Lisi harrison monster high 04 mais morto do que nunca

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Monster High 2 2


No quarto volume da série, os IRADOS estão livres e Lala faz um acordo com seu pai: se conseguir fazer o Merston High vencer uma competição nacional, ele desistirá da ideia de abrir uma escola que não aceitará os normies; Frankie e Cleo estão em uma verdadeira batalha de egos para ver quem será o rosto da Merston na competição. Enquanto isso, Melody engata na carreira de vocalista de uma bandasuper descolada e Jackson não gosto dos novos horários da sereia, que podem atrapalhar os planos de verão do casal. Além disso, o gatíssimo Gratine Sanders se interessa por ela, que deve decidir entre seguir seus sonhos ou seu coração.

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PRÓLOGO VAMOS APARECER! O charmoso invisível tinha uma namorada. Ela era animada e perfumada como uma flor. Ela adorava shows de música e contar “as últimas” para alunos doidos por uma fofoca. Ela andava de mãos dadas. Ela ria das piadas dele. As coisas estavam ficando sérias. Era hora de Billy usar roupas. — Prepare-se para ir de zero à sexy! — disse Frankie, abrindo a porta da loja da Abercrombie & Fitch. — Estou pronto para causar um chilique com Fitch! — acrescentou Billy, entrando sorrindo no frio ar-condicionado da loja. As festas de final de ano tinham acabado de passar e estava tudo em liquidação. Preços altos já não podiam ser uma desculpa para a nudez. Ele estava pronto para subir o zíper, abotoar o botão e começar o show. 4


— Olhe! — disse Frankie, apontando o reflexo no espelho. Uma garota verde com cabelos listados de preto e branco, meia-calça xadrez e um minivestidinho jeans ao lado de óculos escuros flutuantes e Timberlands usados. Os dois caíram na risada. Numa comédia romântica, essa seria a cena principal: enquanto assistia, a plateia decidiria se Billy tinha que ficar com Frankie ou com a garota perfumada. Teriam visto os dois rindo tanto no trem de Salem para Portland. Teriam ouvido estranhos dizerem que eles eram o casal perfeito. Espantando-se diante da intimidade que tinham um com o outro. E suspirando, imaginando que a pessoa no assento ao lado pudesse ser tão interessante quanto eles. Mas isso não era um filme. Era a vida real. E, desta vez, a história de Billy Phaedin era tão mágica quanto uma história de Hollywood. Eles passeavam pelas araras alegremente, sem perceber os outros clientes e os olhares desconfiados. Flutuando numa bolha de piadas que só eles entendiam e risos, eles nem perceberam uma mãe puxando a filha adolescente para perto. — Bem-vindos! — disse uma loira californiana usando um vestido de babados preto e um moletom azul bic1 com capuz. Lançando um olhar desafiador em direção à colega que estava no caixa, continuou: — Quer ajuda para encontrar alguma coisa? E ainda mais alto, completou: — Ou para encontrar seu corpo? A garota que estava no caixa deu um tapa no balcão, não acreditando no que tinha ouvido, e caiu na risada. Billy cerrou os punhos. Frankie já tinha lhe avisado sobre isso. Muitas semanas tinham se passado até que ela fosse tratada como uma normienos shoppings de Salem. Agora, ela era VIP. Mas o status de pessoa eletrizante e importante não tinha sido conseguido com apenas uma aparição. Foram necessários tempo e persistência. E eles estavam em Portland

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Em inglês, o termo se refere a uma tonalidade brilhante de azul. Aqui no Brasil esse tom foi consagrado como “azul bic”, que é um azul royal bem forte (N.T.). 5


agora, num mercado totalmente inexplorado. Então Billy mordeu os lábios e deixou que Frankie falasse. — Queremos sua ajuda, sim — respondeu Frankie, enrolando o cabelo. Como as garotas fazem isso?, pensou Billy. Os parafusos delas brilhavam à vontade. — Meu amigo precisa de um guarda-roupa. — Vocês não são daqui, são? — perguntou ela, com um olhar arrogante. — Salem — disse Frankie. — Foi o que eu pensei. Eu já ouvi falar de vocês — disse ela, reparando nos parafusos de Frankie. Ela esticou a mão na direção deles. — Isso é...? Frankie bloqueou a mão da garota. — Não toque. É real, sim. A loira ficou constrangida. — Desculpe. — Não esquenta! — Frankie sorriu. — É só você montar o Billy com umas roupas incríveis que eu mando para você uns parafusos adesivos que o meu pai faz. Eu mando para todos os meus amigos do shopping lá de Salem. — Sério? Frankie confirmou. — Sinistro! Bem, sou a Autumm. Vocês podem se sentar nas poltronas perto do nosso provador enquanto eu seleciono alguns looks. Frankie foi na frente e Billy seguiu logo atrás. Não do jeito que costumava fazer, arrastando-se como um cachorrinho triste porque ela estava caidinha por Brett Redding e não por ele. Agora ele era um pônei orgulhoso. Galopava feliz porque ele era a exceção na regra de Hollywood. Ele podia ter uma amiga eletrizantemente gata e não precisava mais lutar contra o desejo de beijá-la. Ela até podia ter um namorado normie legal e que ele não queria enforcar. Ele estava realmente equilibrado. Desde que tinha encontrado Spectra, dois meses atrás na festa animal de Clawdeen, a única coisa que Billy desejava era que Frankie e Brett fossem felizes. Ele não se sentia mais invisível. Spectra e seu senso de humor brincalhão, sua risadinha feminina e seus beijinhos repentinos encheram o mundo de Billie de cor e sentido de um jeito

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que sprays bronzeadores nunca conseguiriam. Se houvesse algum problema, seria de Frankie, e não dele. Eles se acomodaram no sofá de couro marrom do lado de fora dos provadores e se serviram de uma garrafinha de água. — Spectra está implorando para que eu fique visível — disse Billy, colocando os óculos escuros na bolsa de Frankie. — Ela vai pirar! Frankie deu um gole e recolocou a tampa na garrafa. — Ela provavelmente vai espalhar para todo mundo que você ganhou o guarda-roupa por ser o novo porta-voz da marca. Billy suspirou. Lá vamos nós de novo! — Spec pode aumentar alguns fatos mas ela não é mentirosa. Por um tempo, Billy acreditou que Frankie estava falando aquilo por ciúme. Mas ele também tinha percebido. Frankie era verde por fora, mas dourada como ouro por dentro. Mas com as “histórias” de Spectra, Frankie ficava vermelha de raiva. — Não estou dizendo que ela é mentirosa — insistiu Frankie. — Ela é... Billy congelou. — É o quê? Frankie fez uma pausa para escolher as palavras. — Ela é menos concreta com as palavras. — Talvez porque ela seja feita de ar! — arriscou Billy. — Estou falando das histórias que ela conta — insistiu Frankie. — Metade do que ela fala parece inventado. Desculpe-me — acrescentou Frankie, como sempre. — Eu só não quero que você se magoe. — Não vou me magoar — Billy assegurou-a. — Spectra pode acrescentar uma coisa ou outra mas ela não faz por mal. — Ela pode espalhar um boato falso sobre você ou... Um garoto com cabelo de Justin Bieber saiu do provador segurando uma camiseta de gola em V listada. Ele parou para observar Frankie, que parecia estar falando sozinha. — O que você está olhando? — perguntou Billy com a voz bem grossa. — Nunca viu uma ventríloca verde antes? — Hum... 7


O garoto olhou ao redor do salão como se procurasse câmeras escondidas. Não encontrando nada, ele congelou e depois sorriu. Ele deu um passo em direção a Frankie e levantou a mão. — Toca aqui! Billy levantou a mão e deu um tapa no cara como se fossem amigos de longa data que não se viam há tempos. O golpe forte e inesperado lançou o Bieberzinho de encontro a uma arara cheia de roupas. Cabides balançaram sobre seu corpo largado. Frankie correu até ele. — Ohmeudeus, você está bem? Foi um acidente. As pessoas costumam fugir. Nós não estamos acostumados a... — Tô bem — resmungou ele, gingando para se colocar em pé com a agilidade de uma grávida de nove meses. — Posso tirar uma foto sua? Ele não parecia se importar com o fato de que um de seus fotografados era invisível. Havia alguma coisa especial no jeito que o braço de Frankie flutuava no ar e que fez com que ele agradecesse animado pelo menos uma dúzia de vezes. — As coisas estão realmente diferentes agora — disse Billy quando estavam sozinhos de novo. A aceitação dos IRADOS estava começando a se espalhar além dos limites de Salem. Frankie enrolou uma costura do pulso solta no dedo. — É difícil de acreditar que a festa de Clawdeen causou essa reviravolta. — Você perder a cabeça no baile da escola foi o que fez a bola rolar, você não acha? Frankie deu uma risadinha, lembrando-se do episódio. — Não somos mais aberrações. — Eu sei. É uma droga — suspirou Billy. Frankie olhou para ele espantada. Ele sorriu. — Tenho que achar algo novo. — Já estava na hora! — Onde está o meu modelo? — perguntou Autumm, com os braços cheios de camisas estampadas num xadrez estiloso e amassado e calças jeans. Billy sacudiu as botas. — Aqui! — Fantástico! Vou colocar tudo isso numa cabine e... 8


— Tudo bem — disse Billy, agarrando metade das peças e colocando-as no sofá ao lado dele. — Posso me trocar aqui. Afinal, ninguém vai ver nada, não é? Frankie deu um pulo e aplaudiu. — Desfile! Na próxima meia hora, Billy permitiu que duas garotas lindas o vestissem e desvestissem para que ficasse o mais gato possível e visível. Ele estava em público, exibindo toda a sua IRADice, a apenas algumas horas de uma noite de abraços perfumados. E o garoto invisível viveu feliz para sempre... — Apenas me prometa que nunca irá mudar — disse Frankie no trem de volta para casa, enfiada no meio de um monte de sacolas listadas. — Prometo — disse ele. Mas era tarde demais. Ele já tinha mudado.

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CAPÍTULO 1 OS MONSTROS SE DIVERTEM! Frankie checou três vezes a data no iPhone para ter certeza de que não estava alucinando. Era mesmo 1º de junho. Faíscas amarelas dispararam da ponta de seus dedos, escorrendo pela arquibancada lotada do ginásio da escola, indo parar nos sapatos listrados de preto e branco, onde piscaram como vaga-lumes. Depois desse dia, seriam apenas mais 23 dias de aula! Vinte e quatro dias até o primeiro dia das férias de verão! Vinte e quatro dias até 24 horas de eletricidade sem parar! Entre os sons cada vez mais altos das conversas dos alunos correndo para pegar lugar, o garoto normie ao lado dela colocou a mão quente sobre seu ombro. Seus olhos azuis como jeans pareciam perguntar “você está bem?”. Frankie sorriu e balançou a cabeça para indicar que sim e voltou sua atenção para a tela novamente. Depois de 10


seis meses de CPA (crises públicas de ansiedade), Brett Redding ainda parecia perceber cada uma das faíscas que ela soltava. Se ela soltava faíscas durante uma prova, ele dava uma olhava e uma piscada. Se ela soltava faíscas quando um professor a chamava, ele colocava a mão em suas costas, apoiando-a. Quando ela soltava faíscas assistindo a um filme de terror, ele ria. Mas, e os outros alunos de Merston High? Todos já tinham se acostumado com as faíscas há meses. O choque de ver a neta do Frankenstein faiscar, eletrificar e entrar em curto-circuito já tinha ficado tãããooo fora de moda. Irrequieta, Frankie balançava o joelho verde pra lá e pra cá. Zap! Outra faísca abriu um buraco na camada de plástico do assento. Ela torceu o nariz e tentou abanar o cheiro de plástico queimado antes que alguém percebesse. — Por que tantos fogos de artifício? — perguntou ele, olhando ao redor do ginásio para tentar descobrir a causa. — Está tudo bem — garantiu Frankie, enquanto teclava. — Eu só pensei em uma coisa para a minha lista obrigatória de verão e fiquei animada. — É só uma lista, não uma obrigação — sorriu Brett. — Você sabe disso, certo? — A minha é obrigação — respondeu, enquanto digitava rapidamente “Experimento: bronzear apenas as pernas para que pareça estar usando meia-calça verdeescura”. — Ter uma lista de coisas pra fazer é um tédio. Na minha lista, só entram coisas que não posso viver sem — insistiu Frankie, defendendo seus 16 itens. De fato, eram muito mais do que apenas itens. Eram aventuras para o verão. Pelo menos para ela. A maioria dos seus amigos já tinha sentido o gosto salgado das águas do Oceano Pacífico ou passado um dia inteiro descalço. Já tinham colocado um vaga-lume num vidro ou tentado usar apenas energia solar por três dias. Mas não Frankie. Ela até podia ter sido abastecida com quinze anos de experiência mas este seria seu primeiro verão na vida real. E ela iria aproveitar com cada ponto costurado em seu corpo. Tinha apenas que passar pelo último treinamento semanal de 11


diversidade social sem dar curto-circuito e estaria uma hora mais perto. Blue espremeu-se no banco ao lado de Frankie. Assim que se acomodou, enrolou os cachos loiros num coque e prendeu-os com um palito laqueado. Abanando a nuca, a criatura marítima australiana suspirou. — Cara, eu não vejo a hora de tirar os sapatos e mergulhar minhas escamas na espuma. — Que hora é sua pedicure? — perguntou Frankie, pensando que ela também poderia aproveitar a ocasião. — Não, Sheila! — respondeu Blue, com sua risada que lembrava uma risada de golfinho. — Foi o jeito australiano de dizer que eu preciso nadar! Estou tão seca que estou quase trincando! A luz do sol brilhava em suas escamas secas, projetando brilhos arredondados na parede atrás deles. — Nadar é uma ideia eletrizante! — exclamou Frankie, radiante. — Vamos juntar uma galera! Eu peço pro meu pai desligar as turbinas no quintal e podemos pular nas cascatas! Blue bateu palmas com as mãos cobertas pela luva de tela cor-de-rosa, comemorando. — Eu acabo de ouvir que vai haver uma festa na piscina? — perguntou Clawdeen, subindo os degraus. Ela atirou a bolsa de couro vermelha que estava cruzada sobre seu corpo no banco ao lado de Blue e tirou um pedaço de espuma que cobria seu ouvido direito. Os ouvidos caninos eram sensíveis demais para o barulho do ginásio mas para eventos sociais e fofocas estavam sempre a postos. — Quando e onde? — perguntou ela, tirando o plug do ouvido esquerdo. — Na minha casa, depois da aula — anunciou Frankie. — Por mim, tá ótimo — disse Clawdeen, afofando o tufo de pelo ruivo no pescoço e recolocando os plugs no ouvido. Mesmo não estando perto da lua cheia, os braços e o pescoço de Clawdeen estavam cobertos por um pelo exuberante. Ela estava num clima hollywoodiano de 12


deslumbre desde que tinha parado de se depilar e começado a cultivar sua pelagem. Normies de todas as séries agora estavam se enfeitando com golas e mangas de pele sintética das mais diversas cores e texturas. Mas nenhum chegava aos pés do brilho e da fartura dos pelos reais de Clawdeen. E ela ainda usava diariamente um broche de cristal feito por ela mesma que dizia “PELO REAL” só no caso de alguém tentar destroná-la. Cleo ajeitou-se ao lado de Clawdeen. As pessoas se afastaram para que ela passasse como se fosse Moisés partindo o Mar Vermelho. Ela penteou a franja com os dedos e examinou a multidão. O vestido de Jersey roxo envolvia as curvas de seu corpo cor de caramelo como um presente de aniversário. As faixas de linho dourado nos pulsos eram os laços do embrulho. — É permitido mergulhar pelado na festa na piscina? — perguntou Billy de algum lugar por perto. — Pra que ir a tantos lugares e comprar tanta roupa se você não quer usar seus looks novos? — perguntou Frankie ao seu melhor amigo invisível. — Está calor — respondeu ele. — Bem, espero que o seu bumbum invisível não esteja encostado aqui nesses bancos — disse Cleo, sentando-se. O cheiro de âmbar e superioridade a cercaram como uma bolha protetora. — Minha roupa ainda não foi impermeabilizada. — E já está protegida contra babaquice? — rebateu Billy. Todo mundo deu risada menos o namorado de Cleo, Deuce. Ele sabia no que dava rir de qualquer coisa que pudesse colocar sua namorada real em situação embaraçosa. Em vez de rir, ele começou a se contorcer como as cobras embaixo de seu boné, e virou-se para cumprimentar seu colega do time de basquete, Davis Dreyson, na fileira atrás deles. O clássico Ray Ban espelhado, que já era marca registrada de Deuce, refletiu o sorriso do amigo. — Por que é que estamos aqui? — perguntou Blue. — Nós não precisamos falar de diversidade. Somos tão diversos 13


quanto um cão de duas cabeças! Estão vendo? — perguntou ela, abraçando a irlandesa Emmy, sua mais nova amiga normie do time de natação, e lhe dando um beijo estalado. — Argh! Agora preciso de uma toalha, sua melequenta! — Emmy deu uma risadinha, limpando a saliva de seu rosto pálido. Seu cabelo ruivo alisado com chapinha ondulava como algas marinhas. Blue estava certa. Eles não precisavam mais de palestras e exercícios de tolerância. Essas reuniões sobre diversidade já tinham feito um ótimo trabalho ensinando normies e IRADOs a conviverem pacificamente. Há meses não havia uma única confusão. Na verdade, estava ainda mais fashion ser IRADO (Indivíduos Refratários a Atributos e Designativos Ordinários) nesse semestre. E a moda continuava pegando. As costuras de Frankie inspiraram a mais nova febre de tatuagens de henna: pontos nos ombros e nos pulsos. Os admiradores de Cleo enrolavam os braços com tiras de linho. O estilo de Deuce, com seus óculos e boné, tinha se espalhado pelo time de basquete mais rápido que pé de atleta. Peles falsas em homenagem à Clawdeen podiam ser vistas aos montes pelos corredores. E as luvas de Blue eram produzidas nas últimas cores da primavera. Ser freak era, finalmente, ser chique. Então, por que não mandar todos pra casa mais cedo? Como um prêmio pelo trabalho bem feito? Depois de nadar, podiam alugar um pedalinho e passear pelo rio Willamette. Respirar o perfume da grama no ar. Experimentar cada sabor de sorvete... — Todos em pé! — gritou uma mulher de uns 40 anos com um cabelo cheio de frizz, que tinha trotado até o centro da quadra de basquete. Como se estivesse orientando o tráfego das aeronaves no Aeroporto de O’Hare, ela indicou que os alunos deviam se sentar. 14


A Srª Foose, a “expert em integração”, como o diretor a chamava, tinha sido contratada para ensinar tolerância para os alunos do Merston High. — Talvez ela possa nos ensinar a tolerar as roupas que ela usa — tinha dito Cleo na primeira reunião. Frankie detestava julgar pelas aparências, mas não dava para ignorar que Cleo tinha razão. O uniforme da Srª Foose, uma camisetona onde se lia “AME O PRÓXIMO...GAY”, calça jeans de cintura alta e um par cambaleante de Reeboks roxo e prateado, era difícil de perdoar. — É o nosso último encontro do ano, então cantem com vontade! Ela apertou um botão no seu aparelho de som antigo e colocou a mão sobre o peito de um jeito formal. Uma interpretação apoteótica do novo hino do Merston High ecoou pelo ginásio. Frankie, sempre disposta a fazer o melhor numa ocasião chata como aquela, ficou em pé na arquibancada e cantou o mais alto que pôde: Vamos, vamos todos, sem hesitar! No Merston High, é proibido discriminar! As aulas são demais e vamos todos estudar, Ir pra escola é um arraso quando um IRADO é seu par! Frankie cantou essa parte ainda mais alto e todos aplaudiram e ficaram em pé. A Srª Foose fez sinal de positivo com os dois polegares, animada com o espírito adolescente. Frankie retribuiu, fazendo o mesmo sinal. Cleo revirou os olhos azuis como topázio, provavelmente desejando cortar o dedo da Frankie e enfiar bem no meio do... Cuidado porque os normies são também especiais, Aprendam uns com os outros, nunca é demais, Fiquem bem à vontade, podem se misturar! Merston High é como nenhum outro lugar! 15


Frankie comandava a escola numa marcha entusiasmada enquanto a Srª Foose enxugava as lágrimas de orgulho que escorriam de seus olhos. — Sem discriminação! — gritou a professora, com o punho no ar. — União! — responderam os alunos. Aplausos explodiram enquanto a Srª Foose desligava o som e ajustava o microfone do seu headset. — Sentem-se! Um apito agudo silenciou os rumores que não paravam. Clawdeen cobriu os ouvidos. — Desculpem-me por isso, lobos! — desculpou-se a Srª Foose, assumindo sua postura séria: mãos juntas nas costas e joelhos esticados. — Hoje é nosso último encontro do Programa de Diversidade do Merston High. Todos aplaudiram. Ela acenou pedindo silêncio, os tríceps balançando como velas no mar aberto. — Quando nos encontramos pela primeira vez, Merston era uma escola dividida. IRADOs (ela pontuou o ar com aspas enfáticas) viviam escondidos e com medo. Normies (ela fez aspas no ar novamente) dominavam. — U-húúú! — gritou uma voz masculina. A Srª Foose bateu palmas ríspidas e levantou o dedo indicador. Os alunos ficaram em silêncio. — Graças ao nosso trabalho árduo — continuou ela. — Tivemos um semestre incrível. Nosso time de natação, liderado por Laguna Blue, foi para as finais estaduais pela primeira vez em vinte anos. — É isso aí! — Emmy deu um tapa em Blue. Frankie deu um tapinha nas costas de Blue. Todos aplaudiram. Blue deu um sorriso e enrolou um cachinho no dedo. Uma loira de farmácia com guelras desenhadas no pescoço esticou a mão para cumprimentá-la. — O revezamento misto chegou ao nível nacional em abril graças à família Wolf — continuou a Srª Foose. Clawdeen e os irmãos levantaram os braços. 16


— E nossos times de futebol e basquete estão invictos! Deuce e Clawd se levantaram e fizeram uma reverência. — Esta foi uma temporada sem precedentes para os atletas do Merston High graças aos nossos IRADOs e suas habilidades extraordinárias. Aplausos ecoaram pelas paredes de cimento cinza. — Eu olho em volta e vejo admiração e aceitação — continuou a Srª Foose. — Hoje, eu vejo o amanhã. E eu vejo um arco-íris, amigos. Um grande e magnífico arco-íris. Se vocês me ajudarem a espalhar esta luz colorida, logo o mundo todo estará iluminado pelo nosso amor. E vocês sempre saberão que tudo começou bem aqui. Com vocês. No Merston High! Frankie deu um pulo e aplaudiu com entusiasmo. Mais uma vez, todos repetiram seu gesto. Todos, menos Cleo. Em vez de aplaudir, ela continuou sentada na arquibancada trepidante, se esforçando para aplicar seu gloss dourado. Verdade que ela nunca tinha sido a favor das grandes mudanças. Normalmente, Cleo era delicada como uma gatinha, expressando sua aprovação com gestos sutis: um sorriso medido aqui, uma piscada acolá. Mas, ultimamente, desde que o total dos amigos do Facebook e do Twitter de Frankie tinha ultrapassado o seu (no dia 22 de maio, às 19h04, 607 contra 598) ela acabou se tornando ainda mais indiferente. Até mesmo vingativa. Frankie considerou diminuir a quantidade de twittadas e posts. Talvez assim pudesse perder alguns amigos online e igualar o placar. Qualquer coisa para neutralizar os comentários sarcásticos e os desconfortáveis olhares de Cleo, os primeiros sinais de inveja, como sua mãe tinha explicado. Mas Brett e Billy tinham unido forças para dissuadir Frankie. Por que fazer seus amigos virtuais sofrerem só porque a popularidade de Cleo está derrapando? Você é boa com todo mundo e muito mais legal. Não é à toa que eles gostam mais de você. Qual é, ninguém mais pode ser popular? Ela deveria beijar seus pés e não o contrário. Então, Frankie tentou agradar o ego real de Cleo com elogios que geralmente não davam em nada. 17


— Ei, Cleo! — disse Frankie. — Se estivéssemos num terremoto, você faria minha maquiagem? — Claro, seria a primeira coisa que eu tentaria fazer! — rosnou ela. O espaço do coração de Frankie ficou apertado. Era inútil. Tudo que ela tentava fazer deixava tudo ainda pior. — Ignore-a — sussurrou Spectra, a namorada invisível de Billy. — Fato: a irmã gêmea dela, Nefra, está se mudando para Alexandria no verão. Cleo está arrasada. Elas, sabe, dormem no mesmo sarcófago e tudo. Ela só está descontando em você. — Bom saber — respondeu Frankie, educadamente, reprimindo a vontade de revirar os olhos. Todos sabiam que Nefra vivia no Cairo e que era três anos mais velha do que Cleo. Será que Spectra não consegue acertar uma? — Silêncio! — gritou a Srª Foose, silenciando os alunos com outra batida de palma aguda. — Nosso trabalho ainda não acabou. Estamos indo para os extremos. Normies estão no banco durante os jogos. Estão escondendo sua beleza natural com adereços e maquiagem inspirados nos IRADOs... — Qual é o problema com isso? — murmurou Cleo. Clawdeen escondeu uma risadinha. — Precisamos atingir o equilíbrio — disse a Srª Foose. — Todas as cores devem brilhar antes que possamos afirmar que somos um arco-íris. — Já estou quase vendo pôneis com todo esse papo de arco-íris — sussurrou Brett. Frankie sorriu e lhe deu um abraço, sentindo o perfume de cera do creme que deixava seu cabelo perfeitamente espetado. — No nosso último exercício antes das férias de verão... Todos gemeram. O diretor Weeks deu um passo à frente e ergueu a mão, pedindo silêncio. O ginásio foi se acalmando aos poucos. Ele sinalizou para que a Srª Foose continuasse. 18


— Quero que pensemos no equilíbrio. E para isso, vamos fazer um Comitê do Equilíbrio. Será composto equilibradamente por IRADOs e normies. Pelo resto deste ano e no próximo, os membros desse comitê serão cobrados a suprir as necessidades de seus colegas. Eventos sociais, melhores condições das instalações, até mesmo novas matérias e esportes. Qualquer coisa que puder equilibrar nosso arco-íris. Surpreendentemente, vários alunos, especialmente os que estavam nas primeiras filas, aplaudiram. A Srª Foose e o diretor Weeks trocaram um olhar orgulhoso. Biiip. Biiip. Yes! O dia tinha finalmente acabado! Era hora de nadar! Os bancos começaram a ranger quando os alunos pegavam suas mochilas. — Se você estiver interessado em participar do futuro de sua escola, coloque seu nome na caixa que está na porta do ginásio — gritou a Srª Foose. — Eu irei sortear os nomes para ser justa e o diretor Weeks irá anunciar os membros do comitê amanhã. Brett colocou a mochila sobre os ombros enquanto se juntava à multidão que pressionava a abertura das portas. — Você vai? — perguntou ele, pegando a mão de Frankie. Os parafusos dela vibravam de alegria. Será que um dia ela se cansaria das unhas com esmalte preto e do anel de caveira dele? — Vai o quê? — perguntou ela. — O Comitê do Equilíbrio. Você vai colocar seu nome? Frankie deu uma risadinha, apreciando o senso de humor dele tanto quanto sua vontade de usar acessórios. — O Comitê de Equilíbrio vai desequilibrar meus planos de férias! — Estou falando sério — disse ele. — Você está sempre tentando se envolver, então por que não? — Isso foi antes! — insistiu Frankie, irritando-se de repente. 19


Quantas vezes ela tinha que lembrá-lo que ela tinha desistido da política? Ela já tinha brigado e perdido muitas vezes. Além disso, a briga tinha terminado. Os IRADOs venceram. Era hora de festejar! — Se não é divertido, estou fora! — completou ela. — Não vou perder o verão em reuniões escolares! — Acho que você está sozinha nessa — respondeu Brett. A caixa estava cercada de pelo menos metade dos alunos. Todos os cartões para escrever o nome tinham se esgotado. Um garoto normie com um boné azul escreveu o nome numa embalagem de chiclete. Jackson Jekyll escreveu o dele num post-it amarelo. Até mesmo Cleo estava procurando algum pedaço de papel para deixar o nome. — É legal ver todo mudo envolvido — disse Frankie, balançando a cabeça na direção de Cleo. Talvez ela fique ocupada demais agora para reparar em mim. — Ela provavelmente encheu a caixa com vários papéis só para poder ganhar — disse Billy. — O que você tem contra ela? — perguntou Frankie. — Ela não foi maldosa com você. — Eu só não quero ver você se machucar — disse Billy, com uma pitada de sarcasmo. Frankie sorriu. Ele obviamente estava se referindo ao aviso dela sobre Spectra. Mas o sol lá fora estava lindo demais para que ela ficasse chateada. — Boa sorte! — desejou ela, quando passaram por Cleo na saída. Cleo deu um sorriso irônico. — É, pra você também. E deu uma risadinha. Frankie parou para pensar se devia dizer a Cleo que não estava participando. Mas, pra que se preocupar? Quanto mais cedo saísse dali, mais rápido estaria dando uma festa na piscina para seus amigos, o que era o item número 7 na sua lista de coisas obrigatórias. Então ela simplesmente 20


convidou Cleo e correu para fora. Um dia mais perto da liberdade!

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CAPÍTULO 2 A VAMP APROVA No estacionamento, o brilho do sol piscava refletido nos carros. Lala cobriu os olhos sensíveis enquanto motoristas com carteiras recentes derrapavam na primeira onda de calor. Ela tremeu. Porque o verão não podia esquentá-la como Clawd Wolf conseguia? As Monstrinhas Chiques, o título que Lala tinha orgulhosamente dado ao grupo das inseparáveis Cleo, Frankie, Clawdeen, Blue e ela mesma, dispararam pelo asfalto manchado de chiclete mascado, sem dar a mínima para as fofocas da hora da saída ou para a sessão de paquera com os alunos mais velhos. Em vez disso, seus olhos focavam o Escalade de Lala através dos óculos escuros. E Lala não sabia mais o que fazer para atrasá-las. 22


— Para de andar como uma mula! — gritou Blue, olhando por cima do ombro. — Minhas escamas estão fritando! — Meus parafusos estão queimando! (Frankie) — Meu pelo está chamuscando! (Clawdeen) — Vou ficar com marcas de roupa no meu bronzeado! — disse Cleo, cobrindo os ombros expostos com o grosso cabelo ruivo de Clawdeen. — Preciso tirar essas alças antes que eu fique toda quadriculada! Lala andou ainda mais devagar. — Vocês precisam de sombrinhas? — perguntou ela, rodando a alça pink de uma que estava em suas mãos. — Tenho um monte no meu armário. Eu posso voltar correndo e... — Apenas faça o favor de abastecer suas botas com um pouco de velocidade, por favor! — latiu Clawdeen, voltando para arrastar Lala. — A piscina da Frankie! Lembra? Claro que ela se lembrava. Elas tinham dito no instante que a encontraram no corredor, encolhida sobre o aquecedor durante a reunião. Ela não era estúpida, ela simplesmente estava apaixonada. E sair da escola sem um beijo de Clawd parecia com perder a bolsa e não poder nem mesmo parar para procurar. Mas tente explicar isso para a irmã que pensava “não acredito que você acha que ele é fofo”. Blue levantou a manga e checou seu relógio G-Shock Pink. — Não chove há 211 horas! Esta cidade está tão seca quanto uma farofa! — disse ela. — Se eu for para o Comitê do Equilíbrio, vou colocar piscinas nos corredores e nadar entre as aulas! Frankie arrancou os óculos escuros. — Você colocou seu nome? Cleo deu uma risadinha, como se tivesse se lembrado de uma piada. — Eu também coloquei! — Clawdeen levantou seus cachos ruivos e abanou a nuca. — Se eu for sorteada, vou contratar um cabeleireiro. 23


— Eu vou cobrir as paredes com espelhos — anunciou Cleo. — O que espelhos têm a ver com múmias? — perguntou Frankie. — Nada — Cleo respondeu com um sorrisinho. — Eu só gosto de me olhar. As Monstrinhas Chiques caíram na risada enquanto se equilibravam sobre as plataformas em direção ao carro de Lala. Uma Vespa verde passou perto e Frankie jogou um beijo. — Quero isso! — gritou ela mais alto que o ronco do motor. E, olhando para Lala, continuou: — Parece que nós somos as únicas que não colocamos nossos nomes nesse comitê. Cleo riu de novo. — Eu coloquei meu nome — disse Lala, ciente de que aquela atitude era muito estranha partindo dela. Não que Lala não fosse participativa, afinal resgate animal e preservação sempre foram seus tópicos preferidos. E essa causa era o que a mantinha ocupada depois das aulas. “Muitas pessoas estão cuidando de nós, mas quem está cuidando deles?”, era o que costumava dizer quando alguém lhe perguntava por que se voluntariava para uma atividade extracurricular. Ninguém mais perguntava agora. — Pensei que reformar abrigos para animais recolhidos fosse a sua mais nova obsessão — disse Clawdeen. — É, o que aconteceu com o “belasprasferas”? — perguntou Cleo, lembrando do antigo endereço de email de Lala. — Eu fiz aquilo por uma fera — explicou Lala. — Bem, era na verdade um morcego. — O velho? — perguntou Blue, coçando os braços. Um pozinho brilhante caiu no pavimento quente. Lala confirmou, sabendo que Blue se referia ao grande D., o pai de Lala. 24


— Ele acha que minhas habilidades como líder estão comprometidas porque não participo das atividades da escola. — E por que uma esteticista animal precisa de habilidades como líder? — perguntou Frankie. Lala baixou o babado do guarda-sol pink para cobrir o rosto. — Ele diz que não vou conseguir entrar numa boa faculdade se não conseguir provar que posso ser leal ao Merston. — Já sei! — disse Blue, levantando o dedo. — Que tal a gente achar um lindo bichinho para você e chamá-lo de Merston? Todas caíram novamente na risada. — O quê? — disse Clawdeen, olhando de volta para a escola. Do outro lado do gramado, fora do alcance da audição dos não caninos, Clawd estava dizendo alguma coisa para a irmã. — O quê? — perguntou ela novamente, desta vez, irritada. — Tá, mas ande logo! — disparou, com um suspiro. Clawd cumprimentou os amigos e arrastou-se pelo estacionamento com o entusiasmo de alguém indo para a sala do diretor. Sem acenos, sem sorrisos, sem contato visual. Sem indicação nenhuma que conhecia Lala. Clawd fazia o tipo frio quando os colegas estavam por perto. Mesmo assim, ela sentiu o estômago revirar. Clawd sempre conseguia acelerar seu coração. — O que ele disse? — perguntou Lala. — Pergunte para ele — rosnou Clawdeen. — Ele está vindo falar com você. Não comigo. — Ele disse isso? — perguntou Lala. — Na frente dos caras? — Claro que não! — respondeu Clawdeen. — Ele disse que ia pegar o equipamento de futebol no carro. Mas nós sabemos o que ele realmente quer. Oba! 25


Lala jogou seu chaveiro “PRINCESA VEGAN” para Clawdeen, que o agarrou no ar como se fosse um buquê. — Nem pense em ligar o ar-condicionado! — gritou ela enquanto as garotas entravam no Escalade. Finalmente sozinha, encostada no capô do carro azul de Clawd, ela sorriu. Um beijinho! É pra já! — O que você acha do meu novo aquecedor? — perguntou Lala, colocando a mão sobre o capô quente sob o sol, assim que Clawd se aproximou. — Qual é o problema com o outro? — perguntou Clawd, franzindo as sobrancelhas como se estivesse ofendido. — Você não aquece, você queima — respondeu ela, desencostando-se do capô do carro para se aconchegar no abraço dele. Como sempre, ele olhou por cima do ombro para ter certeza que ninguém estava olhando antes de retribuir o carinho. — Você tem tanta vergonha assim de mim? — perguntou Lala, afastando-se do uniforme áspero. Ela ergueu os olhos negros para olhá-lo nos olhos. Mais amarelos do que os de Clawdeen, os olhos dele eram ardentes como brasas. — Claro que não! — disse ele, passando a mão nos cabelos moicanos tingidos de verde. — Então por que você não me trata em público do mesmo jeito que me trata quando estamos sozinhos? — perguntou ela. — É a Melody que gosta das coisas tipo Jekyll and Hyde. Eu, não. Já está na hora daqueles caras saberem que eu sou mais importante do que uma bola. — Mas você é. — Pois não parece — provocou ela. — Aliás, porque a bola tem que ser feita com couro de porco? Não dá pra usar couro sintético? Ele levantou a mão e colocou o dedo sobre os lábios dela. — Pare! Eu tenho treino daqui 3 minutos. Você quer falar sobre bolas de futebol? 26


Lala deu uma mordidinha com o canino esquerdo. — Não. — Ótimo! Porque eu tenho uma coisa pra você — disse ele, vasculhando na mochila. — O que é? Você não precisava me dar nada... Ele puxou algo retangular embrulhado em papelalumínio. Lala deu um passo para trás. — Eu não vou experimentar mais nenhuma das suas receitas nojentas! Aquele pudim salgado foi... Ele a interrompeu. — Apenas abra. Ela tirou o papel-alumínio e se deparou com uma foto de Clawd numa cadeira de balanço azul perto de uma lareira em chamas. Ele estava debruçado sobre um tabuleiro de xadrez, atento, as mãos apoiadas nos joelhos. Uma rainha branca pairava sobre o tabuleiro. — Isso foi há nove meses. No Hideout Inn, lembra? — perguntou ele, timidamente. — Foi com essa jogada que eu ganhei de você — Lala fez uma dancinha vitoriosa. — Bati você como ovos mexidos! — Foi mais ou menos nosso primeiro encontro — disse Clawd, ignorando a piada. Ele já tinha problemas suficientes quando perdia um jogo de futebol. — Eu sei que você não aparece em fotografias mas pensei que ia gostar de ter essa mesmo assim. Você pode olhar para ela durante a lua cheia, quando eu não estiver por perto. Passarinhos piavam e voavam perto da grande árvore atrás deles. Lala recostou-se no peito dele, ouvindo seu coração acelerado. — É incrível! Ele esticou o pescoço como se quisesse torcê-lo e murmurou: — Quero uivar de alegria ao seu lado. Lala abraçou-o junto com a foto. Ele sorriu e levantou o queixo dela no instante que Rihanna começou a bombar no Escalade. Ela o beijou mesmo assim. Quente, finalmente. 27


Fom! Fom! — Vamos! — gritou Clawdeen, a cabeça saindo pela janela do passageiro. — Estou indo! — gritou Lala. Clawd abriu o bagageiro e trocou a mochila por uma mala de ginástica Adidas preta. — Tudo bem. Estou indo pro treino mesmo. Lala sorriu, concordando. Ele deu um beijinho rápido de adeus e correu até o campo. — Quem está pronto para “On the floor”? — gritou Lala enquanto sentava no banco do motorista e aumentava a música de J-Lo dentro do carro. — Uuuuuuh-húúúúúúú! — gritaram todas pelas janelas abertas. — Clawd está bem mais legal desde que vocês começaram a sair — disse Clawdeen. Lala ficou radiante. — Sério? A amiga sorriu. — Ele nunca está por perto. Risos explodiram do banco de trás. Apesar do arcondicionado gelado, um calor envolveu Lala como uma manta de cashemere.

Assim que o Escalade virou a esquina da Radcliffe Way, o iPhone de Lala avisou do compromisso semanal. — Segurem-se! — gritou ela, pisando no acelerador. Clawdeen bateu no assento de Cleo. Blue caiu entre os bancos e as pernas verdes de Frankie foram para os ares, deixando as garotas verem por um instante o shortinho listado que usava por baixo. 28


Lala freou tinindo até parar sob a grande árvore em frente à casa dela. Pulou do carro e correu até a mansão em estilo vitoriano, sem precisar explicar sua saída repentina. Era quarta-feira, 3h45, e seu telefone tinha despertado. Suas amigas sabiam exatamente para onde ela estava indo. O corredor, com as paredes cobertas de veludo e chão de mármore preto iluminado por sombrios pontos de luz, deixava os visitantes temporariamente cegos. Mas os olhos de Lala se ajustaram perfeitamente quando sentiu o cheiro de madeira queimada que a recebia em casa. Um som familiar de pata-pat-pat-pata-pat-pat, como um camundongo apressado usando sapatos para sapateado, ficava cada vez mais alto. E daí, um iiiiiiiiiiiiiiii! — Conde Fabuloso! — arrulhou Lala, erguendo o braço para servir de puleiro. O morcego pequenino relaxou as asas e planou até pousar sobre os muitos braceletes dela. Ele ainda usava o laço pink que ela tinha amarrado atrás de suas orelhas mais cedo. Mas ele conseguiu se livrar da maior parte do pó dourado sobre as asas. O que todo macho fazia. — Eu sei que você está com fome, mas o papai está esperando — Lala informou seu animalzinho de estimação. — Iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii — ganiu ele, voando pelas escadas até o quarto. Mesmo após nove anos, ele ainda morria de medo do sr. D. Lala jogou sua sacola de microfibra roxa no sofá preto e dourado e correu pelo corredor, decorado com retratos de gerações de vampiros, modernizados pelas molduras laqueadas brilhantes. O corredor parecia mais com a galeria de famosos no restaurante Sardi em Nova York do que com um tributo a uma linhagem ancestral. Mas não havia nada de ancestral no sr. D. Ele gostava de manter a casa do jeito que Lala gostava de manter seu cabelo: lustrosa, escura e luxuosa. Ela seguiu o som da voz ríspida do tio até o salão, que era uma homenagem à linha de mobiliário de Armani. Em vez 29


de relíquias históricas ou valiosas obras de arte, uma TV tela plana de 64 polegadas estava fixada sobre um papel dourado com textura sofisticadamente amassada. Ali estava o tio Vlad, um homem pequeno, com cabelo grisalho desgrenhado e óculos tartaruga redondos. Com os braços cruzados sobre o casaco de fechamento duplo azul, ele parecia um gnomo chateado. — Eu sei que você ligou para falar com a Lala — disse o tio Vlad. — Mas, antes, eu e você temos que discutir uns esquemas de cor. O feng shui aqui está totalmente caótico. Precisamos salpicar um pouco de alegria. Ele apontou para a soleira de vidro da lareira, o divã preto, o tapete de pelúcia preto, o console laqueado de preto com as portas franzidas. — Parece que estou preso dentro de uma caixa de violino. Lala deu uma risadinha. — Já discutimos isso — a voz grave do sr. D. ecoou da tela da TV. — Eu me recuso a acreditar que cores mais claras e a posição dos móveis podem resolver problemas. Se você quiser coisas boas, tem que sair pelo mundo e consegui-las. Agora, onde está minha filha? Lala entrou no foco e apareceu na frente da tela. — Aqui, papai. Tio Vlad deu um passo para o lado, enxugando a testa oleosa com um lenço cor-de-rosa. Uma olhada discreta fez com que Lala soubesse que segurar a onda quando ela atrasava era muito estressante para ele. Ela deu uma mordidinha nos lábios. Desculpe! Tio Vlad enfiou as pequenas mãos nos bolsos das calças xadrez e correu até a despensa para engolir o que estava sentindo. — Oi, papai! — disse Lala, sentando-se rígida na borda do divã. Na tela, o homem bem bronzeado e cabelos pretos esticados para trás acenou uma vez com a cabeça. Ele usava um terno cinza prateado impecável e estava sentado atrás de 30


uma mesa de madeira lustrada, que ficava na frente de janelas redondas. De vez em quando podia se ver o brilhante céu azul e o mar turquesa. Seus olhos negros examinaram a roupa da filha seriamente. Lala cruzou as pernas cobertas pela meia-calça pink e inclinou-se para a frente, fazendo o possível para esconder a minissaia de babados preta que já tinha chamado o tipo de atenção que ela queria mas não o tipo de atenção que precisava. Lala colocou um xale de lã sobre o justo blazer preto. Mesmo com o fogo crepitando e o aquecedor central imitando o ar das Bahamas, ela começou a tremer. Sangue e calor: seu pai conseguia sugar os dois. — Então — a voz do sr. D. era segura e apressada. — Alguma novidade? Lala olhou para ele. Pela primeira vez, ela realmente tinha alguma coisa para contar. — Hum, veja isso — disse ela, segurando a foto de Clawd. O sr. D. esticou os dedos e juntou as mãos, colocandoas sobre os lábios. — É Clawd. Meu namorado. O irmão de Clawdeen. Ele apertou os olhos. — Um lobisomem? Lala concordou, balançando suavemente a cabeça. — Mais alguma coisa? — perguntou ele. — Alguma coisa da qual você se orgulha? Alguma coisa que possa ajudar no seu desenvolvimento como líder? Envergonhada, Lala baixou o olhar até encarar os laços pretos das botas. Ela pensou em contar a ele que tinha colocado o nome para o Comitê do Equilíbrio. Mas, e se não fosse escolhida? Ele ficaria ainda mais desapontado. — Eu tirei A no teste de biologia — mentiu ela. Ele tentou sorrir. Parecia até que estava com dor. — Você se inscreveu para ser monitora no verão? — Não tem mais vagas — mentiu ela novamente. — Claro que não — suspirou o sr. D. 31


Puxa, me desculpe, papai! Eu não sou a representante de classe nem quero ser. Não sou obcecada com notas para entrar na faculdade ou desenvolver meu poder de liderar. Meus amigos e minha família não têm medo de mim e eu não quero que tenham. Os animais não se escondem quando me ouvem chegar. E todos acham minhas roupas incríveis. Talvez se você voltasse para casa e não vivesse nesse iate você veria isso. E você me amaria do jeito que eu sou. Porque eu amo você do jeito que você é. Era o que Lala queria gritar. Em vez disso, ela prometeu encontrar alguma outra coisa que a ajudasse a desenvolver habilidades que seriam necessárias na faculdade no último minuto de conversa. Lala encarou a tela escura. E agora? Estavam em junho. Oportunidades para “melhorar” Merston High não estavam caindo do céu. Mas se ela quisesse a aprovação do pai, teria que fazer alguma coisa. Ter iniciativa. Tentar. Ela correu até o laptop, olhando de vez em quando para o aparador espelhado sobre ele, e digitou no Google “oportunidade; ajudar; escola”. Uns 730.000.000 resultados apareceram. Lala começou a examiná-los e parou no número 13. Estava ali. O sonho extracurricular do ensino médio. Quem disse que o número 13 era o número do azar estava prestes a ser contrariado. Mortalmente contrariado.

