A face bela das coisas - Poesia Moderna

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A FACE BELA DAS COISAS Obra publicada pelo Programa “CATALÃO EM PROSA E VERSO”, instituído pelo Município de Catalão através do Decreto nº 1.978, de 30 de abril de 2008, alterado pelo Decreto, nº 1.433, de 24 de maio de 2010, sendo que a seleção dos trabalhos a serem publicados fica sob a responsabilidade da Academia Catalana de Letras. A Academia Catalana de Letras foi fundada no ano de 1973, por Cornélio Ramos e segundo seu criador, com a preciosa e determinada colaboração de Monsenhor Primo Vieira e Júlio Pinto de Melo. A Primeira Diretoria – Fundadora, ficou assim constituída: eleita em 18 de junho de 1973 – empossada em 20 de agosto de 1973. Presidente: Cornélio Ramos Vice-Presidente: Jamil Sebba Secretário: Júlio Pinto de Melo Tesoureiro: Antônio Miguel Jorge Chaud Atual Diretoria da Academia Catalana de Letras: Presidente: JORCÉ Antônio SILVÉRIO de Mesquita Vice-Presidente: EDSON DEMOCH Secretário: IVAN Luís CORRÊA da Silva Tesoureiro: MARCOS BUENO

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Copyright @ 2012 Ivan Corrêa Coordenação Editorial: Prefeitura Municipal de Catalão Fundação Cultural de Catalão Professora Maria das Dores Campos Academia Catalana de Letras Projeto Gráfico/Diagramação: James Cruvinel Junior Capa: James Cruvinel Junior

Thiago Silva Cortopassi - ME Rua Delermano Pereira, 376 B. N. Sra. de Fátima - CEP: 75.709-282 Catalão-GO 2012 Impresso no Brasil Printed in Brazil

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Mensagem do autor: No meu quarto trabalho literário apresento este livro que tenta demonstrar, através da poesia, um pouco do árduo processo criativo dos autores. Tento revelar de onde se extrai a poesia, ainda, que imatura: em qual objeto, imagem ou situação estaria ela inerte à espera para ser resgatada e apresentada aos leitores, e, se de qualidade, firmar-se no tempo. Quando na virgem lauda do papel começa a surgirem traços e rabiscos, e, destes abrolharem significados, mensagens, enredos e emoções: eis que se dá, então, a mágica criação poética, que nem mesmo os autores sabem, em certas ocasiões, onde colheram e/ou recolheram o verso. No poema “Delator da poesia”, fica evidenciado o momento da captura da poesia que estava, ainda, invisível e camuflada nas ocasiões e/ou coisas materiais ou imateriais: “A poesia, quando quer, ganha corpo e passeia nos lugares e nas coisas mais improváveis... ...Outro dia, ela teve uma ideia genial: fingiu-se de assanhaço; 5

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e num azul maravilhoso veio se fartar no meu quintal. E lá se foi à derradeira papaia amadurada do meu pomar! ... Noutra manhã ela chegou borboleta. veio enfeitada de cores e trazia uma paz indescritível. Brincou e beijou em todas as flores do meu jardim. Uma das minhas azaleias ficou apaixonada por ela. …Noutra tarde, ela veio chuva. Dançou linda nos vidros da janela! Parecia que nem era ela de tão voluptuosa que estava. Mas eu a reconheço bem. Sei que era ela que brincava na vidraça. Ela que dançava sensual na minha janela; depois, tomada de acanhamento, Disfarçou-se pelo chão e esvaeceu silenciosa.” No poema “Choro e poesia”, outra vez evidenciase onde pode se encontrar e captar poesia: “Notei quando a poesia escorria dos seus olhos. Outros olhavam e viam 6

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lágrimas. Divisei versos! ... Na hora que poesia caía do seu olhar nem queria que cessasse o choro. Queria que chorasse... Para que se eternizasse poesia!” Em “tercetos II e IX”, e na poesia “A minha mão”, brinquei com a dificuldade de se fazer poesia, tem dia que não germina, mesmo que nos esforcemos, ou se nasce, vem sem perfume e nenhum brilho: “NASCITURO - (tercetos II) O poema rebelde fez careta para o poeta e fugiu em disparada... DEDICAÇÃO (de poeta) – tercetos IX Com a esferográfica na mão torno um samurai e venço guerras. E nasce verso do suor e da abnegação. A minha mão... A minha mão não aprendeu a tecer versos para a posteridade...” 7

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Tem muito mais neste livro, espero que a cada ocasião que alguém o folhear, consiga tirar alguma coisa útil ou agradável de ler. Rogo que o aprecie sem moderação, porque: “Há crimes piores do que queimar livros. Um deles é não lê-los.” Joseph Brodsky (19401996). A todos uma boa leitura, e espero, sinceramente, que tenham bom entretenimento!

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Agradecimentos:

A Maria da Glória Rosa Sampaio, amiga especial e companheira de Academia de Letras. Minha parenta letrada, sempre de bom humor e disposta a cooperar com o Programa “Catalão em Prosa e Verso”. Pela correção ortográfica deste livro sou para sempre grato e somente entre nós, confesso: se erros persistiram, a culpa é unicamente minha, que depois de efetuada a correção, nem sei quantas vezes alterei os originais. Ao Guillermo Leonidas Castro Moya, que degusta literatura como quem sorve um apetitoso vinho chileno. Outro esteio do Programa de publicação de Obras Literárias do Município de Catalão e da Academia Catalana de Letras. A minha esposa e filhas, por aturar-me nos dias e noites em que permaneço mergulhado nas letras e/ou nos filmes, sem delas cuidarem o quanto são merecedoras. E, aos meus poucos e fiéis leitores.

