacto cômico na nossa cultura. Não foi possível fazer nenhuma relação entre o nome de uma obra de Shakespeare e o nome do personagem (porquinho) em português, mas a tradução para: “Posso participar, só um porquinho?”, foi uma boa alternativa que o tradutor teve ao tentar buscar transmitir, da melhor forma, a verdadeira intenção do personagem. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo possibilitou a reflexão de que a dublagem de filmes de humor necessita de um contexto mais adequado para os países importadores, como no caso do Brasil. O caso específico do filme Toy Story 3 foi tomado por objeto de estudo e percebeu-se que nas traduções foram encontradas adaptações humorísticas para nosso costume, nossa cultura. Caso contrário, se fossem feitas traduções palavra por palavra, sem dar importância ao sentido, ao contexto, à intenção da frase, o produto final, provavelmente, ficaria sem entendimento, e principalmente, sem humor, sendo este a intenção central desses enunciados estudados. Sabendo que, o objetivo da tradução de humor é de transmitir da melhor maneira, para outro idioma, a intensidade que o impacto cômico teve na língua original, o profissional desta área precisa estar preparado quando encontrar no texto de origem, enormes 395


divergências culturais contra o texto de chegada, e saber que técnicas usar, como pesquisar, para que a tradução chegue da forma mais natural possível, como se o humor tivesse sido feito para os brasileiros. E foi o que o tradutor para a dublagem deste filme (Toy Story 3) fez. Sobre a questão da dublagem para filmes é importante frisar que, assim como o humor, ela também tem por meta principal fazer o público, que está assistindo sua tradução, sua interpretação (feita pelos dubladores, atores), acreditar, valorizar seus enunciados, pois os mesmos se importam em mostrar, ao máximo, as características do país que importou o produto estrangeiro. O Brasil, muitas vezes, se identificou, sentiu-se em casa, ao assistir este filme (Toy Story 3) dublado. Este projeto concretizou mais um estudo específico dentro da área de tradução. Foi possível observar que nem toda teoria, referente a este assunto, será usada na prática, e que o profissional desta área deve saber o momento certo de qual pesquisa é preciso fazer, que termos usar na tradução, se eles estão, realmente, adequados para a situação, o contexto, e para a língua de chegada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MORIM, Lauro Maia. Tradução e Adaptação: encruzilhadas da textualidade em Alice no País das Maravilhas, e Lewis Carrol, e Kim, de Rudyard Kipling. São Paulo: Editora UNESP, 2005. Il. BASSNETT, Susan. Estudo da tradução. Rio Grande do Sul: UFRGS, 2005. BUENO, E.; FURTADO, T.; PAZ, J. da. Tradução para Dublagem e Legendagem. 2009. Disponível em: <http://jps-ltf-eternaestudante.blogspot.com/2009/01/traduo-para-dublagem-elegendagem.html>. Acesso em: 04 fev. 2011. CAMPOS, Geir. O que é tradução. 2ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 2004.

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CRUZ, C. S. da. A tradução na elaboração de legendas de filmes. 2007. 32 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Letras-Bacharelado) – Faculdade Integrada Brasil Amazônia – FIBRA, Belém, 2007. DUBLAGEM. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Dublagem>. Acesso em: 04 fev. 2011. GOROVITZ, Sabine. Os labirintos da tradução: a legendagem cinematográfica e a construção do imaginário. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2006. NASTASI, Cristina. Dublagem. 2006. Disponível em: <http://www.cinepop.com.br/moviepop/dublagem.htm>. Acesso em: 04 fev. 2011. QUANDO SURGIU A DUBLAGEM NO BRASIL E NO MUNDO?. Disponível em: <http://mundoestranho.abril.com.br/materia/quando-surgiu-adublagem-no-brasil-e-no-mundo>. Acesso em: 04 fev. 2011. ROSAS, Marta. Tradução de Humor: transcriando piadas. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. SOARES, Danielle. Tradução para Dublagem e Legendagem. Set. 2002. Disponível em: <http://www.abrates.com.br/abreartigo.asp?onde=Tradu%E7%E3o% 20para%20Dublagem%20e%20Legendagem.abr>. Acesso em: 04 fev. 2011. TOY STORY 3. Direção de Lee Unkrich. Produção de Darla K. Anderson. [s.l.]: Disney & Pixar, 2010. 1 DVD (103 min), Widescreen, color. VALADARES, Mariana. Tradução para dublagem. 2006. Disponível em: <http://revistatvseries.blogspot.com/2006/05/traduopara-dublagem.html>. Acesso em: 04 fev. 2011.