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CAPÍTULO 3 CRIATURA SUBSTITUTA Um enxame de moderninhos esteticamente desalinhados avançou em direção ao prédio de tijolinhos, atraídos pela luz amarela que saía pela porta aberta. Apesar da noite quente, Melody Carver subiu o zíper do casaco com capuz e cruzou os braços sobre o peito. Ela estava mesmo do lado de fora de um bar de faculdade vestida com uma camiseta manchada da Hello Kitty, calça de pijama listada e chinelos UGG? Era ela que tinha a voz de sereia que seduzia todos. Ela devia estar falando para todos o que deviam fazer. E mesmo assim, sua irmã mais velha, Candace, a normie, conseguia ser bem melhor que ela quando tinha que convencer alguém de algo. — Identidade — resmungou o segurança de pescoço largo, empunhando a lanterninha preta como se fosse o Darth Vader. Uma garotinha com olhos de boneca na frente da fila deu um passo à frente, exibindo o cartão e revirando os olhos. 33


— Estou aqui, tipo, toda noite — disse ela às amigas. — Ele precisa mesmo checar? — Quando você tiver 1,75m e pesar 70 quilos, eu não checo mais. Agora dê o fora, Bambi — disse ele, acenando para que a próxima pessoa se aproximasse. — Belas manchas de suor! — gritou a garota menor, equilibrando-se sobre saltos tão altos quanto um pódio. — Próximo! Um garoto usando jeans skinny apalpava freneticamente os bolsos da calça enquanto um cara com a camiseta branca justa que deixava à mostra seus músculos e tatuagens cumprimentava o segurança com manchas de suor e entrava. — Limpe a garganta — murmurou Candace, com o canto da boca vermelhíssima. — Somos as próximas. Elas avançaram. O ar úmido cheirava a cigarro e óleo de patchouli. Temendo um ataque de asma, Melody acenou para dissipar a fumaça. Candace deu um tapa na irmã. — Para de agir como se estivesse no colegial! — Mas eu estou no... — Hoje à noite, não! — Candace afofou seus cachos loiros. — Não acredito que o Shane ainda não descobriu sua farsa! — Melody deu uma risadinha, impressionada. — Ele realmente acredita que você faz faculdade no Willamette College? — E por que ele não acreditaria? — Primeiro, ele nunca vê você no campus — disse Melody, de repente com muita vontade de ir ao banheiro. Por que ela teve que tomar 1 litro de refrigerante? Ah, sim, porque ela pensava que estaria em casa estudando para a prova de matemática e não arrumando uma mentira para que Candace pudesse encontrar o namorado mais velho. Candace arrancou uma pena esverdeada dos cabelos de Melody e a colocou atrás da orelha. — Acessórios não faltam quando você está por perto. Juro, todo mundo devia ter uma irmã sereia. 34


— Acho que alguém precisa pegar você pra irmã — provocou Melody. — Preciso de uma folga. Atrás delas, uma morena usando um vestido de flanela e coturnos estava encarando Candace. Melody já estava acostumada com isso. O look “beira-mar” da irmã e seu estilo urbano eram mais populares que o exemplar do “Crepúsculo” da biblioteca. Uma garota com dreadlocks cutucou os ombros cintilantes de Candace. — Ei, Barbie, o baile de formatura é só mês que vem. — Como é? — perguntou Candace, confusa. Melody sentiu seu coração pesado. Ela sempre se sentia assim quando estava prestes a sofrer uma provocação. O que seria hoje? Seus chinelos? Seu pijama? Seu cabelo embaraçado? — Você acha que vai passar por Mini vestida assim? — perguntou a do vestido de flanela. — Ela devia estar em cima de um bolo de aniversário! (Dreadlocks) — Ou num carro alegórico! (Flanela) — Ou numa pilha de Skittles! (Dreadlocks) Flanela caiu na risada. — O que é uma pilha de Skittles? Dreadlocks soltou um bafo de fumaça dos lábios finos e sacudiu os ombros. — Não faço ideia! As duas riram juntas. O choque até fez Melody esquecer que estava com vontade de fazer xixi. Essas garotas estavam caçoando das roupas da irmã, não das dela. Pelo menos dessa vez! Candace aproximou-se de Dreadlocks. Colocou as mãos sobre os quadris e... — Próximo! — gritou Mini. Melody puxou Candace para a frente. Conturbada após sua primeira experiência com críticas negativas, Candace perdeu a voz. — Hã... 35


Flanela se aproximou e murmurou: — Pelo menos eu pareço ter mais de 21. Os olhos verdes de Candace voltaram a brilhar. — Pelo menos, eu não pareço! Ela tirou um cartão de sua bolsa-carteira bordada e o sacudiu na frente da garota. — Não se preocupe. Meu pai é um cirurgião plástico. Se um dia você ganhar na loteria, ligue para ele. Ele adora um desafio. Melody não conseguiu segurar a risada diante da expressão de choque das garotas. Ela sabia que Candace não ficaria sem resposta. — Eu disse “identidades”! Candace empurrou Melody na direção dele. Por favor, minha voz tem que funcionar! Por favor, deixe minha voz funcionar! Tirando o telefonema para a diretoria da Universidade Southern California (Candace precisava de mais tempo para preparar seus papéis e Melody precisava que Candace parasse de implorar para que ela a ajudasse), Melody não usava suas habilidades especiais há meses. Controlar o destino era muita responsabilidade para ela. Essa lição ela aprendeu na festa animal de 16 anos de Clawdeen. E também no restaurante Dairy Queen, quando ela convenceu o atendente a cobrir o sorvete de casquinha de Jackson com todas as coberturas. Naquela noite, ele vomitou calda de frutas e dois tipos de biscoito em cima da jaqueta jeans novinha. Melody respirou fundo e olhou diretamente nos olhos pretos de Mini. — Você não precisa ver nossas identidades. Nós temos 21. As duas garotas atrás de nós, não. Ele começou a piscar. Estava funcionando. Ele colocou a mão quente nas costas de Melody e conduziu-a junto com a irmã na direção da luz amarela. Candace entrelaçou seu braço no braço da irmã e deu um gritinho. — Eu disse que ia dar tudo certo! 36


A vontade de fazer xixi voltou com força total, mas Melody continuou sorrindo. Não porque elas tinham conseguido entrar. Mas porque, pela primeira vez, ela não tinha chamado a atenção. O ar carregado cheirava a cerveja e pipoca velha. Melody olhou desesperadamente ao redor do lugar lotado procurando por um banheiro enquanto seus olhos se ajustavam a pouca luz. Um bar de madeira desgastada se estendia por toda a largura do salão. Atrás dele, um asiático cheio de estilo, vestindo uma camiseta preta e calças Dickies, atendia a multidão que se acotovelava. Mesas altas mais pareciam cabides para copos vazios e bolsas. Estudantes se misturavam e se sacudiam ao som do Cure, bombando nos alto-falantes próximos ao palco. A música era só para aquecer, enquanto a banda de meninas se arrumava. Melody lembrou-se de seus dias como cantora, antes da asma. Ela se apresentava para adultos sentados em auditórios, usando perfumes caros. Ela tentou se imaginar cantando para pessoas da sua idade. A ideia rapidamente se transformou num sentimento, que se parecia muito com paixão. — Vou achar Shane. Você tem certeza que vai chegar bem em casa? — perguntou Candace, borrando o lápis de olho para parecer acidentalmente sexy. Melody tinha tirado a carteira de motorista apenas seis dias antes mas estava preocupada demais em não fazer xixi no seu pijama então gesticulou enfaticamente que ficaria bem. Candace jogou as chaves e disparou. Finalmente! O estreito banheiro preto tinha as paredes cobertas por cartazes e adesivos de algumas de suas bandas favoritas: Foo Fighters, Pearl Jam, Nirvana, Blind Melon, STP... Era uma parede que homenageava o grunge dos anos 90. Ou uma homenagem à música dark que ela costumava ouvir na ensolarada Beverly Hills. Música para os excluídos. Música para ela. 37


Lavando as mãos sem sabonete na água fria na pia que balançava, Melody checou seu reflexo no espelho quebrado. Ela realmente não estava em seu melhor momento. Cabelo preto desgrenhado preso de qualquer jeito num rabo de cavalo, penas espalhadas ao redor do rosto, pequenos olhos esbugalhados graças à cafeína. Ela não era a Candace, com certeza. Mas, hoje à noite, isso não era importante. Ninguém parecia notá-la. Incrível. Assim que ela começou a abrir caminho em direção à saída, as luzes baixaram. A multidão começou a se reunir em frente ao palco e a aplaudir. Uma loira com shorts rasgados e uma camiseta pela metade que expunha um pedaço de gordura abdominal que parecia não incomodá-la sentou-se numa bateria tão velha que tinha remendos de fita adesiva. Uma garota com cabelo pink, sutiã prateado e jeans skinny preto plugou o baixo num velho amplificador com um adesivo descascado onde se lia “BAD CAT”.2 A guitarrista usava um vestido de festa bufante, meias rasgadas e coturnos. Assim que se posicionaram, uma morena com um rabo de cavalo brilhante e uma camiseta preta que deixava um dos ombros à mostra entrou arrebentando no palco. Suas botinhas de couro branco refletiam o sujo chão de madeira. Ela parecia mais uma líder de torcida nervosa do que uma roqueira. — Oláááá, babaquinhas e babacões! — gritou ela. — Meu nome é Davina e eu vou girar suas cabeças ocas com muito rock’n’roll! Suas colegas de banda trocaram um olhar irritado. A de cabelo pink aproximou-se do microfone e falou: — E nós somos as Deusas do Grunge. Todos aplaudiram. — Opa, me esqueci delas! — Davina deu uma risadinha. — Foi mal. — Já estamos acostumadas — gritou a baterista, batendo suas baquetas. — Cinco, seis, sete-e, oito! 2

Em português, Gata Malvada (N.T.).

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Isso fez com que Melody se lembrasse... Prova de matemática! Era hora de ir. E foi aí que acordes familiares estouraram pelo bar. Pearl Jam? Ela não podia ir embora agora. Melody começou a abrir caminho até o palco. — Cuidado! — disse uma garota com cabelos azuis e uma camiseta transparente. Daí, Melody colidiu com uma massa muscular numa camiseta verde-escura. — Você tá bem? — perguntou ele, segurando o ombro dela. Apesar da agitação dos corpos suados, a mão dele estava surpreendentemente fria. Ela balançou a cabeça, sinalizando que tudo bem, e passou por ele. — Venha com a gente! — disse uma voz masculina familiar. Era Billy e sua namorada cheirosa, Spectra, o querido casal invisível de Merston High. Eles a colocaram na beira do palco com habilidade. Tinham experiência em atravessar multidões. Quando a luz passou pela plateia, Melody conseguiu ver Spectra por alguns segundos. A luz passou por ela e a sua beleza etérea, seus cabelos roxos e seu vestidinho preto desapareceram. — O que vocês estão fazendo aqui? — perguntou Melody. — Eu venho aqui há anos. A música é incrível! Melody concordou entusiasticamente com Spectra e levantou os dois polegares num sinal de aprovação. Daí levantou os braços e aplaudiu quando a banda começou a tocar “State of Love and Trust”. — Onde está a sua irmã? — perguntou Billy. — Shane! — chamou Melody. — Olhe quem eu encontrei! — berrou Candace, dançando na direção deles no centro de uma fila de três pessoas. — Rudy e Byron! — Brian — corrigiu o primeiro da fila. 39


— Então pare de dizer que seu nome é Byron — retrucou Candace. — Eu não disse! Candace saiu da fila. — Eu não danço a conga com mentirosos! Na meia hora que se seguiu, eles dançaram e riram com as melhores músicas dos anos 90. Melody se lembrava a cada minuto do livro de matemática que a esperava mas era uma música melhor que a outra. Ela não conseguia se afastar das notas vibrantes do baixo nem da guitarra que gemia. Daquela música que tinha sido sua amiga quando ninguém mais se interessava. No palco, Davina quase engolia o microfone e rodava o cabelo como hélices de helicóptero. Ela ficou de costas para a plateia e bateu em seu bumbum esculpido pelo Pilates. A música começou a crescer e Melody cantou junto. Sendo jogada para lá e para cá quando cantava o refrão, ela se rendeu à energia coletiva da multidão. Tomar Red Bull enquanto virava a mulher-bala sendo disparada de um canhão provavelmente era parecido com isso. Uma saudade de Jackson de repente apertou Melody como uma jaqueta de couro justa demais. Ela queria que ele estivesse ali. Precisava que ele conhecesse esse lado dela. A música despertava algo nela do mesmo jeito que o suor de Jackson despertava D.J. Ela já havia testemunhado a transformação dele e queria que ele visse a dela. Os momentos especiais da vida não pareciam tão reais se não fossem compartilhados. Isso era amor. Mas também não era amor deixá-lo sozinho para que ele pudesse estudar para a prova de matemática? Davina estava bem na beira do palco, inclinando-se sobre a plateia. — Me segurem, seus fracotes! — gritou ela. E daí, braços abertos, queixo para cima e pés unidos, ela mergulhou. Ela pairou no ar na direção dos seus fãs com a confiança de uma cegonha de asas bem abertas. — Estou indooooooo! 40


As pessoas se afastaram como baratas fugindo do veneno. Bump! Ziiiiiiiii! O choque do microfone provocou um zunido pelo bar quando se arrebentou no chão sujo junto com Davina, que deu um gemido amplificado. A plateia correu pelo clube freneticamente, como se estivessem à procura de um amigo que ainda não tinha chegado. A banda continuou tocando. — Meu ombro! — gritou Davina. — Acho que eu quebrei alguma coisa... O segurança a carregou como se ela fosse um filhote de passarinho, colocando a asa machucada atrás do pescoço. Ela deu um chute na canela dele. — Ai! — gritou ela. — Esse é o que está quebrado! — Ops! — Ele deu uma piscadinha para as meninas da banda enquanto a levava embora. — Foi mal. As garotas no palco seguraram o riso. — Elas não estão preocupadas com ela? — perguntou Melody. — Elas odeiam a Davina — explicou Spectra. — Ela é uma esnobe. Ela nem conhece as músicas. Elas têm que suborná-la com roupas senão ela nem ensaia. — Por que não mandam ela embora? — perguntou Melody. — Ela é filha de Danny Corrigan — explicou Billy, virando a cabeça dela para a placa de neon. — Este é o Corrigan’s Bar. Ele é o dono. E, por enquanto, este é o único lugar onde elas tocam. — Eu ouvi dizer que Sage, a guitarrista, pagou as pessoas da primeira fila para deixarem Davina cair! — disse Spectra, com a certeza de alguém que podia comprovar o que dizia com provas, mesmo que ela quase nunca tivesse uma. — Alguém conhece “Doll Parts”? — perguntou Sage, balançando sobre os coturnos. Melody ficou sem ar. Era a música que ela cantava no chuveiro desde sempre. Ela conseguiria cantar essa música de trás pra frente, mascando chiclete. Mas não ficaria exposta 41


diante dessa multidão de jeito nenhum. E se tivesse um ataque de asma? E se... — Ela conhece! — gritou Candace, erguendo a mão da irmã. Melody se abaixou. Mas Billy a pegou pelos joelhos e a ergueu. — Esta é a Melly! — gritou Candace. Um cara de cabelos ondulados, com óculos de armação de metal e barba por fazer apareceu ao lado dela. Candace o abraçou como se ele fosse um herói de guerra voltando para casa. Shane? — Ela já está indo! — gritou Spectra. — Melly! Melly! Melly! — gritaram Spectra e Billy. Segundos depois, a multidão toda gritava. — Melly! Melly! Melly! Melody ficou paralisada. Ela ia matar Candace... Se ela mesma não morresse de vergonha antes. Candace agarrou os ombros de Melody. Seus olhos verdes eram sinceros. Até mesmo amorosos. — Você sabe o que a mamãe sempre fala? O que você faria se soubesse que não ia falhar? Melody fechou os punhos como se soubesse a resposta mas se recusasse a falar. — Sem medo! — Candace deu uma piscadinha. Com a ajuda de Billy, Spectra e Shane, Candace empurrou a irmã. Sage estendeu a mão calejada para puxar Melody para o palco. — Belo pijama! — disse a guitarrista, sorrindo sinceramente. — Vamos do começo? — sussurrou ela, e passou o microfone para Melody. Melody engoliu o refrigerante que voltava do seu estômago e chegava na garganta. Todos os rostos estavam direcionados para ela. Se um deles fosse o de Jackson! Eles não tinham a expressão amorosa e acolhedora que ele teria. Em vez disso, pareciam impacientes, agitados e prontos para a guerra. A insatisfação deles foi mais alta que a guitarra, 42


descartando-a como uma amadora antes mesmo que ela começasse. Melody fechou os olhos. Ela conseguia fazer isso. Ela já tinha feito. Sempre sonhou em fazer novamente. Tudo que devia fazer era ignorar o que falavam, fechar-se àquelas expressões de dúvida, imaginar-se no chuveiro e... — I am doll eyes... Sua voz era clara. Nenhum chiado. Nenhuma hesitação. Apenas pura e assombrosa. De repente, Melody estava de volta a Beverly Hills. Furiosa com o mundo que a destratou por causa de um (enorme) nariz. Reduzida a uma parte de seu corpo em vez de ser vista como uma pessoa inteira. Cantando furiosa no chuveiro enquanto sua família estava passeando por aí, desfrutando de sua beleza. A guitarra de Sage era insistente. Melody agarrou o microfone com as duas mãos, incorporando a energia da bateria e do baixo. Sua indignação crescia, agregando força como um tornado que engolfava tudo. — Yeah, they really want you, they really want you, they really do... A música começou a ficar mais lenta. A canção estava no fim. Ela ajustou a voz no mesmo volume. De raiva e vingança à delicadeza e redenção. — Someday, you will ache like I ache... Com uma batida final, a música acabou. O salão estava em silêncio. Melody abriu os olhos. Aplausos estouraram como champanhe. Ela sorriu humildemente. — Conhece alguma do Nirvana? — perguntou Sage. Melody confirmou.

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CAPÍTULO 4 VEJA O QUE O MORCEGO TROUXE Conde Fabuloso mergulhou vindo de trás da camacaixão negra de Lala. Com as garras estendidas, rangeu seus pequenos dentes amarelos e disparou em direção à... — Pare! Isso não é um rato de verdade! Ela pegou o animalzinho de couro antes que ele tocasse o mouse e bagunçasse o que ela estava escrevendo. Enquanto acariciava sua cabeça aveludada, um fiozinho de baba de morcego pingou em seu pijama de seda pink. — Eca! Irish Emmy saiu da pilha de almofadas de babados e bateu a cara nas alças de prata da cama-caixão feita sob medida de Lala. A máscara de argila que cobria seu rosto rachou. 44


— Todo mundo baba aqui na América, Emmy — brincou Blue, pintando com esmalte caramelo a unha de um mestiço de poodle com maltês. — Veja Teeny Turner. O cãozinho, que tinha esticado a língua em todas as direções enquanto seus cachos estavam sendo escovados, agora roncava serenamente. Sob o focinho, uma mancha vagarosamente se espalhava pela cadeira de cetim negro. Emmy olhava em volta para os agitados animais resgatados, empilhados em gaiolas de metal e as casinhas de cachorro forradas com jornal manchado de xixi. — Eu sei. Mas me sinto como se estivesse trabalhando na fazenda de novo. — Não precisa se assustar, Sheila — disse Blue, que costumava chamar qualquer um de Sheila. — Você está fazendo parte de um resgate animal fashion. Não tem nada a ver com fazenda. — Verdade! — acrescentou Clawdeen. — Pensei que você queria nos ajudar — continuou ela, referindo-se ao seu vídeo-blog O Estilo da Loba. Estavam prontos para filmar sua linha de customização para animais e Emmy voluntariou-se para ajudar com a câmera. — Tranquilo, eu vou ajudar! — insistiu Emmy, abanando o ar com uma quesadilla3. Lala queria falar para as amigas falarem baixo. Com toda aquela conversa boba e a playlist 7.0 de Blue era quase impossível se concentrar. Mas a carta que ela estava escrevendo já tinha que estar pronta. O que deveria ter levado horas, tinha levado dias. — Podemos abrir uma janela? — perguntou Clawdeen, encarando a variedade de janelas fechadas e pintadas perto do céu abobadado. — O pata-cure de Teeny Turner nunca vai secar nessa umidade. Seu lindo pelo ruivo estava enfeitado com gotas de água do umidificador em forma de sapo que vaporizava o 3

Típica comida mexicana, que parece um pastel arredondado de massa fina (N.T.).

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terrário para Couve e Brócolis, as duas tartarugas com bolsos de calças jeans colados nos cascos. — Couve está com tosse — disse Lala. — O ar frio não faz bem para ele. Nem para mim! — Bem, temos que abrir alguma coisa! — disse Emmy. — O cheiro está insuportável aqui! Lala desviou sua atenção da tela do computador com um suspiro de frustração. — Conde Fabuloso, abra lá em cima, por favor. O morcego voou até o teto e começou a enfiar a cabeça pelo papel de parede preto e pink. Um por um, buracos em forma de coração foram aparecendo. Raios de luz brilharam e o ar começou a circular. — Uau! — Emmy bateu palmas. — Estou me sentindo como um bichinho dentro de uma caixa furada! — Clawd fez isso para mim depois que um corvo entrou voando pela janela aberta e pegou Gyllenhaal, a cobra, da gaiola — explicou Lala. Emmy fez um biquinho como se fosse a coisa mais adorável que tinha visto na vida. Alguém bateu na porta. Teeny Turner pulou da cama e correu em direção à porta. Finas tranças enfeitadas por contas em suas orelhas fofas e peludas balançavam e chacoalhavam. — Entre! — disse Lala. Tio Vlad se equilibrou num dos pés e usou o outro para abrir a porta. O cachorro pulou e arranhou os tênis Vans customizados com quadradinhos roxos e pretos. — Quieta, Maria! Ou qualquer que seja seu nome... Faça como o Michael Jackson e moonwalk! Vestido com shorts xadrez de cores vibrantes e um moletom Hollister turquesa, ele equilibrava uma pilha oscilante de quesadillas quentíssimas numa bandeja dourada como se fosse um palhaço de circo. Latas de refrigerante começaram a trepidar. Blue pulou para pegar a bandeja. 46


— Uau, nunca vi tanto glitter desde meus dias no Studio 54! — exclamou Vlad, olhando ao redor. — Obrigada — sorriu Clawdeen, orgulhosa. Vlad andou pelo quarto como se estivesse numa passarela, ao ritmo de California gurls, de Katy Perry. Ele se debruçou sobre o ombro de Lala, em frente ao computador, e fez um “tsc, tsc”, ao ver o que tinha na tela. — Eu sei, eu sei. Mas é só... — Ela olhou para o céu e avaliou a posição da lua. — Sete e quarenta e cinco. — Ela olhou para Clawdeen, que confirmou com um aceno de cabeça. — Ainda tenho 15 minutos. — Ora, Sheila, deixe a gente dar uma espiada! — disse Blue, acariciando Kitson, um gatinho amarelo que usava um cinto de metal e aros magnéticos como brincos (desenvolvidos especialmente para as sensíveis orelhas felinas). — É, revele tudo! — concordou Vlad. Lala virou-se devagar na cadeira, desejando estar sozinha com os animais, como sempre estava. Dúzias de olhos brilhantes a olhavam com carinho, sem julgá-la. Seus animais não davam um pio, um latido ou um chiado sobre faculdade ou habilidades de liderança. Eles eram gratos só porque ela se importava. Eles nunca queriam sair numa viagem de negócios ou acabar com uma ligação telefônica só porque estavam atrasados para um encontro. Eles eram mais humanos do que muitos humanos. — Rápido! — apressou Clawdeen, ansiosa para fimar seu vídeo-blog. Lala respirou fundo. Se o coração dela batesse, estaria acelerado. Por onde começar? Ela pensou que talvez fosse melhor começar lá do telefonema do pai, sua busca na internet por atividades extracurriculares. Mas seu prazo estava se esgotando, então tinha que resumir rapidamente. — Brigitte T’eau Shoes e Dally Sports se uniram... — Pausa! — tio Vlad ergueu a mão como se fosse um guarda de trânsito. — Não se fala “tu”. Se fala “tou”. — Ele tirou os óculos de tartaruga e esfregou o nariz como se estivesse a ponto de ter um chilique. — Se aquela 47


mademoiselle ouvisse você assassinar o sobrenome dela assim, você ia virar patê. As garotas deram uma risadinha. — Desculpe — disse Lala. — Então... A estilista francesa Brigitte Tou e o Dally Sports Apparel se uniram para criar um sapato que une o conforto e a moda. O nome do modelo é T’eau Dally. Tio Vlad aplaudiu. — J’adore! O que mais? Jimmy Choo e Reebok? Podem chamar de Choobok. Todos riram, menos Lala. Ela estava estressada demais para fazer piada. — Enfim, eles estão fazendo um concurso para encontrar uma escola que reúna várias pessoas diferentes, assim como o sapato deles junta dois estilos. E Merston seria perfeita. Emmy abriu uma lata de refrigerante. — Qual é o prêmio? — O vencedor se torna a primeira escola patrocinada da América — Lala deu um giro rápido na cadeira. — E um milhão de dólares para melhorias. — Mais piscinas! (Blue) — Cabeleireiro! (Clawdeen) — Cantina com comida que não tenha gosto de traseiro de asno! (Emmy) — Papel de parede! — intrometeu-se tio Vlad. — E aquecimento central — acrescentou Lala. — Além disso, eles querem que um casal da escola seja a estrela da campanha nacional de publicidade. — Você e Clawd seriam perfeitos! — disse Blue, apoiando-se nos pés da cama-caixão. O Exterminador de Minhocas, um agitado periquito amarelo, colocou o bico para fora da cama e cutucou o tapete à procura de sementes. Blue arrancou um pedacinho de queijo da sua quesadilla e acenou em frente ao bico do passarinho. 48


— Pare! — gritou Lala, pegando o queijo. — Ele tem intolerância a lactose. Pegue uma escarola. Tio Vlad apontou para a bandeja intacta de crudités que ele tinha deixado ali mais cedo. — Ainda bem que alguém está gostando — murmurou ele. — Que tal um novo estúdio de arte? Com máquinas de costura, gabinetes para montar bijuterias... — Clawdeen estava usando uma máscara antirresíduo preta e roxa para desenhar corações num coelhinho branco. Um buraco do tamanho de um morcego se abriu no estômago de Lala. Espere! Ela queria gritar. Preciso ganhar primeiro! Ela enrolou uma mecha de cabelo em volta do canino esquerdo como se tivesse cinco anos de idade. Vlad colocou a mão gelada no ombro dela. Ela se forçou a respirar lentamente. Inspire pelo nariz, expire pela boca... Seus olhos negros examinavam as palavras na tela do computador. O problema de escrever é que o texto não acabava nunca. As frases sempre podiam ser melhoradas. As palavras podiam ser mais líricas. A gramática, mais impecável. Blue deu outro pedaço de escarola para o Exterminador de Minhocas. — Vamos ver o que você já fez. E diremos se está bom ou ruim. — É, leia logo isso pra gente! — disse Clawdeen, alisando a microssainha fúcsia e laranja bordada com paetês que tinha feito para a irmã de Fuego, Caliente. Lala diminuiu o volume da música e limpou a garganta. — Não é pra rir, ok? — Ora, leia de uma vez, tá? — disse Emmy. Lala suspirou. — Tá, lá vai... Ela começou a ler a mensagem em voz alta. Cara Brigitte T’eau Shoes e Dally Sports Apparel, 49


Meu nome é Lala, apelido de Draculaura. Sou muito fã dos sapatos T’eau e tenho certeza que amaria a coleção esportiva de Dally mas não sou o tipo que pratica esportes. Meu namorado, Clawd, é jogador de futebol. E ele tem quatro pares Dally. Três com tachinhas na parte de baixo para que ele não escorregue e um par de tênis de caminhada para as noites de lua cheia, quando ele tem que correr pelas matas e se esconder para que ele não assuste os normies. Enfim, nós estudamos no Merston High, sabe, aquela escola em Salem, Oregon, que esteve nos noticiários recentemente por causa dos monstros que estudam aqui? Caso a Srª T’eau não tenha ficado sabendo da nossa história (não porque está por fora, mas porque vive na França e eu acho que esse país deve ter suas próprias notícias) eu acredito que seríamos perfeitos para a campanha de vocês. Por exemplo, eu sou uma vampira. (Não se preocupe, você está segura. Sangue me faz desmaiar. Verdade!) E meu namorado é um lobisomem. A minha melhor amiga, Clawdeen, também. Também temos amigos múmias, a neta do Frankenstein, amigos invisíveis, monstros marinhos, uma sereia, zumbis, com dupla personalidade, um górgona e um monte de normies (pessoas como você, a não ser que você esteja escondendo alguma coisa! Kkkkkk.) Nós, da comunidade dos IRADOs (Indivíduos Refratários a Atributos e Designativos Ordinários), costumávamos viver totalmente escondidos. Mas nos últimos seis meses, saímos da “sapateira” (entendeu?) e nos misturamos aos normies da nossa escola. Nós somos como os seus sapatos, mas estamos vivos... Quer dizer, pelo menos a maioria. Nós iríamos adorar ser a primeira escola patrocinada da América do Norte. Nós colocaríamos sua marca em tudo. Seu patrocínio iria nos ajudar muito a melhorar as instalações da escola para acomodar as necessidades especiais dos IRADOs e daria coragem para que outras pessoas pudessem viver abertamente. Oh, e eu seria uma líder incrível. 50


Lala P.S. Eu tenho sapatos T’eau, na cor vermelho sangue, da coleção 2009. Você devia pensar seriamente em relançar essa linha. A tirinha do meu pé esquerdo se soltou e eu estou morrendo para conseguir outro par (Não literalmente, já que eu não posso morrer. Quer dizer, não posso morrer de novo, pelo menos. O que é outra boa razão para eu ser a líder). — Bravo! — Vlad enxugou os olhos com seu lencinho. — Matador! — aplaudiu Emmy. — Formidável! — gritou Blue. Clawdeen bateu palmas. — Perfeito! Lala não tinha certeza se Clawdeen estava aplaudindo porque a carta era boa ou se porque agora podiam finalmente se preocupar com a filmagem de seu vídeo-blog. — Eu sabia que ficaria ótimo, La. Pode mandar! Lala leu a carta mais uma vez. Seus lábios se moveram silenciosamente enquanto seus olhos negros passavam pela tela brilhante. Ela olhou para Vlad. Ele piscou. Ela suspirou e beijou a ponta do dedo antes de pressionar a tecla. — Certo, lá vai... Isso é para você, papai. Ela apertou o botão “enviar” e imediatamente sentiu que podia voltar a respirar. Você não pode dizer que eu não tentei. Então ela deu um pulo e pegou algumas fitas. — Vocês podem começar fazendo a introdução enquanto eu, Blue e Vlad damos os toques finais nos modelos. Emmy ligou a câmera e começou a apertar botõezinhos. Clawdeen pegou um espelhinho e arrumou os cachos. Checou também os dentes para ver se tinha alguma mancha do batom vermelho e jogou o espelhinho dentro da bolsa. De frente para a câmera, colocou a mão sobre os quadris. — Como estou? Emmy espiou pelo visor. 51


— Incrível! Agora só precisamos de luz. — ‘Xá comigo! — Blue ajustou a lâmpada do refletor cromado e apontou o bulbo de 150 watts diretamente para o rosto de Clawdeen. Lala e Vlad deram um gritinho. — Clawdeen, em 3, 2... — Emmy ergueu o dedo e apontou para a estrela do show. — Bem-vindos a outro episódio de O Estilo da Loba! Eu sou Clawdeen Wolf e... Teeny Turner latiu. — Ainda está rolando — disse Emmy. — Eu posso editar essa parte no meu laptop. Continue. Clawdeen ficou subitamente paralisada, como se ouvisse um chamado distante. Emmy manteve a câmera firme. — Continue, garota! Clawdeen balançou a cabeça. — Desculpe, pensei ter escutado... A lâmpada piscou. Blue segurou Repolho na mão esquerda e um pincel na direita. — O que está acontecendo? — perguntou ela, no instante que a tartaruga voltou para dentro da casca. Rangidos vieram de uma gaiola de metal. Ra-ta-ta arranhava lamentando-se, sua cauda azul escuro batendo nas barras. — Teeny Turner foi descoberto numa rua em Salem, Oregon — continuou Clawdeen. — Seu pelo estava opaco e suas unhas estavam cheias de... — Corta! — Emmy levantou a cabeça. — Lala, você pode dar um jeito nesse barulho? Os animais estão começando a miar, gemer, rosnar e ganir! Lala correu para acalmar seus bichinhos enjaulados. — Valeu! Vamos de novo em 3...2... O quarto ficou escuro como um caixão. O grito de Emmy gelou o ar úmido. A lâmpada sobre a mesa piscou. Clawdeen e Blue deram risadinhas nervosas. 52


— Búúú para suas lâmpadas econômicas, Lala — bufou Vlad. — Elas economizam energia porque nunca ficam acesas. — Não são as lâmpadas — murmurou Lala, perguntando-se se a energia também tinha acabado nos escritórios de T’eau Dally. Contanto que seu email chegasse a tempo... As luzes se acenderam novamente. — Então tá — a voz de Emmy transmitia sua insegurança. — Ainda está rolando. Clawdeen ficou sem saber o que fazer diante da câmera, mas respirou fundo e recomeçou. — Hoje à noite, Teeny Turner está usando a tintura natural de L’oreal na cor Vermelho Russo. Um cachecol de tricô cor de laranja, que é a mesma cor do esmalte e... Teeny ganiu e livrou-se do cachecol. Ficou pendurado nele como se fosse um rolo de papel higiênico grudado no sapato quando ele se enfiou embaixo da cama. Outro trovão ecoou pela casa. — Experimente as tartarugas — sussurrou Lala. Clawdeen encarou a câmera. — Essas tartarugas de orelhas vermelhas foram deixadas num lago no Oregon para morrerem congeladas por alguém que não queria cuidar mais delas... — disse com a voz trêmula. — Ai! — Blue deixou Repolho cair de volta no terrário, onde ele rapidamente se enfiou num tronco de plástico. — Ele me mordeu! — O que está acontecendo? — perguntou Lala para quem quer que soubesse a resposta. — Eles nunca surtaram assim! Teeny ganiu embaixo da cama. Os ouvidos de Clawdeen captaram. — Lala — disse ela. — Acho que... — Papai chegoooou! — disse Vlad.