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SUMÁRIO I (POESIAS) Velhos poetas... 15 O delator da poesia 19 Vida que segue... 23 Choro e poesia 25 Quem te rouba o fôlego… 27 Sou de Catalão 29 Dias vivos... 31 Filhos e temores... 33 Ah! O amor... 35 Um poema meio do além... 39 Ciúmes ou zelos... 43 Boca que beija outono 45 Um pássaro, uma manhã... 47 Êxtase… 49 Não posso dizer 51 que sou poeta... 51 Coisa pequena... 53 Os olhos que me espiam 55 Solidão a dois... 57 A face bela das coisas... 59 eu amo, tu amas... 61 Atrevidamente... 63 Poeminha... 65 11

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Ontem... 67 Sobre poetas e poesias... 71 Quando amo... 73 A minha mão... 75 O poder da palavra... 77 Pisando estrelas... 79 Limites 81 Repleto de nada… 83 Outra vez, outro adeus... 85 Ausências... 87 Poema do amor 89 Amar com amor 91 Ainda será poesia? 93 Coisas de poeta 95 Ouso um poema 97 Perfume de riso... 99 Digitais da alma 101 Apenas amor 103 Aquele olhar 105 Miragens 107 Teu sorriso 109 De onde eu venho... 111 Noites de amor 113 Você por perto 115 Ninguém é de ninguém 117 Caminhada... 119 Cultivo de versos 121 12

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Tempos idos Ontem choveu poesia A lua e o poeta Agora é tarde Vestígios de poesia Meu jeito poeta Se eu fosse mesmo um poeta... Sabor de poesia Hebdômada

123 125 127 129 131 133 135 137 139

SUMÁRIO II (TERCETOS) Tercetos – I: Tercetos – II Tercetos - III Tercetos – IV Tercetos – V Tercetos - VI Tercetos – VII Tercetos - VIII Tercetos - IX Tercetos - X

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Velhos poetas... “É no devaneio que somos livres.” (Gaston Bachelard) Pelos acessos das minhas veias corre sangue dos velhos poetas. Navegam na desgraça dos meus desacertos os meus taciturnos parceiros e vagantes das letras. Entre um braço e outro, um poema que presta e outro torto que infesta! Corre também por aqui um ranço de cama suja; coisa de velho rabugento que tem horror a sabão e banho. Pelos acessos das minhas veias corre sangue dos velhos poetas e um riacho de manhas e manias... Neste emaranhado de vias líquidas, se misturam os que 15

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se adoravam e os que se odiavam... De súbito, o poema toma a pena das mãos hesitantes do velho poeta e sai correndo a brincar de pique – esconde, não volta jamais. Fica um velho a tremer sem saber o que fazer com a sombra do poema nas mãos... Dentro dele ainda tem conservado o poema mais venerado que por rebeldia não quer nascer. Pelos acessos das minhas veias corre sangue dos velhos poetas. O sono tempera o sonho e no horizonte da mente ele flerta (em vão) com o seu poema mais renitente. Além, pela madrugada, encontra desgovernado o poema pelos becos. Mas, quando intimamente lhe dá as mãos, sai cambaleante a zombar do pobre, o poema. O homem, antes falante 16

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e dominante das letras, sabe que agora não passa de um velho já velho demais, que perde o controle das rédeas quando tenta domar as palavras... Sem medo ele compreende que vem chegando do além um sono profundo que tem cheiro de sepulcro e gosto de eternidade... Sabe também que deu vida a vocábulos antes mais mortos que a própria morte! Enfileirou uns aos outros, reinventou outros tantos e criou poesias e poemas... Mesmo que vez ou outra alguns lhe escapam para brincar de pique - esconde pelos vãos da mente fatigada... Pelos acessos das minhas veias corre sangue dos velhos poetas... 17

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O delator da poesia A poesia, quando quer, ganha corpo e passeia nos lugares e nas coisas mais improváveis. Oculta nela um segredo retido a sete chaves; que por acaso, outro dia, descobri: ela sabe se tornar invisível. Na maioria das vezes ela é perceptível. Mas, quando quer ou necessita, sabe ser discreta, faz-se de muda. Nestes dias e nestas ocasiões, somente seres especiais a avista, quando de seus excursionismos materiais. Quando se materializa ela é coisas e não vocábulos. Ganha forma, as mais diversas, e cores espetaculares! A poesia possui uma magia fascinante. Pena que consegue encantar poucos. E em tão raros momentos!