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DIAGNÓSTICO PARTICIPATIVO PRELIMINAR DE ALGUMAS COMUNIDADES DE LIMOEIRO DO AJURU – PA Marcos Luiz Gaia Carvalho UFRA, IFPA, FIBRA Ailson Santana da Silva e Marcela Cristina Amaral Flexa UFRA Raimundo Otoni Melo Figueiredo IFPA

RESUMO: O município de Limoeiro do Ajuru pertence à Mesorregião do Nordeste Paraense e à Microrregião de Cametá. É composto pela sede e por diversas ilhas. Sobre a área foram aplicados questionários a representantes dascomunidades: ilhas de Paquetá e de Saracá; de Japiinzinho; de Anajás; do Baixo-Cupijó; e da sede do município, presentes no II Fórum de Educação e Sustentabilidade do Baixo Tocantins, ocorrido em 04 de setembro de 2010, visando ao levantamento de diversos dados com o intuito da implantação de futuros projetos que visem ao desenvolvimento local e à sustentabilidade da população. Os resultados apontam que a área de estudo se mostra com a necessidade de implantação de projetos que visem ao desenvolvimento local e à sustentabilidade da população. PALAVRAS-CHAVE: Limoeiro do Ajuru; Várzea; Sustentabilidade.

1 INTRODUÇÃO O município de Limoeiro do Ajuru é constituído por diversas ilhas. Localiza-se em uma latitude de 01º53'43" sul e em uma longitude de 49º22'50" oeste e situa-se a 260 quilômetros da capital Belém. As diversas ilhas sofrem influncia do oceano, são banhadas pelas águas das marés diariamente, são caracterizadas como área de várzea. Possuem uma população aproximadamente de 20.000 habitantes. Ssua principal atividade econômica é o extrativismo do açaí e pesca, entretanto a ilha apresenta potencial para o 398


desenvolvimento de outras fontes de geração de renda, desde que estas sejam trabalhadas. Uma boa atividade a ser aplicada seria a produção animal como a avicultura na modalidade de produção não convencional de aves (galinha caipira), a suinocultura, e a apicultura, assim como diversas outras atividades. No entanto estas atividades requerem certo conhecimento para a devida maximização da produção. Seja qual for a atividade exercida por essas comunidades, esta estará relacionada diretamente com a natureza, logo com o meio onde vive. Portanto o conhecimento sobre o seu espaço torna-se de fundamental importância para o máximo de proveito do ambiente com a devida consciência ecológica. Partindo desse ponto de vista, a capacitação e o acompanhamento da comunidade em atividades que visem à integração do conhecimento da comunidade e do cientifico, torna-se fundamental para que dessa forma a comunidade tenha ciência e compreenda melhor o seu ambiente, tirando o seu sustendo do mesmo e ao mesmo tempo o respeitando. O principal objetivo com atividades práticas é proporcionar à comunidade geração de renda e diminuição da desigualdade, buscando a “ecologização” orientada para o mercado, além da incorporação de valores ambientais e uma nova ética da relação do homem com a natureza. Buscar o equilíbrio racional entre o homem e a natureza é uma das maiores preocupações da atualidade, tendo em vista as mudanças ambientais e uma série de outras relacionadas ainda com aspectos sociais, portanto se verifica que essas estão intimamente relacionadas, logo atividades humanas com a natureza devem ser buscadas e monitoradas para que seja alcançado o bem-estar e a “ecologização” do homem. Buscando a “ecologização” e o bem estar deste com o meio ambiente, a abordagem de conhecimentos científicos aliados ao saber popular torna-se extremamente útil para o bom relacionamento homem-natureza, assim como o conhecimento de técnicas para a produção de animais visando à autossustentabilidade e/ou comercialização de produtos. O aprimoramento do conhecimento e da prática possibilita ao homem a maximização de sua produção com uma nova ética com o meio ambiente. Estudos realizados por Carvalho (2009) demonstram que a aprendizagem teórica aliada à prática possibilita uma aprendizagem 399