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CAPÍTULO 5 ENFIM, LIVRE! A energia no pátio do shopping Salem Hills era eletrizante. Frankie queria correr pelo ar cheirando castanha torrada e gritar para todos a felicidade de viver livremente. Ela queria rebolar na vitrine da Forever 21 (exatamente entre o vestidinho de malha verde e o pretinho com tachas) e mostrar a todos os que passavam a coreografia de Starstruck, de Lady Gaga. Ela queria que as crianças tomando sorvete de casquinha perto da fonte próxima às escadas e as esteticistas de jaleco que tomavam Coca diet de canudinho largassem tudo e dançassem com ela. Ela queria liderar um flash mob4 de dançarinos livres no estilo Glee. Em vez disso, andava de mãos dadas com Brett pelas fontes de três andares, comendo uma raspadinha de Flash Mob é a abreviação de “Flash Mobilization”, que em português significa mobilização rápida. Trata-se de uma aglomeração de pessoas em local público para a realização de uma ação organizada. (N.E.). 4

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maracujá. Isso era perfeitamente eletrizante, mas não consumia muita energia. E Frankie tinha kilowatts para queimar. Talvez fosse apenas o sol de 36° aquecendo sua pele. Ou o barulhinho confortável que o jeans rasgado de Brett fazia enquanto andavam, como se ele não tivesse nenhum outro lugar no mundo para estar a não ser exatamente aquele. Também podiam ser aquelas vitrines exibindo pecinhas vibrantes de verão como se fosse comida por quilo. Mas provavelmente era apenas a emoção prolongada de estar em público com a pele limpa, sem a maquiagem que costumava usar lhe entupindo os poros. Sem golas altas para esconder os parafusos do pescoço. Sem medo. Mesmo já tendo estado naquele shopping 27 vezes desde que tinha “se assumido”, ainda era eletrizante demais para ser verdade. Duas garotas da faculdade compartilhando um frozen yogurt gigante de coco e calda colorida sorriram e cumprimentaram Frankie com um aceno de cabeça quando passaram por ela. — Adorei os sapatos! — disse uma delas. — Obrigada! Radiante, Frankie sorriu e olhou para suas plataformas de cortiça. Ela sempre ganhava elogios quando usava as sandálias com o macacão amassadinho floral. Suas pernas ficavam ainda mais longas. — Não é louco? — Brett jogou o papel de embrulho das castanhas torradas no lixo. — Louco por quê? Meus sapatos são lindos! Brett deu uma risadinha. — Não! É louco que as pessoas não reparam mais na cor da sua pele. Elas veem apenas... você. Nesse momento, um garoto com piercing no nariz e braços tatuados passou zunindo de skate. Ele se virou para reparar em Frankie. — Você falou cedo demais — disse ela, dando uma risadinha. — Acho que ele está um pouco assustado — 55


completou, parando para olhar os coturnos prateados na vitrine de Steve Madden. Brett colocou o braço ao redor dos ombros dela e puxou-a para perto. — Hummm... Acho que ele achou você uma gata. Ele apertou mais, como se a quisesse só para ele. Caso ainda restasse alguma dúvida. E não restava nenhuma. Ela o apertou também. — Hummm... Que fofo! Ele se inclinou e lhe deu um beijo. Frankie soltou faíscas no momento que ele se afastou. O garoto do skate ainda estava olhando. Frankie tentou consolá-lo com o aceno mais amigável que conseguiu fazer, mas ele foi embora desapontado. Será que ele me viu apenas como eu mesma? Será que eles tinham avançado tanto assim? Será...? — Veja! — disse ela, puxando Brett na direção de um toldo preto e pink. — Betsy Johnson está em liquidação! — E aí, Frankie? — perguntou uma vendedora gótica e glamurosa, dando um sorriso acolhedor com seus lábios com batom preto. — Estou só olhando. — 10% de desconto em toda a loja! — ofereceu a gótica, puxando o lenço preto ao redor do pescoço... Um dos seis que usava. — Vocês estão em liquidação? — perguntou Brett, obviamente querendo mostrar que também sabia se virar dentro de uma loja. — É especial para os Stein. — Ooohh! Frankie lhe deu um abraço. O perfume dela tinha cheiro de cereja. — Você é uma celebridade aqui — disse ele, quando caminhavam em direção aos acessórios. Brincos de parafusos e braceletes de couro com costuras estavam disponíveis numa variedade de cores nada discretas. 56


— Não sou só eu — disse ela, experimentando uma tiara de pelo ruivo. — São todos os IRADOs. Do lado de fora, uma multidão se juntava ao redor de um artista de rua. Um mímico estava derretendo a maquiagem enquanto fazia malabares com três laranjas. Frankie puxou Brett até o show. Mas Brett parou embaixo de uma figueira podada, desesperado para se manter distante. — Qual é o problema? — perguntou ela, detestando perder um segundo do show. Ele apontou para a camiseta que usava: era estampada com um desenho de um mímico amarrado aos trilhos de um trem a centímetros de uma locomotiva acelerada que certamente o esmagaria. — Não é ele, né? Brett deu risada. — Não, mas... Frankie ficou na ponta dos pés, lhe deu um selinho e o arrastou até a frente da multidão. No instante que o mímico viu a camiseta de Brett, ele fingiu que limpava lágrimas invisíveis e correu. — Não falei? — disse Brett, assim que ele e Frankie tiveram um ataque de riso e se esconderam atrás de um golfinho de bronze. Ela apoiou o rosto no peito musculoso dele. — O verão vai ser tão eletrizante! — disse ela, olhando a vitrine da Nike. Ele acariciou o cabelo preto dela, afastando a franja da testa e colocando a mecha atrás da orelha. — Eu pensei que a gente podia começar a praticar tênis — disse ela. — Oh, claro! Eu estava pensando a mesma coisa! No seu clube ou no meu? — brincou ele, colocando o queixo para cima como um riquinho esnobe. Frankie achou graça. — Estou falando sério. — Por quê? 57


— Não tem nenhum outro esporte com roupas tão bonitinhas — disse ela, imaginando-se vestida com as minissaias amarelas e o top combinando que estavam na vitrine. — Nadar pelado é mais bonitinho — provocou ele. Ela lhe deu um tapa no braço. De mãos dadas, eles passaram por um quiosque com sacolas retornáveis, adesivos e cartazes implorando que protegessem a Mãe Terra. Frankie pegou um button que dizia VIVA AME RECICLE. — Não acredito que o sábado está quase acabando — choramingou. Segunda-feira significava aulas. E escola significava lidar com Cleo e o Comitê do Equilíbrio. Uma nuvenzinha cobriu o sol e Frankie sentiu seu entusiasmo apagar ainda mais. A pegadinha maldosa de Cleo ainda doía. — Por que Cleo encheu a urna com o meu nome? Eu pensei que fôssemos amigas. Eu a vi perto da mesa mas nunca pensei que ela... Nunca pensou que ela o quê? Amaldiçoaria uma amiga a ficar numa sala fechada fazendo cartazes e organizando vendas para a caridade? Cleo é capaz de qualquer coisa, especialmente quando alguém tem nove amigos a mais. Brett enfiou a mão no bolso de seus jeans manchados de tinta. Ele deu algumas notas à garota hippie de saiona atrás do caixa e presenteou Frankie com o button que ela estava olhando. Frankie sorriu para agradecer e colocou-o na tirinha da sandália. Brett rodou seu anel de caveira. — Você seria ótima com tudo aquilo. Você adora se envolver. — Isso foi antes. — Antes do quê? — perguntou Brett, sério. — Disto? Ele apontou para um grupo de garotas que fuçavam suas sacolas, olhando as compras umas das outras. 58


— Tem mais coisas na vida do que roupas. Você fez diferença. Subitamente irritada, Frankie soltou a mão dele. — Eu tentei fazer diferença. Estive lá, remendei coisas. Assustei todo mundo e fiz com que os IRADOs tivessem que se esconder. Foi Clawdeen que mudou a cabeça de todo mundo. Pensei que seria eu, mas não foi. Talvez eu tenha nascido para fazer outras coisas. Como ser uma adolescente normal e me divertir. — Você abriu a mente de todos antes da festa da Clawdeen. Eles nunca teriam tirado seus disfarces se você não estivesse ali, mostrando que podiam. — Brett fez uma pausa para controlar o volume crescente da sua voz. — Sei lá, eu acho que o Comitê do Equilíbrio podia ser divertido... Talvez. Você podia arrecadar dinheiro para aquelas estações de recarga portáteis que você sempre quis. Podíamos fazer um museu de monstros! Eu seria o curador, claro... Frankie não conseguiu segurar o sorriso. Houve um tempo que aquilo tudo ia soar como uma grande aventura: trabalhar com um grupo para melhorar as coisas. Mas os tempos mudaram. E ela também. Ela suspirou e entrou na H&M. Uma onda de arcondicionado lhe provocou um arrepio na espinha. — Olá! Precisa de ajuda para achar alguma coisa? — perguntou uma garota com um moicano vermelho e uma sobrancelha única. — Só olhando — respondeu Brett, franzindo a sobrancelha. Frankie lhe deu um tapa no braço por ser tão maldoso. Depois, deu uma risadinha. A garota recomeçou a dobrar as calças cargo. — Eu nunca vou ter tempo de ficar com você se estiver no Comitê — choramingou Frankie. — E se eu estiver com você? — ofereceu-se Brett. Ela olhou para ele. Ele estava se apoiando na coluna espelhada, sorrindo. — Você não pode. Você não foi escolhido. 59


— Eu digo que fui. — Mas você não foi. Brett colocou as mãos nos quadris. — Então eu vou mentir. Frankie não tinha certeza se devia lhe dar um choque ou um beijo. — Mas... — Mas o quê? — perguntou ele, desfilando entre cabides de saias de bolinhas. — Você realmente quer me impedir de ajudar a nossa escola? — E todas as pessoas que não entraram no Comitê? Não é justo! — Eles não ligam — insistiu Brett. — Eles só queriam uma última atividade extracurricular antes das férias. — Como você sabe? — perguntou Frankie, repentinamente ofendida com o cinismo dele. Será que ninguém queria fazer a coisa certa só porque era certo? Não que ela se importasse. — Porque foi por isso que eu me candidatei — confessou ele, enquanto dobrava uma blusa pink amarrotada. Frankie prendeu a respiração e sorriu ao mesmo tempo. — Você o quê? — Eu e Heath fizemos uma aposta, tipo uma roletarussa, mas onde as balas são na verdade atividades escolares chatas. E nós dois fomos escolhidos — Ele apontou o dedo para a cabeça e disparou. — Bum! Frankie caiu na risada ali mesmo, no meio da seção de blusas para o verão. — Quando você ia me contar? — Eu não ia — Ele enfiou as mãos nos bolsos. — Eu ia fazer uma surpresa. Frankie sentiu a energia correndo pelo seu corpo novamente. Talvez Brett estivesse certo. Talvez não fosse tão ruim. Pelo menos, eles ficariam mais tempo juntos. 60


— Vai ser divertido — disse ele, direcionando-a para a saída. — Sério? — disse Frankie, radiante. Brett sacudiu os ombros. — Qualquer coisa é melhor do que tênis.

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CAPÍTULO 6 ROCK BROWNIES Melody fechou os olhos atrás de seus óculos escuros de farmácia. Ela encolheu os pés na grama e procurou pela mão de Jackson. O sol em seu rosto e o burburinho do rio a embalavam como a maquininha que sua mãe usava para pegar no sono. Todos os músculos de seu corpo pareciam ser feitos de manteiga, derretendo-se no cobertor listado de turquesa e marrom. Quase pegando no sono, ela escutou um sininho um pouco mais alto que a música do carrossel do Riverfront. O tilintar foi ficando cada vez mais alto e mais rápido. Suas narinas ficaram cheias de... um cheiro azedo e fedido? Jackson! Eca! Ela decidiu ficar na dela. Se o amor era cego, também podia ser indiferente a cheiros ruins, certo? Uff! Um peso que mais parecia uma bigorna a atingiu em seu abdômen relaxado. Uma língua quente roçou babando na sua bochecha. Cega e indiferente, sim, mas tolerante à dor? — Jackson! — O quê? — perguntou ele, preguiçoso. — Aaaaahh! — gritou ela, levantando-se como um raio. 62


Um labrador amarelo roubou outra lambida. — Não, Sadie! — gritou uma loira roliça vestida com um agasalho de ginástica branco. Ela segurava uma coleira gasta enquanto corria ofegante pelo gramado. — Você pensou que fosse eu? — perguntou Jackson, protegendo os olhos do sol da tarde. — O bafo combinava... — brincou Melody. Jackson puxou o cachorro em sua direção. — Engraçado, porque se eu fechar os olhos, podia jurar que essas pernas peludas eram suas. Melody jogou a cabeça para trás e caiu na risada enquanto Sadie abocanhava o que tinha restado do piquenique, sugando tudo como um aspirador. — Sinto muito! Ela fica impossível quando vê piqueniques! A mulher deu um puxão na coleira e levou Sadie embora. — Tudo bem! — gritaram os dois enquanto ela se afastava. — Sua roupa está linda, Carver — disse Jackson, apontando para a camiseta com decote em V branca de Melody cheia de marcas de patas enlameadas. Restos de peru e brownies estavam espalhados pelo cobertor de lã mexicano. — Está mesmo, Jekyll! Ela sorriu, fazendo biquinho e uma pose. Os dois riram. Jackson afastou a longa franja castanha da testa. Colheu uma florzinha amarela da grama e colocou atrás da orelha de Melody. Ela sorriu para agradecer e caiu deitada. Uma pena dourada escapou de seu cabelo e pousou ao lado deles. Era um dia perfeito. Mas a maioria dos dias ao lado de Jackson eram perfeitos mesmo. — Lembra quando a gente se conheceu? — perguntou ela, virando de lado para olhar para ele. — Você estava sentado naquele banco ali. Os olhos castanhos dele observavam o céu. — Não, não me lembro muito bem. Ela bateu na perna dele com um palito crocante pela metade. — Claro que eu me lembro!

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Ele se sentou ainda meio apoiado. Nem um centímetro de gordura abdominal se projetou sobre a calça jeans quando ele a puxou para perto. — Candace estava usando aquele macacão prateado maluco. Ela parecia um alien e você estava tão... linda. — Seu abdômen é tão tanquinho — disse ela, a centímetros dos lábios dele. — O quê? — Dá vontade de esfregar — respondeu ela, tomando uma das cantadas de Candace emprestada. Era como experimentar o maiô molhado de uma completa estranha. — Sério. Como você consegue? Jackson sentou-se com as costas retas. Melody deitouse ao lado dele. Ele ficou corado. — Desde quando você começou a reparar em abdomens? Você não está virando uma ‘dessas’ garotas, está? — Que garotas? — perguntou Melody, mesmo já sabendo a resposta. Ele estava falando do tipo superficial que matava aula para ir ao shopping, ficavam olhando seus corpos em cabines com três espelhos e depois reclamavam de suas coxas durante o almoço light. Jackson não tolerava esse tipo. Para ele, Melody era mais centrada do que uma tábua de tiro ao alvo. Segura e sábia, seria a última pessoa a abandonar seus padrões morais por alguma coisa passageira ou modinha. Ele gostava assim. E ela gostava que ele gostava. Jackson ligou seu ventiladorzinho portátil azul e branco. Ele fechou os olhos atrás de seus óculos escuros de armação geek.5 Melody aproximou o ventilador do rosto ligeiramente suado do namorado. Quando ele começava a transpirar, seu DNA mutante despertava D.J., seu alter-ego superdivertido mas altamente irresponsável. E ela não queria que nada nem ninguém estragasse seu dia. — Você me ama porque eu sou... normal? — perguntou ela, ainda sem saber se queria mesmo que ele respondesse. Ele abriu os olhos e sorriu.

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Geek é uma gíria da língua inglesa que define pessoas obcecadas por tecnologia, jogos

etc. 64


— Hum, eu não chamaria você de normal — Ele puxou uma pena do cabelo dela e assoprou-a para que flutuasse na brisa. — Fora essa coisa de sereia, eu sou chata e previsível. E você... não é. É como se, no instante que você está suado, você se transformasse no D.J. Então talvez você goste de mim porque eu sou o oposto disso. Eu nunca mudo. — Espere aí. Foi você que subiu no palco ontem à noite e cantou para um monte de estranhos e eu sou o imprevisível? Jackson a empurrou para baixo. Sua camisa xadrez de manga curta tinha cheiro de desodorante amadeirado. — Você não está namorando D.J., está? Ela deu uma risadinha, mas ele tinha certa razão. Melody costumava pensar que ela era previsível porque, comparada à irmã, era mesmo. Mas o que tinha feito na noite passada era exatamente o oposto de previsível. Na verdade, era a coisa mais espontânea que tinha feito há anos. — Há um milhão de razões para explicar por que nos damos tão bem — Ele pegou o Tupperware dela e abriu a tampa. — Uma delas é o seu brownie! Uma gota de chocolate foi parar no primeiro botão da camisa dele. Ela limpou. Qualquer que fosse a razão, ele estava certo: eles formavam um belo time. Melody deitou-se e pegou a mão dele. Sua mente voltou ao Corrigan’s e o cheiro de terra da tarde de sol foi substituído pelo cheiro azedo do bar... O calor das luzes... A onda de energia que passou pelo seu corpo no palco, sua voz cada vez mais alta, a multidão aplaudindo... Melody sentouse e tomou um gole da garrafa d’água. — O que vamos fazer neste verão? Esta é a questão! Jackson tirou a franja do rosto. — Na verdade... Ele fuçou dentro da mochila enquanto Melody observava uma família passar num caiaque amarelo. Pareciam tão satisfeitos e tranquilos, emoções que ainda não tinha sentido em sua vida. Não que não estivesse feliz com Jackson. Ela estava. Mas alguma coisa vibrava por baixo de sua pele. Uma trepidação que não cessava. Uma melodia que a guiava, mas nunca a conduzia para um lugar que a fizesse ficar em paz. Até a noite passada. Até ela cantar.

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Uma brochura brilhante apareceu diante de seus olhos. Na capa, crianças num palco de madeira cercadas por uma floresta luxuriante. — Camp Crescendo! — Hã? Jackson sorriu. — O camping precisa de monitores. — É o melhor camping para artistas do país. Tenho certeza que a lista para trabalhar lá tem um quilômetro. Jackson se virou e apoiou-se nos cotovelos. — Tem mesmo. Mas minha mãe conhece o diretor. Eu e você temos uma entrevista na próxima quinta-feira, depois da aula. Você para musicais e eu para arte. Imagine, dois meses dormindo num camping! Sem escola, sem pais, sem uniforme de lanchonete... E era mesmo... Andar de bicicleta ao anoitecer até picos enevoados. Mergulhos no meio da noite. Dar as mãos embaixo do cobertor enquanto cantavam ao redor da fogueira. Grilos, estrelas, musicais. Se ela tivesse que arrumar um trabalho para o verão (e tinha que arrumar um) esta seria uma opção muito melhor do que qualquer coisa. — É fantástico! Ela se inclinou para dar um beijo de agradecimento quando... Ping! Melody se afastou para checar o celular. PARA: Melody Junho, 4, 2:57PM CANDACE: @ SHANE’S DORM. DEUSAS DO GRUNGE ESTAUM FAZENDO TESTES PARA UMA NOVA CANTORA. INSCREVI VC, PRÓX. 5ª, 3:30 @ SHERWOOD SUITE #503. SOU A MELHOR IRMÃ DO MUNDO! Melody protegeu a tela do sol e leu de novo. E de novo. E de novo... Ela deu um salto e começou a pular pela grama. — Yeeeesssss! — O quê? — perguntou Jackson, ficando de pé e pulando também. —Deusas do Grunge está fazendo testes para uma nova cantora e Candace me inscreveu! Tenho um teste semana que vem! Ele a cumprimentou, fazendo um high-five. 66


— Talvez a gente possa fazer alguma coisa com esse nome. Melody paralisou. Ele disse isso mesmo? — Desculpe... Ótimas notícias! De verdade! — disse ele, sorrindo. Melody sentiu um frio no estômago, que momentos antes estava quentinho pela calda de amor. Ela jogou os brownies no lixo. — Mandou bem. — Os brownies, não! — gritou Jackson. — Você é o próximo se não tomar cuidado — retrucou ela, metade brincando, metade séria. — Eu não aguento esse nome. É tão... brega. — Você saberia — disse ela, apontando para a camisa abotoada errada. — Estou brincando — respondeu ele, com uma risadinha sem graça. — Estou realmente feliz por você. Talvez eu vá com você para assistir. Ele segurou o ventilador em frente ao rosto com uma mão e a panturrilha com a outra. Melody baixou o ventilador para olhar nos olhos dele. — Isso significa que você irá ver meu teste? — Depende. Melody esperou. — Quero uma nova fornada de brownies antes de anoitecer. — Fechado! — respondeu ela, estendendo a mão para cumprimentá-lo. — Fechado! — confirmou ele, apertando a mão dela. — Quando é? Ela releu a mensagem. — Quinta-feira, às 3h30. — Oh-oh. Outra mancada. — Nossa entrevista para o camping é às 5. Melody colocou uma florzinha atrás da orelha de Jackson. — Temos uma hora e meia. Vamos conseguir. Ele olhou para a grama. Melody apertou a mão dele, usando toda a sua força de vontade para não hipnotizá-lo com sua voz. Porque seria fácil demais. Jackson, escute. Você

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vai me apoiar em tudo que for relativo à música. E você vai adorar tudo. E ele responderia: Claro, Melly. Tudo que disser, Melly. Posso carregá-la até o palco, Melly? E ela responderia Eca! Honestamente, se ela quisesse um namorado robô, o sr. Stein poderia costurar um até segunda-feira. Ela queria que o apoio de Jackson viesse de sua livre e espontânea vontade. Sem isso, ela nunca saberia se... — Tô dentro! — Perfeito! Melody enfiou o telefone no bolso de trás do shortinho jeans que um dia tinha sido uma calça e pegou a bolsa de tecido. — Venha! Tenho que ensaiar! Jackson colocou o resto dos potes plásticos na cesta e colocou a mochila nas costas. — Acho que o piquenique acabou.

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CAPÍTULO 7 T’EAU-DALLY-LALA Clawd espetou um pedaço de teriyaki de tofu, esticouse sobre a mesa e colocou-o na boca de Lala. — Hummm — Ela lambeu os lábios, saboreando o pedaço salgado que substituía a carne. — Agora você! — disse ela, dando um pedaço para Clawd. Ele mastigou. — Hum, muito bom! Muito melhor do que carne de verdade! O mar ondulante embalava o iate como um berço. O sr. D. tirou a rolha de uma garrafa de Martinelli enquanto Lala se reclinava na espreguiçadeira no deck, oferecendo-se ao sol. O biquíni preto e prata ainda estava úmido do mergulho com os golfinhos. Clawd ajoelhou-se diante dela, segurando uma 69


caixinha azul-celeste e dando um sorriso adorável. O pai dela estava perto com uma câmera. O sr. D. tirou os óculos escuros Carrera, permitindo que uma lágrima de felicidade rolasse livremente pelo seu rosto. Lala nunca tinha visto seu pai segurando uma câmera, quanto mais chorando de alegria. Mas, no momento em que Lala estava prestes a abrir a caixa, bateu um vento. Nuvens apareceram e cobriram o sol. As velas gemeram em protesto e o balançar suave tornouse uma sacudida impaciente... — Eu disse: Levante-se! Você está atrasada! A camisa xadrez azul do tio Vlad estava coberta por um avental azul-marinho. Lala se sentou e tirou a máscara de dormir de cetim preto. — Hã? A mistura de animais abandonados pulava no tapete. Vlad estava debruçado sobre a cama-caixão, balançando a estrutura. Ela esfregou os olhos e olhou o relógio ao lado da cama. Estava piscando 12h00. — O que aconteceu? — resmungou ela, no momento que seu rato pelado, Cabeça de Buda, correu como um raio para baixo da cama antes que ela soltasse o morcego. — Que horas são? Por que o alarme não disparou? — A cama de bronzeamento do seu pai estourou um fusível. De novo. E ficamos sem eletricidade. De novo. Era difícil de acreditar que ela encontraria o pai na mesa do café da manhã como um pai normal. Difícil de acreditar que ele tinha dormido no caixão dele na noite passada. Difícil de acreditar que estariam olhando um para o outro em carne e osso e não em HD6. A não ser... Será que isto é um sonho também? — Vite, vite! Vlad abriu as janelinhas de coração e deixou o Conde Fabuloso entrar. O morcego, usando óculos de proteção em miniatura e com as asas cobertas de glitter pink, voou até seu puleiro e assumiu sua postura de cabeça para baixo. Lala tirou seus equipamentos noturnos, colocou uma pequena máscara de cetim sobre os olhos dele, lhe deu um beijo de bom-dia e o desceu do pedestal. 6

Sigla para High Definition, termo em inglês para imagens em Alta Resolução (N.T.).

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— Humpf! Eu estava tendo um sonho maravilhoso! — Bem, agora você pode vestir uma roupa maravilhosa. Mexa-se! — disse ele já saindo pela porta. Lala chutou seu edredom de cetim pink e preto. Seu pai estava em casa há quatro dias e todos os seus bichinhos de estimação ainda agiam como se ele fosse almoçá-los. No dia anterior, tinha conseguido carregar Teeny Turner para o andar de baixo e forçá-lo a sair. Aparentemente, o vira-latas preferia fazer xixi no carpete a se arriscar a dar de cara com o sr. D.... Como se ele chupasse qualquer sangue. Se eles soubessem com quem estavam lidando... “Seu pai se alimenta apenas das raças mais puras”, ele adorava dizer. Ele também adorava pressioná-la sobre o futuro, mas até agora não tinha dito nada. E se os animais estivessem certos? Talvez ele finalmente tivesse baixado seus padrões. Talvez ele estivesse pronto para agir como um morcego e esfriar a cabeça. Lala se contorceu dentro de uma blusa de cashemere vermelho, leggings pretas, e botas até o joelho. Todas as outras garotas estavam usando blusinhas e vestidinhos de verão. Mas ela tentou usar uma blusa de algodão roxa e passou o dia todo tremendo. Ela escovou os dentes afiados e deu uma borrifada rápida de perfume de lírio. Uma passada de gloss transparente e uma camada de máscara para os cílios e essa vampira estava pronta para um café da manhã tradicional com a família. Um cheiro forte de carne invadia os primeiros andares da casa e já começava a subir pela escada. Mas Lala conseguiu atravessá-lo, cheirando o pulso perfumado. Provavelmente alguma linguiça de sangue estranho ou torta de rim que seu pai tinha importado da Europa. Só de pensar nisso, seu estômago vazio se contorcia. Mesmo assim, suportar isso era um preço baixo a se pagar para tê-lo de volta em sua vida. — Bom dia, papai! — disse Lala, entrando na cozinha preta e branca. Tio Vlad permaneceu no chão, que parecia um tabuleiro, e nos tampos de mármores brilhantes para evitar cortar os dedos: uma possibilidade real já que era forçado a cortar e picar no escuro. O sr. D. acabou concordando. No que dizia respeito à cozinha, era Vlad que mandava. Uma concessão razoável em prol da boa comida, disse seu pai. 71


Lala apertou o nariz. E que tal um ventilador gigante para sugar todo aquele cheiro de carne? — Eu não quero desculpas, quero resultados — disse seu pai, levantando-se da cadeira executiva de couro que ele tinha levado até a mesa da cozinha. Ele sempre estava parecendo um modelo da Hugo Boss: bronzeado, o cabelo penteado com gel, vestido com um terno sob medida num lugar onde todo mundo estava de camiseta. — Se ele não conseguir os fundos na segunda-feira, eu vou... Ele viu que Lala tinha chegado e começou a falar em romeno. — Oi, papai — Lala tentou novamente. Quando ela tentou pegar a mão fria dele, ele ergueu o dedo e continuou sua conversa em alto volume, enquanto batia as chaves no laptop. Envergonhada, ela deu um sorrisinho para Musclavada, o guarda-costas de terno preto que estava ali. Músculo (como Lala e Vlad secretamente o apelidaram) apenas respondeu com um aceno de cabeça. — O que está acontecendo? — perguntou ela a Vlad, que estava sentado na mesa. Os waffles estavam cobertos de documentos. A cesta de bolinhos tinha sido colocada num canto para abrir espaço para um fax. E três celulares estavam no prato vazio de Lala. — Como assim? — perguntou o tio, fingindo estar chocado estando obviamente chateado. — Nós sempre colocamos equipamentos de escritório no seu café da manhã. Ele passou manteiga de amêndoa no pão de canela e passas de Lala como se quisesse apagar uma chama. — Não faça com tanta força, vai acabar... Nesse momento, o pão escapou de suas mãos nervosas e caiu com a manteiga para baixo num quadradinho de piso preto. — Então você começou com um círculo — brincou Lala, tentando esfriar os ânimos. — Minha vez! Ela fez um X com duas salsichas de tofu e colocou num quadradinho branco ao lado. Vlad ergueu as mãos, exasperado. — Fabuloso! Simplesmente fabuloso! O conde, achando que estava sendo chamado para comer, mergulhou, pegou o pão que estava no chão e voou de 72


volta para o andar de cima. Vlad bateu a cabeça no liquidificador enquanto Lala se esforçava para não rir. — Tudo bem — disse ela, passando pelo tio para pegar sua caneca branca. — Eu só queria leite de soja, mesmo. — Espero que você goste de leite frio — murmurou Vlad com o canto da boca. — Graças ao meu irmão ultrabronzeado, a cama de bronzear que mais parece um monumento alojada em meu quarto de meditação queimou todos os fusíveis da casa. Ele entregou uma nota de 20 dólares para Lala. — Passe no Starbucks. Lala enfiou a nota na bota enquanto seu pai andava pela cozinha, seu romeno gutural cada vez mais alto e nervoso. — Isso não é ótimo? Vlad apertou a pálpebra trêmula com o dedo. — O quê? — Somos uma família de verdade. — Gresit! O sr. D. saiu em disparada da cozinha. Sua voz retumbava no saguão de entrada até a antessala. Músculo foi atrás dele. Vlad revirou os olhos. — Será que eles iam morrer se limpassem seus pratos? Empurrando o laptop para um dos cantos da mesa, ele agarrou o controle remoto da TV, desligou-a e tirou do saco plástico a mais nova edição da revista Architectual Digest. Ele folheou as primeiras páginas de anúncios de móveis e depois tirou os olhos da revista. — A cama de bronzeamento. Os hidratantes. A equipe. A bagagem. As lâmpadas quentes... Ele pendurou um robe de cetim sobre o espelho! Lala prendeu a respiração. Ela sabia o que o espelho significava para ele. De acordo com o livro que ele tinha escrito, Feng Shui: Dicas de decoração para Vampiros que buscam uma boa energia, o espelho estava colocado no ponto onde a esquina do coração e a esquina do dinheiro se encontravam. Isso poderia ajudar o Tio Vlad a atrair um amor rico. A não ser que estivesse coberto. O que significava que ele morreria sozinho e pobre. — Ele provavelmente não ficará muito tempo, mesmo. Ele nunca fica — Lala tentou consolá-lo. 73


Dar-se conta que a sobrinha tinha razão fez com que um sorriso de esperança surgisse em seu rosto. E fez com que Lala sentisse o sangue gelar. Será que não valia a pena ficar por ela? — É melhor eu ir andando — disse ela, desesperada para chegar ao Starbucks antes da primeira aula. Lala ouviu um apito vindo da sua bolsa de microfibra. Ela e Vlad trocaram um olhar. — Alguém deve estar querendo uma carona — disse ela, balançando os ombros. O número estava bloqueado. Vlad suspirou e voltou para sua revista. Ela soprou um beijo de despedida para o tio e atendeu o telefone. — Alô? — Aaah. Oui. Eeeh, Lala? Era uma voz feminina com um forte sotaque. Provavelmente alguma outra namorada estrangeira do seu pai tentando conquistar a filha. Essa história era ainda mais velha do que ela. Lala abriu as portas do hall de entrada. — Hã, hã? Quem quer que fosse, teria que falar com ela a caminho da escola. — Je m’appelle Brigitte T’eau, do... — E Dickie Dally, aqui. Dally Sports Apparel. Clawd? Lala parou e pensou se ele seria capaz de fazer aquela pegadinha. Mas ele nem sabe que eu escrevi para... A mulher com sotaque começou a falar novamente. — Votre email était rempli de passion et... — Acertou em cheio, garota! Você é uma de nossas três finalistas. Bem, na verdade, você é a nossa favorita, mas não podemos dizer isso ou os participantes ficarão furiosos! Rá! — gritou ele e logo depois tossiu e limpou a garganta. — Acho que a francesinha e eu vamos dar uma passadinha aí e ver você primeiro... Vamos ver... Talvez... Quinta-feira, dia 23? Ei, B., quinta-feira é bueno para vous? — Mais oui! — respondeu a mulher, com uma voz que parecia cashemere de seda perto da voz de poliéster dele. — Por favor, hum, Dickie, me chame de Brigitte. — Super! OK, vamos lá! O plano é o seguinte: vamos examinar a escola para ter certeza de que não é assombrada! 74


Rá! E nos familiarizarmos com os monstrinhos que irão usar nossos novos sapatos. Quanto mais bizarro, melhor. Feio também vai funcionar. Rá! Culpa daquela garota do Jersey Shore, o programa de TV. Zoado é o novo babado! Ele tossiu e deu uma cuspida. Então continuou. — Quer dizer, quem pensou que Dickie Dally ia se unir a uma sofisticada princesinha europeia? Rá! OK, Clawd nunca diria “princesinha”. Uma vez, ele a chamou de “baby” na frente dos colegas de futebol e ela furou a bola do jogo com os caninos. Isso era mortalmente real! Lala sentiu uma sensação de leveza, como se flutuasse e estivesse pesada ao mesmo tempo, como uma âncora sendo içada entre águas agitadas. Ela acenou freneticamente, tentando chamar a atenção do Tio Vlad. Ele jogou a revista. — O quê? — sussurrou ele. — Fale! Quem é? Lala acenou novamente, desta vez pedindo que ele ficasse quieto. Mas ele continuou a perguntar. — Lala? Ela ouviu uma voz masculina diferente na linha. — Hum, sim? — Sou Red, o assistente do sr. Dally. Ele teve que pular para outra ligação. E parece que uma conexão ruim derrubou a Srª T’eau. Enfim, parabéns por ser uma finalista! Ele parecia ser do oeste, como Dickie, mas menos agressivo e mais parecido com algodão. Um sorriso gigante se espalhou pela face de Lala. — Obrigada! Ela deu uma risadinha tímida. E, virando-se para Vlad, murmurou: — T’eau Dally! Ele começou a pular, as mãos na postura de oração. — Meu feng shui funcionou! Funcionou! Eu coloquei o laptop no seu canto do sucesso e funcionou! — Sshhhhhh! — pediu Lala, ainda sorrindo. — OK, tome notas — pediu Red. Lala pegou seu lápis de contorno labial roxo e arregaçou as mangas. — Pronta...

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1 de 3 finalistas... Quinta às 12 e pouco... Preciso pegar o casal para conhecer DD e BT... Se ganhar vai estrelar campanha nacional... Se ganhar, o nome vai mudar para to-dally high... 1 milhão de dólares. — Certo. OK. Obrigada! Até quinta! Lala desligou a chamada e jogou o telefone no divã de couro amassado. — Eu sou finalista! Eles gostaram mais de mim! Eu consegui! Ela gritou alto o suficiente para que seu pai escutasse. Mas o único que correu ao seu encontro foi o tio Vlad. Ele a puxou para um abraço cheirando a sândalo e pulou junto com ela como se estivessem num trampolim invisível. Ela mal podia esperar para contar ao pai. Se ganhar um concurso e receber uma doação de um milhão de dólares não provasse que ela valia uma fortuna, então nada provaria. — Eu e Clawd vamos representar a T’eau Dally numa campanha nacional — anunciou ela enquanto pulava. — Eeeeee! — berrou tio Vlad. — Eu seeeeei! — ela berrou também, saboreando a perfeição daquele momento. Um lobisomem e uma vampira. O que podia ser mais misturado do que isso? Eles eram tão opostos quanto Dickie e a Srª T’eau. Peludo e gelada. Musculoso e magrinha. Garoto da matilha e vampira solitária. Ela até imaginava a campanha... Uma limousine para num estúdio em Manhattan. O motorista sai e abre a porta. Sua perna pálida coberta por meia-calça aparece. Lala surge vestindo um xale roxo e diamantes de Harry Winston. O sr. D. está esperando na calçada quando aparece Clawd, com cabelo moicano e óculos escuros. No estúdio, os maquiadores percebem que o trabalho deles não faz sentido: Lala já é linda demais. Os estilistas concordam que as roupas que ela veste são melhores do que qualquer coisa que pudessem ter escolhido. O sr. D. desliga o telefone e tira o fone de ouvido, não querendo perder um segundo dessa experiência. Ele dá um gole na Perrier enquanto observa a filha, encantado em ver como ela é fabulosa. Lala e Clawd posariam diante de um fundo cinza suave. A câmera clica. Eles têm um talento nato. Eles tiram 76


cinco minutos para olhar as provas... Mas apenas Clawd aparece... Lala para de pular. Vampiros não aparecem em fotografias. Por isso o quadrado branco em cima do nome de Lala no livro da escola e a pergunta “onde você estava no dia da foto?”. Todos os anos. Oh, bem. Seu pai não deixaria uma coisinha dessas atrapalhar tudo e nem ela. Ela simplesmente tinha que encontrar outra pessoa. Músculo entrou na sala, seguido pelo sr. D., que deu um grito final em romeno antes de pressionar com força a tecla para encerrar a ligação. — Papai! Você nunca vai acreditar em quem acabou de ligar! — gritou ela no momento que ele desligou. Ele começou a escrever uma mensagem de texto. — Hum? Ela ficou no caminho dele. — Adivinhe! Ele parou bem no instante que iria trombar com ela e finalmente encarou seus olhos escuros. Lala levantou a sobrancelha e abriu um sorriso, mostrando seus caninos com orgulho. — Draculaura, eu não tenho tempo para joguinhos. O que é? O sorriso de Lala desapareceu. Mas apenas por um segundo. Ele ficaria tão orgulhoso... — Eu ganhei um concurso, para a Merston, e... O Blackberry dele apitou. — Preciso atender. Mais tarde, está bem? Tio Vlad prendeu a respiração. — Mas... O sr. D. olhou para Músculo, que deu um passo a frente e tirou Lala do caminho. A dupla caminhou rapidamente em direção à cozinha. Lala abaixou as mangas arregaçadas e colocou os óculos escuros. De jeito nenhum que deixaria que seu pai a visse chorando. Ping! PARA: Lala Junho, 8, 8:11AM FRANKIE: CADÊ VC? TAMOS ATRASADAS! 77


Lala deu um beijo na bochecha do tio, pegou as chaves do carro e deixou a porta bater atrĂĄs dela. Ela preferia mesmo contar para Frankie as novidades. Ela podia soltar faĂ­scas. Mas nunca lhe daria uma mordida.

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CAPÍTULO 8 NAS SUAS MARCAS... PREPARAR... T’EAU! O look de Frankie não tinha sido acidental. Uma olhada na sua sainha de tênis amarela e na sua jaqueta branca e o Comitê do Equilíbrio iria supor que ela ia ter um jogo depois da aula. E, por consideração, poderiam acelerar as coisas (diferentemente do primeiro encontro do Comitê, que levou duas horas e trinta e nove minutos). Mas até agora, nada. Frankie já estava há quinze minutos no laboratório de biologia, que tinha cheiro de elementos químicos (como se eu não tivesse química suficiente em casa!) e a reunião nem tinha começado. De que adiantava toda aquela vestimenta? Ghoulia foi a única a perceber seu look, e porque, na verdade, Frankie tinha se esquecido de tirar as etiquetas. — Ordem! Quero ordem nesta reunião! — gritou Haylee Barron-Mendelwitz, batendo um martelinho de juiz dourado sobre a mesa (um presente da firma de advocacia de seu pai).

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Frankie estava um minuto mais próxima da liberdade. Tudo que precisava fazer era anunciar as maravilhosas notícias de Lala e daí... — Antes de começarmos — disse Haylee, tirando de dentro do macacão florido um pote plástico. — Vamos nos certificar de que nosso sangue está bem saturado de glicose. Alguém quer barrinhas caseiras integrais de linhaça e frutas vermelhas? Haylee começou a distribuir as coisas quadradas escuras com a urgência de uma voluntária da Cruz Vermelha. Desde que Bekka (a ex-dona da sua vida social e vingativa ex-namorada de Brett) foi transferida para o Whitmore High, Haylee saiu de sua casca como um ovo quebrado. Como não era mais forçada a viver nas sombras, ela foi à procura dos holofotes. Mas não aquele divertido brilho que acompanhava estilistas, maquiadores e cabeleireiros. Era mais uma coisa parecida com um poste de luz de luz fluorescente, que deixava todo mundo com cara feia. Heath Burns, seu amigo que arrotava fogo, pegou duas barrinhas e passou o pote para Jackson, que o passou pra Brett, que o passou para Frankie. Frankie pegou a menor de todas as barrinhas e passou o pote para Ghoulia. A zumbi examinou o conteúdo. — Hummmmm — murmurou ela, sem pegar nenhum. Ela era, claramente, esperta demais para morder aquilo. — Eu gostaria de fazer um anúncio — declarou Frankie. — Não antes da recapitulação — Haylee abriu sua pasta com capa de crocodilo verde e tirou um bloco pautado. — Primeiro item a ser discutido... Ela olhou para Heath por cima dos óculos bege. Ele se levantou e encarou todos os presentes. As mangas de sua camisa xadrez azul eram curtas demais. Os ossos em seu pulso branco saltavam como parafusos. — Hum... Número um: nós concordamos que Haylee seja presa... Frankie deu uma risadinha. Presa por quê? — Eu sou relator... — continuou Heath. — É secretário — corrigiu Haylee.

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— Secretário é para garotas — insistiu ele. — Eu gosto de relator. Brett segurou o riso. Ele apontou o dedo para Heath como se fosse uma arma. Pow! Heath bateu em Brett com o guardanapo, que caiu sobre a mesa fazendo um barulho curioso. Brett abriu o guardanapo e encontrou uma barrinha metade comida. Brett atirou o embrulho de volta e os dois caíram na risada. — Ordem! — gritou Haylee, batendo o martelo. — Continue. Heath demorou alguns segundos para parar de rir e conseguir continuar. — Frankie é a coordenadora social, Jackson é o coordenador criativo e Brett é o embaixador do cool. Os dois se cumprimentaram para celebrar o título que Brett fez por merecer. Frankie ficou radiante. Ela e o namorado tinham os títulos mais legais. — Ceeeeee.... Eeeeee... Ôôôôô.... — gemeu Ghoulia. — Oh, desculpe, Julia — disse Heath, virando uma página em seu caderno da Megan Fox. — Você é CEO — Chefe-Executivo Observador. — Huummmm — gemeu ela, sorrindo. — Número dois — continuou Heath. — Haylee quer criar um posto de aconselhamento entre colegas na biblioteca, para que os estudantes possam falar de seus problemas de assimilação. Frankie quer que tenhamos meio período em junho para honrarmos o solstício de verão. Jackson quer transformar as paredes da cantina em murais gigantes, aumentar o ar-condicionado e construir um estúdio de gravação. E daí, Frankie disse que queria um carregador, então nós suspendemos... Ai! — gemeu ele, colocando a mão sobre o estômago. — O que foi? — perguntou Haylee, correndo para perto dele. Heath curvou-se. — Acho que comi barras demais. Ô-ô. — Protejam-se! — gritou Brett. — Fogo! Haylee tentou pegar seu equipamento: uma mochila retardadora de fogo, com um extintor, areia e babosa. Jackson correu para o corredor. Ghoulia bocejou. Frankie se enfiou embaixo da mesa. A última coisa que ela 81


precisava era Heath dando um arroto explosivo e queimando sua roupa de tênis novinha. Brett se agachou perto dela e deu uma piscadinha. Ela soprou um beijo e cruzou os dedos. Uma onda de calor tomou conta da sala, seguida por um disparo de espuma. As pontas do cabelo de Frankie ficaram chamuscadas mas sua roupa permaneceu intacta. Eletrizante! — Desculpa, gente. Vocês podem sair agora. Brett e Frankie saíram de debaixo da mesa se contorcendo e deram de cara com uma sala que parecia ter sobrevivido ao fim do mundo. Saía fumaça do cabelo espetado de Brett. Jackson entrou na sala devagar, o ventiladorzinho na mão à toda. Ghoulia tinha permanecido sentada o tempo todo, lendo seu gibi Dead Fast. — Boa! — disse Heath, cumprimentando Haylee. — Você conseguiu disparar antes do alarme. Como um bandido do velho oeste, Haylee assoprou a espuma que restava na ponta da mangueira e recolocou o extintor na bolsa. — Melhorei meu tempo em nove segundos. Uma cratera preta estava aberta no quadro-negro atrás da cabeça de Haylee. Ela tirou a faixa laranja derretida da cabeça e deu uma arrumada na franja. — E agora, vamos às boas notícias... — começou ela. Frankie se levantou e sorriu. — Não são boas, são eletrizantes! — Ainda não! — repreendeu Haylee, gesticulando para que Frankie se sentasse. Ghoulia faz um barulho. Parecia um riso sendo esticado. — Nós pedimos ao diretor Weeks para fazer o almoço dos formandos no dia da graduação — disse Haylee. — É uma honra. Do lado de fora da janela, três garotas do primeiro ano estavam brincando de jogar bola. Estavam dividindo uma caixinha de suco de laranja e dando risada cada vez que uma delas perdia o chute. O que Frankie não daria para estar lá fora com... — Frankie! Você está escutando? — gritou Haylee. — Hã? — Já que você é a Coordenadora Social, você irá coordenar o almoço. 82


Frankie soltou faíscas. Coordenar festas não estava na sua lista de prioridades. Participar de festas, sim. — Eu, hum... — Tudo bem, tudo bem! — interrompeu-a Haylee. — Eu faço! — Sério? — perguntou Frankie, sem ser capaz de disfarçar seu alívio. — Se for para você ficar mais confortável — disse Haylee, mastigando o lábio inferior. Se tivesse dado uma mordida, estaria agora mastigando parte da boca. — Eu ficarei — confirmou Frankie. Haylee bateu o martelo. — Feito! Eu fico na dianteira. Ela cruzou a perna mostrando um Croc cor de laranja e abriu a pasta na seção CEIA DE GRADUAÇÃO. — Estava pensando num tema tipo “We are the world”. Podemos ter percussionistas de latas de lixo tocando junto com gaitas de fole e estarão todos vestidos com roupas de diversas partes do mundo. Eu tenho algumas roupas folclóricas e podemos alugar... — Desculpe interromper, Haylee — disse Frankie. — Mas eu sugiro que vocês escutem as novidades maravilhosas que eu tenho a dizer. Haylee suspirou. — Fale. Frankie alisou a saia e ficou em pé numa posição que Brett pudesse ter o melhor ângulo de visão de seus músculos na panturrilha. — Lala inscreveu Merston High num concurso da T’eau Shoes e Dally Sports... Heath ergueu o pé mostrando um de seus enormes tênis de basquete brancos. — Eu uso Dally o tempo todo. — E quem não ama T’eau? — acrescentou Frankie. Ghoulia olhou para suas sandálias. — Oooooooooooohs. Frankie respondeu com um sorriso educado e depois explicou o concurso em detalhes, até o detalhe do “zoado é o novo babado”. — E uma última coisa: se vencermos, no ano que vem Merston High vai passar a se chamar T’eau Dally High. 83


Ghoulia caiu na risada e mandou uma mensagem de texto para Frankie. TO: Frankie Junho, 8, 3:07PM GHOULIA: TODALLY ENGRAÇADO!

HIGH!