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Outro dia, ela teve uma ideia genial: fingiu-se de assanhaço; e num azul maravilhoso veio se fartar no meu quintal. E lá se foi à derradeira papaia amadurada do meu pomar! Noutra ocasião, olha que danada, ela veio canto! E o canarinho amareleja com ouro na testa, fez festa no meu telhado. E tudo ficou enfeitiçado. Mas somente eu sabia que era a poesia que brincava de encantar! Noutra manhã ela chegou borboleta. veio enfeitada de cores e trazia uma paz indescritível. Brincou e beijou em todas as flores do meu jardim. Uma das minhas azaleias ficou apaixonada por ela. Graciosa voltou na manhã seguinte e na outra; Parece até que vinha somente para encontrar comigo no jardim de casa. Notei isso nela! Noutra tarde, ela veio chuva. Dançou linda nos vidros da janela! Parecia que nem era ela de tão voluptuosa que estava. Mas eu a reconheço bem. 20

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Sei que era ela que brincava na vidraça. Ela que dançava sensual na minha janela; depois, tomada de acanhamento, Disfarçou-se pelo chão e esvaeceu silenciosa. Numa noite dessas, ela se ergueu e se escondeu na lua! A noite se fez viva e única! Ela se exibia, desvairadamente... Pela fresta da minha janela eu a via artista e o espetáculo tornou a melhor das festas. Era para mim que ela se mostrava, somente para mim! Creio que já temos um caso de amor, coisa meio secreta. Apenas eu é que sabia que era a poesia, que meio nua, se exibia no alto da lua, naquela noite mágica! Meu Deus! Hoje ela veio loucura! Somente agora é que compreendi. Ela encarnou-se em mim e me fez seu delator. Um judas moderno; mas o mesmo infiel de sempre! Agora, qualquer um saberá distinguir a poesia por aí. Por mais discreta que ela venha nas suas incursões noturnas será vista, isto, por força e graça deste ser descuidado e distraído.

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Vida que segue... “Mesmo abstêmio, o poeta costuma ser um anjo bêbado.” (Paulo Mendes Campos)

Na quentura branda do ventre maternal, onde tudo é perfeição, serenidade. A vida se tece, faz-se o milagre. E arde, cresce, acende. Toma forma, ganha feição. Torna pele, vasos, tecidos. Pessoas! Depois de desatadas na loucura dos tempos tortos, vai vencendo os dias, reinventando as noites. Rostos expostos à mercê dos sóis. Arde o desgosto, prendem-se a respiração, mas prosseguem... Gastando pele, entupindo veias, atrofiando vasos! Inventam-se outras trilhas, vêm novas amarguras, vira água salgada o pouco do doce que existia. Ventos fortes enfraquecem sonhos. 23

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Arde o ânimo da esperança infinda. Metade fenece, outra metade cresce. Gente fraca ficando forte, mirando o Norte! Na quentura de outro ventre uma nova semente rebenta sequenciando encanto e milagre. De novo é canto, festejo, dança. Arde o olho do pai com o choro virginal. É Deus de novo tecendo vida, fazendo mágica: é pele, artérias, tecidos, risos. Alma imaculada!

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Choro e poesia “O essencial, em poesia, não é o Amor, a Vida, Deus e outras maiúsculas, mas a própria poesia.” (Mário de Andrade)

Notei quando a poesia escorria dos seus olhos. Outros olhavam e viam lágrimas. Divisei versos! Se fosse neve, abrasaria. Se fosse lobo, devoraria. Mas era verso, era poesia que do seu olhar escorria. Após, nas asas de uma águia ergueu-se e no céu se diluía. corporatura que se desfazia. Choro que caía, se consumia. Poesia é um rastro na neve. É um pássaro e é um canto; um choro, um riso, prantos. É um nada, às vezes, tudo! 25

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Poesia, além de letra é figura. É poesia o que seu olho quer que seja. Verso pinga do olho, brota do choro. Poesia é ouro! Na hora que poesia caía do seu olhar nem queria que cessasse o choro. Queria que chorasse... Para que se eternizasse poesia!

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Quem te rouba o fôlego… Quem te ama e faz aparecer o sono naquelas noites longas e frias de outono? quem segreda coisas aveludadas no teu ouvido? Quem alisa o teu corpo e te faz lembrar das minhas palmas? Quem agora te rouba o fôlego e te alouca, quem, depois, te traz a calma? Quem te determina que soltes teus cabelos para que sobre as tuas ancas mais te enfeitem? Quem te vê como a mais esmerada tela que existe? Quem nem te censura quando mentes sobre as coisas mais fúteis que dizes? Quem se mantém desperto para apenas te velar o sono? Quem sente tua falta como a maior que existe? Quem te quer por perto a todo instante? Quem te pergunta quando vais voltar?

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Quem não sendo poeta te faz um poema, mesmo que seja apenas para lhe tirar um riso? Quem te ama mesmo não sendo o teu dono?

Tercetos – I: HOMEM CHORA? Uns pingos (frios?) e teimosos choram sobre meus brios! PERIFERIA Vê como é comum a minha rua: casas tortas, sem portas... E todos em jejum! MELANCOLIA Vida cinza – Poema em preto e branco não sabe avivar manhãs!