mais compreensível do tema abordado. Assim estudos desenvolvidos pela Embrapa (2003, 2007), que demonstram a eficiência da produção animal atendendo até mesmo pequenos produtores, visam à maior produtividade. Portanto devem-se adotar tais medidas com o intuito da busca “ecologização” do homem. 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA O diagnóstico participativo, compreendido como conjunto de técnicas e ferramentas que permite que as comunidades façam o seu próprio diagnóstico e, a partir disso, comecem a autogerenciar o seu planejamento e desenvolvimento (VERDEJO, 2006), surge como uma estratégia fundamental para que os moradores possam compreender as relações sociais, econômicas e institucionais que determinam seus limitantes para o desenvolvimento sustentável. De acordo com Borges (2003), para se desenvolver atividades e empreendimentos de ecoturismo comunitário em uma região, deve-se, antes de tudo, coletar informações sobre o potencial de ecoturismo da região em geral e específico e das condições socioeconômicas da comunidade e os seus interesses no desenvolvimento e inclusão deste segmento, sendo assim necessário à realização de um inventário, como também do diagnóstico para que tenha como resultado um produto de boa qualidade e de inclusão comunitária. Segundo Weigand & Paula (1998), nos planos de desenvolvimento, as comunidades identificam seus objetivos e estratégias, mas o aspecto mais importante é sua definição. Para tal, as comunidades devem estar envolvidas no levantamento dos seus problemas, na negociação de conflitos internos, na definição das prioridades e na identificação de alternativas. Este procedimento é fundamental na implementação de planos de manejo ou gestão participativa de recursos, já que prepara e capacita as comunidades para um desenvolvimento mais contínuo. O vasto conhecimento dos ambientes naturais e sua dinâmica por parte dos ribeirinhos, aliado ao profundo entendimento de sua importância para a sustentabilidade do sistema, torna viável a permanência dessas populações nas áreas de várzea e ambientes associados. Isto é demonstrado pela adaptabilidade destas populações por meio das diferentes formas de uso dos ambientes e de seus 400


recursos naturais. Este fato levou Furtado (1993) a denominar as populações ribeirinhas de “polivalentes”, já que diversificam suas atividades extrativistas e produtivas de acordo com a disponibilidade de ambientes e recursos impostos pela sazonalidade de subida e descida das águas (Meggers, 1977; Moran, 1990). Entende-se que é viável e importante a implantação de um plano de manejo integrado e adaptativo e participativo para a região que incorpore o monitoramento dos recursos, dos grupos sociais e das instituições, considerando a diversidade espacial e temporal e a dinâmica dos processos ecológicos e sociais (Blumenthal & Jannink, 2000). Não se pretende unicamente colher dados dos participantes, mas, sim, que estes iniciem um processo de autoreflexão sobre seus próprios problemas e as possibilidades para solucioná-los (VERDEJO, 2006). 3 METODOLOGIA Com o intuito de obter informações sobre a área foram aplicados questionários visando ao levantamento de diversos dados para a implantação de futuros projetos que possibilitem o desenvolvimento local e à sustentabilidade da população. Os questionários foram preenchidos por representantes de comunidades presentes no II Fórum de Educação e Sustentabilidade do Baixo Tocantins, ocorrido em 04 de setembro de 2010. 4 RESULTADOS E DISCUSSÕES 4.1 Informações gerais 4.1.1 Nome das comunidades Município de Limoeiro do Ajuru, Ilha de Paquetá, Ilha de Saracá, Japiinzinho, Anajás, Baixo-Cupijó. 4.1.2 Localização O município de Limoeiro do Ajuru pertence à Mesorregião Nordeste Paraense e à Microrregião de Cametá. A sede municipal tem as seguintes coordenadas geográficas: 01º 53' 39" de latitude Sul e 49º 22' 57" de longitude a Oeste de Greenwich. Como limites ao

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Norte - Municípios de Curralinho, Muaná e São Sebastião da Boa Vista, ao Sul - Município de Cametá, a Leste - Municípios de Igarapé-Miri e Abaetetuba e a Oeste - Município de Oeiras do Pará. 4.1.3 Número de famílias residentes O número de família nas comunidades varia 70 a 200 por ilha, a maioria registra-se no município de Limoeiro de Ajuru. 4.1.4 Principais atividades da comunidade A principal atividade das comunidades se resume à pesca e ao extrativismo do açaí. 4.1.5 Presença de serviços básicos Apenas no município de Limoeiro do Ajuru, houve a presença de serviços básicos, como educação, saúde, água, luz, e saneamento, embora a maioria destes se apresente de forma precária. Já nas comunidades apenas o serviço da educação foi dito presente, no entanto esta é, por muitas vezes, realizada em prédio comunitário e não da prefeitura. O serviço de telefone por muitas vezes só é presente devido à telefonia móvel. 4.1.6 Nível de renda média A renda média mensal dos moradores varia em menos de um salário mínimo a três salários mínimos, geralmente varia de acordo com a sua produção.