É

TOTALMENTE

Mais uma vez Frankie sorriu educadamente. Jackson balançou a cabeça e tirou a franja de cima dos olhos. — Eu não entendo. “Zoado é o novo babado”? O que isso significa? Ser zoado é babar? — Babado é algo de que todos estão falando — explicou Frankie. Ghoulia enviou outra mensagem. TO: Frankie Junho, 8, 3:09PM GHOULIA: CLEO, CLAWDEEN, BLUE… OK, já entendemos — cortou Haylee. Heath mastigou o lápis. — Então, quem vai ser o casal, já que Lala não aparece nas fotos? Frankie agarrou a mão de Brett. — La disse que somos perfeitos. Haylee levantou a mão com tanta força que arrancou os óculos do rosto. Eles deram uma cambalhota e balançaram na corrente como se fossem um balanço quebrado. — Heath e eu também somos zoados. — Acho que não... — disse Jackson. Heath e Brett caíram na risada. Haylee ignorou os dois. — Uma normie namorando um IRADO que cospe fogo é a própria imagem que eles querem. O Statesman Journal até tem um nome para romances entre IRADOS e normies. Eles chamam de Normirados. — Brett e eu também somos Normirados. Haylee bateu o Croc. — Por que tem que ser você e Brett? E Heath e eu?

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Heath suspirou. Brett recostou-se na cadeira. Eles fingiram atirar um no outro com o dedo. Ghoulia pegou seu iPhone e começou a jogar Angry Birds. — Ora, Haylee! Nós somos lindos e cheios de energia! Hum, não que vocês não sejam... — Frankie soltou faíscas. — É que... Nós fomos no shopping e compramos roupas novas lindas, e... Nós podemos trazer essa vitória para a escola! Haylee balançou a cabeça enfaticamente. — Tem mais coisas na vida do que ser bonitinho e bem-vestido. — Para ser o casal “modelo”? — pressionou Brett. Heath, seu melhor amigo, não conseguiu segurar o riso. Frankie deu uma piscadinha. Obrigada! — Vvvvoooteeeemmm — gemeu Ghoulia ainda jogando. — Boa ideia! — disse Jackson. — Vamos votar! — Concordo — Haylee bateu o martelo. — Todos a favor de mim e ... Ghoulia ergueu a mão vagarosamente e deu de cara com o olhar de Jackson. O olhar apático dela estava iluminado, como uma vela tremeluzindo na escuridão de uma caverna. Ela mandou outra mensagem de texto. TO: Frankie Junho, 8, 3:12PM GHOULIA: CLEO E DEUCE — O quê? — Frankie e Haylee berraram juntas. — Eles nem são Normirados! — disse Haylee, indignada. Jackson levantou-se e pegou sua mochila azul. — Eu acho que devemos pedir que todos votem. Todos podem concorrer e na semana que vem a escola toda vota. Frankie bateu palmas. — Isso é divertido! Todos os membros do Comitê concordaram. Menos Haylee, que saiu como um furacão. Heath correu atrás dela. Frankie pegou a raquete e sorriu. — Alguém quer jogar tênis?

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CAPÍTULO 9 DO CAMPUS PARA O CAMPING Melody apertou o botão do elevador para ir para o quinto andar. Nada. Ela apertou novamente. E de novo. E de novo. E de novo. Por que tudo fica tão devagar quando você está com pressa? Ela puxou o braço de Jackson e checou a hora no Rolex antigo dele: 3h34 da tarde. Quatro minutos atrasada. — Essa coisa está certa? Jackson recolheu a mão. — Essa coisa pertenceu ao meu pai. — Certo. Desculpe. Outro apertão no botão e o número cinco acendeu, e as portas se abriram. Uma hora antes, as coisas aconteceram como numa comédia tipo B. Ela saiu correndo da escola na hora certa de chegar em casa, mudar de roupa e fazer seu teste às 3h30, usando a tática de “ir ao banheiro” na última aula e não voltar mais para a classe. Enquanto Melody saltava escada abaixo, descendo do quarto às 3h01, sua mãe saiu da cozinha com os braços cruzados sobre seu avental ALGUNS FAZEM JANTAR, 86


OUTROS FAZEM RESERVAS. Sua expressão estava lisa com o Botox, mas seu olhar indicava contrariedade. Glory começou um discurso de “você não deveria estar estudando em vez de correr por aí?” às 3h07, assim que Candace entrou pela porta da frente segurando um vestidinho roxo que tinha acabado de sair da lavanderia. — Vista isso! E depois apareceu a escova de cabelo. — E experimente isto! Melody a empurrou tentando chegar na porta da frente enquanto explicava que o rabo de cavalo mal arrumado, a camiseta do Mudhoney e os jeans skinny clarinhos estavam ótimos porque as Deusas do Grunge não ligavam para o que ela estava vestindo. Mas Candace, como sempre, nunca daria um “tudo bem” como resposta. Candace estava tentando arrancar o All Star (3h11) quando Melody gritou que ela usaria o vestido (mesmo achando que ficaria parecendo uma salsicha) e a escova inútil e se arrumaria no carro. Mas não antes de agradecer Candace pelo arranhão com esmalte verde na bochecha esquerda e suas cordas vocais trêmulas. O elevador parou no terceiro andar (3h35). Tá falando sério? As portas se abriram revelando um corredor mal iluminado que cheirava fumaça de baunilha e gambá. No meio da neblina, surgiu um casal (ela de macacão e ele com uma camiseta tingida) que entrou no elevador, dando risadinhas. A do macacão apertou o botão do primeiro andar diversas vezes. — Esse negócio tá bolado, cara. — Bolado? — perguntou o cara. — Emperrado. Ele sorriu enquanto ela apertava mais forte. — Nós estamos subindo — disse Melody. — Ops! Foi mal! — disse ela, dando bronca no seu próprio dedo indicador. Ela e o companheiro sonolento caíram na gargalhada. Melody revirou os olhos mas Jackson estava intrigado demais com as paredes cobertas de flyers para perceber. O elevador parou bruscamente mais uma vez, sacudiu e depois se acomodou. Melody arrastou Jackson, passou pelo

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casal cacarejante e deu uma trombada num garoto magrinho em jeans pretos justos e um colete de couro. — Desculpe! — Eu que tenho que pedir desculpas pelo meu teste patético! — bufou ele, entrando no elevador. Será que todos os caras da faculdade são estranhos assim? Melody sempre imaginou que os quartos no alojamento da faculdade estavam sempre vibrando com colegas devoradores de miojo, vestidos com moletons com o nome da faculdade, estressados com algum trabalho que deveria ser entregue num prazo abusivamente curto. A pele pálida seria prova que seus nutrientes tinham sido sugados pelos raios que emanavam da tela do computador. A decoração alegre seria um tributo ao mais novo catálogo de lojas descoladas de decoração. Em vez disso, o corredor congestionado parecia mais uma mistura de show do Paramore e teste para o American Idol. Pretendentes agitados (alguns andando, outros encostados nas paredes de cimento) estavam roendo suas unhas já roídas, olhando os rivais com o canto dos olhos, ou se preparando e cantarolando suas músicas escolhidas. Melody pegou seu lugar no final da fila, atrás de um homem de chapéu tocando clarinete. — Será que “menina”, “grunge” e “cantora” significam alguma coisa para essa gente? — perguntou Jackson. Melody conseguiu dar um sorriso apesar da hora (3h38). Jackson aumentou a potência de seu ventilador portátil. — Cara, este lugar está lotado! Ele estava obviamente preocupado em chegar a tempo para a entrevista do acampamento mas era bonzinho demais para falar alguma coisa. Se ele se atrasasse por causa dela, ela nunca se perdoaria. Ohmeudeus, peraí! — Já volto. A porta da suíte 503 estava bloqueada por uma ruiva sentada numa pilha de caixas de leite. Usando uma roupa de colegial (camisa branca, calças curtas verde-limão e sandálias arcaicas), ela era claramente uma colega que as roqueiras eram forçadas a aturar.

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— Hum, com licença — arriscou Melody na sua voz mais doce. Talvez fosse suficiente. — Nada de cortar fila, não importa o motivo — retrucou a ruiva, apontando para o cartaz escrito com batom preto pendurado na porta que transmitia a mesma mensagem. O sotaque novaiorquino estava profundamente arraigado e tinha sido herdado provavelmente de um policial do Brooklyn. Melody chegou mais perto da guardiã da porta. O cabelo dela tinha cheiro de salada de frutas. — Eu e meu namorado somos os próximos — disse Melody, suavemente. Como Melody esperava, as pálpebras da ruiva amoleceram. — Preencha suas informações de contato e pronto. — Ei, o que é isso aí? — perguntou uma garota de moicano roxo no meio da fila. Melody virou-se e encarou-a. — Eu vou ser a próxima e você está muito feliz por mim. — Legal! — respondeu a moicana, com um sorriso generoso. — Boa sorte aí dentro! Melody acenou para Jackson e entrou rapidamente na suíte, antes que alguém começasse uma revolta. Não era uma entrada nem um pouco graciosa mas o momento exigia uma atitude assim... — Cinderela! — berrou a garota que a tinha puxado para cima do palco no Corrigan’s. Cinderela? Sage estava sentada num carpete cinza manchado e recostada num futon amarelo-mostarda também manchado, dedilhando sua guitarra. Seu cabelo azul estava enfiado num gorro verde, e sua camiseta cinza deixava um dos ombros à mostra, revelando a alça pink vibrante do sutiã. Ela se inclinou na direção do mini-freezer, perto do sofá onde as outras duas garotas estavam sentadas. — A gente queria chamar você para fazer o teste mas você saiu tão rápido depois da apresentação no Corrigan’s que nem ficamos sabendo seu nome, e você não está entre os alunos da faculdade. — Oh, desculpe. Sou a Melody. 89


Ela deu um aceno duro e instantaneamente se arrependeu de demonstrar sua esquisitice. Camas e guarda-roupa tinham sido eliminados do quarto pequeno para que a bateria, o amplificador e a minimesa de jogos que segurava uma pilha de caixas de pizza, embrulhos de doces e latas, coubessem. O ar abafado tinha cheiro de pipoca queimada. Os poros de Melody se abriram como um peixe abre a boca fora d’água. Ainda bem que Jackson tinha decidido ficar no corredor. Uma máquina de vento simulando um tornado teria sido sua única esperança. A loira esticada no futon estava com o cotovelo apoiado num pacote de Doritos. Melody reconheceu a baterista, e não apenas dos adesivos customizados no bolso de trás da calça. Ela estava com uma flor de hibisco vermelho atrás de uma das orelhas, seus olhos eram de um azul brilhante e usava metade de uma camiseta que devia ter sido usada por alguém que tinha mais abdômen do que gordura. — Eu sou a Nove-e-meio — disse a garota, tirando a mão da bolsa e sacudindo o dedinho. O toco do tamanho de um dedal estava enfeitado com uma fileira de anéis fininhos. — Não tenho metade de um dedo — anunciou ela, orgulhosamente. — Por isso não sou 10. Melody deu uma risadinha. — Sou a Cici — apresentou-se a baixista, sentada no braço do sofá, tomando leite com chocolate. Ela usava uma tiara em seu cabelo clareado e um vestidinho de seda marfim. Bem Courtney L. — Você está me deixando nervosa. Sente-se. Relaxe. Nós não mordemos — disse Sage, dando uma piscadinha para Cici. — Eu, pelo menos, não. Melody deu uma risada um pouco alta demais e sentou-se numa poltrona cor de ferrugem. Ao lado dela, uma árvore de natal artificial onde estavam pendurados óculos de sol quebrados, cadarços desfiados e echarpes. Era como sair com um uma versão mais cool das garotas mais populares da escola, algo que Melody ainda não tinha experimentado. Havia sempre alguém para sair com ela, mas um grupo? Como este? Nunca. Nove-e-meio sentou-se. A barriga escandalosa que escapava de seu short jeans agia como se tivesse tanto direito 90


de estar ali quanto qualquer outra. Era a primeira vez que Melody via uma garota confortável com sua aparência. — Essas penas são incríveis! — disse Nove. — Coloque uma na árvore antes de ir embora, tá? Todos os nossos amigos deixam alguma coisa. Amigos? Melody arrancou algumas penas e colocou-as nos galhos. — Podem pegar quantas quiserem. Sage abriu uma lata de refrigerante. — Então, Melody, qual é a sua? Você tá na escola? Você trabalha? Toca guitarra? Melody ficou paralisada. A entrevista tinha começado. Ela considerou usar seus poderes para se transformar na líder da banda ou na melhor amiga. Mas furar a fila era uma coisa; isso já era passar completamente dos limites no que se referia ao seu destino. Se ela trapaceasse, nunca se sentiria digna. Pelo menos era o que sua mãe dizia sobre pessoas que preferiam lipoaspiração a exercícios na hora de perder peso. Melody escolheu o que falar cuidadosamente. — Eu ainda estou na escola. Eu estudo no... Ela hesitou. E se Jackson tivesse razão e elas realmente pensassem que ela era jovem demais? Melody engoliu em seco. Ela precisava conquistar isso. E isso significava ser honesta. — Estou no segundo ano do colegial no Merston High. Eu acabei de fazer 16. Ela contraiu o abdômen, pronta para o soco. Cici ajustou a alça amarelo-banana do sutiã. — Beleza. Nove-e-meio acabou de fazer 17. — Você também está no colegial? — perguntou Melody. — Não, estou aqui. Eu sou esperta demais — Ela deu uma risada. — Ou muito burra. Todas riram. — Então você gosta de grunge, né? — perguntou Sage. Só isso? Nada de “nós não queremos garotas de colegial, então, fora!”? Melody repetiu a conversa em sua mente. Eu não usei meus poderes, usei? — Eu adoro grunge — respondeu ela. — Eu ouvia Nirvana e Hole no colegial. O primeiro CD que eu comprei com meu próprio dinheiro foi Pretty on the Inside. — Ela fez uma pausa, permitindo que uma onda de emoção passasse 91


por ela. — Eu frequentei o Beverly Hills High e eu não me encaixava ali. Eu passei muitos intervalos comendo lanche ao lado do meu iPod. Com as mãos para o alto, Nove correu ao encontro de Melody. — Eu vou te cumprimentar por isso, colega! — disse ela, batendo na palma da mão de Melody. Sage balançou a cabeça. — Todas nós temos a mesma história. Mas Davina, nossa última cantora, se “encaixava” totalmente. Hã? — Era obcecada por isso. — Mas não queria saber de se “encaixar” no nosso grupo — explicou Cici. — Queria mesmo era fazer parte dos “populares”. Melody podia conversar com essas garotas para sempre. Mas Jackson estava esperando e ela queria ser justa. — Então, vamos desconferir? O trio trocou olhares surpresos. Ohmeudeus, o que eu estou pensando? Eu não podia ser mais idiota! Melody queria correr até a janela e testar se suas penas podiam voar. — Espera aí, você quis dizer improvisar? — perguntou Sage. Mortificada, Melody concordou. — É um antigo termo roadie dos anos 70 — mentiu. — Eu adorei! — disse Cici. — Eu também! — disse Nove-e-meio, revirando as baquetas. — Vamos desconferir! Um, dois, um, dois, três, quatro! Melody reconheceu a batida instanteneamente. Era uma versão reggae/punk de “Everlong”, dos Foo Fighters. — Entre quando quiser — Sage gritou acima do som. Melody ficou em pé e fechou os olhos. Ela batucou a perna para pegar o ritmo e começou. — Come down and waste away with me... Ela começou cantando baixinho, misturando-se à música, sem se exibir. Mas quando a batida pegou de verdade, Melody uniu-se à melodia. A música aumentou e espalhou-se pelo chão, pelos seus saltos altos, pelas suas pernas, através de seu estômago e saiu pela sua boca como uma fonte de água quente. 92


A ruiva colocou a cabeça para dentro e começou a balançar. Atrás dela, os candidatos se amontoaram para espiar. Melody olhou para eles como se aquilo tudo fosse um sonho. Embaçado e distante. Ali, mas indistinto. — If anything could ever fell this real forever, IF anything could be this good again... A última frase permaneceu no ar como o perfume Black Orchid de Candace. O baixo acústico e os acordes da guitarra cessaram. Tudo estava silencioso. A ruiva fechou a porta com um clique suave. — Wooooo-hooooo — uivou Nove-e-meio, levantando as baquetas no ar. — Isso foi demais! — gritou Cici, arrancando a tiara. Melody caiu na risada. — Bom, quais são seus planos para o verão? — perguntou Sage, tirando o instrumento da tomada. Melody olhou para a porta para checar se estava mesmo fechada. — Hum, não tenho planos ainda — murmurou. — Por quê? — Estamos tentando arranjar apresentações para não precisar trabalhar no verão. Pensar em noites de calor em cima do palco fez o estômago de Melody virar uma montanha-russa. O que podia ser melhor do que aquilo? Uma batida urgente na porta interrompeu tudo. Jackson entrou. — Quem é o contador? — Nove sussurrou para Cici. Os óculos da paixão que cobriam os olhos de Melody todas as vezes que olhava para o namorado desapareceram, e ela o viu como as Deusas deviam vê-lo. Sua camisa xadrez bem passada estava muito puxada para dentro da calça cáqui vincada. A franja castanha estava penteada com gel por cima da testa e seus óculos escuros eram definitivamente mais nerd do que cool. Era a primeira vez que olhava para ele assim. — Hum, desculpe, Carl, mas o clube do imposto só se encontra aos sábados — disse Sage. Jackson olhou fixamente para Melody. — Hum... Gente, este é o meu, hum, Jackson.

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Sage, Cici e Nove-e-meio a encararam. Nove-e-meio olhou para Jackson e depois para Melody como se perguntasse, “tá de brincadeira?”. Jackson olhou para Melody. A mágoa cavou um buraco invisível entre eles. Será que ela era tão insegura? — Desculpe interromper, mas são 4h15 e... Melody arregalou os olhos. Só mais cinco minutos? Jackson arregalou também. Você prometeu. — Ei, eu conheço você! — Nove-e-meio quebrou o silêncio. — Você é o cara do filme dos monstros! — Ela cutucou Sage com a baqueta. — Lembra dele? Sage confirmou, o reconhecimento estampado em seu rosto. — Lembro. Melody ficou sem saber direito o que fazer e juntou-se a Jackson na porta. Nove-e-meio a seguiu. — Eu adorei você naquele filme! Você realmente pode se transformar naquele cara engraçado, ou aquilo tudo foi fingimento? Melody expirou, aliviada. Jackson sorriu agradecidamente. Não era sempre que seu alter-ego inspirava tanta admiração. — É tudo real — disse ele, ligando o ventiladorzinho. — É incrível! — disse Nove-e-meio. — Chamávamos você de Brad Pitt 40°7 porque você estava sempre todo suado. Jackson conseguiu sorrir. Melody ficou vermelha por ele. — Foi um prazer conhecer vocês. A banda de vocês é muito boa. Jackson fez sinal de positivo olhando para cada uma. Depois, virou para Melody. — Venha, temos que ir. Ela se virou e olhou ao redor. Sage deu um meio sorriso desapontado. — Claro, se você tem algum lugar melhor para ir... Melody balançou a cabeça. — Não, não é isso. É que... Aqui ela faz uma brincadeira com pitt-stain (marca de suor embaixo do braço) e Pitt, o nome do ator (N.T.). 7

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— Na verdade, nós temos uma entrevista de emprego para trabalhar no verão num camping de arte — explicou ele, como se estivesse se gabando de ter recebido um convite para o tapete vermelho. Todos ficaram em silêncio. Cici e Nove caíram na risada. — Quer dizer que você já tem planos para o verão! — observou Sage, confusa. — Ainda não — respondeu Melody, evitando olhar para Jackson. — Quer dizer... — Sem problema — disse Sage, desviando o olhar. Melody engoliu em seco. — Bem, muito obrigada por tudo. Foi incrível. Falo com vocês mais tarde, certo? Jackson a conduziu até o elevador como um inspetor escolar. Talvez não ter dito a elas que ela era uma sereia tinha sido um erro. Talvez fosse seu destino usar sua voz e não escondê-la. Talvez... Bing! A porta se fechou atrás deles. — Descendo? — perguntou uma garota animada com um sorriso desesperado para agradar. Jackson confirmou. Melody suspirou. Descendo, mesmo.

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CAPÍTULO 10 ACESSO NEGADO A lanchonete, que tinha cheiro de gorro de lã molhado e torta de atum, estava agitadíssima com a acirrada competição. Era a primeira vez que Lala era responsável por um evento onde as pessoas cortariam o pescoço umas das outras e isso era surpreendentemente bom. Um sentimento caloroso e estranho (seria orgulho?) encheu seu corpo como sorvete enchendo uma casquinha. Fazia cosquinhas por dentro e sua cabeça se erguia com orgulho, mostrando os caninos para todos que passavam. Tanto os IRADOs quanto os normies estavam animados com a possibilidade de serem patrocinados por uma das marcas de sapato mais famosas do planeta. E seu pai ficaria também, se desligasse o telefone tempo suficiente para ficar sabendo do concurso. Uma bandeja com cheeseburgers passou flutuando, seguida de perto por um casaco lilás com uma delicada corrente prateada. — Oi, Spectra!

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A fantasma obviamente não a escutou por causa da playlist de almoço de Jack Johnson e a bandeja de cheeseburgers continuou andando. — Spectra! Uma garota de jaqueta jeans apareceu no caminho de Lala. — Em quem você vai votar? Cleo ou Frankie? Você pode falar a primeira letra se não quiser se comprometer. Lala abriu a boca para responder mas uma brisa perfumada e fresca soprou em seu ouvido. Ela ficou arrepiada. — Você me chamou? Lala virou-se na direção da voz doce e etérea de Spectra e deu de cara com uma camiseta vintage do Pacman e shorts cargo bege. — Billy? Mas eu acabei de ver Spectra! Ela está bem? — Sou eu, Spectra. Lala parou, confusa. — Billy e eu decidimos trocar de roupa hoje. Para que eu pudesse fazer a prova de inglês para ele e ele pudesse fazer meu teste de biologia. — Deve ser legal — murmurou Lala. A garota de jaqueta jeans deu as costas para as amigas. — Posso dizer que a Cleo se veste melhor mas a Frankie é tão autêntica! Lala disse que ela ainda não tinha decidido e foi para sua mesa de sempre. Haylee e Heath sentaram-se numa ponta, revirando as páginas da CEIA DE FORMATURA e T’EAU DALLY divididas em seções na pasta do COMITÊ DO EQUILÍBRIO. A franja lambida de Haylee parecia oleosa, e ela estava com olheiras. Era claro que fazer campanha para a T’eau Dally e planejar o almoço dos formandos era mais do que sua aparência podia suportar. Frankie, Blue e Clawdeen estavam dividindo uma revista, procurando looks para o dia da votação. Lala sorriu e sentou-se no banco ao lado de Clawd, que nem percebeu, entretido que estava com a conversa de Deuce sobre o vencedor do jogo de basquete da noite anterior. Cleo tirou vantagem da distração com os eventos esportivos para acenar com amostras de papiros diante dos 97


olhos de Deuce. Estavam planejando uma campanha ou um casamento? Ele sacudiu os ombros e apontou para o do meio, apesar de que seus óculos Ray Ban espelhados tornassem impossível saber se ele tinha realmente olhado. Lala não parava de pensar se ele realmente precisava daqueles óculos ou se ele usava aquilo para se esconder. Verdade, sem cobrir os olhos, tudo que Deuce olhava virava pedra. Mas lentes de contato podiam ser banhadas com a mesma solução que fazia com que as lentes dos óculos protegessem seus colegas. Mas lentes de contato não esconderiam sua intolerância a algumas coisas. — Como você está se virando com o velho? — Blue esticou seus dedos unidos por barbatanas para pegar um pedaço de enguia com seus palitinhos. Lala sorriu, esperando que o sorriso que mostrava seus caninos passasse mais confiança do que ela realmente sentia. Só mesmo Blue para se lembrar de perguntar sobre a “fantástica” relação entre pai e filha, sobre a qual Lala tinha se gabado a semana inteira. Como eles passavam horas conversando ao pé da lareira, acordando cedo e indo andar de bicicleta, cozinhando vegetais juntos... Porque como ela podia admitir que seu pai já estava em casa havia duas semanas e eles quase não tinham se falado? Que seus animais de estimação morriam de medo dele? Que ele não fazia ideia do concurso da T’eau Dally? Ainda bem que ela não precisou falar. Wake Up, do Arcade Fire, foi ficando mais baixa bem na hora da mesa toda ouvir Jackson choramingar: — Ora, Melly, você ficou nessa coisa o dia todo! — Eu prometi a Sage que mandaria o nome de um cara que consegue baixar qualquer CD. Jackson deu uma mordida no seu sanduíche de peru no pão de centeio. Melody mandou a mensagem. — Falando em baixar, você já viram o novo jeans da Mother? — perguntou Cleo. — É uma mistura perfeita de flare e skinny. Vou mandar Ram pegar uma calça para mim depois da aula, caso alguém queira pedir uma também. Clawdeen levantou a mão. — Falando em mistura perfeita — disse Spectra. — Eu acho que Billy e eu podemos concorrer a esse negócio da T’eau Dally. Somos a combinação perfeita: linda e maravilhoso. 98


Todos caíram na risada. Cleo deu um tapinha no braço dela. — Idi e Ota combina mais. Billy desenroscou a tampa do pote de pimenta vermelha. Como sempre, Cleo pegou a pimenta e sacudiu sobre o prato. Uma nuvem vermelha cobriu o tabule. — Ka, Billy! Ela pegou o amuleto de Hórus que tinha pendurado no pescoço e abanou-o no ar. Em seguida, recolocou as tampas de plásticos em seus potes de vidro cheios de seu banquete do oriente médio e colocou-os em sua sacola de linho. — Vamos, D. Deuce sacudiu os ombros e enfiou o último pedaço de pizza de pepperoni na boca. Ele ficou em pé, se espreguiçou e pegou sua bandeja vazia, indo atrás de Cleo que marchava em direção à saída. — Eu estou tão farto da Cleo agindo como se fosse melhor do que nós — disse Billy. — Pega leve — disse Frankie. — Ela está chateada porque a irmã gêmea dela, Nefra, está indo embora de Salem e indo para Alexandria. — Irmã gêmea? — perguntou Lala. — Elas não são gêmeas. — É, Nefra é mais velha do que Cleo — disse Spectra. — E onde você escutou que ela está se mudando? Ela vive no Cairo. — Você que me disse isso! — acusou Frankie. — Eu? — perguntou Spectra, mais do que surpresa. Ping. Ping. Ping. Ping. Ping. Ping. Ping. Ping. Como pipoca no micro-ondas, mensagens de celular apitaram por toda a lanchonete. Clawdeen, Blue, Melody, Jackson, Frankie, Heath, Lala, Clawd, Billy e Spectra pegaram seus celulares ao mesmo tempo. Haylee tirou os olhos de seu planejamento. Brett caiu na risada. — O que é isso? É um código secreto IRADO? Ninguém respondeu. Os IRADOs estavam ocupados demais lendo as mensagens que brilhavam em suas telas. PARA: TODOS 99


Junho, 14, 12h34 PM SR. D: ENCONTRO OBRIGATÓRIO 7PM NA CLAREIRA. SOH P/ IRADOS. Jackson foi o primeiro a perguntar. — O que está acontecendo, Lala? — Por que tão misterioso? — perguntou Heath. O telefone de Billy pairava no ar. — O que está acontecendo? Brett e Haylee olharam um para o outro como se dissessem “isso não é justo”. — Por que a clareira? — se perguntou Clawd. — Por que tem que ser na sexta-feira? — reclamou Melody. As bochechas de Lala queimavam. Ela não fazia ideia mas não podia deixar a peteca cair. Não depois de ter se gabado durante toda a semana sobre como ela e o pai estavam cada vez mais próximos. Ela cruzou os lábios como se dissesse “é lógico que eu sei o que é mas não vou falar”. — Ora, vamos! — rosnou Clawdeen. — Fale! Você tem que nos contar! Você não pode nos fazer esperar até sexta! Lala encontrou acidentalmente os olhos de Melody. Ótimo! Tudo que preciso é que Melody me force a admitir que eu não sei o que está acontecendo. Lala rapidamente desviou o olhar. Blue se inclinou sobre a mesa e pegou o pedaço de maçã na bandeja de Lala. — Tem a ver com o negócio da T’eau Dally. Certo, La? Lala tentou ao máximo parecer recatada. Não que ela realmente soubesse como era parecer recatada. — Acho que o velho vai nos oferecer uma comemoração especial para Lala — disse Blue. Lala enfiou os caninos no lábio inferior. A dor a distraía da tortura mental. — Eu sei de uma coisa — sussurrou Spectra, enviando uma brisa perfumada e fria sobre a mesa. Todos chegaram mais perto da camiseta do Pac Man. — Ouvi dizer que o sr. D. está se aposentando da liderança dos IRADOs. Ele dará essa reunião para anunciar o novo líder. Assim que ele acabar, um helicóptero o levará para Maiorca. 100


— Quem é novo líder? — perguntou Haylee. Frankie franziu as sobrancelhas. — Onde é Maiorca? As pernas de Lala começaram a pinicar. Ela queria correr para casa e implorar ao pai que dissesse a verdade. E se seu pai a levasse com ele, de surpresa? E se a surpresa era que ele não a levaria? Biii! Biiiiiii! O sinal tocou, indicando o fim do almoço e o final da história de Spectra. — Oops! Ela se afastou da mesa e ficou em pé. Pegando a bolsa carteiro cinza de Billy, fez barulho de beijo. — Tenho que ir! Não quero me atrasar para a prova de inglês! Todos se viraram e encararam Lala. Ela sentiu o tofu surgindo do estômago e subindo pela garganta. — Não posso dizer nada — conseguiu falar. — Ele confiou que eu manteria o segredo. — Vamos! — todos falaram. Lala gemeu, desconfortável. Clawd a cutucou com o cotovelo. Seus olhos castanhoamarelados estavam intensos e focados. — Você não tem que dizer nada para ninguém. Você é ótima em guardar segredos. É uma das coisas que eu... Ele parou caso alguém estivesse escutando, mas apertou a mão dela embaixo da mesa. Clawd estava certo. Ela seria boa para guardar segredos. Se tivesse um para guardar.

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CAPÍTULO 11 CAMPANHA DOLOROSA TERÇA-FEIRA, 14 DE JUNHO Biii! Biiiiiii! Acabaram as aulas! É hora de T’eau! Frankie beijou os flyers que distribuiria para dar sorte e abriu um sorriso forçado de orelha a orelha. Sorrir, ela tinha lido, ativa a circulação de serotonina, a química da felicidade. E era crucial que ela projetasse felicidade e confiança, especialmente embaixo desse céu tão nublado. Ela tinha que ganhar o coração (e os votos) de seus colegas Merstonianos. Se não ganhasse, outra pessoa (Cleo! Haylee!) ganharia. A porta principal foi aberta com força e o tsunami de estudantes surgiu. Frankie e seu sorriso de serotonina um ponto maior que o normal gritou: — Vocês não vão se arrepender de votar em Frankie e Brett! 102


Ela entregou o primeiro flyer verde para um calouro de óculos. Ele ficou corado e engoliu em seco, seu gogó balançando como uma bola de gude no pescoço esquelético. Ela ofereceu o segundo flyer a uma aluna do último ano, que usava franjas postiças. A garota acenou para que Frankie fosse embora como se ela fosse um mau cheiro. — Sou uma filha do Nilo — anunciou ela, mostrando o pingente em seu pescoço. Um presente de Cleo, o amuleto mágico seria capaz de trazer sorte para quem o usasse. Se aquele que o usasse votasse nela e em Deuce. Todas as garotas que passaram pareciam estar usando um. Estrelas para fama, moedas para riqueza, corações para amor... Até agora, os pingentes de Cleo tinham feito uma grande mágica: Frankie tinha desaparecido. Ela esperava que Brett estivesse tendo mais sorte no campo de futebol. — BRETT E FRANKIE SÃO UM PAR QUE É IMPOSSÍVEL NÃO AMAR! — gritou ela para a multidão apática. Colegas passavam correndo, recusando-se a estabelecer contato visual. É assim que se sentem as demonstradoras de perfumes nas lojas de departamentos? É só um pedaço de papel, gente! Desesperada para espalhar sua propaganda, Frankie acidentalmente deu um flyer para Haylee, que o amassou bem amassado e jogou-o no lixo. — Agradeço se não jogarem fora — disse Frankie com sua voz mais simpática. Porque o casal do momento não era só lindo; era também politicamente correto. — Obrigada por matar árvores! — gritou Haylee. Os eleitores de Haylee a aplaudiram como se ela tivesse acabado de cortar a fita de inauguração. Fita? Roupa? Vestido! 103


QUARTA-FEIRA, 15 DE JUNHO Se Frankie queria ser a Embaixadora da Mistura, então teria que se vestir como a Embaixadora da Mistura. Nada de leggings pretos e camisetas com o ombro caído. Era isso que se esperava de um visual monótono. De agora em diante, ela seria como um sorvete de casquinha especial: dois sabores misturados. E seus sabores seriam esportiva e ousada, como T’eau Dally. No banheiro do primeiro andar, Frankie examinou seu reflexo: All Star Pink de cano superalto, meias listadas coloridas até o joelho, uma saia de tutu preta inspirada no Cisne Negro, um moletom do Merston High customizado para vestir suas curvas (graças aos talentos costureiros de Clawdeen e a doação generosa de Clawd) e um blazer jeans justinho. Seu cabelo estava preso em muitos coquinhos enrolados com cadarços coloridos e sua maquiagem estava pronta para a passarela. “Pobre Lala”, pensou ela. Frankie não conseguia imaginar uma vida sem espelhos. Uma vida sem cor já seria horrível. Mas falta de estilo? Isso merecia uma vaga para deficientes e um fundo de ajuda anual. Frankie beijou o espelho, deixando uma marca pink, e todas as inseguranças do dia anterior tinham realmente ficado para trás. Ela e Brett tinham um concurso para vencer! Brett estava apoiado numa parede coberta de cartazes à espera de Frankie, quando ela saiu no corredor. Ele estava usando calça azul-clara que tinha sido presente de Frankie. Era a última coisa que alguém esperaria ver combinada à jaqueta motoqueira preta e às botas de caminhada. Sim, ele estava carregado como um quadro de luz, cremoso como um purê, uma mistura perfeita como um milkshake. 104


— Chegou meu docinho! — brincou ele. Frankie ficou radiante. A estratégia de Haylee fazia muito sentido, a de Cleo tinha encantos antigos. Mas Frankie e Brett tinham o look. E esta era uma campanha sobre imagem, raios! Então, quem mais poderia tirar o lugar deles? Um grupo de garotas fofoqueiras passou mais devagar para dar uma olhada na roupa que eles usavam. — Representamos a mistura do Merston! T’eau Dally! — disse Frankie. Assim que as meninas foram embora, Brett murmurou: — Você não acha que vamos vencer isso só porque estamos nos vestindo como Elton John, acha? — Brett, imagem é tudo! Veja as Real Housewives! Elas são famosas por causa de suas roupas eletrizantes e suas casas maravilhosas! Brett revirou os olhos. — E pelo fato de tentarem arrancar os olhos umas das outras. Frankie deu um gemido de frustração. — Tudo que estou dizendo é que isto é como um jogo! — Hum, olhe! Brett apontou para um cartaz de papiro escrito à mão estendido de ponta a ponta sobre o armário dos segundoanistas, como um arco-íris ecologicamente correto.

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Frankie gemeu. — E parece que o jogo acabou de virar.

QUINTA-FEIRA, 16 DE JUNHO As juntas de Frankie doíam. As pontas dos dedos estavam em feridas. Sua bolsa-carregador portátil fedia como cabelo de Barbie passado a ferro. Ela subiu na mesa de operação metálica e puxou o cobertor eletromagnético cheio de bolinhas até os ombros. Ela estava acabada. Esgotada. Exausta. Exultante. E finalmente pronta para subir ao pódio. Virando de lado, ela olhou para o aquário de vidro perto da cama. — Vocês tinham toda a razão — disse ela aos Glitterati. — Foi um sucesso megawáttico. Cinco ratos brancos cobertos de glitter pink e cor de laranja a encararam, balançando os bigodes como se dissessem “eu não disse?” — Eu devo ter carregado 200 celulares hoje. Aquelas coisas vão ficar carregadas por semanas. Isso deve valer uns bons votos. Ela bocejou. Ghostaface Killah se apoiou nas patas traseiras e arranhou o vidro com a patinha pink. “Eu queria ter ajudado você”, ele tentou dizer. — A bateria do carro de Len Walsh também descarregou. Então, eu dei uma carga. Só isso deve valer pelo menos uns 20 votos. Frankie ouviu uma batida suave na porta. — Entre! — disse ela. Uma luz prateada entrou no quarto e se espalhou como um leque.

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— Eu achei que tinha escutado vozes. O que você está fazendo ainda acordada? — perguntou sua mãe. Ela se sentou na ponta da mesa e acariciou o cabelo da filha. Frankie sentiu o perfume de rosas do creme que Viveka usava à noite. — Estava contando aos Glitterati sobre o concurso — disse ela, usando a última energia que tinha para virar de barriga para cima. — Como está indo? Frankie bocejou. — Estou esgotada. — Por favor, me relembre porque é tão importante que vocês sejam “o casal” — disse sua mãe. — Você vai aparecer nos anúncios e nas coisas todas — respondeu Frankie. — Como modelos de verdade. — E... — perguntou a mãe, como se isso não fosse suficiente. — E o quê? — O que é tão bom em aparecer em fotos? — os olhos violeta de Viveka estavam abertos e ansiosos, prontos para não criticar a resposta de Frankie. — Todo mundo quer ser modelo — respondeu Frankie. As palavras saíram esquisitas. — Por quê? — perguntou a mãe novamente, tentando entender. — Porque sim. Viveka esperou. — Porque ser modelo significa que você é bonita e... Ela parou. Aquilo não podia ser a razão, podia? Ela cavou mais fundo. — Brett e eu vamos representar a escola. — Então, é uma coisa meio política? — É — confirmou Frankie. Aquilo parecia certo. Viveka parou para pensar por um momento. — Eu pensei que você não queria mais nada com política e só queria se divertir. 107


— Eu queria — disse Frankie, puxando o cobertor mais para cima. — Não achei que ia dar tanto trabalho. Os Glitterati estavam dormindo agora, todos enrolados e respirando pesadamente. O glitter no corpinho deles brilhava com a luz que vinha do corredor. — Você já defendeu muitas causas antes. Você sabe o trabalho que pode dar. — É — Frankie se virou. — Mas não parecia trabalho. — Nunca parece quando é uma coisa na qual você acredita — respondeu a mãe. Ela deu um beijo na testa de Frankie. Ela tinha razão. E acabou. Frankie queria explicar que ela acreditava no que estava fazendo. Vencer era a única parte difícil. A diversão mesmo ia começar depois. Que ser o casal da T’eau Dally High significaria fazer fotos com Brett. Ter acesso a sapatos de grife e roupas. Descontos inevitáveis no shopping. Mais seguidores no Twitter. Popularidade ilimitada... Mas como explicar tudo isso a uma professora de matemática? Em vez disso, Frankie deu um beijo na mãe e se enrolou em posição fetal. Ela adormeceu embalada pela memória de Cleo reagindo à sua estação de recarga. A fila longa como o Nilo também ficou majesticamente chocada: o som de todas as garotas prendendo o ar juntas parecia um aspirador de pó. Um pouco mais forte e seus aperitivos de pão árabe teriam sido sugados diretamente para seus lábios e grudado em seu gloss. Haylee, entretanto, não disse nada. Ela simplesmente deixou a cesta de barrinhas de cereal embrulhadas com a mensagem “vote em mim” cair no chão, encarando Frankie. Quem disse que sucesso não é legal estava mentindo. É o máximo.

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SEXTA-FEIRA, 17 DE JUNHO — Aaaaaaahhhhh! — gritou Grace Collard. Marc Beane continuava apunhalando seu peito. A filmadora o perseguia como o alvo de um franco-atirador. Mas ele a bloqueou. Ser filmado era a menor das preocupações de Marc. Ele tinha vindo atrás de sangue. — Quanto mais vermelho, mais morto, melhor! — gritou ele, mais alto que os berros de Grace. O foco agora estava fixo nela. — Socorro! — gritou ela. — E... Corta! — gritou Brett atrás das lentes. A plateia explodiu em aplausos. — Isso foi matador! — disse Marc, ofegante, observando o castelo mal assombrado pintado ao fundo, que agora estava com uma mancha de xarope vermelho. — Sabe, vocês podem ir no meu barracão de filmes de horror a hora que quiserem. Tenho todos os Pânico. — Brett se inclinou na direção de Marc e piscou. — Vocês podem se agarrar quando tiverem medo. Frankie deu uma risadinha enquanto oferecia um par de autênticos brincos de parafusos para Gracie, como um presente de despedida. — Esses brincos são tão eletrizados! A garota deu outro gritinho. Eletrizados? Ou eletrizantes? Apertando os parafusos, Frankie deu uma olhada na lanchonete da escola, avaliando suas concorrentes. Cleo estava trabalhando muito com seus “enroladinhos de papiro”: um jeito sofisticado de embalar coisas em linho. Deuce estava ao lado dela, ganhando os corações e os votos dos caras que gostavam de uma piada: ele tirava os óculos e transformava o 109


dever de casa em pedra. Haylee estava perto da mesa das cheerleaders, oferecendo aulas particulares e revisão de monografias enquanto Heath bebia refrigerante e arrotava fogo quando solicitado. Alguém bateu no ombro de Frankie. — Você pode me dar um piercing? — perguntou Blue com um sorriso contagiante. O tubo de hidratante para as mãos embalado com linho quase caindo da sua sacola de pano deu um apertão no espaço do coração de Frankie. De que lado ela está? — Aaaiinn, vamos, Sheila! Não fique magoada! — disse Blue, os olhos com um brilho sincero. — Somos todas colegas aqui. Não posso escolher. Além disso, só um quadrado tem lado, certo? Frankie pensou no que ela dizia e sorriu. — E só uma estrela concordaria com você — disse ela, oferecendo o preguinho brilhante com seu sorriso mais luminoso. — Demais! — disse Blue, colocando-o em seu piercing no umbigo. — Próximo! — Eu quero o que minha amiga pediu — disse Irish Emmy. Nos quarenta e três minutos seguintes, Frankie colocou os parafusos extras de seu pai em unhas, orelhas, pecoços, narizes, pulsos e numa testa invisível (a de Billy!). A fila na frente da mesa dela era mais longa do que a fila de Cleo e Haylee juntas. E Brett estava disparando filmes mais rápido que Jennifer Aniston. Sua aprovação estava próxima a de Obama quando capturou Osama. Tudo era definitivamente megawáttico. Foi aí que os parafusos acabaram. — Rápido — disse Brett, dando a câmera para Frankie. — Preciso de carga. Esgotada do dia anterior, a corrente elétrica de Frankie estava como esmalte vencido: grosso e lento, pegajoso e cheio de pelotas. A recarga estava demorando uma eternidade. 110


— Quem tem um parafuso a menos é louco! Filmes de terror dão sono! — gritou Cleo. — Venha e faça sua própria joia! Deuce estava atrás de uma mesa cheia de tesouras, pedaços de papel e dúzias de frascos de esmaltes. Os eleitores eram convidados a cortar o papel como quisessem para que Deuce os transformasse em pingentes de pedra. Se quisessem algo mais vibrante que a cor cinza natural da pedra, podiam ficar à vontade para cobrir sua criação com a novíssima paleta de verão de esmaltes da Chanel. Deuce e Cleo estavam cercados. Tudo que restava no canto de Frankie e Brett eram máscaras manchadas de calda vermelha, uma câmera meio carregada, uma caixa vazia e a derrota. A multidão tinha realmente se mandado. Brett começou a recolher as coisas. Frankie começou a puxar as suas costuras. E se seu corpo se despedaçasse? Seu espaço do coração já estava quebrado mesmo... — Pare! — disse um prego flutuante. Billy. — Parar o quê? — perguntou Frankie, voz mais aguda e ombros mais baixos. — Pare de dizer a si mesma que isso foi uma grande perda de tempo. Ou que você não tem a menor chance. Ou que você vai desistir e ir para o shopping... de novo! Frankie não conseguiu evitar um sorriso. Ele via sua mente como se ela fosse transparente. — Eu realmente queria vencer isso... Estou tão cansada de perder... — Ainda não acabou — disse ele. Frankie olhou para o pandemônio ao redor de Cleo e Deuce. — Parece que sim. — Seus olhos podem se enganar — disse ele. E daí hiiiiiiiiissssssss Billy borrifou o rosto com a brisa de visibilidade cítrica de Spectra. O parafuso estava na ponta do nariz dele e não na testa. — Vê? 111


Frankie deu uma risadinha. — Cleo pode fabricar, mas você já está pronta. — Como você pode ter tanta certeza? — perguntou ela. — Eu tenho faro para isso — disse Billy, começando a desaparecer. Já a esperança de Frankie não desapareceu pelo resto do dia.