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Sou de Catalão “O poeta canta a si mesmo porque de si mesmo é diverso.” (Mario Quintana)

Sou de Catalão. Por isso, essa mistura de boiada e minério nessa cara de forte! Brotei no campo como brota o arroz, mãos grossas de calo seguraram-me primeiro. Agora, essa textura fina das minhas mãos abanam uns risos falsos por isso, queria recrescer naquela casa simples cercada de pés de milho 29

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e tornar-me outro, com casca dura e espinhos que repelissem gente cínica. Entre os paus-a-pique incinerar insaciáveis barbeiros chaguentos para poder sobreviver depois dizer que nessas veias corre sangue poeta de tantas gerações. Sou de Catalão sim, por isso, essa mistura de boiada e minério com cara de bravo! Por isso, é que peço uma chuva branda para poder germinar outros tantos de mim. E que em cada quintal, toda manhã, abrolhasse poesia com folhas bem verdes, fortes e orvalhadas! 30

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Dias vivos... Nem tente saber quem sou. Se arriscar perderá até de ti mesma. Agora sou dia, estou claro, mas quando ecoar os sinos já será outro tempo, E eu? Outro ser!

Há dias intensos e acesos entrecortados por noites frias. Nessas horas serei escuridão. Pirilampos estrelas em mim. Se há sol nos dias vivos, há noites que falta lua!

Nem tente saber quem sou...

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Filhos e temores... “Alguém me reconhece num retrato de menino. Não sou eu: é minha antiga paz.” (Roberval Pereyr) Não podia mesmo ficar lhe presenteando com bonecas. Falsas bonecas feitas em fábricas! Melhor fosse ter lhe dado um poema especial, surgido do âmago deste ser! Eu, que pra você, mesmo que estivesse maltrapilho e imundo, sempre aos seus olhos fui um rei admirável... Não podia mesmo ficar lhe presenteando com bonecas. Você era esperta demais para ganhar presentes fúteis. Sempre foi à frente do seu tempo, sempre viva e fina! Eu, que mesmo fora dos padrões fui sempre o pai mais lindo da terra, o mais inteligente e perfeito. O modelo... Agora tenho tido muitas noites cheias de nada! É que pelas minhas veias correm saudades diluídas e rubras, fazendo-me em pedaços... Tenho vivido muitas noites plenas de vazio. É que você cresceu e tem me fugido pelos vãos dos dedos, minha menina tornou-se grande... Tenho tido muitas noites apinhadas de nada, busco no vácuo o bebê que corria pela casa, que enchia de alegria todos os momentos de ócio, quem me conhece jura que 33

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não choro nunca, pobres diabos iludidos pela face rude que carrego. Choro de saudade de um tempo que se foi... Não podia mesmo ficar lhe presenteando com bonecas. Uma não ia jamais entender a outra. A vida que corria nos seus olhos não se daria com a face fria da boneca. Seu brinquedo colorido certamente perderia o brilho, ficaria jogado pelo chão da casa, perdido num canto... Não podia mesmo ficar lhe presenteando com bonecas. Vai que por um momento você se distraísse e deixasse de olhar para mim com aqueles olhos felizes. Aí seria eu que arrasaria o brinquedo, com medo de perder um segundo da sua existência, muitos me chamariam tolo... Não podia mesmo ficar lhe presenteando com bonecas. É que nunca tive tempo para frivolidades e tentei fazer de você uma dama de verdade, desde cedo. Não percebi que era uma criança e teria que viver como tal. Cresceu depressa demais; mas, será sempre a vida do meu corpo... Não podia mesmo ficar lhe presenteando com bonecas. Meu amor era grande para gastar com brindes práticos. Queria apenas vê-la passeando pelos caminhos da casa, sem se apegar a um brinquedo; perda de tempo e vida olhando olhos que não brilham, olhos que se desbotam... Não podia mesmo ficar lhe presenteando com bonecas... Eu é que queria sempre ser o alvo dos seus cuidados e mimos, o centro da sua atenção por toda a eternidade! 34

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Ah! O amor... “Faz a tua ausência para que alguém sinta a tua falta. Mas não prolongue demais para que esse alguém não sinta que pode viver sem você.” (Flóra Cavalcanti).

Não sei bem se o amor salva ou nos aprisiona ao ser amado. Sei que o amor perece na rotina, renasce somente do arrojo dos amantes. Se não amarmos não existiremos bem: então, vistamos todos de ousadia e apreciemos o amor. Este todo-poderoso! Somente sei bem que o amor vale a pena: 35

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ou o céu do amor ou nada de real valor na vida. Amar morno não vale. Ou alcançamos o paraíso ou feneçamos no precipício. Assim mesmo: oito ou oitenta! Do amor não se sabe bem em hora nenhuma na vida: quem disse que soube, jamais amou de fato, nem lambiscou fiapos do amor. Não sei bem se o amor salva ou nos aprisiona ao ser amado. Mas quando for amor saber-se-á sempre: sempre será diferente de tudo de antes e antes...

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Tercetos – II SEPARAÇÃO Hoje esmaguei amor. Amanhã saudade vai chover dentro de mim. NASCITURO O poema rebelde fez careta para o poeta e fugiu em disparada... PÁSSARO CANTOR Canta, voa, revoa, gira, canta, encanta. Pássaro curtindo garoa.