4.1.7 Alimentação diversificada e de qualidade durante o ano inteiro Embora a maioria das comunidades houvesse assinalado que possuem uma alimentação diversificada durante o ano inteiro, podese perceber que a base alimentar destes moradores é basicamente o pescado e o açaí, e raramente consomem legumes e hortaliças, carne vermelha ou frutos, logo se determina que a alimentação desses moradores não é diversificada durante o no inteiro. 402


4.2 Produção animal e vegetal 4.2.1 Produção de culturas vegetais Dentre as poucas famílias que produzem alguma cultura vegetal, essas se resumem a hortaliças, plantação de açaí, e apenas uma produz determinados frutos. 4.2.2 Criação de animais A maioria das famílias apresenta pequenas criações desorganizadas de galinhas e porcos sem raças definidas. E esses não são explorados de forma racional, pois seu manejo não é bem dirigido. 4.2.3 Integração entre produção animal e vegetal Nenhuma das comunidades apresenta uma integração adequada entre a produção animal e a vegetal, ou ela inexiste, ou por vezes parte dos animais aproveita apenas as sobras de árvores de porte alto. 4.2.4 Finalidade da produção Todas as comunidades têm sua produção para o consumo próprio e por vezes conseguem comercializar seus produtos, existem outras que não conseguem uma produção elevada a ponto de comercializar. 4.2.5 Técnicas de processamento de produtos Algumas das comunidades apresentam técnicas de processamento de produtos, geralmente a do açaí, com a produção de polpas e a do palmito. Todas as comunidades apresentam interesse em inserir técnicas de processamentos de produtos, visando a melhor produtividade e a sua comercialização.

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4.3 Planos de produção A maioria das comunidades não apresenta nenhum plano de produtividade, ferramenta de monitoramento e avaliação, ou seja, algum cálculo e comercialização. No entanto todas apresentam interesse em adotar algum plano produtividade, ferramenta de monitoramento e avaliação. 4.4 Mercado Todas as comunidades pesquisadas comercializam sua produção, ou seja, a maioria das famílias consegue além de produzir para sua auto-sustentabilidade, comercializam a produção de forma direta e para revenda. A comercialização dos produtos em determinados períodos é realizadas em feiras abertas ou em feiras agroecológicas e as que não conseguem comercializar desta forma apresenta interesse. 5 CONCLUSÃO Os resultados apontam que a área de estudo se mostra com a necessidade de implantação de projetos que visem ao desenvolvimento local e à sustentabilidade da população. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BORGES, M.M. Levantamento do potencial ecoturístico (inventário). In: MITRAUD, S.F (Org) (Ed). Manual de ecoturismo de base comunitária: ferramentas para um planejamento responsável. Brasília: WWF- Brasil, 2003. p 89-144. BLUMENTHAL, D. and J. L., Jannink. 2000. A classification of collaborative management methods. Conservation Ecology 4(2): 13. [online]. FURTADO, L. G. 1993. Pescarias do rio Amazonas: um estudo antropológico da pesca ribeirinha numa área amazônica. Belém. Museu Paraense Emílio Goeldi, Coleção Eduardo Galvão. 486p. 404


MEGGERS, B. 1977. Amazônia: a ilusão de um paraíso. Editora Civilização Brasileira s.a. Rio de Janeiro. 207p. MORAN, E. F. 1990. A Ecologia Humana das Populações da Amazônia. Petrópolis (RJ). Editora Vozes. 367p. WEIGAND, R. & PAULA, D. J. 1998. Reservas Extrativistas em Rondônia: Dando Poder às Comunidades Através da Elaboração e Implantação Participativa do Plano de Desenvolvimento. Porto Velho: SEPLAN/SEDAM/PLANAFLORO/PNUD/BRA/94/007, 76p. VERDEJO, M. E. Diagnóstico Rural Participativo. Brasília: MDA/Secretaria da Agricultura Familiar, 2006, p. 65. VERDEJO, M. E. Guia prático: DRP. Brasília: Gráfica ASCAR, 2006. 61p.

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