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CAPÍTULO 12 LUTAS DE SEXTA-FEIRA À NOITE Os últimos raios de sol desapareceram atrás das árvores e a clareira mergulhou na escuridão, exatamente como os IRADOs à espera do anúncio do sr. D. Altos e silenciosos como as árvores que os cercavam, eles ficaram unidos em seu compromisso de permanecerem firmes sob qualquer... Slap! Lala amassou um mosquito na bochecha de Clawd. — Ninguém morde meu cara a não ser eu — disse ela, exibindo os caninos brincando. Ela esfregou os dedos derrubando o pobre mosquito no chão enquanto sorria. — Obrigada — murmurou Clawd. — Mas essa mordida é a menor das minhas preocupações. — Eu sei — suspirou Lala, despindo-se da fantasia de garota feliz na noite fria. 115


A verdade era que ela odiava ver como todo mundo estava estressado. Odiava ainda mais que seu pai era o motivo disso. E odiava triplamente que ela estava tão no vácuo quanto todo mundo. Lala sentiu um arrepio. Será que seu pai teria morrido se tivesse se encontrado com ela? Ou será que ele não tinha percebido que sua filha estava numa posição incômoda? Será que ele sabia que tinha uma filha? Clawdeen enroscou o braço pelo casaco marinheiro pink de Lala. Seu perfume tinha cheiro de amora. — Ainda não pode falar, né? Lala passou o dedo nos lábios, fechando o zíper da boca tagarela e se afastou. Ela já tinha fingido demais que sabia. Mas que escolha tinha? Ele já estava trancado no escritório, falando no celular, ou se bronzeando. Buuurrp! Heath arrotou uma bola de fogo e todos se juntaram. Nem tanto pelo calor, mais pela distração. Um por um, pais e amigos encaravam Lala, com uma sobrancelha erguida de curiosidade, esperando por qualquer dica. Ela respondia cerrando os lábios e balançando os ombros... Se eu pudesse, eu falava. Blue ficou na dela, num canto, lutando para desenrolar o hidratante que Cleo embrulhara. Suas escamas estavam começando a rachar. Lala sabia como estavam se sentindo. Cadê ele? Jackson cutucou o ombro de Lala. Seus olhos estavam escondidos atrás das chamas refletidas em suas lentes. — Você sabe...? — Não posso falar, tá? Jackson deu um passo para trás, na defensiva. — Tá bom, eu pergunto para outra pessoa. — Pergunte para mim — disse Spectra, de algum lugar próximo. — Eu sei tudo. Ele hesitou por um segundo e depois suspirou, como se pensasse “o que tenho a perder?”. — Você sabe onde está Melody? Ops. — Claro que sei — disse a voz perfumada. — Eu ouvi dizer que ela ficou de castigo por ter batido a moto do pai. Jackson deu uma risada cínica. — O pai dela não tem moto. 116


— Não tem mais — disse Spectra. — É por isso que ele ficou tão bravo. Ele amava aquela coisa mais do que seu próprio filho. — Ele não tem um... — Jackson fez uma pausa. — Esqueça. Uma brisa repentina fez o fogo dançar. Maddy Gorgon rapidamente transformou as chamas em pedras antes que se espalhassem. Tudo ficou frio de novo. A escuridão voltou. Todos ficaram parados. Então, o som de folhas sendo amassadas, lenta e calculadamente, ficou mais perto. O superior tinha chegado. O coração de Lala acelerou. Clawd, sentindo a ansiedade dela (ou talvez a dele mesmo), permitiu-se abraçála em público. Uma coruja piou. Ghoulia grunhiu. — O tempo é agora... De algum lugar entre as altas sombras, a voz grave e controlada do sr. D. emergiu, enfeitada com um sotaque melódico do leste europeu. — ...para darmos o passo final para assegurar nossa linhagem de sangue. Ele deu um passo e apareceu sob o luar. Mãos ao lado do corpo, ombros para trás, os olhos negros olhando cada um nos olhos, com a imponência de um rei. Se Lala não se sentisse tão rejeitada, ela ficaria orgulhosa. — Como os mais velhos aqui sabem, estamos em solo sagrado... Sagrado? Será que ele não quis dizer “assustado”? Isso é um problema com o idioma? Tão confusos quanto Lala, seus amigos trocaram olhares. — Foi nessa clareira, 70 anos normies atrás, que nós nos reunimos para nos esconder de nossos inimigos. Com medo de mostrar nossas faces, cavamos túneis e nos enfiamos embaixo da terra, literalmente. Nossos primeiros caixões, nossa tumbas, nossos laboratórios, nossas cavernas... Tudo isso está aqui embaixo. Graças aos tempos modernos que mudaram tudo, eles também estão em nosso passado. — Aúúúúúú! — uivaram os Wolf. Outros aplaudiram. Clawdeen fez uma reverência.

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O sr. D. ergueu a mão pálida. Todos ficaram em silêncio. — Normies e IRADOs estão agora vivendo em harmonia. Alguns estão até namorando. Mais aplausos. Frankie e Heath sorriram orgulhosamente. O sr. D. ergueu a mão pedindo silêncio novamente. — Tolerância é sublime. Mas integração? Assimilação? Essas coisas podem ser tóxicas. Permita que eles entrem em nosso sistema e eles irão corromper nosso DNA, enfraquecer nosso sangue, aniquilar exatamente o que nos torna especiais... O que faz IRADOs... O que nos faz superiores. Superiores? Ghoulia grunhiu novamente. — Agora que estamos livres, podemos planejar coisas novas! Ensiná-los o nosso jeito! Aproveitar nossos poderes! Propagar a raça! — Parece que toda essa coisa de harmonia tem um limite — sussurrou Blue. Pensando em sua própria situação, Lala concordava totalmente. O sr. D. estalou os dedos. Músculos apareceu ao seu lado com uma pá dourada. O superior agradeceu seu assistente com um aceno de cabeça curto e grosso e levantou a pá no ar. — É por isso que, com a ajuda de Ram de Nile e das Construções Wolf, eu comprei esta terra para trazer para vocês, e para todas as gerações futuras de IRADOs, Radcliffe High! Ele enfiou a pá na terra lamacenta e tirou uma pilha de lama. — A construção está oficialmente aberta! A maioria dos pais aplaudiu. A maioria dos jovens, não. Em vez disso, eles se viraram para encarar Lala, como se ela pudesse explicar o anúncio maluco que seu pai tinha acabado de fazer. — Por que meu pai não me contou isso? — murmurou Clawd. Blue levantou as sobrancelhas como se perguntasse se aquilo era real. Eu não consigo acreditar que você não me contou isso, disse Cleo com apenas um olhar. 118


Seu pai sabia de tudo. Ele comprou a terra. A culpa é dele!, pensou Lala enquanto olhava para Ram de Nile. Eu sinceramente não consigo acreditar que você escondeu isso de mim e de Cleo, parecia dizer o pelo arrepiado na nuca de Clawdeen. Seu pai sabia disso. Ele é o encarregado da construção. A culpa é dele!, pensou Lala enquanto encarava Clawrk Wolf. Clawd está tocando seu braço em público?, Ghoulia conseguiu perguntar com apenas um sorriso. Sim, Ghou, ele está tocando meu braço em público. E é tudo o que eu sei, Lala comunicou com um aceno de cabeça. — Digam adeus para o Merston High — disse o sr. D. — A partir de setembro, vocês irão frequentar a primeira e única escola apenas para IRADOs. Frankie cutucou as costuras. Heath cuspiu um comprimido para azia. Jackson abanou-se com a mão enquanto procurava um rosto na multidão, provavelmente o de Melody. — Parece que alguém tem um voo para Maiorca — falou Spectra para Billy. Clawd suspirou. — Parece que vou trabalhar na construção durante todo o verão. O sr. D. continuou explicando como a construção seria uma obra de arte. Que as aulas e os esportes iriam focar as habilidades e necessidades individuais dos IRADOs. Que esta escola seria o destino de IRADOs do mundo todo, vários já estavam matriculados e alguns ainda iam chegar em Salem. Mas tudo que Lala podia pensar era o concurso da T’eau Dally. O que ela devia fazer agora? Desistir? — Alguma pergunta? — perguntou o sr. D. Mãos se levantaram. — E os casais normirados? — perguntou Frankie. — Essa separação pode causar um dano muito sério no relacionamento. Heath balançou a cabeça, concordando. — Vocês não estão indo embora da cidade. Estão apenas mudando de escola. — E se eu ainda quiser jogar futebol no time do Merston? (Clawd) — Radcliffe precisa de você, filho. Você jogará no nosso time. 119


— E basquete? (Deuce) — Também teremos nosso time de basquete. — Ainda vamos poder competir contra escolas normies? (Clawdeen) — Se eles forem corajosos o suficiente para receber nossos times superiores nas ligas deles. — E o que acontece com minha bolsa de natação? (Blue) — E minha bolsa de atletismo? (Rock) — Bolsas não serão mais necessárias. Estamos desenvolvendo uma faculdade para IRADOs. Requisitos para entrada serão exigentes mas a mensalidade será baixa. Vários pais aplaudiram. — Nós nos esforçamos tanto para nos adaptar aos normies. Isso parece um passo para trás. (Clawdeen) Sr. D. forçou um sorriso paciente. — Você ainda terá tempo para conviver com... outros. Apenas não terá tempo nos dias de escola e nas atividades esportivas no final de semana. Frankie soltou raios. — Nós temos escolha? — Eu prefiro ficar. — Eu também. — Concordo. A expressão do sr. D. endureceu. Uma brisa fria soprou. Seu cabelo nem se mexeu. — Frequentar a Radcliffe High é obrigatório para todos os IRADOs. Todos puxaram e prenderam o ar ao mesmo tempo, com força suficiente para balançar até os galhos mais altos. — Esta reunião está suspensa. — E todos os normies que me veneram? — sussurrou Cleo para Lala. — Eles ficarão perdidos. E o concurso? Eu e Deuce estamos prestes a nos tornar modelos e embaixadores! Você tem que fazer alguma coisa! Lala sabia que Cleo estava certa. Mas quais eram as suas opções? Conversar certamente não era uma delas. Papai, você pode me ouvir? E agora? Agora? Todo aquele relacionamento tinha sido uma ligação ruim que sempre acabava caindo. — E o concurso? — gritou Frankie. — Que concurso? 120


Vários olhos encararam Lala. Ele não sabe do concurso? Lala sentiu a cabeça ficar leve. Seu estômago parecia flutuar. Ela estava prestes a ter um ataque de ansiedade. — Graças à Lala, Merston é uma das escolas finalistas no concurso da T’eau Dally — explicou Frankie. — Se ganharmos, vamos reformar toda a escola. E Brett e eu vamos... — Brett e eu? — berrou Cleo. — Acho que é Deuce e eu. — E eu e Haylee? — perguntou Heath. — Também estamos disputando, sabe? E temos mais chance de vencer por causa da nossa relação normirado. Cleo colocou as mãos no quadril. — Esse termo é tão... — Basta! — cortou o sr. D. — Sobre o que quer que seja esse concursinho, é melhor deixar os normies cuidarem disso. É hora de começarmos a nos concentrar na nossa própria comunidade. “Esse concursinho”? “CONCURSINHO”? Zonza e trêmula, Lala deu um passo à frente e disparou: — Merston é a nossa comunidade. O sr. D. virou-se vagarosamente para olhar para a filha. Frankie soltou faíscas mas permaneceu firme ao lado de Lala. — Não é mais — disse ele, com uma voz calma e esquisita. — Você tem uma nova escola. Você não precisa entrar numa competição pobre e pequena. — Os olhos dele a envolviam como uma víbora. — Desista. Lala balançou a cabeça. — Você me pressionou para fazer algo pela minha escola o ano todo. Agora que estou fazendo, você quer que eu desista? — Lala, cuidado... — pediu Clawd. — Você vai fazer o que eu mandei. — Por quê? — Lala cruzou os braços sobre o peito. — Você vai simplesmente mudar de ideia de novo. Ouviram-se exclamações de espanto pela multidão. Sr. D. enfiou o pé no chão. — Draculaura, espere por mim no gabinete em casa. O resto está dispensado. A reunião acabou. 121


Chamas tremiam na lareira envidraçada. Lala sentou-se na ponta do divã e colocou os ombros para trás. Ela acariciou o pelo pink do Conde Fabuloso, ergueu o queixo e sacudiu as mãos para aquecê-las. A pose a fazia lembrar do tempo que seus avós adotivos tinham chamado Densilav Blega para pintar seu retrato. Mas, naquela ocasião, ela estava se sacudindo de tanto tédio. Agora, estava tremendo de ansiedade. Antes de deixar a clareira, Clawd insistiu que Lala pedisse desculpas ao pai. Blue e Clawdeen desejaram sorte e imploraram para que ela ligasse no minuto que pudesse. Frankie ofereceu-se para escondê-la no seu laboratório. Mas Lala recusou. O que ele poderia fazer? Matá-la? Isso já tinha acontecido há 1599 anos. Tio Vlad apareceu ao lado dela, cheirando a eucalipto. — Outra colherada? — perguntou ele, a colher pronta na mão. Lala acariciou a barriga e balançou a cabeça. Vomitar patê de soja na sua nova calça jeans para chamar a atenção do pai não daria certo de jeito nenhum. — Talvez um chazinho de hortelã — disse ela, dando o prato para Vlad. — Comidinha demais? — Comidinha de menos que não foi — respondeu Lala, espiando pela janela. — Mas não ajudou nada. — Queria ter estado lá para... aahhh... aahhh.. Tio Vlad colocou a bandeja sobre um aparador, enfiou a mão no bolso do quimono e cobriu o nariz com um lenço de seda. — ... tchiiimmm! — Saúde. Ele colocou o lenço por baixo dos óculos e enxugou o canto dos olhos. — Eu disse para ele, não, eu implorei a ele, para não deixar aquela embalagem de bala de vitamina C no meu canto da saúde, mas ele ouviu? — Vlad fez uma pausa para assoar o nariz. — Claro que não! — e assoou o nariz de novo. 122


— O que eu sei de feng shui? Eu só escrevi o livro e criei o app. Isso sem mencionar o... Faróis iluminaram as paredes do gabinete. O carro de luxo mastigava as pedras que cobriam o caminho até a garagem. — Eu já volto com seu chá — disse Vlad, escapando. A porta da frente foi aberta com um estrondo. No quarto, no andar de cima, os animais de estimação correram para seus esconderijos. Conde Fabuloso, ainda empuleirado no pulso de Lala, começou a tremer. Lala colocou a mão sobre o coração disparado dele. Ela queria que existisse um DVD ensinando a língua dos animais para que ela pudesse dizer aos amigos que eles podiam ficar tranquilos. A mordida do pai era ruim, mas o latido era pior. Além disso, ele não ligava para eles. Ele não se interessava em nada nem ninguém a não ser seu trabalho. E mesmo assim, ali estava ela, século atrás de século, tentando impressionar. Tap! Tap! Tap! Passos estalavam no chão de mármore. A claridade bateu em Lala como um morcego de asas plásticas. Um velho homem sábio já tinha dito “talvez ele não esteja tão a fim de você”. E talvez esse homem tinha razão. Então, porque não falar logo tudo de uma vez? Naquela altura, vencer era a única coisa que Lala tinha a perder. Conde Fabuloso saiu voando, seus fios postiços pink caindo pelo tapete. Lala se inclinou para pegá-los mas deu de cara com a ponta brilhante dos sapatos do pai. Ele pisou sobre os fios como se pisa num cigarro para apagá-lo. O que foi isso? — Como você ousa me desafiar? — disse ele, olhando furiosamente para ela. Pelo menos ele estava ali, não numa tela HD. Estava ali, em 3D. Respirando o mesmo ar amadeirado que ela estava respirando. Era a primeira vez que eles se comunicavam no gabinete sem usar a TV. Pensar nisso a fez sorrir. E o deixou ainda mais furioso. — Eu sou o superior! — insistiu ele, mostrando os caninos. — Quando eu digo que você vai fazer uma coisa, espera-se que você faça. Eu também sou seu pai... Rá! — Por uma mordida — ela conseguiu murmurar. — Não por sangue. 123


Uma respiração surpresa veio do corredor. Seguida de um espirro. Vlad estava escutando. Mas nem o sr. D. nem Lala pareciam se importar. Em vez disso, ele continuou imóvel, a frase dela ricocheteando pelo quarto como um golpe de vento. Uma lembrança de muita fome. Um frio úmido. Ser carregada pela neve... Gotas vermelhas pingando, fazendo um caminho. Cada tosse rasgava seu peito e reverberava pelo seu corpo... Cuspindo mais sangue... Subindo uma escada... Estava mais quente agora. A luz prateada da lua tinha passado. Brilhos alaranjados os guiavam agora. Ela estava sobre uma cama. Cheirava a moedas e pele salgada. Os lençóis, antes acetinados e macios, estavam encharcados de suor. Sua mãe gemendo ao seu lado, pedindo para ver Laura... Estou aqui, mamãe... Ela queria dizer, mas era difícil demais falar... Sr. D. insistindo que Laura estava bem ali... Exausta até os ossos... Ouvindo a expiração final da mãe... Silenciosamente implorando para ela não ir... O sr. D. correndo até o quarto... Gritando o nome da mãe dela... Alina... Alina... Alina... Puxando-a para perto dele, como se ela fosse mais do que sua empregada... Como se ele fosse menos do que a realeza da Romênia. Um médico dizendo que era tarde demais... Os ombros do sr. D. balançando... Dizendo que queria ter podido salvá-la, desejando que a neve não o tivesse impedido de vê-la... O médico dizendo que a garota também não tinha muito tempo... O sr. D. chegando mais perto... Afastando o cabelo encharcado de suor dela... Um golpe excruciante no pescoço... Uma pressão paralisante... Escuridão... E um novo dia. Suas forças tinham voltado. Sua mãe tinha morrido. E, por alguma razão, tudo que podia pensar era enfiar seus dentes esquisitos num pedaço de carne crua. Lala piscou e deixou cair lágrimas negras. — Você nunca devia ter me salvado. Ele se serviu de um copo de whisky de 500 anos. — É óbvio que você nunca quis uma filha. — Errado — disse ele, batendo o copo de cristal no aparador preto polido. — Apoio de copo! — gritou Vlad. Sr. D. o ignorou.

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— Você devia ter pedido ao sr. Stein para construir um robô. Alguém que faria exatamente o que você quer, exatamente do jeito que você quer. Porque eu... — Eu não quero um robô — ele a interrompeu. — Mas eu também não quero uma rangedora de caninos desmotivada e desrespeitosa que... Lala bateu o pé. — Desmotivada? Por minha causa, Merston é uma das finalistas nacionais! Eu fiz isso, papai, eu! — Lala beteu no peito como um orangotango, desesperada para que ele a visse. — E o que é uma “rangedora de caninos”? Isso existe? Ele levantou o copo até os lábios e tomou um gole do líquido âmbar. — Radcliffe High será bom para você. Lala torceu o cabelo ao redor do dedo e deu um puxão. — Como você sabe o que é bom para mim? Você nunca está aqui! E quando está, é como se não estivesse. O que é pior, porque você está, mas me ignora. Ouvir essas palavras em voz alta fez com que tivessem ainda mais peso e atingiram Lala em cheio. — Eu não tinha nem ideia que você estava trabalhando nessa escola. Não fazia ideia! Você sabe como isso é patético? — Bem, eu não tinha ideia do seu concursinho — rebateu ele. — Não é um concursinho! — gritou Lala. — É nacional! E eu tentei falar com você a respeito, mas você não parou para escutar e... — Ela sentiu uma bola na garganta. — Eu pensei que você ficaria orgulhoso. Foi só por isso que eu me inscrevi. — Eu vou ficar orgulhoso quando você parar de perder tempo com seus amigos e começar a falar sério sobre... — Meus amigos são minha família agora. E no último ano, nós trabalhamos muito para nos tornarmos parte desta comunidade e... Lágrimas começaram a cair. Lala escondeu o rosto. Em 1599 anos, ele nunca a tinha visto chorar. O sr. D. pareceu não fazer nenhum esforço para tentar consolá-la. Em vez disso, ele se manteve afastado e apenas a observou soluçar. — Seus amigos nunca a salvarão como eu a salvei. — Eles já salvaram. Ele suspirou e deu uma olhada em seu relógio de bolso. 125


— O ponto é que ninguém deveria ter que salvá-la, Laura — disse ele. Era a primeira vez que ela a chamava pelo nome verdadeiro desde... — Você precisa ser forte. Forte o suficiente para manter todas as distrações afastadas e focar no que realmente importa. Lala enxugou os olhos com as costas das mãos. A pele fria acalmou seus olhos inchados. — Ser forte não significa afastar as pessoas. — Ela fungou. — É saber aproximá-las. O sr. D. apontou um dedo para ela. — Você diz isso hoje. Mas o que você vai dizer amanhã? Ou no outro dia? Uma hora é comida natural e estética animal, noutra, a paz mundial! Ele notou! — Você nunca se mantém estável. E é muito devagar! É por isso que seus primos a chamam de Lentalaura. Eles chamam? Vlad bufou. — Não é engraçado! — gritou ela. O telefone do sr. D. tocou. Ele checou a tela e atendeu. — Espere um pouco — disse ele. Ele se virou e encarou a filha. — Vamos fazer um acordo. Lala levantou uma sobrancelha. — Não estou criando você para que desista das coisas. Então, vá até o fim nesse concursinho. Quando você perder, você poderá deixar Merston e ir para Radcliffe. — E se eu ganhar? Sr. D. levantou uma sobrancelha. E cobriu o bocal do telefone. — Você fica. Hummm. Nada mal para um rangedor de caninos.

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CAPÍTULO 14 PENAS E PEDRAS O barracão que antes era uma fábrica de papel tinha sido magicamente transformado numa casa de shows de sucesso. Entre ofuscantes luzes vermelhas, aplausos, assobios e uma multidão de rostos desconhecidos, Melody seguiu suas companheiras até o palco desgastado. Cici passou o apoio do baixo prateado sobre a camiseta CHICKS WITH PICKS. Sage levantou sua guitarra coberta de adesivos. Nove-e-meio levantou suas baquetas pintadas de esmalte, apontando-as para o alto. Sua regatinha de Picachu levantou e exibiu a barriga flácida que pulou por cima do cós da calça. A plateia aplaudiu. Melody deu um passo na direção do microfone. Pegou-o pela fria haste de metal. Olhou para baixo, encarando seus All Star pinks. Lambeu os lábios secos. Procurou pela saída mais próxima. Era tarde demais para correr. Em vez disso, ela tentou acalmar a mente. Mas, como? Parecia plugada ao amplificador de Sage. As Deusas, uma por uma, tinham tentado acalmá-la. Repetindo que essas coisas aconteciam. 128


Que não importa o que acaba, elas tinham umas às outras agora. Mas nada mudava o fato que o teste de som tinha demorado muito. Que ela escolhera a banda em vez do encontro dos IRADOs. Que ela tinha quebrado a promessa feita a Jackson. Que ela queria dizer que sentia muito, mas não era verdade. Que... — Um, dois, três, quatro! Nove-e-meio deu o ritmo para “Sleep to Dream”, de Fiona Apple. As outras se juntaram a ela. Melody fechou os olhos. Ela começou a cantar. Tudo, a não ser a música, desapareceu. Luscious, Jackson, Soundgarden e até Britney (ajustada até ficar legal, lógico). Nada a não ser flashes de imagens permaneciam. Garotas molhadas de suor balançando os braços no ar... Os caras da faculdade olhando para ela... Outros cantando junto... Celulares acesos no alto... Candace e Spectra mandando beijos... Candace nos ombros de Billy... Todo mundo surtando porque ela parecia levitar... Jackson num canto com seu ventilador de mão... Feliz por ele ter vindo. Mas a maior parte do que Melody experimentou durante aqueles 55 minutos era puro sentimento. Flutuar? Voar? Não. Era como ascender. Como aquele velho barracão, ela também tinha sido transformada.

O show terminou e a magia foi desfeita. DJ Gold Chedaa começou a tocar Pitbull para os que ainda restavam, ou seja, os que não queriam gastar dinheiro pagando por música ao vivo. E Melody era novamente só mais uma garota tentando se entender com o namorado. 129


Desviar dos obstáculos na pista de dança parecia com tentar sair de uma densa floresta. E foi aí que ela viu Jackson perto do Monster Energy Bar. — Jackson! — Ei! — Um cara enorme agarrou-a pelos ombros e virou-a na direção dele. — Não saia por aí gritando e estragando essa voz, garota. Sua mão úmida molhou a pele dela sobre a camiseta finíssima. Candace tinha pagado US$175 por aquele trapo cheio de furos. Mas como parecia ter sido roubada de um turista aventureiro, Melody concordou em usá-la. Agora, graças ao homem de mãos úmidas, também tinha cheiro de turista aventureiro. — Sua voz é atômica! Melody deu um passo para trás. — Você sabe, como uma bomba? — Obrigada — disse ela, educadamente. — E-eu tenho que encontrar uma pessoa, então... — Sem problema — respondeu ele, aplaudindo enquanto ela se esgueirava entre os que dançavam na pista. — Sua voz é irada! — gritou uma garota enquanto um garoto se esfregava em sua perna. — Adorei as penas! — gritou outra garota, no meio de um giro. — Sua maior fã! — gritou um cara sem camisa com uma tatuagem de Gwen Stefani no peito. — Vem com a gente! Uma garota com cabelo loiro quase branco e franja curtinha agarrou Melody pelo pulso e a colocou bem no meio da multidão. Mãos acima da cabeça, ela se entregou à música, rendendo-se às luzes estroboscópicas e ao impacto dos corpos antes de se desprender do grupo. Jackson primeiro, euforia depois. Melody, entre duas garotas popozudas com meiaarrastão e shorts minúsculos, foi jogada para a frente como uma bolinha de gude. Ela aterrissou num cara que usava um colar com plaquinhas do exército e uma regata branca. Ele a 130


puxou na direção de seu peito perfumado como o mar e começou a sacudir os quadris como se estivesse navegando em mar aberto. — Aaiii, saaaiii! — choramingou Melody, empurrandoo. Mas ele se recusou a deixá-la ir. — Vamos, cante para mim! — Eca! — exclamou ela, lutando para libertar o pulso. A pegada dele era forte mas ele não parecia estar se esforçando. Parecia estar segurando a corda de uma bexiga que flutuava na brisa. Melody começou a entrar em pânico. Ela olhou para a multidão em busca de um rosto familiar e finalmente encontrou Jackson. Ele estava num dos cantos da pista, cruzando os braços, frustrado, enquanto ela se debatia. Ela lançou um olhar de “salve-me”. Ele balançou o ventiladorzinho, como se dissesse “eu até ajudaria se pudesse mas vou suar então não posso”. Em vez de ajudar, ele gesticulou imitando uma marionete, indicando que ela deveria usar a voz. É claro! Quando Melody estava prestes a falar para o marinheiro dos infernos fazer xixi nas calças e correr para casa chupando o dedo, alguém a levantou e a tirou da pista de dança. O corpo dele era frio como pedra e sólido. Se Jackson fosse um macarrão, seria um miojo cozido. Este cara era al dente. Ele a colocou gentilmente perto do bar. — Oi, eu sou... — Obrigado, cara — disse Jackson, enlaçando Melody num abraço protetor. — Eu assumo a partir daqui. Antes que ela tivesse uma chance de agradecer ao estranho ou mesmo poder reparar nele, Jackson a conduziu até um canto escuro. — Você está bem? Melody confirmou, pegando a garrafa de água. 131


— O que aconteceu com você hoje à noite? — perguntou ele, os olhos castanhos esbugalhados de preocupação. — Você disse que iria à reunião e... — O teste de som demorou muito — disse Melody, esticando-se para tentar ver o misterioso salvador entre as luzes e os corpos que dançavam. — Desculpe, eu devia ter ligado, mas... — O show foi ótimo — disse ele, com um sorriso sincero. — Você foi ótima. — Fui? — perguntou Melody, surpresa. Ele não está bravo? — Melhor que ótima. Você devia ouvir o que as pessoas estavam falando. A preocupação nos olhos dele se transformou em orgulho. Ele não está bravo! Melody levantou-se na ponta dos dedos e beijou os lábios macios dele. Uma desculpa por subestimar como ele era incrível. E outra por ele ter vestido a jaqueta jeans que ela mais gostava mesmo estando tão quente ali. — Então — Jackson afastou-se rapidamente. — Tenho ótimas notícias! — O quê? — perguntou Melody, os braços ainda enlaçando o corpo dele. — Eu ia te contar na reunião mas... — Melly! — gritou Sage. Melody deu uma risadinha enquanto a guitarrista dançava em sua direção. Como sempre, Sage parecia uma versão roqueira da Teen Vogue. Cabelos grossos e pretos, lábios vermelhos, camiseta com frase irônica, tutu e botas de motoqueira. Seus olhos escuros e pele perfeita cor de chocolate faziam Melody pensar numa amêndoa coberta de chocolate: macia e irresistível. Ela era bonita demais para o rock, cool demais para o pop. E estava chamando por Melody! Melody deu as costas para Jackson e sinalizou para que Sage chegasse perto. Jackson livrou-se dos braços de Melody. 132


— O quê? — Estava prestes a te falar. Melody deu uma risadinha diante de sua distração. — Foi mal, desculpe. Você tem razão. O que é? O rosto de Jackson ficou radiante. — Nós conseguimos! Conseguimos? — Os braceletes de couro que a gente tinha pedido? Jackson balançou a cabeça. — O emprego. Emprego? — No Camp Crescendo. Nós conseguimos! Os pensamentos de Melody procuraram pela resposta chave. Ah, sim, o camping. — Que ótimo! — respondeu ela. Ele inclinou-se e lhe deu um beijo carinhoso. — Pense nisso! Dois meses, você e eu. Camping, cantando, pintando... Sage enlaçou Melody e a abraçou. — Você saiu correndo tão rápido que nem conseguimos dizer como foi tudo incrível! — Sage gritou no ouvido dela. Então cumprimentou Jackson com um soco. — Cici e Nove estão no backstage procurando por você. — Desculpe, eu só queria encontrar o Jackson antes... — Este é o Granite — anunciou Sage. Um garoto, e que garoto, de jaqueta de couro deu um passo para a frente, deu um golpe no ar com a mão, e inclinou-se para trás. Alguma coisa mexeu com as entranhas de Melody. Como se ela tivesse encostado numa cerca elétrica. — Ele é o nosso roadie — cantarolou Sage. — E nosso colírio — provocou ela, embaraçando o rabo de cavalo estilo Dave Navarro dele. Mas era óbvio que ela não estava brincando. Junto com seu corpo al dente, os olhos pequenos de Granite, num cinza claro incomum, agarraram Melody como magnetos. 133


— Obrigada por me salvar daquele cara esquisito lá — disse ela. Ele balançou os ombros como se não tivesse sido nada. — Parecia que você estava tendo problemas, então... Jackson limpou a garganta. — Mel, está ficando quente aqui. Nós temos que ir. Ela concordou. — Claro. E virando-se para Granite, disse: — Então, hum, obrigada por juntar nossas coisas e tudo mais. — Mel, nós temos mesmo que ir. — Ir? — interrompeu Sage. — O DJ acabou de começar. — É um outro D.J. que me preocupa — disse Jackson, pegando a mão de Melody. Ela queria ir com ele. A última coisa que queria era que D.J. Hyde aparecesse e contasse para todo mundo como ele detestava bandas de garotas e arruinasse sua noite perfeita. Mas, por alguma razão, ela não conseguia se mexer. De repente, Cici e Nove apareceram, coradas e ofegantes. — Eu acabei de pedir Bjork — anunciou Cici. — “Human Behavior”? — perguntou Melody, esperançosa. Nove negou. — “Club Remix”. Bem na hora, a batida industrial começou a explodir ao redor delas. As luzes vermelhas tornaram-se azuis. Uma falsa neblina surgiu do teto. Cici e Nove puxaram Melody, Sage e Granite para a pista de dança. Melody olhou para trás, para Jackson, como se fosse uma vítima de sequestro indefesa. — Vá sem mim — gritou ela, do meio da fumaça. — Eu pego uma carona para casa com a Candace. Ele respondeu com um sinal de positivo e correu para a saída. 134


Ops! Alerta de sereia! Será que eu usei minha voz com o Jackson? Melody virou-se para as novas amigas e balançou a cabeça, expulsando a culpa com cada estalo de pescoço. Acidentes acontecem, mesmo.

As luzes da casa acenderam com um tapa. Acorde! A festa acabou! Hora de descansar seus bumbuns suados! Toda aquela luz parecia gritar. — Já? — choramingou Nove. Cici checou a hora em seu braço cheio de Swatches. — É 1h00. As garotas deram uma risadinha, maravilhadas com toda a energia que tinham. Restava apenas um punhado de pessoas, a maioria funcionários, e nenhum deles era Candace. — A van está carregada — disse Granite, colocando um punhado de chaves nas mãos de Sage. — Posso pegar uma carona? — perguntou Melody. — Se você não se importar em sentar no colo da Novee-meio — respondeu Sage. Nove apertou sua gordura abdominal. — Vem com air bags! — Ou você prefere pneus? — perguntou Cici, batendo a mão nos culotes. — Fico com os dois — respondeu Melody, perguntandose o que seus pais pensariam dela enfiada num van lotada, andando por aí depois da meia-noite. — E se eu levar você? — ofereceu-se Granite. — Acho que seria mais seguro — racionalizou ela, ignorando o capacete arranhado embaixo do braço dele, a 135


chuva torrencial que ecoava no teto fino e o fato que ela precisaria abraçar o corpo frio como pedra dele enquanto estivessem andando, o que era seguro de um jeito perigoso. Todos saíram na noite gelada. A não ser pelo barulho de um carro ou outro passando, o quarteirão desvalorizado estava deserto. A chuva caía de lado e feria os braços nus de Melody. — Você por acaso não teria um guarda-chuva, teria? — perguntou Granite. Melody deu uma risadinha. — Você está com medo de uma chuvinha? — provocou ela. — Nah — respondeu ele, levantando a mão sobre a cabeça. A água escorreu pelos seus dedos como se fossem canos. — Estava preocupado com suas penas. — Oh — exclamou Melody, examinando as roupas secas dele. — Elas não... hum... Tudo bem. Pássaros se molham o tempo todo. Então... como você está fazendo isso? Ele colocou o capacete na cabeça dela e ergueu a outra mão. A água também parou de cair sobre ela. — Você já andou de moto? — perguntou ele, manobrando a motocicleta preta e branca. Ele tirou a jaqueta e colocou-a sobre os ombros estreitos dela. Melody confirmou, mesmo nunca tendo andado numa moto antes. Alguma coisa nela queria fazê-lo acreditar que ela era tão cool quanto ele. Mas por quê? Ele não parecia se importar com isso. Granite deu a partida e o motor adquiriu vida. — Você não vai usar um capacete? — perguntou ela. — Nah. Minha cabeça é como uma pedra — disse ele. — Segure firme! Melody colocou os braços ao redor da camiseta branca gasta dele. Parecia que estava abraçando uma estátua. 136


Eles seguiram pela estrada escorregadia entre as luzes refletidas nas poças: era como se uma fotografia em preto e branco tomasse vida. — Como foi? — perguntou Granite, parando em frente à casa de Melody. Foi rápido demais. — Ótimo! — respondeu ela, tirando o capacete para devolvê-lo. A chuva, agora, era uma garoa. — Obrigada de novo por... Ping! Ping! Os telefones dos dois receberam mensagens exatamente ao mesmo tempo. — Provavelmente é o seu namorado — disse ele. E a sua namorada?, ela podia ter perguntado. Se ela se importasse. E ela não se importava. Os dois checaram suas telas. PARA: Melody Junho, 18, 1:22AM SR. D.: REUNIÕES DE IRADOS SÃO OBRIGATÓRIAS. SHOWS NÃO. — Que seja — Granite murmurou. Melody ficou paralisada. Mãos de guarda-chuva, corpo frio como pedra, olhos acinzentados... — O que você é? — Hã? Ele colocou o telefone no bolso de trás da calça jeans. — A mensagem. Era a mesma que eu recebi, não era? — Depende — disse ele, os olhos acinzentados fixos nos dela. — O que dizia a sua mensagem? — Uma coisa sobre shows. — Fala sério — disse ele, calmamente, incapaz de perder a frieza. — Sério! — rebateu Melody, perdendo totalmente a frieza. — Nós dois somos IRADOs! 137


— Eu sabia que tinha alguma coisa diferente em você — disse ele. — Então, você é o quê? Uma espécie de sereia? Melody confirmou. — Impressionante. Você é o quê? Alguma espécie de guarda-chuva? — Perto — respondeu ele, com uma risadinha. — Sou uma gárgula. Era colocado nos prédios antigos para impedir que a chuva molhasse as colunas e as destruísse. — E para assustar as pessoas — provocou Melody. Ele riu novamente. — Também. — Então, onde você... vive? — Eu vivia em Portland. Exatamente sobre a pedra do Venue, o bar de rock mais antigo do país. Todos os shows mais incríveis aconteceram ali. Era incrível, até que foi demolido mês passado. — Starbucks? — Coffee Bean. — Que droga — suspirou Melody. — Total. Meus pais me mandaram para cá porque a escola aqui é “simpatizante da causa irada” — disse ele, fazendo aspas no ar. — Mas eu acho que vou investir na música. A vida vai me ensinar muito mais do que eu poderia aprender sentado numa carteira. A luz do poste piscou. E acendeu novamente. — É melhor eu ir — disse Melody, sem sair do lugar. Ele tirou o telefone do bolso e fez um bump no telefone dela. — Caso você precise arrumar seu microfone. — Obrigada. Ela sorriu. Não havia nada de errado em fazer amigos, certo? Ela se virou quando as luzes da moto de Granite desapareceram pela rua e observou que Jackson a observava pela janela. Ela mandou um beijo. Mas ele fechou as cortinas antes que o beijo chegasse. O beijo foi levado pela brisa, como a última fumaça de uma chama que se apaga. 138


CAPÍTULO 15 USE VERDE PARA PERDER O diretor Weeks inclinou-se sobre o pódio e esticou o pescoço até o microfone. — Testando... Testando... Ele sempre começava pedindo silêncio, mas, no minuto que ele subiu no palco, a conversa parou. Hoje, ninguém queria perder uma palavra. Na primeira fila, Frankie virou-se e olhou educadamente para trás, para suas adversárias. Mas Cleo e Haylee estavam ocupadas demais sussurrando segredos para perceber. Esse grude pareceu muito estranho para Frankie, considerando que a garota dourada e a garota esquisita eram tão próximas quanto uma blusa estilo boyfriend. Talvez os pais delas também tivessem ensinado as filhas a ter espírito esportivo. — Nervosa? — Brett sussurrou no ouvido de Frankie. 139


— Não — respondeu ela, alisando seu cabelo preto e branco. Como alguém poderia ficar nervosa num vestidinho de glitter, botas novas estampadas e lábios espelhados com o gloss Viva Glam Gaga da Mac? Se looks pudessem matar, ela estava criando um corredor da morte. — Por que? Pareço nervosa? — Parece a campeã — respondeu Brett, e carinhosamente beijou o parafuso no pescoço dela. Frankie soltou faíscas. — Tem certeza que não quer fazer parte da minha apresentação? — Tenho medo de palco — ele a lembrou. Ela deu uma risadinha. Havia alguma coisa num fanático por filmes de horror com medo de palco que Frankie achava eletrizante. Veja só do que ele tinha medo! — Olá, Merston! — anunciou o diretor Weeks. — Nós estamos aqui para escolher um casal para representar nossa escola, e, esperamos, a marca T’eau Dally também, no próximo ano. Aplausos explodiram atrás das cadeiras VIPs dos candidatos. Frankie e Brett apertaram as mãos. Haylee mordeu o lábio. Cleo e Deuce fizeram um high-five. — Vai, Frankieeeeee! — gritou uma garota no fundão. Frankie se virou, sorriu graciosamente, e cruzou as pernas verdes. Cleo e Haylee trocaram um olhar cúmplice. Frankie queria se inclinar e dizer que elas não precisavam ficar com inveja. Que tudo seria resolvido nos discursos. Que elas ainda tinham uma chance. Mas o diretor estava erguendo a mão, pedindo silêncio, e ela não ousaria desobedecê-lo. Ela queria o voto dele. — Como vocês sabem — continuou ele. — Ganhar este concurso significaria ganhar reconhecimento nacional para o Merston High. Isso sem mencionar o milhão de dólares investidos em melhorias... Aplausos sacudiram o auditório. 140