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Um poema meio do além... “Se a íntima angústia de cada um se lesse escrita na cara, muitos dos que inspiram inveja só fariam pena.” (Metastásio, Pietro) Quando vir a noite, um tanto perdido sem nada a fazer, quero um pássaro noturno a sobrevoar a minha janela: feito uma alma penada, querendo reza, pedindo prece. Quero assim: igual alguém batendo, feito um clamor, e, na mudez da alta noite, me fingindo de outro morto, aqui dentro, no conforto das sombras, asilado da vida! Qual poeta, outro louco, cantaria em verso ou prosa a visita de uma alma já sem seu corpo na própria porta? Quem adoraria outro ser na sombra fosca e na poesia eternizaria esta visita? - Eu, também vindo de outras épocas, outros campos e de outros santos, além disso, meio eterno, de outro inverno; sei, nos daremos bem! Não pensem que vou tremer com seu grasnido, nem que aclararei o escuro que eu adoro e que sou parte; Sou da noite, também tenho a alma daquele pássaro, que com insistência de um louco fica a observar-me, e, parado e contemplativo passo a ser parte do que para outros seria desdita, mas para mim tão natural! 39

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Nem sei bem o padre-nosso ou uma salve rainha, nem sei também se quero rezar; quem sabe, orando aquele pássaro voando, sumiria e me restaria apenas o vazio. Quero-o implorando, igual aos feios de face rogando beleza; de ouvidos moucos finjo nem lhe dar atenção. Coitado! É mesmo uma alma penada, ainda penando! Nas trevas da noite o que era para ser assustador, deixa-me arrebatado. Assim o miserável pássaro terá que encontrar noutra casa, outro ser que lhe atenda a penúria de oração; porque, eu, na minha condição de louco, quero ser é seu parceiro, quero, noutra noite, ser ave noturna a bicar nas vidraças! Nem que seja para ser ignorado, que outro me deixe perdido a bater asas em vão, mas que seja uma alma competente e na mais pesada das noites que o vento maldito repita ao longe meus ais, e nada me distraia da minha sina de visitante maldito, nem que seja um grito, nas noites, almejo tirar dos insones incrédulos... Talvez esta psicopatia de poeta, seja a solidão e a dor e eu deva ser expiatório, tenha de ser tolerante a mais bizarra das cenas e tenha que ser parte desta magnífica feiura noturna que me encanta, e este rejeitado pássaro sejam parte deste enredo imperfeito que me prende todo; Talvez, eu me consuma nesta delinquência deslumbrada! 40

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Talvez este pássaro seja os descartados pela perfeição mundana, talvez se debruce no parapeito e se entregue aos castigos pelos seus malfazejos, quem sabe a utopia da madrugada não me arranque o fôlego ou me roube as palavras, quem sabe este poema já não tenha sido escrito e outro no amanhã o reconte, ainda que de forma inédita!

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Ciúmes ou zelos... “Há sempre um copo de mar para um homem navegar.” (Jorge de Lima)

O que tenho para contigo não é ciúme. Tenho zelos. Tento conter não consigo. Eu tenho é sede de posse. Meu amor, tu tens abrigo neste peito. Tu governas. Afeto e paz é que persigo. Este amor é coisa de pele. Nosso lance é bem antigo, veio de outra encarnação. Este amor parece castigo, deixa-me louco, preso a ti. Se estás longe vejo perigo em tudo e em todos, zelos? Quiçá. O ciúme é inimigo. Só desejo estar ao teu lado. 43

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Teus carinhos eu mendigo em todas as noites longas; s贸 n茫o te amarei no jazigo se a morte me levar antes.

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Boca que beija outono “O verso é feito do ar que se respira.” (Dante Milano) Nas noites altas o amor cavalga no lombo dos sonhos. Uma boca que beija o outono da janela, beija eu, beija ele, beija ela. Nas madrugadas mudas até os frios e apáticos se mostram intensos. É que a lua surda desanda a brilhar sobre os lençóis da cama. É que pela fresta ela também quer acariciar uns corpos terrestres... 45

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Depois, ruborizada, se esconde por entre as nuvens de algodรฃo. Em outra noite qualquer, se fingindo outra mulher, brilharรก noutras camas. Mas, para os incautos poetas ela se mostra sempre dama, uma deusa acima de nรณs!

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Um pássaro, uma manhã... “Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!” (Alberto Caeiro) Um pássaro madrugador confessou nos meus ouvidos que hoje o dia estará com uma feição espetacular. - Sussurrou e saiu voando em disparada! Surpreendentemente, não fiquei espantado com o fato, maravilhado, descobri que somente eu ouvia pássaros... - Isto, já faria o dia esplêndido! É comum se fartarem no meu quintal e no meu jardim... Aninham-se e se amam nas palmeiras e samambaias; - mas, daí a segredar nos meus ouvidos! Deve ser porque chegou a primavera e vão pintar tudo com cores magníficas, deve ser porque é lei se alegrar. - Na primavera, não se salva a tristeza! Um raro lilás, um amarelo vibrante e um rubro sangue sobrepuseram o verde do jardim pondo vida em tudo... - o que se pintou, de fato, foi o meu olhar! 47

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Parecendo um raio, talhou pelas flores um louco pássaro, abriu o bico e cantou como nunca! Até ele se contemplou. - Fiz-me de morto e apreciei a vida!

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Êxtase… Há tantos poemas secos lançados ao mundo que se fossem levados a sério secariam mares!

Não sinto aroma nesses poemas nublados: sombras em noites sem lua, clamores abafados!

Afogo meus lábios nas sublimes poesias: arranco sóis ocultos das linhas, faço luzir meu refúgio!