— ... que eu espero serem suficientes para que os IRADOs não saiam para frequentar o Radcliffe High. Clawd cobriu a boca, fazendo um canudo para projetar o som. — Buuuu! Lala enfiou o rosto no braço dele. Pobre vampira, pensou Frankie. Ganhar esse patrocínio de repente significava mais do que o prêmio em dinheiro e fama nacional. Por causa do acordo que Lala tinha feito com o pai, ganhar significava manter os IRADOs e os normies juntos em Merston. Perder significava o fim de tudo pelo que tinham lutado. Frankie começou a puxar as costuras dos pulsos, sentindo, repentinamente, a pressão. Será que ela e Brett eram o melhor casal para aquele trabalho? Cleo e Deuce eram a realeza do Merston. Haylee e Heath eram estudantes premiados. Ser o casal escolhido era apenas vencer uma batalha. Vencer a guerra seria ganhar o patrocínio. Se ganhassem o patrocínio... E se eles fossem escolhidos pela escola mas o pessoal da T’eau Dally não gostasse dela? Então, de quem seria a culpa se eles tivessem de mudar de escola? Frankie soltou faíscas. — Sem IRADOs no Merston, seria o fim dos nossos times esportivos, e um corte significativo de verba estadual. Mais vaias. Num show de empatia, Frankie se esticou por trás de Brett e colocou o braço nas costas da cadeira de metal de Lala. — Ninguém acha que a culpa é sua — sussurrou. Lala balançou a cabeça, agradecendo, até que seu cabelo negro começou a ficar espetado. Fio por fio, todos se ergueram até o penteado dela ficar parecido com o moicano de Clawd. — Frankie! — sussurrou ela. O diretor Weeks olhou para elas. — Opa! — Frankie tirou o braço da cadeira. 141


A eletricidade estática desapareceu e o cabelo de Lala voltou ao normal: liso e brilhante. — Antes de começarmos para valer, quero apresentar a aluna que, sozinha, trouxe T’eau Dally para o Merston. A garota que agora sustenta nossas esperanças: Lala! O diretor fez um gesto reverente enquanto todos aplaudiam. Os caninos expostos de Lala simbolizavam seu orgulho recém-descoberto, evidente enquanto ela subia as escadas para o pódio. — Olá! — disse ela, timidamente. Sua voz estava um pouco trêmula, mas ela estava em pé e olhava diretamente para a multidão. — Em três dias, Brigitte T’eau e Dickie Dally... — Ela disse “dickie”! — alguém sussurrou. Lala caiu na risada junto com todo mundo. O diretor Weeks olhava cada fileira com severidade. — Continue, por favor — disse ele. — Nosso trabalho é escolher o casal que os representantes da T’eau Dally mais vão gostar, não os que nós gostamos mais, então votem com a cabeça, não com o coração. O futuro dos IRADOs no Merston depende disso. Então, vamos começar com Frankie Stein e Brett Redding! Lala saiu pela lateral como uma apresentadora de Oscar. Preocupada em não escorregar, nem soltar faíscas, Frankie ignorou os aplausos e recitou o alfabeto enquanto subia ao palco: uma técnica de relaxamento que sua mãe tinha usado em seus dias de professora. Quando Frankie chegou na letra T, ela já estava posicionada no pódio. Nenhum escorregão, nenhuma faísca. Apenas um auditório cheio de rostos ansiosos, prontos para julgar. Raios amarelos dispararam da ponta de seus dedos. — Ops, desculpe! Ela deu uma risadinha nervosa. Comece com confiança. 142


— Oi! Eu sou, hum, Frankie. E meu namorado, Brett, e eu somos o melhor casal para representar Merston no concurso da T’eau Dally porque, como os sapatos, nós somos duas coisas diferentes que se tornaram uma só. Para começar, ele tem medo de subir no palco, e eu não. Ela deu outra risadinha. Os rostos ansiosos não deram nem um sorrisinho. — Mas, hum, o que é mais importante (ela soltou faíscas) é que ele é um normie e eu, obviamente, sou um dos IRADOs, como vocês podem perceber pelas faíscas que estão derretendo meu esmalte. Mais silêncio. — E, falando em eletricidade, hum, ele tem parafusos e eu tenho encaixes... Risos. Brett enfiou a cara nas mãos. — Esperem, quero dizer, eu tenho parafusos e ele encaixa! Espere, não... Murmúrios e risadas ficaram cada vez mais altos. Ela estava perdendo a audiência. Até o diretor Weeks estava checando o BlackBerry. — E é assim que eu e Brett somos... O espaço do coração de Frankie ficou apertado. Seus intestinos se contorceram. Seu cérebro pedia mais uma chance. — Porque nós somos tão diferentes que é como se fosse um encaixe macho e fêmea, sabe? Como um encaixa no outro? — É isso aí! — gritou Candace Carver. — Uh-húúúú! — gritaram os amigos de Candace. Blue e Clawdeen esconderam o rosto com as mãos. Frankie abandonou suas anotações. — Basicamente, vocês me conhecem, certo? E vocês conhecem Brett. Alguns aplausos espalhados pelo auditório. — Vocês sabem que somos superdivertidos. Nós somos superlegais. E nós somos obviamente superestilosos. 143


Ela deu uma volta com o vestidinho de glitter. Seus eleitores aplaudiram. Eletrizante! Ela estava ganhando a plateia novamente. — E se vocês votarem em nós, prometemos mostrar à T’eau Dally que nós somos a união improvável tão perfeita quanto tênis e salto alto. Se nós fôssemos comida, seríamos um Big Mac e uma Coca Diet. Uma estampa para a primavera? Floral e xadrez. Um corte de cabelo? Mullets! Um... Ziiip! Lala se aproximou do pódio e deu um chega pra lá em Frankie. — O tempo acabou. Muito obrigada, Frankie e Brett. — Uuuuh-húúúú! — gritaram Billy e Spectra de algum lugar. Outros também aplaudiram até que o aplauso tomou conta do auditório. Frankie agradeceu e fez uma reverência. — Próximos, Haylee e Heath! — anunciou Lala. Cleo e Deuce se aproximaram do pódio. Os saltos altos T’eau Dally que ela usava batucavam a madeira. Os tênis Dally de cano alto de Deuce rangiam obedientemente atrás dela. Belo toque. Lala olhou tão confusa quanto todo mundo e Haylee apenas arrumou os óculos sobre o nariz oleoso e afundou-se no assento. Cleo tirou o microfone do suporte como se estivesse na última parada de sua turnê mundial. — Infelizmente, Heath e Haylee estão fora da disputa. Eles agradecem pelo apoio e pedem privacidade nesse momento. Vários alunos na segunda fila inclinaram-se para perguntar ao casal se o que Cleo tinha acabado de anunciar era verdade. Frankie encarou Haylee, que mexeu a boca falando “sinto muito”. Sinto muito pelo quê? Heath simplesmente olhou para Brett e balançou os ombros como se não tivesse ideia do que estava acontecendo e não se importava. 144


— Vocês não entenderam que eles querem “privacidade” nesse momento? — rebateu Cleo. As duas primeiras fileiras recuaram e os rumores cessaram. Por que Haylee desistiria? E por que confiaria em Cleo? Essa múmia sabe enrolar mesmo. Cleo arrumou sua pilha de cartões dourados no pódio e colocou os ombros bronzeados para trás. — Cartões? — sussurrou Billy, sentando-se no chão e se apoiando nas pernas de Frankie. — Eu ouvi dizer que ela contratou o cara que escrevia os discursos de Bill Clinton — acrescentou Spectra, sentando-se ao lado dele. — Meu nome é Cleo de Nile e eu estou concorrendo com meu namorado Deuce Gorgon. Nós namoramos há muito tempo. Sua voz estava inalterada. Seu cabelo, brilhante. Seu vestido coral, revelador. — Se vocês votarem na gente, nós venceremos para vocês. É simples assim. T’eau Dally está procurando um casal real para representar a fusão e o estilo. Ela gesticulou, mostrando o gorro preto, o Wayfarer branco e os jeans folgados do namorado. — Como vocês podem ver, ele tem estilo. Ela gesticulou novamente, apontando para as tranças douradas que adornavam seus cabelos. — E eu sou o estilo. Aplausos. — Na hora de mostrar o que sabe, bem, D é o rei do basquete e eu sou a abelha-rainha. Ela olhou para os cartões. Aplausos. — Mas somos mais do que rostos lindos — disse, parando alguns segundos para piscar os cílios falsos para Frankie. — Nós somos amigos do meio ambiente, o que significa muito para uma marca verde como a T’eau Dally... Billy cutucou Frankie no queixo. — Olhe! — sussurrou ele, olhando para Haylee. 145


Os lábios dela estão se mexendo junto com os de Cleo? — Nada de panfletos, nem parafusos não recicláveis na nossa campanha! — continuou Cleo. Haylee movia os lábios ao mesmo tempo. Chocante! Cleo está lendo o discurso de Haylee! — E quando vencermos, levaremos essa ideia além, colocando luzes naturais na lanchonete, aquecimento solar... Lala aplaudiu. Frankie cutucou as costuras. — Comida orgânica feita por Harriet Wolf... Clawdeen e os irmãos aplaudiram. — Um SPA na enfermaria, porque estresse é a causa número 1 de doenças — Haylee continuava mexendo os lábios. Deuce inclinou-se na direção do microfone. — Teremos videogames nos vestiários. Os colegas dele ficaram em pé e aplaudiram. — Deuce! Deuce! Deuce! Frankie cutucou outra costura. Cleo agarrou novamente o microfone. — Piscinas nos corredores. — Demais! — gritou Blue. — Irado! — gritou Emmy. — Coisas sólidas e concretas, coisas das quais T’eau Dally e Merston ficarão orgulhosos... Ziiip! Deuce inclinou-se e fez um sinal de paz. — Lindo é não ser normal, Deuce e Cleo é o casal! E puxou Cleo para lhe dar um beijo. — Quem gostou bate palma! — gritou Lala mais alto que os gritos da plateia. Num show de espírito esportivo, Frankie se levantou e bateu palmas. E a costura de uma de suas mãos se desfez e o membro caiu no chão com um barulho suicida. Brett rapidamente se abaixou e pegou-a. — Eu não acho que ela estava falando sério. — Eu não sei mais no que acreditar — disse Frankie, fungando. 146


Um pedaço de linho dourado flutuou do palco e caiu no ombro dela. — Enrole a mão até chegar em casa. — Obrigada — murmurou Frankie sem olhar para cima. — Considere isso um prêmio de consolação — arrulhou Cleo, enquanto 300 alunos formavam a fila para votar. — Obrigada por participar. Foi majestoso.

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CAPÍTULO 16 NA RUA COM O

ROADIE

Melody subia os degraus da escada da escola batendo a sola de seus All Star no chão como se não estivesse nem ligando. Ela não tinha comparecido à assembleia geral por causa de uma sessão de fotos rápida com a banda e, se corresse, ainda poderia passar despercebida antes da votação acabar. Pelo menos era isso que tinha pensado antes de ver seu reflexo nas portas de vidro: cabelos cheios de penas, sombra metalizada nos olhos, delineador borrado, a legging cinza metálico de Cici, e a camiseta amarelo-limão de Sage caindo do ombro. Ela estava sábado à noite demais para uma segunda-feira à tarde. O diretor Weeks iria notá-la mesmo se ela estivesse em órbita dentro de um foguete da NASA. E também tinha Jackson... Melody tinha passado o final de semana inteiro tentando convencê-lo que a carona de Granite tinha sido apenas uma carona e eles finalmente concordaram em não deixar a banda ficar entre eles. As coisas tinham voltado ao

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normal. Os planos para o Camp Crescendo estavam indo bem... ... e daí Sage ligou. E agora cartazes eram a última esperança para conseguir apresentações no verão antes de se resignar e aceitar os “trabalhos normais”. E comparecer à sessão de fotos como a nova vocalista da Deusas era obrigatório. O que aconteceria com os planos para o camping se a banda conseguisse apresentações? Melody tentou tirar o pensamento da cabeça. Ela lidaria com isso quando a hora chegasse. As fotos foram rápidas, como prometido. Foi a conversa sobre “mudar o nome da banda agora que Davina tinha saído” que demorou muito. E ainda estava rolando quando Melody correu pelo corredor. BONECAS ESTILOSAS? (Cici) ESCÂNDALO SUPERSÔNICO? (Sage) DIVA SÔNICA? (Cici) DANÇA SEM DEDOS? (Nove-e-meio) ROCK GLITTER? (Sage) O telefone de Melody estava apitando como louco a cada mensagem. Ela deveria ter colocado no modo silencioso. Deveria ter entrado na roupa de estudante. Deveria ter entrado no auditório. Mas não conseguia se mexer. Sentia-se como um pássaro enjaulado, querendo voar mas forçado a ficar no chão. LEADFEATHER, ela enviou na mensagem. Era o jeito perfeito de descrever como se sentia. Suas companheiras responderam imediatamente com um “JÁ EH!” Problema resolvido. Não havia mais desculpas. A votação estava esperando. No que iriam votar mesmo? Ping! Ela procurou o telefone. Provavelmente era Jackson querendo saber onde ela estava...

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PARA: Melody Junho 20, 1:16PM GRANITE: DO LADO DE FORA DA SUA ESCOLA. ME ENCONTRE. QUERO TE MOSTRAR UMA COISA. Um minutinho não vai atrapalhar. Vai? Granite, na sua jaqueta de couro de sempre, jeans desgastados e botas arranhadas, estava apoiado na moto como se estivesse posando para um cartaz de filme. Seus olhos claros e acinzentados encaravam o sol e mesmo assim a claridade não parecia incomodá-lo. Nada parecia incomodálo. — Sobe! — disse ele, oferecendo o capacete. Melody olhou para trás, para o prédio amarelo. A quarta aula começaria em meia hora. Ela colocou o capacete. Como mãos fortes segurando a cabeça durante um beijo, apertou seu rosto e bloqueou todo o universo. — Para onde estamos indo? — perguntou ela, enquanto pegavam a estrada I-5 Norte. Definitivamente vai levar mais do que um minutinho... Melody tentou ficar irritada quando ele não respondeu. Mas o sol nas costas dela, o vento em seu rosto e o abdômen de Granite eram tão perfeitos quanto as cordas de uma guitarra. Não que o abdômen de Jackson não fosse perfeito. Era... mas de um jeito menos robusto. Era hora de voltar para a escola. Para Jackson. Para a realidade. Tudo que ela queria era chegar um pouco mais perto da orelha pontuda de Granite e, com sua melhor voz de sereia, mandar que ele desse meia-volta. Em vez disso, ela segurou firme e aproveitou. Uma hora depois, eles estavam passando sobre uma ponte que os levaria para o centro de Portland. Passaram voando por um jardim chinês, uma loja legal de discos na Segunda Avenida, e milhares de lojas vintage que Candace teria adorado. Mas Granite não diminuiu a velocidade até chegar numa pilha quadrada de entulho numa esquina movimentada da Terceira Avenida. 150


— O que é isto aqui? — As futuras instalações da Coffee Bean e Tea Leaf — disse ele, chutando um tijolo. — Esta era a sua casa? — perguntou Melody, olhando a pilha de entulhos que agora tinha adquirido outro significado. Granite confirmou. — Aqui era o Venue. Ele passou pela fita que isolava o lugar e parou onde ficava o palco encharcado de cerveja. Montanhas de paredes cobertas de cartazes amontoavam-se sobre seus pés como pedaços de biscoito no fundo do pacote. Ele se abaixou e deu a ela uma pedra no formato de diamante que tinha escrita a palavra JAM. — Eu me lembro quando Eddie Vedder colocou esse pôster — disse Granite. — Ninguém tinha ouvido falar de Pearl Jam ainda. Ele estacionou a van bem na frente das portas e tocou uma fita demo durante uma reunião da equipe. Vic, o dono, escalou a banda para a mesma noite. — Sério? — perguntou Melody, agarrando o diamante de pedra como se fosse o diamante Hope. — Eu não sei se é porque eu estava olhando lá de cima mas o Vedder é um cara muito baixinho — disse Granite. Ele passou o dedo pelo bar de madeira rachada, levantando uma nuvem de poeira que flutuou à luz do sol. — O que aconteceu com as outras gárgulas? — O arquiteto veio e arrancou-as antes da demolição. Ele queria que elas fossem colocadas num banco que ele está construindo — Ele fez uma pausa. — Eu não conseguiria. — Conseguiria o quê? Ele a conduziu até uma pilha de mesas quebradas. — Passar os próximos cem anos sobre um banco — Ele estremeceu. — Pode imaginar? Melody tremeu só de pensar. — Nós ouvíamos falar de todas as coisas legais que estavam acontecendo com os IRADOs em Salem então eu decidi ir para lá. 151


Melody quase disse que estava feliz por ele ter ido. Depois de meia hora estavam na frente do prédio escuro e sem janelas, comendo sanduíches de carne moída e tomando litros de refrigerante. — Que lugar é esse? — perguntou ela. — Dante’s. — Onde o Stormy Night tocava? Granite deu um sorriso e confirmou. — Eu não fui diretamente para Salem depois que o Venue fechou. Eu fiquei aqui por algumas semanas. — Ele deu uma piscadinha, sinalizando que era um segredo. — Foi assim que eu conheci as Deusas. Nós conversamos depois do show delas e elas me ofereceram um trabalho como roadie, então, fui. Melody jogou seu sanduíche pela metade no lixo. — Adoro como sua vida é livre. — Com asas, podemos voar — Ele piscou novamente. Asas? — Venha, eu te mostro como é lá dentro. Granite pegou a mão dela. E desta vez não soltou. Um cara de camiseta preta e calças de sarja estava arrastando as cadeiras das mesas de madeira. Ele olhou para eles quando entraram. — Fechado, cara. O lugar tinha cheiro de Pinho Sol e frango frito. — Ray! Sou eu, cara! — Granite? Ele balançou a cabeça e chegou perto, dando-lhe um tapa no braço. — Já está cansado de Salem? Granite sorriu. — Estou só de visita. Enquanto ele apresentava Melody para Ray, ela quase não conseguia tirar os olhos dos cartazes do L7 e do Butthole Surfers. Eles ficariam tão legais no seu quarto. — Você se importa se eu mostrar o lugar para ela? — Vá em frente. 152


Granite ergueu uma cortina preta, pesada de tanto pó. Ela caiu novamente, fechando a passagem depois que eles entraram, cortando a entrada de qualquer luz do sol. Eles passaram por um corredor estreito atrás do palco, que fazia uma curva pra lá e outra pra cá, exatamente como o estômago de Melody. Amigos ficam de mãos dadas o tempo todo, não ficam? Melody soltou a mão dele e esticou o braço. — Veja, o Salão Verde! — disse Granite. Mas não tinha nada verde ali. O cheiro abafado de cigarro os recebeu na porta. — Foi aqui que Jeffie Nylons colocou fogo numa geladeira. Não me pergunte como. Um velho sofá cor de vinho estava emoldurado pelas marcas de queimado na parede branca atrás dele. Ela passou a mão sobre as marcas acinzentadas. — Eu vi o filme no You Tube. Você estava aqui? — Tava. Nunca vi nada como aquilo. Granite despencou sobre o sofá e colocou as botas sobre o vidro sujo da mesinha em frente. Melody pensou que ele poderia estar “pisando” nas impressões digitais de alguém famoso. Um homem de camisa listada e jeans escuros e bem passados parou na porta. Com suas botas de couro marrom e seus acessórios dourados, ele parecia o sr. Hollywood. — Eu te conheço? Granite deu um pulo. — Sr. Snyder? O cara estendeu a mão com um pequeno tremor. Granite pegou a mão dele e sacudiu-a como se fosse uma lata de tinta spray. — Sou Granite. Nós nos conhecemos no show da Heaven to Betsy no mês passado. O sr. Snyder sorriu, seus dentes ultrabrancos eram como uma homenagem odontológica à loja da Apple. — Como poderia esquecer? Você é o mentiroso que quer me fazer acreditar que esteve em todos os shows do Venue desde o final dos anos 60, certo? 153


Granite confirmou, orgulhoso de não ter sido esquecido. E depois virou-se para Melody. — O sr. Snyder é o maior agenciador de turnês do noroeste americano. Alguma coisa começou a bater. Era uma grande oportunidade. — Olá — sorriu Melody, sacudindo a mão cheia de colônia dele. — Minha banda está procurando oportunidades para este verão. Posso te mostrar uma demo ou alguns vídeos postados no... Ele a examinou de alto a baixo. — Penas não estão mais na moda, garota. E olhando para Granite, continuou: — Você é muito cara de pau — ele riu consigo mesmo. — Todos os shows desde os anos 60, hein? Granite confirmou. — Então você tem... o que... 70 anos? — Por aí — respondeu Granite, agindo como se tivesse ganhado a loteria e não desse a mínima. Mesmo assim, esse cara estava seriamente mexendo com as penas de Melody. Rá! — A banda da Melody é incrivelmente famosa — disse ele. — Você já deve ter ouvido falar das Deusas do... — Leadfeather — interrompeu ela. Snyder checou a tela do BlackBerry e virou-se para ir embora. — Eu já disse, garota. Penas já eram. — Espere — disse Melody. O sr. Snyder parou. — Olhe para mim... Hum... — Lew. Meu primeiro nome é Lew. — OK, Lew, olhe para mim. Granite cobriu a boca, não acreditando no que estava vendo. — Melody! O que você está...? Melody levantou a mão pedindo silêncio. Algumas pessoas passam a vida inteira procurando um jeito de 154


conseguir entrar. Mas a chave de ouro era dela. Só um tolo não tentaria usá-la. — Você adora a Leadfeather— disse ela para Snyder. — Você adora o nome, adora o som, e você adora Granite, o empresário. Lew passou a mão no grosso cabelo grisalho. — Pode apostar! Melody respirou fundo. Ela olhou diretamente nos olhos azuis do homem e disse: — Você precisa fazer o Pássaro voar neste verão. Lew balançou a cabeça, concordando. — Estou pensando em ônibus decorados, hotéis cinco estrelas e dinheiro para pizza. Lew digitou no seu BlackBerry. E pressionou “enviar”. — As rodas estão girando, garota. Ele tirou um cartão de visita da orelha de Granite. — Eu não sou fraco como mágico também — ele se gabou. — Este cartão tem meu número pessoal. Certifique-se que o resto da banda está livre e me ligue amanhã cedinho. Quero agitar isso antes dos grandes cinco esgotarem. — Concordo plenamente — disse Granite. — Acho que podemos começar por aqui, fazer alguns shows menores, depois ir para Seattle, San Francisco, talvez até Los Angeles. Lew puxou Granite num mata-leão e fingiu que lhe dava socos na cabeça. — Oh, eu adoro esse garoto! Ele é irado! O telefone celular dele vibrou. — É o promoter. Falamos amanhã. Granite ficou na dele até a porta fechar e depois puxou Melody para um abraço. Parecia que ela estava abraçando uma parede. — Isso foi insano! — Eu sei! — gritou ela no pescoço dele. — As garotas vão ficar loucas! Ping!

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PARA: Melody Junho 20, 6:02PM JACKSON: CADE VC? Ela se afastou do abraço de Granite e encarou a tela. A sua boca ficou seca. Seu coração disparou. Não que ela tivesse alguma coisa para esconder. Ela e Granite eram apenas amigos. Colegas, na verdade. Mas como explicar a turnê de verão? Os planos românticos no Camp Crescendo? O fato que ela usou seus poderes de sereia para alterar esses planos? Ela não podia. Então, desligou o telefone e colocou o capacete de Granite. O universo teria que ficar lá fora mais uma vez.

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CAPÍTULO 17 ADEUS, LENTALAURA O rangidinho da roda do hamster era o único som no quarto de Lala. Conde Fabuloso ficaria caçando até o amanhecer e os outros animais já estavam dormindo há horas. Normalmente, Lala também estaria roncando junto com eles. Mas hoje à noite ela não tinha tomado sua dose noturna de melatonina. Uma coisa, que seus bocejos e seus olhos lacrimejantes insistiam em enfatizar, não aconteceria novamente, pelo menos não no próximo milênio. Exaustão fazia seu corpo doer como gripe. A tentação de desligar e deixar para a manhã seguinte se apresentava a cada tecla. Mas falhar seria muito mais agonizante do que a dor dos 206 ossos juntos. Ela precisava planejar tudo nos mínimos detalhes da apresentação para a T’eau Dally ser 164


perfeita, sem nenhum ponto fora do lugar. Os dois estilistas estavam julgando sua escola e ela tinha que ter certeza que toda aquela apresentação seria um show de estilo. Ping! Lala olhou o iPhone no canto escuro de sua mesa laqueada preta. PARA: Lala Junho 20, 11:42PM CLEO: VC TENTOU PASSAR UMA MSG? ESTAVA TOMANDO BANHO. DESCULPE SE PERDI A MSG. MAS ESTOU ACORDADA. Bela tentativa, Cleo. Lala colocou seu telefone no modo de vibração. Obviamente não adiantava explicar mil vezes que o diretor Weeks não iria ligar para ela no meio da noite com os resultados da votação. A realeza não desistiria nunca. Desde que Frankie sem querer ganhou mais seguidores do que ela, Cleo planejava reconquistar seu status de mais popular. Lala tentou descobrir qual dos casais os patrocinadores acreditariam ter mais a ver com a marca. Era quase impossível decidir entre os dois. Ambos eram encantadores e lindos. Ambos eram simpáticos e populares. Ambos representavam a união das diferenças, cada um com sua peculiaridade. Mas se Cleo vencesse, ela pararia de ser tão competitiva em relação a Frankie. Por isso, Lala tinha secretamente votado nela e em Deuce. Lala gemeu e apoiou a cabeça nas mãos. O que Vlad sempre dizia quando ela se sentia sobrecarregada? Mordida por mordida... Se ela pudesse se concentrar no que tinha que fazer sem se desesperar com o que podia dar errado... Foco. Foco. Foco... Bzzzz... PARA: Lala Junho 20, 11:47PM 165


CLEO: TAH ACORDADA? Aaaaarrghhhh! Lala jogou o telefone na cama. Teeny Turner levantou a cabeça e piscou. “Sinto muito”, pensou Lala, cansada demais para falar. Em vez disso, ela jogou a barra de gergelim que não tinha comido no lixo e encarou o laptop. Mordida por mordida... — Tofu? — Aaaaah! — Lala deu um pulo. — Você me assustou. Vlad estava ao lado dela, segurando uma bandeja de prata. — Eu bati, mas... — Tudo bem — disse ela, sorrindo suavemente. — Pensei que você podia estar com fome. Ele segurou a bandeja na frente do rosto dela. O cheiro fresco do enroladinho de alface com tofu causou turbulências em seu estômago vazio. — Estou bem — mentiu ela. — Querida, você está tão pálida quanto Nicole Kidman — disse ele. — Pelo menos, pegue isto. Lala engoliu as cápsulas de ferro e tomou um gole de leite de soja morno. Vlad se acomodou na beira da cama de Lala, acariciando a cabeça de Teeny preguiçosamente. — Então, eu estou estudando a proposta para a publicação do meu livro de receitas... Sabe, aquele que eu só uso ingredientes vermelhos... E eu estou finalmente decidido a... Lala enfiou os caninos no lábio inferior. Seu tio estava fazendo o que sempre fazia: ficaria ali falando sem parar até conseguir saber o que estava acontecendo. Mas, agora, a única coisa em sua mente era o fato que Vlad estava ali, no quarto dela, falando sem parar quando ela precisava trabalhar. — ... seu pai passa e joga o casaco preto sobre o sofá que está virado para o oeste. É como se ele quisesse sugar minha criatividade! — Vlad tirou os óculos tartaruga e 166


esfregou as têmporas escuras. — Daí, ele joga a pasta na namoradeira, como se amor e trabalho fossem no mínimo compatíveis, e enquanto ele corre por aí, bate o dedo no cacto, empurrando a coisa espetuda bem no meu caminho de harmonia... Lala batia com o lápis no notebook. Ela queria ser compreensiva e tal, mas... — Eu estou bem, sabe — disse ela, finalmente. — Só estou ocupada com o concurso. — Que alívio! — Vlad se levantou e beijou o topo da cabeça dela. — Então, acho que vou fazer como a ponta de seus fios de cabelo e partir. — O que você quer dizer? — perguntou Lala, sorrindo. — Chegou a hora — disse ele, gesticulando uma tesoura. — Só estou dizendo. — Assim que isso acabar — disse Lala, desesperada por um dia de beleza e... Os animais começaram a se agitar. Penas se eriçaram, caudas se esticaram, guinchos, silvos, latidos e pios formaram um ciclone de energia nervosa que se espalhou pelo quarto. — O que está acontecendo aqui? — perguntou o sr. D. do corredor mal iluminado, o contorno de seu corpo obscuro e assustador. — Está tudo bem — disse Lala, tentando acalmar as criaturas irrequietas. Tentando acalmar a si mesma. — Não acredite nela — sussurrou Vlad, passando pelo irmão e deixando pai e filha sozinhos. Vestido com um robe de cetim vermelho e chinelos de cashemere azul marinho, o sr. D. podia até passar por um pai normal vindo desejar bons sonhos para a filha. Ah, se fosse assim... Ele entrou no quarto, hesitante. Os animais fingiramse de mortos enquanto ele examinava o amontoado de caixotes e sacos com alpiste como se os visse pela primeira 167


vez. Talvez seja a primeira vez mesmo. Lala não se lembrava que ele tinha estado em seu quarto nem uma única vez. — É bom ver que você voltou a comer carne — disse ele, finalmente, como se ela planejasse comer aqueles animais. — Talvez você volte a ter bochechas coradas. Outra turbulência percorreu o corpo de Lala. — O que você está fazendo acordada ainda? Ele parecia realmente confuso. Ele estava certo também. Esse vampiro sabia tudo sobre “sono da beleza”. — Estou terminando minha programação para o ensaio da visita da T’eau Dally. Ele levantou a sobrancelha, confuso. Ele se esqueceu? Ele bateu na cabeça dela com a mão fria, como se estivesse batendo uma bola de basquete. — Ah, sim, isso aí. Quando é o ensaio? — Amanhã — respondeu Lala, orgulhosa. — Os patrocinadores vêm na quinta-feira. — Então é melhor você dar o seu melhor. Lala virou-se para a tela do laptop e pegou o mouse para parar de tremer. As palavras que ela passara horas aperfeiçoando começaram a desaparecer. — Boa sorte — disse ele, de um jeito cantado que era impossível decifrar se era sério ou irônico. Quando Lala tomou coragem para olhar nos olhos do pai, e talvez até perguntar se ele estava falando sério, ele já tinha ido embora.

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CAPÍTULO 18 FÃNÁTICO Billy estava grato pelo perfume floral intoxicante do suor de Spectra, pelo perfume Black Orchid de Candace e pelo ventilador de mão de Jackson, sem o qual o cheiro dos espíritos adolescentes no Underground (uma mistura azeda de bebida com couro cabeludo oleoso) teria acordado Kurt Cobain. O lugar estava lotado e pulsante. Fãs pulavam como gafanhotos. Leadfeather tocava “Come as you are” para uma plateia com lotação esgotada, e a paixão da banda era contagiosa. Uma bicadinha suave e macia como cetim atingiu sua bochecha. Billy encontrou Spectra e lhe retribuiu o beijo. — Aiii!

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Um garoto com cara de pedra e botas de motoqueiro tinha pisado no pé de Billy. — Olhe por onde anda! — gritou ele, alisando o pé. O estranho olhou em volta, procurando o dono do pé (e a voz), mas rapidamente desistiu e continuou abrindo caminho até o palco. — Eu vou laçar esse cara! — gritou Spectra mais alto que a voz amplificada de Melody. — Não foi culpa dele. Ele não viu Billy — insistiu Candace. Era tão típico dela tomar partido do estranho bonitão. — Lace o cara mesmo assim — disse Jackson. Todos olharam para ele, chocados. Desde quando ele queria fazer guerra e não amor? — O que foi? — perguntou Jackson, um pouco intimidado. — Eu não confio nesse cara, tá? — Acho que Jackson está com ciuminho — provocou Candace. — Do que você está falando? — rebateu ele, com os olhos fixos na penas da namorada. — Aquele é o Granite, ele é o roadie da Leadfeather e para Melody é o novo... Ela parou a frase no meio. — Novo o quê? — perguntou Jackson, abanando-se vigorosamente. Antes que Candace pudesse responder, seu namorado pegou o braço dela e a puxou. — Não dê ouvidos a ela. Ela só está sendo Candace — disse Billy. Ele sabia como os intestinos se retorciam pois se lembrava quando tinha perdido Frankie para Brett. Ele também sabia como era possível se recuperar. Não que Jackson fosse perder Melody: eles eram indestrutíveis. Mesmo que ela olhasse para Granite enquanto cantava. Mas era só porque ela não conseguia enxergar Jackson lá no fundo, não é? 170


— Vamos chegar mais perto do palco — sugeriu Billy, com um empurrãozinho forte. Jackson resistiu, mas lutar contra seres invisíveis e não parecer que você era um louco cercado por moscas era quase impossível. Então, ele desistiu e... — Uff! Jackson foi derrubado por Granite. — O que você está fazendo? — gritou Billy para o roadie caído sobre o amigo. — Eu lacei ele — Spectra riu com sua voz de fada. — Como? — perguntou ele, lembrando-se das botas sem cadarço do motoqueiro. — Cordas de guitarra estouradas — disse ela, orgulhosa. Billy acidentalmente fez um high-five no ombro dela. Ela acidentalmente retribuiu com um high-five no queixo dele. Os dois riram. Lutando para libertar Jackson, eles desembaraçaram o fio das botas de Granite e o colocaram em pé. — Meu ventilador! — gritou Jackson, procurando no chão grudento. — Eu não consigo achar... Crunch! Granite balançou o pé para tirar pedaços de plástico azul e branco que estavam grudados em seu salto. — Desculpa, cara — disse ele, com sinceridade. — O que você fez? — gritou Jackson, levantando as mangas de sua camisa xadrez. Billy correu para o lado dele, caso começasse uma briga. Não que Jackson não fosse forte. Mas ele não era tão forte quanto Granite. — I heard you crying loud, all the way across town... — a voz limpa de Melody pairava sobre a multidão. Granite virou-se para o palco. — Eu adoro Green Day. — Eu também — gritou Jackson. — Vamos dançar! Assim é melhor. 171


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CAPÍTULO19 ÚLTIMA PARADA Faces familiares davam sinal de positivo para Melody enquanto ela se esgueirava pela multidão agitada. Cada rosto ativava uma lembrança do show que ela acabara de fazer: a garota que sabia a letra de “No Rain”... O cara que gritou “eu te amo” depois que ela cantou “Creep”... As três garotas na primeira fila com penas... Mas onde estava Jackson? Ela tinha visto ele dançando durante a segunda metade do show mas não conseguia esperar para agradecer o grande apoio que ele estava lhe dando. Ele disse que acreditava que a viagem para Portland com Granite tinha sido platônica. Ele disse que não havia nenhum problema em garotos e garotas serem amigos. Ele disse que não estava bravo porque ela acabou perdendo a votação do T’eau Dally. Mas o que ele tinha falado agora estava mostrando. — Melly! Aqui! Glory acenava como um paparazzo. Como se sua camiseta do Jimi Hendrix, sua calça skinny turquesa, sua faixa trançada na testa e suas extensões de penas roubadas 173


da filha não fossem assustadoras o suficiente, Beau, com seu terno de trabalho que o deixava com cara de Clark Kent, também estava acenando. — Eu disse que ela era nossa filha! — disse Glory para o bartender. Ele levantou a sobrancelha, tentando parecer impressionado. — Ai, que vergonha! — Melody deu uma risadinha. — Quando os pais vão se tocar que ninguém liga pra o sucesso de seus filhos? — Quando que os filhos vão perceber que os pais estão aqui só para envergonhar os filhos? — rebateu o pai dela. Melody queria esconder a cabeça dentro do maior tambor da bateria da Nove quando Beau segurou Glory inclinada no final de “Ironic”, mas humilhação era um preço pequeno a se pagar pela bênção deles. E estava claro pelos abraços suados deles que ela estava mesmo abençoada. — Vamos comemorar! — disse Glory. — Sorvetes? Melody procurou por Jackson no meio da área congestionada. Onde ele estava? — Negativo! — disse Beau, balançando o dedo. — Laticínios não são bons para as cordas vocais. É a causa número 1 de catarro. Ouvi dizer que Barbra Streisand só tomou um sorvete em quarenta anos. Glory tirou o iPad para verificar. — Deixe-me ver. Eu acho que foi Celine. — Tudo bem — disse Melody. — Temos uma reunião da banda agora. Eu chego em casa em uma hora. — Que excitante! — disse Glory, uma pena de pavão grudada em seu gloss. — Vão revisar a lista de músicas? — Não, Granite tem uma surpresa para nós. Na verdade, eu tenho que encontrá-lo agora, então... Depois de outro abraço suado, Melody começou a se movimentar pela multidão até a porta lateral. Pelo caminho, ela enviou uma mensagem para Jackson, dizendo que estaria no beco e que ele podia vir se encontrar com ela assim que ele pudesse. 174


Depois de passar pela porta, Melody foi envolvida pela nuvem de fumaça úmida que saía de um ventilador. Parecia o banheiro depois que Candace tomava banho, só que, em vez de cheirar baunilha, tinha o mesmo cheiro do dia da lasanha no Merston. — Oi! — Melody gritou ao ver Jackson. Ele estava sentado numa lata de tinta enferrujada ao lado de Cici, Nove e Granite. — Eu estava te procurando. — Eu não estou nem um pouco surpreso — disse Jackson, com um sorriso confiante. A camisa xadrez dele estava aberta até a cintura e seu cabelo preto, jogado sobre a testa. Ele parecia mais relaxado. — Bem-vindo ao SPA — gemeu Cici. — Posso oferecer uma bolsa para vômito grátis? Ela chutou uma sacola da KFC enlameada na direção do lixo. Nove-e-meio deu risada. — Desculpe a sujeira — disse Granite, jogando um Gatorade pink para Melody. — Achei que precisávamos de um pouco de privacidade. Jackson e Granite estavam numa boa? — Então vocês se conhecem? — Ficamos melhores amigos desde a segunda música — disse Jackson, colocando o braço ao redor dos ombros fortes de Granite. — Esse cara sabe mais de música do que eu. — Não é verdade. Foi ele que me contou que o Soundgarden tem esse nome por causa daquela estátua em Seattle — rebateu Granite. — Mas você realmente viu... — OK, parem vocês dois! — implorou Cici, sua faixa na testa torta como a Torre de Pisa. Nove fez um high-five que ela chamava de “quatro e meio”. — Espere! Então é essa a surpresa? — ela perguntou para Granite. — Vocês vão se casar? 175


— Podemos fazer a cerimônia no Hard Rock — provocou Cici. Melody caiu na risada mas por uma razão inteiramente diferente. Jackson estava gostando do cara que ele acusara a namorada de gostar. Ei, Alanis, isso não é irônico? Jackson esticou a mão e a puxou na direção dele. — Eu babo por cantoras — disse ele, antes de beijá-la com a força de alguém que tinha acabado de voltar da guerra. Granite virou o rosto. Jackson não estava com o cheiro de sempre, de giz pastel. Estava mais amadeirado. E um pouco mais ousado. Mas, obviamente, não estava nem um pouco chateado. Então, ela abraçou o novo perfume dele. E ela mesma não devia estar cheirando muito bem. — OhmeudeusOhmeudeusOhmeudeus! — Sage surgiu abrindo a porta sacudindo o celular. Como Marilyn Monroe, seu vestido prateado balonê subiu com a fumaça. Mas, diferentemente da pinup, suas pernas estavam cobertas pela meia-calça listada de vermelho e preto. — Eu. Acabei. De. Receber. Uma. Mensagem. De. Voz. De. LEW SNYDER! Elequernoscolocaremturnêdurante overãoparatocarmosemtodososfestivais! Granite deu um tapa nas coxas. — E essa é a surpresa. Jackson ficou em pé. — O promoter? Sage sacudiu a cabeça. Cici deu um pulo, e Melody achou que as franjas da sua bota de cano alto até o joelho pareciam uma saia de hula. — Fala sério! Nove-e-meio apertou as baquetas nos lábios rosados pelo refrigerante de morango. — Nós? Da Leadfeather? Sage confirmou.

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Elas se deram as mãos e começaram a pular como menininhas de 12 anos num show da Miley Cirus. Jackson juntou-se a elas. Melody olhou nos olhos acinzentados de Granite. Sério? Ele balançou a cabeça. Sim. Os cantos da boca dele começaram a formar um sorriso mas ele se controlou. A conversa com Lew era o segredo deles. Assim como aquele momento em que se deram as mãos. — Aah! — exclamou Melody, encantada com o poder de sua voz. Sage arrumou a faixa azul em seu cabelo recém-tingido de branco. — Ele disse que já falou tudo com nosso empresário e... — Empresário? — perguntou Nove. Granite acenou timidamente. — Surpresa de novo. As garotas correram até Granite, colocando-o no meio da roda. Melody queria se juntar a elas mas decidiu pegar a mão de Jackson. Se ele ainda não tivesse se tocado que isso ia arruinar seus planos para o verão, estava prestes a fazer isso. Por que eu pedi a Lew Snyder para organizar uma turnê de verão? Nós podíamos ter feito apenas apresentações locais. Ou alguma coisa, qualquer coisa, que não quebrasse o coração de Jackson? Sage pegou a mão dela. — Animada? Melody balançou a cabeça apontando para Jackson, para que ela percebesse que isso era um pouco mais complicado do que parecia. Mas Jackson não parecia estar magoado. Em vez disso, ele olhava a comemoração com um olhar de quem estava se divertindo. Ele provavelmente estava pensando que ela diria não. Porque era exatamente isso que uma namorada responsável, cuidadosa e compreensiva faria. Certo? — O que ele tem a ver com isso? — perguntou Sage. Tão sutil... 177


— É que nós já temos planos para este verão e... — Que planos? — perguntou Jackson, seus olhos mais escuros que o normal. E, virando-se para Granite, acrescentou: — Garotas adoram compromissos e planos. Granite concordou como se soubesse exatamente do que ele estava falando. Pelo menos alguém sabia. O Jackson que Melody conhecia estava animadíssimo para ir para o Camp Crescendo. Planejando caminhadas e comprando edredons que combinavam. Será que ele estava tentando parecer legal na frente da banda? — Esqueça os planos. O que poderia ser melhor do que uma turnê de verão? — acrescentou Jackson, com as mãos para cima. Melody sentiu seu estômago se contorcer. — Sério? — Quando Lew Snyder chama, você atende — completou Jackson. — Uuuuuuh-húúúúú! — gritaram suas companheiras. — Agora vamos comemorar! Ele passou o braço pelo pescoço de Melody e beijou a bochecha dela. — Cara, você está demais! Ela deu uma risadinha. — Union Tap está tocando no Pigeon Hole — anunciou ele. — Vocês querem ir? Todos concordaram que Melody e Jackson tinham que ficar um pouco sozinhos e se despediram do par com um abraço grupal e um brinde de Gatorade para o verão de rock and roll que teriam pela frente.

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Além do beco quente como um forno, o ar da noite estava frio e a brisa na testa de Melody parecia uma dor de cabeça gelada, que ela precisava muito naquele momento. Uma lua crescente brilhava, iluminando o caminho até Liberty Street. — Tem certeza que você concorda com essa turnê? — perguntou ela, agora que estavam sozinhos. Jackson tremeu e puxou-a para perto. — Oi? — Ela estalou os dedos na frente do rosto dele. — Jackson? Melody pegou a mão fria dele. Ela queria ter certeza que ele tinha entendido como aquilo era importante para ela. E como ele era importante para ela. — Obrigada por ser tão compreensivo. — Claro — Ele sorriu educadamente, como se tivessem acabado de se conhecer. — Você estava demais hoje. — É por isso que você está ok com tudo isso? Porque você acredita em mim? — perguntou ela, parando do lado de fora do Pigeon Hole. Ela não estava realmente querendo ouvir música ao vivo. Ela tinha acabado de ser a música ao vivo e estava com aquele sentimento de cansaço como se tivesse acabado de dar um grito. Além disso, ela precisava voltar para casa. Mas se Jackson estava tão disposto a cooperar com tudo que ela queria, ela também teria que fazer qualquer esforço para fazer o que ele quisesse. Ele teria que ter estudado as bandas favoritas dela para saber aquilo sobre o Soundgarden... Peraí... Ele tremeu novamente e abotoou a camisa. — Eu já disse, Melly, eu acho legal você estar na banda. Melody ficou paralisada. — E quanto à turnê? — Que turnê? O coração de Melody disparou. Sua boca ficou seca. Ela pegou a mão de Jackson entre as dela. — Para onde estamos indo agora? 179


Ele olhou para a janela embaçada do bar. Reparando um pouco acima, viu a placa de madeira balançando. — O Pigeon Hole? — leu ele. O coração de Melody caiu aos pés de seus All Stars pinks. — Cadê o seu ventilador? Jackson balançou os ombros. — Aquela besta do Granite pisou em cima. Sabia que aquele cara ia aprontar para mim. Ele fechou os olhos castanhos, como se fechando os olhos, tudo voltaria ao normal. Quem dera... Ele suspirou. — O D.J. esteve aqui, não esteve? Melody confirmou. Os olhos dela mostraram toda sua frustração. Como ela não enxergou nenhum dos sinais? — O que aconteceu? Melody suspirou. — Leadfeather foi chamada para uma turnê de verão. Você estava feliz por mim. Você me disse para ir. Ele largou a mão dela e deixou o queixo cair. — Você quer dizer que o D.J. fez tudo isso. — Como é que eu ia saber? — rebateu Melody. Jackson revirou os olhos. — Faz quanto tempo que você me conhece, Melody? Você não suspeitou que talvez, possivelmente, perguntar coisas importantes para mim num bar superquente fosse um pouquinho, hum, sei lá, problemático? Melody sentiu os olhos embaçados por lágrimas de raiva. — Caso você não tenha percebido, eu estava um pouquinho ocupada lá. Jackson pegou as chaves do carro do bolso e fechou o punho. — Na verdade, eu percebi, sim. Você anda ocupada demais para tudo que não é essa banda. Ugh! 180


— Essa banda — ela praticamente retrucou. — É como se fosse um sonho que se tornou realidade para mim. — Bem, eu nunca quis ficar entre você e seus sonhos! — gritou ele. — Boa sorte na sua turnê. Ele se virou para ir embora. — E nós? — gritou ela. Ele parou. Sua expressão já era de tristeza. — O que tem nós? — Acabou? — Você quer que acabe? Um casal, de braços dados, passou andando, conversando e rindo como casais apaixonados fazem. Melody quis passar uma rasteira neles. — Não. — Então, prove — disse ele, virando-se para ir embora.

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CAPÍTULO 20 CHOQUE E KA! Biiip. Biiip. O sinal tocou para voltarem para a aula. Não que Frankie precisasse de um lembrete. Ela estava sentada num banco de madeira por onze minutos, encarando cartazes motivacionais de paisagens e arco-íris até que a vista ficasse embaçada. Esperando. Faiscando. O diretor Weeks estava prestes a anunciar o vencedor do concurso da T’eau Dally. E Frankie não queria perder isso. Não porque havia qualquer chance de ela vencer. Quando Cleo comprou o discurso de campanha de Haylee e Heath, ela garantiu isso. Mas porque ela não queria parecer uma má perdedora. Sentir-se assim já era ruim o suficiente. — Boa sorte! — desejaram Clawdeen e Blue quando passaram por ela. Outros comunicaram seus desejos com sorrisos, olhares prolongados ou tapinhas encorajadores nas costas. 182


Mas havia alguma coisa de pêsames em seus gestos. Como se dissessem “sinto muito por você ter perdido”. — Pare de puxar! Deixe seus pontos em paz! — disse Brett, sentando-se na carteira atrás dela. — Nós ainda não perdemos! Ainda. Uma camiseta cor de laranja e shorts cáqui sentaramse no assento ao lado dela. — Animada, Stein? — perguntou Billy. — Totalmente — respondeu Frankie, apesar da bola de angústia que estava em sua garganta. Ela fez esforço para dar um sorrisinho amarelo para provar seu entusiasmo. Ela iria parabenizar Cleo e Deuce pela vitória e continuar a vida como se ser escolhido o casal T’eau Dally não fosse o jeito mais irado de começar o verão. Como se sapatos de graça para a vida toda não fosse algo eletrizante. Como se fotos profissionais dela junto com Brett não fossem alegrar seus filhos. Ela seguiria o conselho de seus pais e aceitaria a derrota como uma vencedora... Derrota... Derrota... Derrota... Desânimo total... — Pare! — Pare o quê? — perguntou Brett, agarrando o braço dela e segurando-a firme. — Hum... — Frankie olhou para a mão dele. — Quero dizer, para tudo! Onde você conseguiu esse esmalte azul megawáttico? Ele soltou a mão. — Você comprou para mim. Ops. — E que você não se esqueça disso. — Não se esqueça você... — provocou ele. — Você! — provocou ela. — Você! — Vo... A porta da sala se abriu com um estrondo. Cleo ficou na entrada, com uma mão no quadril, a outra balançando 183


languidamente ao lado do corpo. Se ela fosse mais cool teria gerado cubos de gelo dentro de seu vestido roxo e dourado até os pés que se espatifariam no chão. Até as roupas de Cleo sabiam posar. Algumas garotas começaram a aplaudir quando a viram, Blue e Clawdeen entre elas, parte do efeito colateral do esforço de torcer para os dois lados. Cleo rapidamente levantou a mão, pedindo silêncio. — Ainda não. Pelo menos ela não estava 100% certa que tinha vencido. E continuou: — Esperem por Deuce. Cleo passou os dedos pela sua grossa franja preta, fez um biquinho com os lábios cheios de gloss e posou para uma câmera que não estava lá. — Ela devia estar na TV — murmurou Billy, inclinando-se na direção de Frankie. — Por quê? — perguntou Frankie, ciente do ciúme em sua voz. — Para que eu pudesse desligá-la. Brett escondeu o riso. Frankie até quis rir mas se recusou. Uma risada iria passar a impressão que estava sendo ameaçada. Em vez disso, ela encarou as manchas de tinta em seu próprio vestido e tentou não parecer ainda mais verde de ciúme. — Agora vocês podem aplaudir — anunciou Cleo quando Deuce apareceu ao lado dela. Ela enlaçou o braço dele e o guiou até o fundo da sala, indiferente à fanfarra. O andar pelo corredor, seguro e firme, parecia mais ensaiado do que o da Kate Middleton. E a roupa de Deuce, um gorro de cashemere preto, óculos Carrera dourado e jeans Diesel cinza, era mais estudado que o do príncipe William. Frankie puxou o esmalte lilás do dedão. Porque, realmente, quem se importava?

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A Srª Simon entrou, as coxas balançando de um lado para o outro como limpadores de para-brisas. Ela bateu palmas ardidas. — Sentados! Cleo e Deuce aceleraram o passo, mas só um pouquinho. Frankie descansou a cabeça na mesa. Billy acariciou suas costas. A caixa de som branca acima do quadro negro acordou. Cleo apertou o escaravelho de bronze, seu amuleto da sorte, pendurado no pescoço. — Boooooommm diaaaaaaaaaaaaa, Merston High! — explodiu o diretor Weeks. Perder era uma coisa, mas precisava ser tão amplificado? Ele não podia ter enviado um email? — Boa quarta-feira! — berrou o diretor. — Lembrem-se, nós temos apenas mais três dias de aula... Alguém gemeu. Ghoulia? — ... então estamos na contagem regressiva. Falando nisso, estou contando desde ontem. Eu contei, contei e contei seus votos. Frankie levantou a cabeça. Projete confiança. Rangendo os dentes, ela levantou o queixo e se preparou para o soco inevitável. Brett lhe deu um sorriso de apoio. Nós tentamos. O diretor limpou a garganta no alto-falante. — Agora, sem mais demoras... — Prepare-se. É agora — disse Billy, com um tapinha em suas costas. — E o Oscar vai para... — Pare! — rosnou Frankie. — Na verdade — o diretor fez uma pausa. — Quero que Lala faça este anúncio. Todos gemeram. — Olá — Lala deu uma risadinha nervosa. — O casal que vocês escolheram para representar Merston High é... A carteira de Cleo arranhou o chão. Será que ela já está se levantando? 185


— Brett Redding e Frankie Stein! O quê? Frankie encarou Brett. Ele a encarou também. Os olhos dele estavam esbugalhados. Ela soltava faíscas. Seus ouvidos começaram a vibrar. As pessoas estavam batendo palmas ou vaiando? Era Cleo pedindo uma recontagem? Será que Blue e Clawdeen ainda apoiavam os dois lados? Ou elas finalmente tinham deixado seus verdadeiros sentimentos aflorarem? Frankie estava chocada demais para saber. A única coisa que percebeu antes de desmaiar foi a voz quente de Billy fazendo cócegas em seu ouvido. — Eu disse que você ia ganhar, Stein. Eu disse.

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CAPÍTULO 21 VESTIDA PARA MATAR... DE ESTRESSE! Tump! Uma bola de basquete aterrissou a um centímetro da lata de tinta vermelha de Jackson. Era tudo que precisavam: um ginásio com um chão que mais parecia uma cena de crime. — Será que não dá para vocês jogarem em outro lugar? — gritou Lala para Davis Dreyson. — Você quer dizer outro lugar além do ginásio? — perguntou ele, batendo a bola com seu braço de orangotango. O barulho dos tênis rangendo em contato com o chão da quadra cessou. A dor de cabeça de Lala aumentou. “Manter bolas afastadas de latas de tinta” não estava em sua lista de coisas para fazer. Muito menos “faça com que 187


trabalhem mais rápido”. Mas ela estava lá, encarando uma tela praticamente em branco. Era para ser o novo logo da T’eau Dally. Em vez disso, parecia mais um bumbum de babuíno com uma fralda gigante. Lala levantou a aba de sua viseira, onde se lia Líder Brilhante (uma brincadeira de Clawdeen) e forçou um sorriso paciente. — Jackson, por que está demorando tanto? Eles vão estar aqui amanhã. Até agora você só tem o... — Lala virou a cabeça. — O que é isso, afinal? E quanto vai demorar para secar? Você levou isso em consideração? Jackson molhou o pincel na lata de tinta, escorrendo o excesso na lateral. — Vai ficar pronto — murmurou ele. — Não se preocupe. Artista típico. Mesmo assim, Lala teclou a tela de seu iPad e checou o quadradinho ao lado de NOVO LOGO. E daí que não estava totalmente pronto? Jackson disse que ficaria. E ela precisava sentir que estavam progredindo... Mordida por mordida... A passarela era a próxima coisa. Clawd estava do outro lado do ginário (obrigada, jogadores de basquete egoístas!) levantando um pedaço de madeira até a quadra. Ou seus braços estavam tremendo ou ele estava pisando numa emenda do chão porque ele estava balançando pra lá e pra cá como se estivesse prestes a cair. Lala correu para ajudá-lo. Ela uma vez ouviu uma história sobre uma mãe que viu que seu bebê estava entalado embaixo de um carro. Aparentemente, o poder do amor fez com que aquela mulher tivesse força suficiente para erguer o carro e resgatar a criança. Bem, esse concurso era o bebê de Lala então ela conseguiria pegar a ponta daquele pedaço de madeira e levantá-lo, não conseguiria? — O que você está fazendo? — rosnou Clawd. 188


Ele começou a se desequilibrar. — Estou salvando você! — rosnou ela, para logo em seguida dar um grito. — Aiiii! Uma lasca entrou na ponta do seu dedo de teclar no iPad. Agora que ela não faria mais nenhum X em sua lista de coisas para fazer. Lala largou a madeira e começou a cutucar a área com o canino. Onde se encontra um alfinete quanto se precisa? O movimento abrupto fez Clawd perder o equilíbrio e a placa de madeira caiu com tudo. — Aúúúúú! — uivou Clawd, rangendo os dentes. — O que você estava pensando? — rosnou ele, massageando o ombro. — Quebrou? — perguntou Lala. Clawd rodou o braço em pequenos círculos. — Está fraturado, talvez. Ou só machucado. Eu acho que eu deveria ver um... — Não, a placa! — interrompeu Lala. — Veja, tem uma rachadura bem no meio! Dá para substituí-la até amanhã? Porque temos que confiar nisso. Essa coisa pode quebrar quando as modelos passarem andando. — Bem pensado — disse Clawd. — Esqueça do meu braço do futebol. Estou raivosamente preocupado com a madeira. Essa madeira é, como posso dizer, tudo para mim. Aúúúú. Lala ficou na pontinha dos pés e lhe deu um beijinho na bochecha. Ali mesmo, no meio de todo mundo. Mesmo que ele odiasse esse tipo de coisa, ela queria que ele soubesse como ela apreciava o fato de que ele estava colocando o concurso acima até mesmo de seu próprio corpo. — Não se preocupe tanto. Pega leve. Eu vou encontrar alguém que encontre outra placa. Eu aviso quando a nova chegar. Contanto que nada desse errado, na hora que a equipe da T’eau Dally entrasse por aquelas portas duplas, ela estava pronta para impressioná-los como a mocinha no final da novela. Dois itens em vermelho ainda piscavam na tela de seu 189


iPad.: VER A ROUPA CUSTOMIZADA DE CLAWDEEN PARA O T’EAU DALLY HIGH e ACEITAR O ENVIO DE SAPATOS. Obrigada, assistente “barra” iPad. Onde está Clawdeen? E onde estão aqueles sapatos? Dickie Dally tinha prometido dois pares de sapatos para o casal escolhido. E era por isso que Frankie e Brett estavam sentados na arquibancada, esperando para ensaiar seu desfile. O que teria que ser feito agora com meias e no chão, graças à placa de madeira lascada. Mordida por mordida... Embaixo das arquibancadas, Clawdeen e sua turma de costureiros trabalhavam como uma linha de produção. Pelo menos alguém está no caminho certo. Talvez ver como isso estava caminhando perfeitamente poderia acalmar a tempestade de baguetes em seu estômago. — Ei, Clawdeeny — disse Lala, colocando a cabeça no ninho da costura. Os cachos da amiga estavam frisados como uma foto de “antes e depois”. Nesse caso, “antes”, e ela estava usando um pijama xadrez. — Tá tudo bem aí? — Cinco minutos — Clawdeen ordenou sua turma. — Blue, comigo! — Entendido, Sheila! — disse ela, molhando as escamas com um revólver de água. As garotas ficaram em fila rapidamente. Massageando as costas e vesgas, elas saíram na luz. — Cinco significa cinco — gritou Lala atrás delas. — Nenhum minuto a mais. E daí, perguntou: — Então, como é que tá? Blue pegou um resto de material, fios emaranhados e retalhos de feltro. Ela colocou a mão no braço coberto de cashemere de Lala. — La, você tem que me prometer que não vai dar chilique. 190


Chilique? Porque eu daria chilique? Porque sua customização parece uma cacamização? — Eu prometo — mentiu Lala mostrando os caninos. Clawdeen pegou alguma coisa atrás de onde ela estava. — Então, eu nunca tinha passado nada, certo? A lasca no dedo de Lala começou a latejar e parecia que alguém estava enfiando uma estaca atrás de seu olho direito. Ela tateou atrás de suas pílulas de ferro e tomou duas. — Bem... — Clawdeen olhou para Blue. — Meu ferro ficou um pouco quente, então... Ela segurou um short de ginástica cinza. No bumbum, letras amassadas pretas... Lala chegou mais perto para conseguir ler.

O que é isso? Os cantos do T e do E estavam curvados e deixavam ver o forro branco embaixo. Lala fechou os olhos. Ela contou de trás para frente começando em 13 e respirou fundo. Mesmo querendo arrancar as letras com seus caninos, ela conseguiu se controlar. — Tudo bem. Vai ficar tudo bem. Ainda temos tempo. Clawdeen suspirou. — Não se preocupe, ficará tudo perfeito para amanhã. Afinal, esta loba tem estilo, certo? Espero que sim. Lala olhou para o relógio. Ainda restavam sete minutos da primeira aula. Sete minutos até que Frankie e Blue tivessem que ir para a aula de ginástica e Brett tivesse que ir até o laboratório. Onde estão os sapatos? 191


Pensando que talvez pudessem ter sido entregues no escritório, Lala correu pelo corredor. Ela passou por cartazes “LANCHONETE TO DALLY”, “BIBLIOTECA TO DALLY” E “SALA DOS PROFESSORES DA TO DALLY”. — Tá brincando? — gritou ela. — Sentindo-se um pouco pressionada? — perguntou Blue, alcançando-a. Lala confirmou. Ela queria chorar. Ou gritar. Ou customizar sua própria morte. E onde estão os SAPATOS? — Se eu estragar tudo, meu pai vai dizer “eu não disse?” e nos mandar para o Radcliffe no ano que vem. Ela abraçou o iPad, querendo que fosse o Conde Fabuloso. Blue tirou uma garrafa de óleo de coco da sua sacola e besuntou os braços. — Vai ficar tudo bem. Você ainda tem o dia inteiro para aprontar tudo. Lala continuou andando. Ela precisava daqueles sapatos. Alguma coisa tinha que dar certo. — Eu já te contei sobre o meu aniversário? Lala balançou a cabeça. — Nós íamos fazer uma churrascada depois da festa, certo? Mas o papai se perdeu. Então, lá estávamos nós, dez sheilas gritando no meio do mato. E tudo dando errado. Estávamos cruzando um riacho e jacarés pulavam dos dois lados. Mamãe esqueceu a comida então não tínhamos nada para comer. Então vimos um lago e resolvemos pular lá para nos refrescar. Só que estava cheio de camarões selvagens. Até o papai saiu gritando como um louco. Lala parou e olhou para ela. E onde essa conversa ia chegar? — Finalmente, um cara gordo passou por nós e eu pensei. Pelo tamanho da barriga desse sujeito, é certeza que ele sabe onde fica a churrascaria. Então, seguimos o barrigudo. E acabamos no Outback Golf Club, onde tinha bolo de carne e sorvetes pra todo mundo. 192


Elas passaram por um cartaz anunciando “BANDA TO DALLY HIGH”. Se seu futuro não dependesse exclusivamente de ganhar aquele concurso, Lala poderia ter caído na risada. — Tudo que estou dizendo — continuou Blue. — É que às vezes a vida te dá camarões selvagens. Mas se você continuar a buscar o que quer, pode acabar comendo bolo e sorvete no final. Lala deu uma risadinha. — E o que aconteceu com o gordinho? Blue sorriu. — Ah, essa é a melhor parte! Na manhã seguinte, ele apareceu na nossa casa. Mamãe deixou que ele ficasse no quarto do Jazzy quando ele foi para a faculdade. E ele está lá há nove anos. Nada acalmava mais Lala do que uma história com animais e final feliz. (Pelo menos ela achava que era uma história de animais). E ela entrou no escritório com um sorriso. — Alguém aqui é a Lala? — perguntou um cara robusto com uma camisa marrom e shorts amassados. Uma caixa grande o suficiente para serem dois pares de sapatos estava em seu colo. — Sou eu! Ela queria dar um abraço no homem mas decidiu que colocar um coração ao lado de sua assinatura seria o suficiente. Ela rasgou a caixa, agarrou a tira de couro falso e puxou com toda a força. Bolas de isopor se espalharam pelo chão. — Você pode me achar uma idiota, mas o que é isso? — perguntou Blue. — Bolinhas de isopor — explicou Lala. — São usadas para acomodar as coisas dentro dos pacotes, para que não se mexam. — Ela abaixou a voz. — São terríveis para o meio ambiente. Os olhos de Blue ficaram arregalados e suas sobrancelhas loiras se arquearam, confusas. 193


— Não, isso! — disse ela apontando para as botas nas mãos de Lala. Lala deu uma risadinha. O híbrido tão esperado não era como nada que tinham visto antes. O pé entrava num tubo da altura dos tornozelos, que tinha na frente uma grande bolsa. Uma fita cor de chocolate segurava a bolsa que combinava com o sapato amarrada no meio, como uma fita que amarra um saco de papel. Marrom acinzentado e macio como um ursinho de pelúcia, parecia mais uma sacola aberta do que um sapato. A versão feminina tinha fitas de borracha e um salto de 5 centímetros que se curvava como uma cobra. O masculino era baixo e largo, como um tênis para skatistas. — Acho que eu poderia guardar meu creme aí — disse Blue, examinando a bolsa. Lala riu. Blue tinha razão. Quem precisava de uma bolsa quando se tinha um desses T’eau Dally? Esses sapatos iriam revolucionar a moda feminina. Mas, o masculino? Iria feminilizar a moda masculina. Ela não conseguia imaginar Clawd usando alguma coisa tão... europeia. Ou qualquer atleta. Qualquer homem americano. Mas Dally era o número um em calçados esportivos por um motivo. Se Dickie, um prodígio dos esportes, colocasse seu nome em alguma coisa, não importa como era essa coisa. Short xadrez para futebol, tênis para basquete de cano alto até o joelho, tacos de beisebol transparente, ninguém fazia nenhuma pergunta. Os equipamentos nada convencionais eram muito melhores do que qualquer coisa que já tivessem usado e era tudo que precisavam saber. Quando Lala encontrou Frankie, ela e Brett estavam correndo para a próxima aula. — Megawáttico! — disse Frankie, abraçando os sapatos. — Experimente! — Lala apressou-a. — Veja se servem. — Vou experimentar depois da aula. Não se preocupe. Eu consigo andar sobre qualquer coisa — Ela apontou as plataformas listadas de seus sapatos. — Tá vendo? 194


Lala deu o outro par para Brett. Ele os pegou com a ponta dos dedos e ergueu-os para vê-los sob a luz fluorescente. — O que é isso? — Ele não é muito antenado — disse Frankie, justificando a confusão. — Vamos treinar hoje à noite. Lala deu um abraço de agradecimento tão apertado em Frankie que ela quase soltou faíscas. Finalmente, alguém em quem confiar. Mordida por mordida... Quando os corredores ficaram desertos, Lala ligou seu iPad e começou uma nova lista. Quanto mais digitava, mais percebia que Blue tinha razão. Tudo podia ser consertado. Ainda dava tempo. Bolo de carne e sorvetes ainda estavam no futuro... E daí, slam! Ela deu um encontrão em dois adultos. O café escaldante de seus copos para viagem molhou suas roupas. O iPad de Lala caiu, espatifando-se no chão. — Aaaah! — gritou o casal. E começaram a xingar. Ele em inglês e ela... em francês! Oh, não! Não, não, não, não, não... Os adesivos de “visitantes” nas suas roupas confirmou imediatamente os temores de Lala: seus convidados tinham chegado 24 horas e 14 minutos mais cedo. Hora da morte social: 9:46 AM.

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CAPÍTULO 22 SAPATADA E no fim, a aula de ginástica acabou sendo a solução perfeita para os problemas de Frankie. EPA, ou Exibição Pública de Ansiedade (ou seria exibição de ansiedade pública?) seria como esfregar a vitória na cara de Cleo. E esse não era o jeito Stein de fazer as coisas. Reprimindo o desejo de gritar “euvencieuvencieuvenci” era como segurar um raio: a força era poderosa demais para ser controlada. Esconder-se, portanto, parecia a situação ideal. Quando Frankie levantava sua máscara para respirar um pouco de ar puro, ela tentava parecer blasé, como se ser o casal T’eau Dally High exigisse mais responsabilidade do que diversão. Mas, atrás da máscara, ela sorria e gritava como se fosse a vencedora do American Idol. O choque da vitória ainda podia ser sentido. Era como se pudesse sentir a energia vibrando e estalando dentro de sua jaqueta branca. Ela e Brett realmente tinham recebido mais votos? Mais do que 196


Cleo e Deuce? Num concurso de popularidade? O que viria a seguir? Bater Kourtney Kardashian em 96 por 4 na seção Quem vestiu melhor? da US Weekly? Pelo menos Cleo não apareceu na aula de matemática quando o sr. Beeder deu uma bandeja de rosquinhas da sala dos professores para Frankie. E Cleo não estava na aula de música quando a Srª Andrews ensinou “We Are the Champions” em homenagem à Frankie. Na verdade, Cleo tinha faltado em quase todas as aulas da manhã, dizendo que tinha um encontro na Teen Vogue. Mas ela estava ali agora. Fazendo uma pausa de cinco minutos daquele duelo para reaplicar o gloss. Sorrindo como se tivesse um segredo delicioso para contar. Viveka disse que isso seria esperado. Era “preservar a imagem”. Do ponto de vista de Frankie, uma múmia devia saber tudo de preservação. No vestiário, Frankie tirou o agasalho branco e se enrolou num robe cinza. — Esses são os sapatos? — perguntou Clawdeen, um pente preso pendurado em seu cabelo. Seis garotas enroladas em toalhas se amontoaram na frente do armário aberto para espiar. Cleo revirou os olhos e passou mais óleo nas pernas. — Eles são demais! — disse Blue, mesmo já tendo visto o par. — Você já experimentou? — É difícil andar neles? — O que você vai usar com eles? — Eles combinam perfeitamente com você. — Eu sabia que combinariam. Por isso eu votei em você. — Eu também votei em você. — Eu não votei, mas também estou feliz por você ter vencido. Cleo estava a três armários de distância, fingindo ler mensagens engraçadas de pessoas muito importantes. Suas tentativas sem fim de “preservar a imagem” davam um aperto no buraco do coração de Frankie. Se a princesa se sentisse 197


tão humilhada quanto Frankie se sentiu quando ela achou que tinha perdido, então... — Podemos falar disso mais tarde? — perguntou Frankie, fechando o armário. — A aula de educação física me deixou muito cansada, então... Todas as garotas voltaram aos seus secadores de cabelo. — Você não tá adorando? — sussurrou Spectra no ouvido de Frankie. — Elas são eletrizantes — respondeu Frankie, olhando para as botas marrom-acinzentadas. — Não as botas — censurou Spectra. E, pegando a cabeça de Frankie, virou-a na direção de Cleo, que estava enrolando os pulsos com linho. Ninguém ao seu lado a não ser uma pilha de toalhas molhadas. — Aquilo. — Hã? — perguntou Frankie na direção do ar perfumado. — Nós finalmente demos a ela o que ela merecia — riu Spectra, as correntes tilintando. — Eu não faço ideia do que... — Não se preocupe — sussurrou Spectra. — Ninguém vai nos escutar com o barulho desses secadores. E Billy não contou para ninguém. — Não contou para ninguém o quê? — perguntou Frankie, limpando o parafuso de seu pescoço com um cotonete. Spectra deu uma risadinha. — Que eu e Billy trocamos as urnas de votação para que você ganhasse. Tzzzz. O cotonete pegou fogo. Frankie assoprou-o e abanou o ar com cheiro de algodão queimado. Mesmo assim, alguma coisa estava com cheiro esquisito. — O que vocês fizeram? — Ele não te contou? Frankie enrolou seu cabelo emaranhado num coque. Enrolado e emaranhado como seu estômago. Então a votação 198


foi forjada? Ela não tinha ganhado? Ela bateu a porta do armário. Quem era ela para pensar que um dia seria mais popular do que Cleo? Pensar que ela nunca tinha ganhado de ninguém! Lágrimas salgadas de vergonha escorreram pelas suas bochechas. Eu falhei. De novo. Braços quentes e cheirosos a envolveram como espuma de banho. — Eu vou contar para a Cleo — disse Frankie. A mão surpreendentemente forte de Spectra agarrou seu braço. — Você não pode, Frankie! Nós vamos ficar muito encrencados! Além disso, ela só vai se gabar. Quem quer ver isso? Clawdeen acabou de pentear seu pelo, que agora estava brilhante e sedoso, e desligou o secador bem a tempo de ouvir Spectra acabando sua frase, deixando as palavras da fantasma pairando no ar como poeira: — “Quem quer ver isso?” o quê? — Hum, a alergia nos meus dedos. Clawdeen estremeceu. — Passo! Frankie tirou os sapatos da T’eau Dally do armário. Ela acariciou o material macio uma última vez, deu um beijo de despedida e cruzou o corredor. Cleo, agora enrolada, untada, delineada e maquiada, estava arrumando o material para a terceira aula. — Aqui está — disse Frankie, jogando as botas nela. — Estou fora. Cleo apertou os olhos. — Verdade — disse Frankie. — Estou desistindo. As palavras de Spectra martelavam sua mente como um alarme de incêndio. — Por quê? — perguntou Cleo, recuando. — O que tem de errado com eles? Ela espiou dentro do saco com cara de nojo. — Eca, esperaí! Spectra colocou os pés aí? Está contaminado com as alergias dela, não está? 199


Frankie fez um sinal de X sobre o roupão que usava. — Juro pelos meus parafusos que não. Biiip. Biiip. Os secadores foram desligados. As portas dos armários, fechadas. Mas ninguém saiu. Uma por uma, foram se amontoando, à espreita, esperando para ver quem ia acabar ficando com os cobiçados sapatos. Biiip. Biiip. Cleo colocou a mochila sobre o ombro oleoso. — Bem, acho que tem alguma coisa errada com eles. — Não tem nada de errado com eles. Eu juro. Brett não gostou muito. E estão acontecendo algumas coisas na minha família. Frankie respirou fundo e continuou: — Você e Deuce já estão aqui há mais tempo do que eu. Se alguém tem que representar Merston... — Ká! — Cleo deu um giro sobre o dedo apoiado na plataforma de madeira de 6 centímetros. — Eu não quero a sua caridade. E fez como Frankie e partiu como um raio. — Cleo, espere! Ainda de roupão, Frankie enfiou as roupas numa sacola. Seu cabelo estava desarrumado. Seu pescoço estava com cheiro de algodão queimado. Sua maquiagem estava totalmente borrada, olho preto escorrido e tudo. Mesmo assim, ela avançou pelos corredores lotados com a segurança de alguém que não estava parecida com um retrato de delegacia. — Não é caridade. Você merece isso! — gritou Frankie na direção dos brilhantes cabelos negros que corriam no meio da multidão. — Frankie, pare! — insistiu Spectra, deixando o ar com cheiro de perfume ambiente. — Você merece isso também. — Se eu merecesse, teria vencido! — rebateu Frankie. Ela disparou na direção de Cleo. — São seus. Pegue! — gritou ela. 200


Cleo parou na porta da aula de inglês. Seus olhos cor de topázio penetraram os olhos de Frankie. Não pareciam mais tão vivos e brilhantes. Tinham se tornado duas pedras de mármore. — Eu. Não. Quero. Esses. Sapatos. Frankie os enfiou na sacola de Cleo. — Pegue! — Eu disse que não quero seus sapatos da caridade contaminados! — Cleo jogou os sapatos em cima dela. — Olha a cabeça! — gritou alguém quando os sapatos voaram pelo ar. — Aaaaah! Os estudantes se espalharam. Os sapatos caíram no chão, assim como o ego vazio de Frankie. Por que Billy tinha que alterar os resultados? Será que ela mesma tinha passado a impressão que era melhor roubar do que perder? Frankie pensou em seu comportamento desde que o concurso tinha começado. Tinha alterado seu estilo, distribuído os parafusos de seu pai e gastado toda a sua energia para carregar um monte de eletrônicos sem alma. Para quê? Uma carreira de modelo? Pela chance de mostrar para Cleo que ela era digna de seus 607 amigos virtuais? Para poder falar que tinha finalmente vencido? Por que ganhar valia tanto? Frankie era do tipo que se dava bem com todos. E, até agora, ser a número um tinha significado afogar seus sentimentos. Significava que outros se sentiriam como perdedores quando ela estivesse por perto. Significava mais separação, quando o que ela realmente queria era fazer parte. Ela empurrou os sapatos na direção de Cleo, levantou o queixo e marchou de volta para o vestiário, confiante que, desta vez, perder era ganhar.

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CAPÍTULO 23 OLHOS DE PEDRA O verão estava chegando em Merston. As janelas estavam abertas ao máximo, como se os convidasse a escapar. E, como a canção da sereia, a brisa perfumada pelo sol era um chamado irresistível para muitos. Melody era uma das que resistiram. Para quê? Correr feliz no sol era para namorados e melhores amigas sorridentes, não para as que tinham acabado de ser largadas pelo namorado ou para a garota cujos pais tinham sido chamados pelo diretor. Ela arrancou violentamente o livro de história de seu armário quase vazio como se ele fosse o responsável pela discussão com Jackson. Durante todo o final de semana, ela desejou que ele caísse em si, visse como estava sendo egoísta e se desculpasse. Mas a única coisa que passou em seu iPhone foram as horas. Se teimosia fosse uma corrida, ela e Jackson chegariam empatados em primeiro lugar. Só conseguia seguir em frente graças ao café com leite e baunilha coberto de chantilly que tinha tomado na hora do

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almoço e aos sonhos com a turnê de verão. Mais três dias e Melody estaria livre! — Melly! — chamou uma voz familiar. Candace correu meio desajeitada na direção de Melody, equilibrando-se em suas plataformas turquesa da Prada. Vestida com um macacão listado com contas coloridas balançando no pescoço, ela parecia um manequim tentando se mexer pela primeira vez. — Você pode voltar pra casa de carona com o Jackson, né? Ela segurou as chaves do carro com a mão fechada, deixando claro que isso não era uma pergunta mas um aviso. O peito de Melody ficou apertado, sentindo falta dos dias que poderia simplesmente ter respondido “sim”. — Onde você está indo? Candace fez uma pausa, deixando os estudantes passarem, saindo da zona audível. — Eu e Shane queremos comer alguma coisa antes da nossa aula de Mitologia Grega. Sério? — Candace, como você pode assistir essa aula? Você nem está na faculdade! — Você já viu o tamanho daquelas salas? Lá dentro cabem, tipo, umas trezentas pessoas. O professor não faz nem ideia. Shane e eu trocamos mensagens o tempo todo. É tão fofo! Então, você tem carona? — Tá, eu arranjo. — Peraí — disse Candace, enrolando as contas de coral ao redor dos dedos. — Você ainda está sem falar com o Jackson desde que ele te deixou no Pigeon Hole? Se fosse assim tão fácil... — Ele está esperando que eu prove o meu amor. — E você não o ama mais — concluiu Candace como uma terapeuta madura. — Acontece. — Não — respondeu Melody, conseguindo finalmente ver além da sua raiva. Ou seria seu ego? — Eu amo. É só que... 203


O que era exatamente? Eu não quero sacrificar meus sonhos por ele? Eu não quero que ele queira que eu faça isso? Eu odeio sentir a falta dele? — Acho que a única prova que ele aceitaria é eu desistir dessa turnê e... — Um ultimato? — perguntou Candace, chocada. — Ele te deu um ultimato? — Não nessas palavras, mas... Candace deu um soco num armário, que ecoou pelo corredor quase vazio. — Ninguém dá um ultimato para uma Carver! — disse Candace, como se aquilo fosse uma DST. Ela colocou o Wayfarer8 vermelho. — Bem, se ele quer que você prove o seu amor, vá em frente. Prove o seu amor. — Hã? — Isso mesmo, prove o seu amor por aquele roadie gato, Granite. Aquele cara é um arraso. Melody deu uma risadinha. — Quando se encontrar com Jackson, diga: “Ooooh, você queria que eu provasse meu amor por você? Ops, desculpaí!” Jackson não gostava de fazer joguinhos. Nem Melody. Mas era divertido parar para pensar. Ou talvez só fosse divertido porque ela estava podendo deixar um cara com ciúmes enquanto ficava com outro. Não era engraçado. Era sarcástico. Biiip. Biiip. — Tenho que ir — disse Candace, com a pressa de um fora da lei. — Você vai chegar bem em casa? Melody confirmou. — Boa aula. Ela fez um giro sobre o All Star preto e se encaminhou para a aula do sr. Chan sobre como a Segunda Guerra Mundial tem a ver com mídia social. Enquanto checava suas 8

Wayfarer é o nome do modelo mais tradicional dos óculos Ray-Ban. (N.E.)

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mensagens (talvez Jackson também estivesse sentindo a sua falta) Melody deu um encontrão nele. — Ei! — gritou ele. E, logo em seguida, recordando-se da situação em que estavam, ficou paralisado. Ele estava com Lala e dois estranhos com as roupas sujas de café. Uma era um palito humano, alta como uma modelo, com uma camisetinha de couro amarela e calças de couro pretas. Seus sapatos de grife de saltos altos e finos estavam cobertos por tachinhas. Ao lado dela, um cara loiro e fofo como um marshmallow num agasalho de ginástica branco. Só faltava a casquinha para virarem um sorvete de chocolate com coco. Como Jackson parecia estar fascinado com alguma coisa ao longe, Lala puxou Melody para a frente. — Mel, quero que conheça Brigitte T’eau e Dickie Dally. O marshmallow era Dickie Dally? Atleta? Figurão? Playboy? Esse cara era ENORME. — Olá — disse Melody, já tentando se encaminhar para a aula de história. Mas a mão fria de Lala a puxou de volta. — Melody é a cantora líder da Leadfeather. Ela terá um papel importante entre os talentos do departamento de música da T’eau Dally quando ela voltar da sua turnê. Jackson segurou um gemido. O coração de Melody ficou apertado. Brigitte fez um biquinho com seus lábios manchados de roxo. — Magnifique — ronronou ela. — J’aime vos plumes — acrescentou, enquanto acariciava as penas nos cabelos de Melody. Melody ficou parada, reprimindo o desejo de espantála. — Alguém gosta de caçar — disse Dickie, com um riso espalhafatoso. — E esse alguém é justamente a namorada de Jackson! — Lala abriu um sorriso iluminado. 205


Melody prendeu a respiração. — Na verdade... — Rá! Esse é o meu garoto! — Dickie deu uma cotovelada nas costelas de Jackson. Jackson deixou o telefone cair. Melody deixou o queixo cair. — Então me diga, Jake — disse o marshmallow. — Esse passarinho aqui gosta de minhoca? Rá! Eca! — Que grosso! — rebateu Brigitte. — É brincadeira! — gritou Dickie, encantado. — Entende? Minhoca? Grosso? Ficou claro pela cara azeda de Brigitte que ela não estava entendendo nada. — Nós estamos dando um tempo — disse Jackson. Melody o encarou. Era como se encher de desodorante e dizer que tinha tomado banho. — Acho que nosso tempo acabou. — Bom saber — disse Jackson, passando o dedo pelo iPhone. — Vocês podem me dar cinco minutos para mudar meu status no Facebook? — Rá! Isso significa que você está solteira? — Dickie perguntou à Melody. Brigitte fez um tsc-tsc e deu um tapinha no ombro de Melody. — Acho que sim — disse Melody para Jackson. — Não fique tão surpresa. A ideia foi sua. — Que ideia? Ir embora e me deixar sozinha na porta de um bar no meio da noite e me fazer sentir culpada por estar indo atrás do meu sonho? — Só você pode escolher se sentir culpada — disse Jackson, presunçosamente. — Só você diria uma coisa tão egoísta — rebateu Melody. Os olhos escuros de Lala se esbugalharam, aterrorizados. — Que tal continuarmos com o nosso tour, Jackson? 206


— Ótima ideia — rosnou ele, caminhando rapidamente pelo corredor. Lala e Brigitte correram para alcançá-lo. Dickie encostou Melody na parede. — Quando você se formar na faculdade, ligue para mim — disse ele, dando uma piscadinha, e se pôs a caminho com seu agasalho fazendo um barulho que parecia papel amassado. Babando de raiva, Melody não conseguia se imaginar sentada durante a aula de Chan. Em vez disso, ela correu até o armário e o abriu, só para poder bater a porta de novo. E bateu de novo. E de novo. E... Ping! Melody fuçou nos bolsos de seus shorts à procura do telefone. Finalmente, desculpas. PARA: Melody Junho 22, 10:17 AM GRANITE: ME ENCONTRE NO TELHADO. PARA: Granite Junho 22, 10:17 AM MELODY: COM PRAZER.