Enxugo as lágrimas nos bons poemas e nos versos de seda-pura embriago-me de êxtase!

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Não posso dizer que sou poeta... Não posso dizer que sou poeta... Faltam-me verbos e aptidão! Mas tenho tantos vocábulos a fervilhar na minha mente! Não posso dizer que sou poeta... Sou de uma carne que pulsa poesias; sou uma jura de amor perdida no tempo! Não posso dizer que sou poeta... Sou os acordes belos que os dedos tiram das cordas; sou os elos da conexão! Não posso dizer que sou poeta... Sou a invisível teia da aranha a espera da presa distraída; sou a árdua luta da criação!

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Não posso dizer que sou poeta... Não sei adornar as elocuções, nem tenho uma irracional angústia presa no peito! Não posso dizer que sou poeta... Não me assento sereno, frente a uma virgem lauda de papel a espera que o verso se crie! Não posso dizer que sou poeta... Não tenho em mim o tempo insano dos amantes; nem tenho sonhos de altivez! Não posso dizer que sou poeta... Mas a flecha do destino que indica os escolhidos quase que se deteve em mim! Mas não posso dizer, ainda, que já estou poeta!

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Coisa pequena... “Um poeta não pode dizer nada sobre a poesia. Isso fica para os críticos e professores.” (García Lorca)

Minha poesia transporta o peso da minha pena... Meus versos, vermes que cursam no recinto da cena e este poeta trôpego o mais fraco de uma centena insiste em enfileirar palavras numa ordem nada serena, o que resta é coisa pequena!

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Os olhos que me espiam Se formos aquilo que sentimos sou poesia; verso metrificado. Sou planície, sou bicho solto... Depois sou a manhã raiando, sol fraco no horizonte, sereno na folha verde... Tem horas que sou rima teimosa que não quer sair do ventre, depois o pássaro no além... A seguir sou o homem rude que só pensa trabalho, louco atrás de justiça! Quem me vê não me decifra. Sou muitos em um ou ninguém. Depende dos olhos que me espiam!

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Solidão a dois... Quando dois que se gostam assentam-se na varanda; e o silêncio, indelicado, põe-se ao lado... Coitados! Cansado, esquiva o amor.

É como se a varanda, antes enorme, agora não coubesse mais o casal; ficam mudos, perdidos, só o silêncio balbucia... Enlouquecidos! Entristecidos, não são mais parceiros. A noite chega e os olhares se enegrecem. É como se somente a ela pertencessem; ficam distraídos e peregrinam-se soltos na imensidão da noite. 57

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Tudo agora significa autoflagelação; tudo fica sem gosto e sal...

Aquilo que de forte parecia um sol, hoje se contorce buscando vida; percebem que se consumirá, exaurir-se-á como a noite. É amor que ficou frio... Ninguém teve dolo. Coisas da vida, tudo acaba! Acabou. Ponto final.

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A face bela das coisas... “Viver não dói. O que dói é a vida que não se vive.” (Emílio Moura) Abro-te o peito para que arrebate de dentro de mim a carta de amor que te escrevi; mas por me faltar a audácia dos jovens amantes, jamais te enviei! Sou assim mesmo: é de mim que chove a calma, daqui é que choram os violinos, minhas letras são anzóis e pescam o que eu quero e preciso para viver! Palavras escorrem de mim, outros as apanham e degustam. Alguns descobrem o sabor; outros as arrazoam sem sal, com gosto de nada. São pescadores que pescam sem a isca!

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Versos e palavras são folhas caídas que vagam sem donos. Frutas amadurecidas que sobram da ceia das aves e tingem de carmim o chão da trilha que marcha os apáticos! Arranca a carta de amor que jaz inerte dentro de mim. Mas não a consumas toda, aprecia-a. Se por mim nunca tiveras afeição, quem sabe surja antes que do papel as letras fujam! Aproveita agora o doce dessas palavras de amor. São elas de outros tempos. Hoje já não seriam perfeitas assim: a face bela das coisas não é eterna!

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eu amo, tu amas... “O poeta não inventa. Ele escuta.” (Jean Cocteau) eu parto tu foges ele chama nós perdemos vós exasperais eles sucumbem eu ignoro tu sofres ele clama nós choremos vós sobejais eles padecem eu cumpro tu sabes ele inflama nós vencemos vós venerais eles fenecem!

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Atrevidamente... “Sou náufrago de mim/ E invento minhas ilhas.” (Myriam Fraga)

E esse céu sombrio que tinge de negro a transparência da minha janela... - Se eu não o chamei como é que chega assim: atrevidamente sem cerimônia? - Esse negrume nasce é de mim, eu é que estou no reflexo além dos vidros!

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Poeminha... O poema quando é forte e real, queima as vistas do pobre mortal que o arrostar... Coloque-o contra a parede que ele mostra tudo o que tem nas entrelinhas... Não dê moral ao poema; faça-o perceber que quem sabe dele são os olhos que o desvestem. 65

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Depois, perpetre um charminho, que ninguém é tolo de cerrar um livro brigado com um poema!

Tercetos - III LUA BRANCA Ontem fiz um poema da lua na poça da rua. Ninguém apreciou o tema. BRIGAS Esmagou a rosa na mão. Chora flor entre os dedos, no chão pingam segredos! MONTROS DA NOITE Calei. Nos cantos desta noite cantam os grilos. Choram meus pupilos!

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Ontem... Ontem eu tinha cinco anos... E tudo o que era bom passou em um minuto. Hoje, não derreto mais queijo na chapa do fogão a lenha; nem “quento” fogo nas frias manhãs de junho, no rabo da fornalha; não como mais carne de lata, nem vejo meu pai caçar perdiz com a cartucheira. Ontem eu tinha cinco anos... E tudo o que era bom passou em um minuto. Hoje não ouço mais modas caipiras no toca-discos sonata; não pego pequi no campo, nem pesco lobó no ribeirão, não ando mais a cavalo, nem sei mais jogar o laço, nem ouço o canário trilar… Ontem eu tinha cinco anos... E tudo o que era bom 67

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passou em um minuto. Não vejo mais briga de boi, nem ouço bezerro berrando. Nunca mais vi córrego cheio, nem raposa pegando galinha. Não vejo mais pica-pau, nem rolinha fogo-apagou, nem assanhaço na papaieira... Ontem eu tinha cinco anos... E tudo o que era bom passou em um minuto. Não bebo mais leite com farinha de milho, não me lembro mais do doce que o melado tem. Não como mais carambola, romã, jabuticaba, cajá-manga, nem amora. Nunca mais me banhei no poço azul... Ontem eu tinha cinco anos... E tudo o que era bom passou em um minuto. Nunca mais vi forno de barro, broa de milho, biscoito frito na banha, pele de porco sapecado, farofa de tatu, traíra frita, pelota 68

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de tamanduá, rapadura, linguiça de porco caipira, mel de abelha jataí! Ontem eu tinha cinco anos... E tudo o que era bom passou em um minuto. Meu Deus do céu! Cadê o canto do galo de manhã cedo? Cadê meu pai no curral tirando o leite, cadê meu cão que nadava comigo no ribeirão; cadê aquele tempo que eu ainda trago preso no meu coração? Ontem eu tinha cinco anos... E tudo o que era bom passou em um minuto. Agora já estou meio velho e nem me lembro mais como eu rezava uma salve-rainha... Ontem eu tinha cinco anos, e tudo o que era bom passou em um minuto!

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Sobre poetas e poesias... No lago da pluralidade pesco minha poesia e converto noite fria em dia de sol! Eu queria um verso que mostrasse o futuro aos olhos de quem o lesse! Para o poeta a poesia ainda não grafada, talvez seja sua única fuga do tédio absoluto! O poeta saiu à caça da poesia. Esgueira ela se disfarçou de rio e iludiu a agonia! Poeta é o ser encantado que dá cor à mais desbotada das palavras, depois se desencanta!

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Poesia só tem valor para as pessoas se elas nunca tiveram a oportunidade de se cruzarem com o poeta! Porque poeta para as pessoas são uns seres que não existem. Se andam pelas ruas, poetas não são!

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Quando amo... “Não chore pelas coisas terem terminado, sorria por elas terem existido”. (L.E.Boudakian) Quando amo, piso em estrelas. São diamantes reluzindo no chão o fulgor que há por dentro do ser que ama. Quando amo, as folhas do caminho são tapetes mágicos postos por Deus para atenuar as trilhas que antes eu pisava sozinho. Quando amo, cada canto de pássaro vira uma sinfonia, cada aurora é um evento. Vejo estampas finas pintadas nos azulejos brancos. Quando amo, exponho segredos seculares. Navego suave o rio de utopia, de margem a margem. Voo com aquela ave branca naquele azul de céu de poeta. Quando amo, qualquer arrojo vira poesia boa. Em toda água diviso um porto; no céu sempre há lua. Aquela saudade de antes, faço presa numa ilha deserta. 73

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Tercetos – IV NEGLIGÊNCIA Ela não soube cuidar do verso de amor que havia no meu olhar! ESPELHO Entre as poças da rua das minhas lembranças passeia eu, desfila a lua! AROMA Quem pensa passar imune pelo teu mundo, jamais sentiu teu perfume!

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A minha mão... “É preciso estar sempre embriagado. Com vinho, poesia ou virtude, a escolher.” (Charles Baudelaire)

A minha mão não aprendeu a tecer versos para a posteridade. O sonho da laranjeira sedenta é que o céu chore chuva; o meu é que Deus tenha posto açúcar nesta uva! Deitarei sem pressa nesta ponta de primavera; vou-me levantar somente quando cair sobre o meu corpo folhas coradas de outono! A minha mão não aprendeu, ainda, a tecer versos para a posteridade!

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O poder da palavra... “Ai palavras, ai palavras,/ Que estranha potência a vossa!” (Cecília Meireles) A palavra bem escrita tem na garganta o grito mais alto que há no infinito... Basta que os riscos tenham músculos, basta que se divisem as diferenças, basta que apresente uma face real… Quando se lança a palavra não se tem mais o comando: é chama que fugiu do controle... A palavra queima e atraiçoa até os que bem se dissimulam para criar as dores que nos matam!