A porta de segurança metálica fechou atrás dela. Um vento quente assoprou seu rabo de cavalo e espalhou penas pelo telhado de concreto. Será que Jackson pensava realmente que a culpa era dela? — Ei, você! — disse Granite, apoiado no arcondicionado ligado. Melody correu até ele, grata pela distração. 207


— Veja — disse ele, pegando a mão dela e caminhando até a borda. Sua camiseta cinza escura fazia com que seus olhos parecessem esverdeados. O coração dela começou a acelerar de novo. — Tudo parece tão diferente daqui de cima. Ele apontou o braço forte para o Riverfront. O carrossel girara lentamente como uma caixinha de música. Atrás dele, o rio Willamette corria macio como caramelo quente. — Parece uma cidade em miniatura — disse ela, vendo as pessoas correndo pela rua principal como bonequinhas. Ela tentou imaginar por que estariam estressadas. Namorados? Trabalho? Família? As coisas pareciam bem menos importantes desta perspectiva. — Eu não acredito que nunca estive aqui em cima antes. — Gárgulas sempre têm uma visão panorâmica. Mas você... — ele se virou para olhar para ela. — Você perde tempo demais presa nessa caixa — disse ele, apontando para o prédio embaixo de seus pés. — Quando você começa a subir, você percebe que nada pode te arrastar para baixo. — A não ser a lei da gravidade — brincou ela. Ele revirou os olhos achando graça e pegou a mão dela. — Você tem centenas de escolhas. Milhões de opções. Você só precisa dar um passo para fora e olhar em volta. Dessa vez, Melody se permitiu olhar bem no fundo dos olhos de Granite. Talvez ele estivesse certo. Ela se sentia mesmo presa ultimamente: entre a escola e a Leadfeather, Camp Crescendo e a turnê, Jackson e Gra... Ele enrolou o dedo no passante da calça dela e puxou-a para perto. Ela colocou o cabelo atrás da orelha. Ele passou o dedo pela bochecha e levantou o queixo dela. Os olhos dele refletiam o sol de verão como pedrinhas num riacho cristalino. Ele chegou mais perto. Melody, não. Eu não faço as coisas assim. Candace faz assim. Eu não faço jogos. Eu não fico com ninguém no telhado. Ultimatos 208


não levam a ficadas. O amor leva a um beijo. E eu não amo Granite. Eu amo Jackson... Mas eu gosto de Granite. Eu gosto muito dele. Nós dois adoramos música e vivemos a maior parte de nossas vidas nos cantos, olhando para a ação mas raramente partindo em direção à ela. Ele é gato. Eu já pensei em como seria o beijo dele. Jackson mudou seu status para “solteiro” e... E eles acabaram se encontrando. O beijo de Granite foi forte e seguro, apaixonado e intenso. Buzinas do trânsito lá embaixo combinavam com o ritmo de seu coração acelerado, criando o que ela pensou que podia ser a “música deles”. Jackson estava definitivamente no passado. Ela estava partindo para outra. O beijo foi bom. Muito bom. Fez cócegas, a fez enrolar os dedos do pé. Mas foi diferente... Beijar Granite era como beber uma xícara de café preto quente. Com Jackson, era como tomar chocolate quente branco devagarinho. Perto da lareira. Embaixo de um cobertor macio e... Bam! A porta de metal bateu novamente. Melody instintivamente se afastou e abriu os olhos. Jackson, Lala, Brigitte e Dickie estavam perto da porta aberta. — Parece que esse passarinho já encontrou outro ninho — anunciou Dickie. Lala cobriu a boca com as duas mãos. Brigitte fez sinal de positivo com as duas mãos. Jackson aumentou a velocidade de seu ventilador de mão e deu as costas. — Aqui será o Observatório do T’eau Dally High — disse ele, levando-os para o canto norte do prédio e levando com ele o calor do dia. Granite tirou o cabelo do rosto dela e sorriu. — Parece que a fila andou para todo mundo. E puxou-a para outro beijo. Novamente, ela não tinha certeza se deveria deixá-lo. E daí beijou-o também. 209


CAPÍTULO 24 T’EAU-DALLY ÁGUA ABAIXO Mordida por mordida, Lala dizia para si mesma enquanto descia com seus convidados do telhado. Infelizmente, as únicas três palavras que a acalmariam seriam: “parabéns, você venceu”. Mas Dickie caberia nas calças de couro de Bigitte antes que isso acontecesse. Frankie, a modelo escolhida, não estava respondendo suas mensagens de texto, o ginásio parecia uma obra inacabada e abandonada e Jackson e Melody fizeram mais drama do que uma novela. Oh, e tinha também o “acidente da trombada que derramou café quente nos clientes”. E o fiasco do “nada disso teria acontecido se vocês não tivessem aparecido um dia antes”. A única coisa que restava fazer era esperar que seu pai não tivesse tirado o livro de fotos do Merston do seu 210


canto do sucesso. Isso se considerar que o feng shui realmente funcionasse. — Não, sério — Jackson disse à Brigitte, sua voz vibrando por causa das pás do ventiladorzinho de mão. — Estou bem. Já era hora de acabar mesmo. Estávamos patinando. Dickie deu um tapa nas costas dele. — Rá! Falou como um jogador de verdade. Jackson tentou dar um sorriso vitorioso. Mas parecia que ele estava segurando o vômito. O que é mais chocante?, ponderou Lala. O fato de que o icônico Dickie Dally era na verdade uma pilha de carboidratos manca e pervertida? Ou que ele e Brigitte ainda estivessem ali? Quando chegaram ao térreo, Brigitte colocou seu braço magro ao redor dos ombros de Jackson. — Em Paris, beijarrrr é como conversarrr. Não significa, hum... Nada demais. — É bom saber — murmurou Jackson. E depois, virando-se para Lala, perguntou: — E agora, para onde? Ela enviou uma mensagem rápida para Clawd perguntando como estavam as coisas no ginásio. Ele estava indo para o treino de futebol mas assegurou que estava tudo bem, então ela decidiu que seria a próxima parada. Além disso, eles já tinham visto tudo. — O ginásio está pronto para ser visto — disse Lala, tentando recolocar o foco no concurso novamente. Não que ela não se sentisse mal por Jackson, mas haveria muito tempo para se lamentar quando isso tivesse terminado. Especialmente se ela não encontrasse... Frankie! Finalmente! Ela estava correndo na direção deles, perseguindo Cleo pelo corredor vazio. O cabelo dela estava um emaranhado embaraçado e ela estava usando um... — Aquela pessoa verde está usando um roupão? — perguntou Dickie, com seu jeito debochado. 211


— Ela precisa de muito condicionador nesse cabelo — disse Brigitte, alisando suas próprias mechas macias. Lala estava espantada demais para responder. A garota da capa parecia uma capa amassada. — Eu já disse! — berrou Cleo, jogando os sapatos em cima de Frankie. — Eu não quero esses sapatos! Estão contaminados! Os sapatos T’eau Dally chocaram-se contra os armários. O que estava acontecendo? Era como assistir televisão no mudo. — O que é contaminado? — perguntou Brigitte à Dickie. — Tempo! — Dickie fez um T com as mãos. — Ela jogou mesmo os sapatos? O chão pareceu tremer sob os pés de Lala. Se ela tivesse sorte, o chão abriria e a engoliria, tornando impossível ver a cara do pai quando ele risse de seu fracasso colossal. Cleo chegou mais perto. — Pare! — ordenou Dickie. Seja boazinha, Cleo. Seja boazinha. — Como é? — perguntou a realeza. Se Lala tivesse uma bandeira branca, estaria abanando, pronta para se render. — Você tem muita força no braço para uma menina. Cleo observou a blusa branca manchada com nojo e depois encarou a barriga de 7 meses dele. — E você tem... — Então — interrompeu Lala. — Quero que você conheça... Brigitte pegou o queixo de Frankie e virou-o de um lado para o outro. — Qui a fabrique vos accessoirs? — Brigitte pegou e puxou os parafusos. — Quem faz seus acessórios? — Aieee! — Frankie tirou a mão da mulher com um tapa sonoro. — Isso dói! — Quem é “Isso Dói”? Um estilista americano? — perguntou Brigitte. 212


Frankie correu para pegar as botas. Ela as enfiou na bolsa de Cleo enquanto Dickie estava contando sobre sua avó Marion, que podia adivinhar quem era bom de esportes sem tirar os olhos da panela. Cleo tirou as botas da sacola. — Eu disse... — Espere! — Frankie chegou mais perto e sussurrou alguma coisa no ouvido dela. Quanto mais ela falava, mais aberto ficava o sorriso de Cleo. Ela colocou os ombros para trás e estufou o peito. O que está acontecendo? Lala olhou para Jackson, esperando algum sinal. Ele balançou os ombros como se não desse a mínima. — Frankie — disse Lala. — Posso falar com você perto da fonte por um minuto? — Claro! — sorriu Frankie. — O que está acontecendo? — perguntou Lala. — Estou tentando encontrar você a tarde toda! Onde está o Brett? Por que você está assim? E porque está dando os sapatos para a Cleo? Não, espere, por que você está jogando os sapatos nela? Frankie ficou com os olhos cheios de lágrimas. — Eu não venci. Houve um erro. Cleo e Deuce são os verdadeiros vencedores. O quê?! Dickie e Brigitte se viraram. Lala falou mais baixo. — Do que você está falando? — Grande Onda! Eles pinicam! — gritou Cleo, andando pelo corredor como se tivesse feito xixi nas calças. — É como se tivessem dentes! Quando ela estava prestes a cair, Dickie mergulhou e pegou-a. Ela abanou o braço dele como se fosse uma mosca do Nilo. — Quem é você mesmo? Lala ajoelhou no chão. Assim, quando ele abrisse, ela já estaria quase engolida. 213


— Rá! — ecoou a voz forte de Dickie. Ele apontou para o cartaz onde se lia “To Dally High”. — Acho que um dos zumbis fez isso! Ele deu um tapa na coxa e continuou: — Tenho que usar esses caras no comercial de capacete. Vai ser “use um capacete Dally ou você poderá ter morte cerebral”! Ainda bem que Ghoulia não estava lá. E parecia que ele também não tinha riscado o Merston High da disputa e isso era um ótimo sinal (muito melhor do que aquele que estava pendurado na frente dele). Mas no instante que Lala viu a luz no fim do túnel, ou não, ela entrou em pânico novamente. O mural de Jackson estava coberto por um pano manchado. Latas de tinta viradas faziam manchas que chegavam até eles como línguas de serpentes. — Assim que Jackson voltar aqui com Deuce, ele irá revelar o novo brasão do T’eau Dally High — disse Lala, ansiosa para compartilhar algo positivo. Porque quando Cleo falou que tinha que enrolar suas bolhas no pé com linho não tinha sido exatamente animador. Ainda bem que Dickie pensou que ela estivesse brincando e Brigitte estava lutando com o idioma. Pelo menos a passarela estava pronta. Graças a Deus por Clawd! — Em alguns minutos, nosso casal vencedor irá desfilar pelo palco e... Oh, não! Lala podia ver a rachadura na madeira. Ainda estava lá. Bem no meio da placa. — Clawdeen? — gritou Lala, lutando para parecer calma. Clawdeen apareceu descalça, saindo de debaixo da arquibancada. Ela estava usando o short queimado do T’eau 214


Dally e uma jaqueta cinza que tinha um “T’EAU” do lado esquerdo. Seu cabelo ruivo, comprido demais e selvagem, a deixava com cara de girassol seco. Brigitte levantou a sobrancelha escura e fez um biquinho. — Mon dieu! Ela correu até Clawdeen como um leão corre para uma gazela. Clawdeen ficou paralisada. — Ela está consertando! — tentou Lala, mas era tarde demais. As mãos de Brigitte já estavam no pescoço de Clawdeen. — Isssto é pele de verrrdade? Clawdeen confirmou, encolhendo-se. — O que há com as garotas francesas e os pelos? — perguntou Dickie, olhando suas mensagens de texto. Brigitte deu um passo para a frente e deu um puxão. — Ils sout tellement doux. Ela puxou novamente. — Você deixa o pelo crescer, n’est-ce pas? Como uma besta selvagem. — Clawdeen é um lobisomem — disse Lala orgulhosamente. — Eu falei dela em minha carta. Clawdeen, esta é a Brigitte T’eau, do... — Não era para ela aparecer amanhã? — Sim, eles apareceram um dia antes e minha vida está uma desgraça — sussurrou Lala de um jeito que só Clawdeen e sua superaudição pudesse ouvir. Clawdeen revirou os olhos castanho-amarelados de um jeito que queria dizer “você me deve uma”. Lala balançou a cabeça. Prometo! Brigitte tirou uma tesourinha de cortar unha da bolsa e pegou uma amostra enquanto Clawdeen choramingava. — Vou fazerrr uma linha inteirrra de botas parrra o inverrrno com esse pelo. Vamos chamá-la de Selvagem, como os lobos, non? — Non — rosnou Clawdeen. 215


Ainda bem que seus irmãos superprotetores não estavam aqui para ver isso. — Hum, na verdade, Srª T’eau, pele não é uma coisa muito popular aqui — disse Lala. Brigitte jogou a cabeça para trás e caiu na risada. — Mais, non! — Couro também não. Mas o couro falso das suas roupas é incrível. Ela tentou ser simpática elogiando a calça e o top de couro de Brigitte. — Falso? — Brigitte quase engasgou. — Isso não é falso! Eu digo non para o falso! Lala e Clawdeen trocaram um olhar. — Mas seus sapatos. A nova parceria. Eles são sintéticos, não são? — Sintéticos? Rá! — exclamou Dickie, colocando o telefone de volta no suporte. — Nossos sapatos são feitos com couro de canguru. O quê?! — Cangurus de verdade? — Só os bebês — disse Brigitte. — Como vocês dizem, jolie? — Joey — Dickie a corrigiu. Lala sentiu o pulso pulando. Eles só podiam estar brincando. — Toque — disse ele, oferecendo a carteira marrom. — 100% couro dos saltadores. Macio e durável. Minha linha de protetor de testículos esportivos de 2015 será feita com isso. Uma maravilha para a virilha. Rá! Que tal esse slogan? Cleo apareceu diante deles, ladeada por Blue e Frankie, que a seguravam para que ela conseguisse se equilibrar sobre os sapatos. — Nada que um pouquinho de óleo e linho não podem consertar — disse ela. — Quando eles chegarem aqui amanhã, eu vou conseguir pular nisso aqui! Lala aproveitou o momento para fazer as apresentações. A pele bronzeada de Cleo empalideceu quando 216


ela percebeu com quem estava falando. Frankie soltou faíscas. Blue só repetia “o quê?” em busca de uma explicação. — Rá! Pulando! — Dickie pegou o braço de Brigitte como se fossem colegas de escola. — Ouviu isso? Já temos cangurus, o que pode vir a seguir? Ursos? Sandálias feitas com urso! Sabe, eles hibernam durante o inverno. — Podemos colocarrr parrrafusos dos lados, como garrrrras! — cantarolou Brigitte. — E o que é isso? — perguntou ela, acariciando as costuras nos pulsos de Frankie. — São tão sedosas. — Ursos? — perguntou Frankie, escondendo as mãos nos bolsos do roupão. — Mais oui! — exclamou Brigitte orgulhosamente. — Como estes cangurrrus. — Canguru? — perguntou Blue, olhando para Lala. — Esta Sheila está falando sério? Lala confirmou, seu estômago se contorcendo como se ela tivesse acabado de comer carne. — Nada a não ser o melhor — gabou-se Dickie. E apontando para os pés de Cleo, continuou: — Aqueles sapatos ali foram testados em macacos. — Macacos? — rosnou Clawdeen. — Duas dúzias — anunciou ele. — Eles correram na esteira por três horas. E nem racharam. — Racharam! — disse Blue, os olhos enchendo de lágrimas. — Ká! — exclamou Cleo, chutando os sapatos. — Não os machuque! — dise Blue, correndo para pegálos. Birigitte sorriu, pensando que Blue tinha adorado o modelo. — Talvez essa escamosa deva ser nossa modelo. — Ela? — perguntou Cleo indignada, agarrando os sapatos. — Pode pegar, cara — disse Blue. — Nada vai me fazer usar esses sapatos. 217


Todos os medos sobre o que o pai diria se esvaeceram na mente de Lala. E foram substituídos por imagens de macacos correndo com salto alto em esteiras. Filhotes de canguru esfolados. Parafusos arrancados. Botas com pelo de lobo. As garotas olharam para Lala, silenciosamente implorando que ela fizesse algo. Ela estava prestes a perguntar se já era tarde demais para mudar o estilo do calçado quando Deuce apareceu com Jackson e Heath. Ele deu um beijo em Cleo e perguntou: — O que é essa coisa no seu pé? Você fez alguma operação? — Não, mas vou ter que fazer se usar esses sapatos por mais um segundo. — Diga-me quem faz sua limpeza de pele e eu esqueço que você falou isso — disse Brigitte. — Para quê? Para você fazer uma bolsa com minha pele? — Rá! — Dickie riu. Cleo olhou para o namorado, esperando que ele desse um soco em Dickie e defendesse sua honra. Mas ele apenas ergueu a mão e disse: — Sr. Dally, eu adoro seus equipamentos de basquete. — E eu adoro seu gosto para mulheres — respondeu ele. Deuce deixou a mão cair, chocado. — Que tal se mostrássemos a arte? — disse Jackson, guiando o grupo até o pano gigante. Jackson pegou um canto e esperou Heath tomar o último gole de seu refrigerante de 1 litro e pegar a outra. — Ainda não está 100% pronto — explicou Jackson. — Mas vocês terão uma ideia. — Um... Dois... Três! — contou Heath. Eles puxaram o pano gigantesco. Ele agitou-se e subiu e daí... Buuuurp! O refrigerante extragrande tornou-se um arroto extra-alto. Uma enorme bola de fogo percorreu o ar e aterrisou diretamente no centro do pano no ar, 218


imediatamente engolfando o tecido e transformando tudo em chamas alaranjadas. — Aaaah! — gritou Jackson, temendo o calor. Ele jogou o lençol no palco de madeira. Segundos depois, a madeira estava em chamas. Brasas chamuscavam pelo ginásio e a tinta se espalhou, tornando a quadra um rio de lava. Ióóóón! Ióóóón! Ióóóón! O alarme de incêncio começou a tocar. Jatos d’água foram acionados, espirrando a água fria pelo ginásio. Blue começou a dançar enquanto todos abanavam a fumaça e procuravam a saída. Frankie começou a soltar faíscas. — Código verde! — Zut alors, me cheveux! — gritou Brigitte. — Fica com frrrizz na chuva! — Talvez possamos fazer um espanador com ele! — disse Lala. — Pardonnez-moi? — É, podemos transformar seu cabelo num espanador e usar seus bracinhos ossudos como palitos de dente! — gritou, perdendo todo o medo da desaprovação do pai. Quem liga para a faculdade? Ela ainda tinha milhares de anos pela frente. Ela faria alguma coisa que contasse pontos para isso. Agora, ela queria ficar firme para defender aquilo em que acreditava. Como proteção aos animais. Como os direitos dos IRADOs. Como ela mesma. Podia não ser adequado para o Merston High mas havia mais na vida do que a escola, especialmente se sua vida fosse eterna. Caminhões dos bombeiros podiam ser ouvidos ao longe. Pés apressados correram pelo corredor, esvaziando as classes enquanto os estudantes se acumulavam no estacionamento. Haylee apareceu no meio da fumaça, disparando seu extintor emergencial como se fosse uma metralhadora. As luzes do ginásio piscaram. Heath correu para a saída. Tremendo, Lala ergueu o rosto encarando a água fria, 219


deixando que ela lavasse o sentimento sujo e grudento que a atormentava como uma disenteria a tarde toda. As luzes vermelhas de emergência acenderam, banhando o ginásio com um brilho demoníaco. Bem na hora de iluminar Dickie dando um encontrão em Deuce, derrubando os óculos do górgona no chão. Ele cobriu os olhos. — Meus óculos! Alguém pegue meus óculos! Crás! O tênis branco de Dickie aterrissou sobre as lentes. Deuce abriu os olhos. Dickie começou a escorregar. — Aaaah... Seu grito ficou pela metade. Uma escultura de pedra redonda apareceu no chão no lugar dele. Deuce cobriu novamente os olhos. — Alguém me tire daqui! — Eu te ajudo — disse Lala, correndo para o lado dele. — Eu consigo enxergar no escuro, não se preocupe. — Você pode me tirar daqui? — perguntou ele. — Com uma condição — respondeu Lala. — Qual? — ele tossiu. — Abra os olhos.

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CAPÍTULO 25 FRANKIE, A ESTRELA VERDE — Sadie Warlock... Su-Chin Weinstein… Brandon White… A voz do director Weeks estava sendo transmitida para todo o campus. Um por um, ele chamava os formandos para o palco ao ar livre, para pegarem seus diplomas. Quanto mais perto ele chegava do fim do alfabeto, mas perto todos estavam da liberdade. E mais perto do show de Frankie. — Ele está no W — Frankie anunciou para seu time. — Não temos nenhum X, temos quatro Ys e um Z. Estamos a menos de cinco. Vou fazer minha última revisão. Os membros do Comitê do Equilíbrio permaneceram orgulhosamente em seus postos, esperando a inspeção. Mas uma rápida olhada era tudo que Frankie precisava. Estava tudo perfeito.

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O que um dia tinha sido um pátio escolar comum, agora era uma obra de arte. Como se tivessem sido esculpidos através dos séculos: as árvores, as paredes de tijolo e os paralelepípedos de cimento agora estavam cobertos com uma camada de pedra branca e macia. Até as trepadeiras eram de pedra. As tulipas eram de pedra. E as mesas redondas do jardim eram de pedra. Enquanto escapava do fogo, Deuce (com um pequeno apoio de Lala), tinha transformado a escola inteira numa cena dos Flintstones. (Certo, Deuce começou tudo mas um decorador incrível tinha sido chamado para terminar o serviço, ou seja, a mãe de Deuce. Mas ela deixou que ele levasse todo o crédito.) Era impossível abrir os armários. As mochilas eram densas demais para caberem ali. E, ao invés de música, os formandos desfilaram ao som de martelos e escavadeiras. Havia alguma coisa engraçada nos alunos que lutavam contra velhas crenças de serem jogados na idade da pedra, como pensou Frankie... Ou poético... Ou seria irônico? Talvez fosse existencial. O que quer que fosse, era megawáttico e valia a pena. Então, quando Haylee ligou na noite anterior, às 11h46, chorando porque não tinha conseguido elaborar o tema “We are the World” para a festa de formatura, Frankie tomou a iniciativa. Ela queria alguma coisa que resumisse o ano. Alguma coisa que dissesse que a vida não é preto e branco. Às vezes, pode ser verde. Ela queria trabalhar com aquilo que tinha, não lutar para mudar tudo. Ela queria aceitar. Por que aceitação não foi o tema mais recorrente do ano? Então surgiu “Escola de Pedra: uma história para durar”, o novo tema. Escrita com giz em cada pedra e tijolo do pátio, as ilustrações coloridas e o texto estilo grafite documentavam os momentos mais memoráveis do ano. Ghoulia ficou a cargo do giz. Jackson ilustrou. Brett, Heath e Irish Emmy filmaram tudo e Haylee iria receber os convidados. Essa tarefa era muito pouco para a capacidade 222


de Haylee mas ela precisava muito de uma folga depois de tanta pressão. Faria bem para sua pele manchada. — E, finalmente, Moan’ica Yels! — anunciou o diretor Weeks. — Y... pi... si... loooonn — gemeu Ghoulia para sua irmã mais velha. E a orquestra de martelos bateu com tudo enquanto os formandos jogavam seus quepes no ar. Daí, arrastando as becas pretas, todos desceram para a ceia como uma colônia de morcegos. — Aí vêm eles! — gritou Frankie. — Obrigada — disse Haylee, os óculos bege ficando embaçados. — Pelo quê? — Você me salvou — Haylee olhou em volta. — Você salvou a ceia. E está tudo tão... Ela fez uma pausa para assoar o nariz. Frankie colocou a mão sobre a ombreira de Haylee. — Eu sei como é sentir a escola toda culpando você por algo. E eu não desejaria isso nem para... — Ela fez uma pausa. — Ei, posso te perguntar uma coisa? Haylee concordou. — Por que você deu seu discurso para Cleo? Haylee pressionou o lenço no nariz. — Ela me deu isso. Ela ergueu o amuleto de olho azul em seu pescoço. — O Olho de Hórus? — Frankie não conseguiu esconder seu choque. Talvez Haylee não fosse tão esperta, afinal. — Você pode comprar isso em qualquer lojinha de souvenir até na Hungria. Haylee deu uma risadinha. — Ela disse que era um amuleto que iria ajudar na minha visão. — E você acreditou nela? — perguntou Frankie, predendo a respiração. — Claro que não — Haylee deu uma risada. — Mas eu estou aprendendo a soprar vidro depois da aula. Heath e eu 223


queremos fazer vasos nesse verão e vendê-los nos festivais de arte. A parte mais cara é o forno e Heath pode fazer isso, então... Enfim, com a escola, as aulas de vidraçaria e a ceia, e meu negócio de passeio de cachorros, e o concurso, foi demais. Eu precisava de uma desculpa para desistir. Ela levantou os óculos e apertou o canto úmido dos olhos. — Desculpe, mas acho que estou realmente esgotada. Frankie a puxou para um abraço. — Está tudo bem. — Nós vamos nos encontrar ano que vem? — choramingou Haylee. — Claro! — respondeu Frankie. — Você precisa ficar de olho no Brett para mim. — E você vai tomar conta do Heath em Radcliffe? Frankie fez um X sobre o vestido longo de laise marfim. — Juro pelos meus parafusos! — Aí vêm eles! — sorriu Haylee. — É melhor eu ir recebê-los. Frankie acenou se despedindo e tirou uma última foto do pátio. Vibrantes e carregados de sentimentos, os desenhos de giz contavam uma história de triunfo. Começava com a imagem de Brett gritando no Baile Monstro, segurando a cabeça arrancada de Frankie. No centro, a imagem de Frankie entrevistando IRADOs para o documentário “O Monstro Mora do Lado”. No final, o arco-íris da Srª Foose. Era uma história que Frankie se deu conta que teria sido impossível de contar sem ela. Porque no céu, acima do arcoíris, tinha uma estrela verde. E essa estrela era Frankie.

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Uma tulipa de pedra flutuante parou bem na frente de Frankie. — Isso foi ideia sua? — Porque está todo mundo tão surpreso? — perguntou ela, não encarando mais aquilo como um elogio. — É que é tudo tão... — Billy se esforçava para encontrar uma palavra que não a ofendesse. — Eletrizante? — É, eletrizante — disse ele, entregando a tulipa. — Pra que isso? — Sinto muito. — Pelo quê? Por trocar os votos porque pensou que eu não conseguiria vencer? Ou por achar que eu não conseguiria um bom tema para a ceia dos formandos? — Pelos dois. Frankie pegou a flor e revirou-a entre os dedos. — Como você sabia que eu não ia vencer? — Porque, minha cara — Billy pegou os ombros dela. — Seu discurso foi uma porcaria. Frankie caiu na risada e puxou o amigo invisível para um abraço. Quem estivesse olhando não ia achar normal. — Ou esse aí é o InvisiBilly ou você está brincando de alguma coisa louca — disse Candace Carver. Ela era a única formanda que tinha colocado um cinto sobre a beca e bordado as inciais, CC, nas costas como o símbolo da Chanel. — Aliás, bela ceia. — Onde está a Melody? — perguntou Frankie. — Ela foi embora depois da cerimônia. Alguma coisa sobre a banda ou Jackson. Sei lá. Ficar ouvindo aquela menina falar pode ser perigoso. Bem, amiga, meus pais me surpreenderam com uma passagem de primeira classe. Cursos de verão já eram! — Para onde você está indo? — perguntou Frankie. — Estou indo para a França, ficarei lá durante o verão observando a semana de moda. Billy e Spectra vão comigo já que eles, você sabe, podem voar de graça. 225


Frankie soltou faíscas. Ela olhou para Billy. Valeu por ter me contado! — Eu ia te contar... — disse ele, olhando para os fogos de artifício de Frankie. — Mas você não estava atendendo minhas ligações nos últimos dias. — Desde quando você se incomoda em ligar? — provocou Frankie, abraçando o amigo novamente. — Candace? É você? — perguntou um gatinho de blazer de tweed enquanto abria caminho até eles. Os olhos de Candace ficaram esbugalhados. Frankie nunca tinha visto uma normie tão “chocada”. — Shane? — perguntou ela, afofando os cachos. — Hum, o que você está fazendo aqui? Shane cruzou os braços. — Minha irmã, Mindy, se formou. Candace enrolou um cachinho loiro. — Você é o irmão de Mindy? Shane levantou uma sobrancelha e confirmou. — E você está no colegial. Candace levantou o corpo de limonada e piscou. — Agora já estou na faculdade. Shane derrubou o copo da mão dela e saiu bufando. Centenas de olhos encararam Candace, para ver como ela reagiria ao ser largada pelo namorado. Não que ela tivesse notado tanta atenção. Ela estava ocupada demais olhando seu iPhone e preparando sua lista do que fazer na França. — Número 1 — leu ela. — Cortar todos os laços com garotos americanos. Ela passou o dedo na tela e apertou “delete”. — Shane, fora!

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Frankie tirou suas sandálias gladiadoras roxas e sentou-se num arbusto de pedra. Ela balançou os dedos verdes e esperou Brett terminar de embalar o equipamento de som. O diretor Weeks andou até ela, com os braços estendidos. — Belo trabalho, Srª Stein! — disse ele, cumprimentando-a. — Espero que você esteja planejando se recandidatar novamente ao conselho no ano que vem. Frankie suspirou. — Pode ser. Mas acho que terei que fazer isso no Radcliffe. Os ombros estreitos do diretor despencaram pelo menos 15 centímetros. — Ah, Radcliffe. A punhalada no coração da minha carreira. Ele afrouxou a gravata que dizia Feliz Formatura em 8 línguas. Frankie fungou. — Achei que nós éramos a punhalada. — Os alunos? — Não, os IRADOs. Os olhos afiados do diretor olharam os dela. — Eu sempre soube que essa comunidade era especial. Mas eu tinha que respeitar os desejos dos pais e manter as coisas quietas. Nada me deixou mais feliz do que ver vocês se juntarem e exigirem o que era certo. Ele tirou uma bandana vermelha do seu terno bege amassado e limpou a testa suada. — E agora, todos vocês irão embora... O espaço do coração de Frankie ficou mais apertado. Ela também não conseguia imaginar isso. — O que vai acontecer com a escola? — Iremos usar trailers — disse ele, olhando para as pilhas de escombros espalhadas pelo campus como formigueiros gigantes. — Até reconstruirmos. Nós iremos 227


conseguir. Nós somos sobreviventes. Assim como vocês — Ele sorriu. — Quem sabe? Talvez vocês mudem de ideia e fiquem. — Eu adoro Merston e tal — Frankie se levantou e deu um tapinha no ombro dele. — Mas salas de aula dentro de trailers? Não é tão eletrizante.

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CAPÍTULO 26 ALÉM DO ARCO-ÍRIS — Blusa de leopardo! Porta do meio entre o legging de zebra e a mini de onça. Agora! — instruiu Candace. Melody empurrou as portas espelhadas para a direita. — A pequena ou a grande? Candace arrancou os óculos de gatinho branco e olhou para ela. O que você acha? — Pequena. Candace pegou a blusa, enrolou-a até ficar do tamanho de um Tic Tac e enfiou-a dentro de um saco verde-exército. Melody espiou o chalé branco do outro lado da rua. A janela de Jackson estava aberta. As cortinas balançaram. O coração de Melody deu um pulo. Ele tinha faltado à reunião de orientação do Camp Crescendo para se despedir dela? As cortinas balançaram novamente. Só o vento. — Estamos trabalhando aqui! — Candace estalou os dedos. — Leggings pretos. Com zíper nos calcanhares. No armário das calças, do lado das calças skinny. 229


Melody puxou as calças próximas do colete jeans. Alguma coisa piscou para ela no fundo da bolsa. — Um top de lantejoulas? Candace estava sentada em frente ao espelho, contemplando seu fedora preto. — Quando as lantejoulas chamam, você tem que atender. E, acredite, elas chamam nas horas mais estranhas — Ela jogou o chapéu pela janela como se fosse um Frisbee. — Em menos de 24 horas, vou estar comendo croissants de chocolate num bistrô, falando francês com garçons gatos. Melody suspirou, se jogando na cama coberta pelo edredom de babados cor-de-rosa. — Preciso de 5 minutos. Ela abraçou um travesseiro de cetim branco e apertou contra o peito. Candace deitou-se ao lado da irmã. Ela pegou uma pena do cabelo da irmã. — Vou sentir sua falta, esquisitona. E abraçou Melody. Com força. Melody repirou o perfume Black Orchid de Candace. Talvez se ela respirasse fundo, o cheiro ficaria com ela até agosto. — Nada de despedidas, lembra? Candace fungou e balançou a cabeça. Ela também estava pensando nas 10 semanas pela frente? Nos acontecimentos que fizeram com que ficassem mais próximas do que tinham ficado nos últimos 15 anos? A mudança para o Oregon? O dia em que conheceram Jackson? Fundando NECIP juntas? Sabendo que não eram irmãs de sangue? Decidindo que isso não importava? Melody levantou-se, apoiando os cotovelos e olhou para os olhos cobertos de glitter de Candace. — Todos os dias, não importa onde você esteja, você vai encontrar um cyber-café e me contar o que está fazendo — Candace começou a piscar rapidamente. — Quero detalhes. Fotos. E a verdade. 230


— Chega de mentiras — concordou Candace, hipnotizada. Sereia, 1. Normie, 0. Hiiiiissss. Elas ouviram o som dos freios lá fora. Melody e Candace ficaram paralisadas. Então é isso. Um... dois... três... Melody pulou no tapete de pele de cordeiro e enfiou os pés sem pedicure entre os pelos. — Sua carona chegou! — gritou Glory do andar de baixo. Candace puxou o zíper do saco de viagem e o entregou para Melody. — Se você não se tornar um ícone do rock com este figurino, você morreu para mim. Glory e Beau estavam aguardando na porta da frente, soluçando. — Vejo vocês amanhã novamente, em Seattle — disse Melody. — E depois em Portland, e depois em San Francisco, e Anaheim e San Diego. Mesmo assim, ela engoliu uma vontade absurdamente gigantesca de chorar. Mesmo sabendo que seus pais estariam em todos os shows, e seguindo o ônibus que levava o equipamento da banda, era como se fosse o fim de uma era. Melody estava sozinha pela primeira vez. Seu mundo nunca mais seria pequeno: seu talento incrível daria conta disso. Como um cavalo de corrida, precisava praticar para alcançar todo seu potencial. Espaço para calcular o ritmo do trote. Salem era pequena demais para isso. Cada passo na direção de seu futuro significava um passo mais distante de seu passado. Beau bagunçou o cabelo já emaranhado da filha. — Não beba. — Não use drogas — compleou Glory. — E nada de moletons! — gritou Candace descendo as escadas, recusando-se a chorar em público. Eles riram e se abraçaram. Eles se beijaram. E disseram que sentiriam saudades. Prometeram cair na estrada depois de deixar Candace no aeroporto. Eram uma 231


família enviando Melody para outra família. Eles eram a prova que deixar alguém partir era a prova máxima de amor: uma coisa que Jackson não estava disposto a fazer.

As portas do ônibus cor de vinho se abriram, deixando a introdução aguda de “Paradise City” vazar pela porta e inundar a tarde úmida. Granite saiu apressado. — Deixe que eu pego isso — disse ele, pegando a bagagem dela. Mas Melody continuou a arrastar o saco escada acima como se fosse um cadáver. — Você é o empresário agora — provocou ela. — Não pode deixar o roadie fazer isso? Ele pegou o saco e colocou-o no ombro. Melody se lembrou da noite em que se conheceram, quando ele a socorreu no meio da pista de dança. — Tá, até encontrarmos alguém para isso, eu sou um pouco de cada. — Acho que vou ter que falar com meu camarada Lew sobre isso. — Por favor — disse ele, levantando a mala até o maleiro na lateral do ônibus. — Pronta? Ele sorriu como se tivesse uma surpresa. Mas Melody sabia que ele estava tentando controlar a ansiedade. Tentando parecer cool. Tentando não entrar no ônibus e gritar “estamos saindo para uma turnê!”. Ela sabia porque seu estômago estava dançando também. — Bem-vinda a bordo! — gritou Nove-e-meio mais alto que o Guns’n’Roses. 232


Ela e Cici estavam sentadas nos sofás de couro preto, colando posters do Leadfeather nos armários de madeira. Sage estava montando uma nova árvore de natal de plástico, seus galhos pelados prontos para aceitar doações de amigos que eles ainda não conheciam. O ônibus cheirava uma mistura de couro e açúcar: um cheiro que Melody iria associar com “começos”. Além do sofá e da kitchenette, ficavam seis camas em beliches. Três de cada lado, pareciam as prateleiras do closet de Candace. Simples e sem frescuras, como tinha que ser para uma banda de rock. Atrás das camas estava um chuveiro do tamanho de uma cabine telefônica. E atrás dele, dois alto-falantes Bose. Perfeito. — Prontas? — perguntou Granite, ligando o motor. Além de empresário e roadie, ele também era o motorista. — Prontas! — gritaram as meninas da banda. Melody abriu a janela e jogou beijinhos para a família enquanto eles acenavam e retribuíam os beijos. Ela se virou para olhar para a casa de Jackson uma última vez, só para ter certeza. Mas como todas as outras vezes, ele não estava lá. Quando o ônibus começou a andar, Sage distribuiu o chocolate quente. — Para a Leadfeather! — Para a Leadfeather! — responderam as companheiras, batendo as xícaras e tomando o líquido em seguida. Granite pegou a I-5 Norte. Não era mais uma rodovia, mas uma estrada pavimentada com infinitas possiblidades. — Digam adeus para Salem — gritou Cici. Sage e Nove-e-meio subiram no sofá e acenaram. Mas não Melody. Ela foi para a frente e sentou-se ao lado de Granite. Ela tinha jurado nunca mais olhar para trás. E daí seu telefone tocou. O número era de Jackson mas a voz, animada e acelerada, era de D.J. 233


— Não há a menor chance de você pegar a estrada sem mim — disse ele, um acorde de guitarra ao fundo. Melody deu uma risada, uma parte dela surpresa, a outra aliviada. Ela não tinha sido abandonada por Jackson. Ele, na verdade, abandonara ele mesmo. Por ela. Era o maior sacrifício de todos. Era amor. Era demais. — Nós precisamos mesmo de um roadie — disse Melody. — O salário é péssimo e a comida é pior. — Eu aceito! — respondeu D.J. na mensagem de texto. E o ônibus deu meia-volta. Era o final perfeito para uma história e o começo de outra. Melhor ainda.

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EPÍLOGO RAD ATÉ O OSSO! TERÇA-FEIRA, 2 DE SETEMBRO As árvores foram replantadas para formar um arco. De cima, as cores de outono, vermelho, amarelo, verde, laranja e marrom pareciam um arco-íris visto de perto. O prédio de madeira vermelha e vidro no final do arco parecia o pote de ouro. Pelo menos era assim que parecia na foto que estava pendurada na entrada. O sr. D., vestido com um jeans desbotado e uma camisa preta fora da calça, estava em frente a uma fita de cetim preta esticada ao redor do vidro como um embrulho de presente. Lala estava ao lado dele, virando uma sombrinha em uma mão e segurando tesouras douradas na outra. Conde Fabuloso estava empoleirado em seu ombro usando uma máscara de dormir listada de preto e pink e tiara nova onde se lia “de volta para a escola”. — Bem-vindos ao... Seu pai puxou uma corda e um banner pink e preto foi desenrolado. A multidão ficou perplexa. Radcliffe não era o nome no brasão da escola. Graças aos apelos de Lala, o nome tinha sido alterado para algo mais significativo. Alguma coisa que lembrasse os alunos da noite que tinha dado início a tudo: a noite em que Frankie perdeu a cabeça. A noite que ela expôs os IRADOs. A noite que os normies reordenaram as letras no cartaz do Merston High. A noite que marcou o começo do fim.

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— Bem-vindos ao Monster High! — anunciou o sr. D. para as centenas que os encaravam. — A instituição educacional mais arrojada do país! Aplausos. — Eu poderia ficar a tarde toda falando sobre os acres de terra que disponibilizamos para nossos atletas, as estações de carregamento portáteis, as fontes nas mesas e corredores de raias d’água, as ferramentas para derreter pedra, as classes opcionais de design de acessórios e roupas, as aulas de mumificação moderna, as estações de arcondicionado, as lâmpadas de aquecimento portáteis, nosso programa de música, nosso abrigo de resgate animal, o SPA... Lala ficou radiante. Conde Fabuloso bateu as asas. —... mas eu vou deixar que falem por si mesmos. — Uuuuuh-húúúú! — gritou alguém. O sr. D. ergueu a mão, pedindo silêncio. — Mas antes tenho que agradecer a várias pessoas. Ele olhou pra a multidão e sorriu. Sorriu! — Ram de Nile, por fundar o projeto (aplausos), e os Wolfs, pela construção incrível (aplausos). Os Steins, Srª J. e a nova professora de canto, Marina, por desenvolver um currículo desafiador e nada tradicional que preenche os requisitos do estado de Oregon (aplausos). O sr. Weeks, por concordar em ser o diretor (aplausos). Deuce Gorgon e Clawd Wolf, por convencer a Associação de Esportes de Oregon a reconhecer nossos times (ovações). E... O sr. D. tirou os óculos escuros. Ele apertou os olhos diante da luz do sol e colocou o braço ao redor dos ombros da filha. O toque dele a aqueceu de um jeito que Clawd e cashemere nunca conseguiriam. — Mais do que qualquer coisa, minha filha extraordinária, Lala, e sua amiga eletrificante Frankie Stein. Eu não sei quantas garotas passariam o verão tentando me convencer a abrir nossa escola para os normies. Mas elas conseguiram. Então, eu abri (aplausos e ovações). E eu posso garantir que elas fizeram isso sem a ajuda das sereias. 236


Melody e Jackson caíram na risada. — Então, sem mais delongas, aqui está... Monster High! Aplausos ensurdecedores. Os Wolfs cobriram seus ouvidos enquando Lala se abaixava e cortava a fita. Todos correram para o prédio. Lala observou a corrida mas não se juntou às pessoas. O braço do pai ainda estava em seus ombros. Perto o suficiente para que ela sentisse o cheiro de seu autobronzeador. Por alguma razão, ele também não tinha saído. Lala queria saborear esse momento pelo tempo máximo que conseguisse. — Você realmente acha isso? — perguntou ela, olhando para seu forte queixo. Ele olhou para ela. Seus olhos negros não pareciam mais duas pedras, mas pérolas brilhantes. — Acho o quê? Lala pensou em inventar qualquer coisa. Ela ainda estava com medo de mostrar para ele o quanto ela precisava de sua aprovação. Não por medo do que ele faria mas pelo medo do que ele não faria. Colocar os sentimentos nas mãos dele ia levar um tempo. Mas ela finalmente estava disposta. E ela sabia que, não importava o quanto ele reagiria às coisas que ela falasse ou fizesse, ela sobreviveria. Não, ela prosperaria. — Você acha mesmo que eu sou extraordinária? — pressionou ela. — Você acredita nisso? — Uma das mulheres mais extraordinárias que eu conheço — respondeu ele e logo em seguida olhando tristemente para alguma coisa além das árvores. — Eu não digo isso com muita frequência, digo? — Hum, consigo contar num único canino quantas vezes você disse isso. Ele deu um riso irônico sem sorrir. — Acho que eu sempre presumi que você soubesse. Lala saiu do abraço dele, o momento terno quebrado como um encanto desfeito. 237


— Por que eu saberia disso? Suas mãos começaram a tremer. Ela pegou uma cápsula de ferro e engoliu-a sem água. Ficou entalada no fundo da sua garganta, como tantas coisas que ela queria dizer e nunca pôde. — Papai... Ela engoliu novamente. Mordida por mordida... — Nós nos comunicamos por satélite. Você vive num iate e fala num microfone. Você se orgulha mais do seu bronzeado do que de sua família. Você assusta meus bichinhos! Ela se forçava a falar tudo isso olhando diretamente para ele. Ele estava olhando para os sapatos engraxados. — Talvez seja porque eu não como carne, ou porque estou namorando um Wolf, ou porque eu concordo com o Tio Vlad que nossa casa ficaria legal com um toque de cor. Mas, o que quer que seja, eu... — É a sua mãe! — rebateu ele, exibindo os caninos. Hã? — Laura — disse ele, chamando-a pelo nome que a mãe dela tinha dado. — Você faz ideia do quanto se parece com ela? Lala mostrou os caninos na tentativa frustrada de provar que não. Ela se arrependeu imediatamente. — Você tem o fogo dela. Você é a única mulher que me desafia como ela me desafiava. A única pessoa. Você me faz questionar as coisas nas quais eu acredito. Você mostra o preto no branco das coisas e tenta misturar com... pink. — Qual é o problema disso? — Cor é imprevisível — respondeu ele, como se admitisse alguma coisa a mais. — Como a morte dos normies? — perguntou Lala, acertando em cheio. Ele confirmou. — Como a dor de perder alguém que você ama para alguma coisa que você nunca entenderá. 238


Lala ficou na ponta dos pés e lhe deu um beijo na bochecha. — Você não vai me perder. — Acho que já perdi — disse ele, os olhos começando a lacrimejar. Ela deu uma mordidinha no braço dele. — Sabe, os primeiros 1599 anos foram um pouco difíceis. Mas não é nada que não possamos consertar. Seu pai riu e fungou, puxando-a para perto. — Extraordinária. De braços dados, eles cruzaram a entrada para o Monster High e se juntaram aos outros. Eles se pareciam como qualquer pai e filha comuns. Era uma mordida e tanto.

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