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Pisando estrelas... “Mas há nesta lua cheia/ dentro da noite vazia/ um violão que ponteia/ na memória e silencia.” (José Chagas)

Caminhei pelas calçadas, por não poder andar na lua. Minha vontade pôs estampada nas poças da minha rua, a linda lua! Pintou-se, então, de prata a lama sem graça daquela via. Na verdade o fulgor foi repousar nos olhos do único vagante daquela rua! Perdido no contentamento daquele céu, na terra do nunca, pisei no astro brilhante deformando a beleza que se refestelou na poça imunda! A seguir deixei que novamente ganhasse brilho e a forma perfeita, depois despedi daquela prata na lama podre, segui caminhando pisando estrelas! 79

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Tercetos – V ABANDONADO Boa noite, amor, onde estiveres! Daqui ficarei ideando teus encantos. Antes que ultime de vez os teus haveres. SOU VÁRIO Sou múltiplo, sou tantos em um; (que nem sei mais) qual de mim sou eu. (Seria tão incomum) não ser mais nenhum? POETA Sou jardim de beija-flores... Sou o néctar, sou os valores. Sou o remo e sou os remadores! ACABOU O XORORÔ Estranho! Você sumiu daqui. Vivia igual a um bem-te-vi. Teu galhinho era em mim.

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Limites Luto com energia para ver sair do chão o alicerce dessas meninas. Hoje ando inclinado a direita, transporto nos ombros mais da metade da vida já percorrida, o que resta, me mantém intenso e de pé. Esta pele manchada é exposição demais sob sol escaldante. Tinha que marchar... Essas moças para estarem assim, levaram 2/3 da minha asa, + 2/3 das minhas noites, mas fizeram brilhar intensamente esta casa! Esses gritos e algazarra, que entediaram um homem de meia-idade, são carinhos na minha alma; sopro de brisa no meu semblante. Casa eternamente renovada, novas caminhadas... Plantei bem as sementes da vida. 81

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Livre ouviria o sussurro do mar, o canto de gaivotas, conheceria novos ambientes... Mas não teria o choro nostálgico de bebês, nem o sorriso puro de anjinhos soltos na casa! Fui sempre o esteio de aroeira na vida dessas inocentes. Também soube ser ternura, a palavra dura, mostrei-lhes que existe o “sim” e o “não”. Soube ensiná-las sobre limites. Também, que é preciso dar o primeiro passo... Luto com energia para hoje ver sair do chão, o alicerce dessas minhas meninas!

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Repleto de nada… “A verdade é feia: temos a arte a fim de que a verdade não nos mate.” (Friedrich Nietzsche)

Nem na solidão, há solidão, como todos falam. Aquele pássaro, naquela gaiola fria, todo dia, o céu passa à sua frente, sol ardente aquece o frio metal daquelas grades! Do interior da sua clausura o pássaro cantor vê acenos; vê o menino que corre solto na vida todo serelepe. menino-lobo pisando florestas... O cantar cheio de vida faz tremer a solidão; que agora dança boleros de Ravel na dura manhã encouraçada do pássaro. 83

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O pobre, agora louco, faz mil viagens em torno de si mesmo, e se perde na imensidão do seu mundo (encantado?) e repleto de nada. Quantas vezes já me viram preso numa gaiola imaginária de grades intransponíveis? Quantas vezes se desfizeram sem que muita força eu fizesse? Mas tudo a seu tempo. Nem na solidão, há solidão, como todos falam.

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Outra vez, outro adeus... “Se eu tombei de amor foi que o peso da dor inventou-se de aninhar sobre meus ombros.” (Ivan Corrêa) Você partiu... Parece que não voltará. Partiu sem motivos aparentes; ou por motivos imaginários, ilusórios. Sem adeus, sem saudades, sem pesares! Meu mundo desabou. Parece que não se erguerá. Restaram muitas coisas pendentes, não existiu discussões, nem falatórios. Apenas o vazio eternal dos nossos azares! Por onde o desejo fugiu? Por quem seu corpo palpitará? Se o calor e a volúpia se fizerem presentes e não lhe sossegar as mãos e os acessórios, verás que tomou decisões e rumos irregulares!

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Ausências... Transborda de mim duas ausências: numa ela nunca regressa; noutra ela jamais parte! Esta distância de dois próximos: tão presentes, tão ausentes! Ninguém fala adeus, ou até logo: e esta chuva fina chora indiferença! São dois perfumes que se anulam: e a esperança se desespera! 87

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Quem sabe amanhã o sol será ouro e a chuva cessará esta ausência de alma! Quem sabe amanhã a calma se encorpa e a ausência na chuva se dilua e se evapora!

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Poema do amor Quem sabe, o amor é este campo de girassóis; quem sabe, esta lua que se insinua neste céu sem cor, que beija os montes! Um corpo moreno seria puro sonho ou delírios; a noite me trás um perfume sensual, no fundo da alma uma saudade meio doce! Um vento madrugador deu-me um beijo na face; aquela estrela no alto piscou para mim. Quando se ama nada “ou tudo” faz sentido! E este poeminha vulgar que não me contradiz e nem me deixa mentir; prova que o amor é este ciclone louco; frenesi no peito da gente!

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Amar com amor Ponha uma música para tocar, eu não careço, meu coração sim. Ponha um sorriso nesse rosto, mesmo que seja a contragosto. Ponha esperança no meu peito, mesmo que seja falsa, eu aceito. Ponha de novo amor nesse olhar, deixe esses olhos me inebriarem. Ponha loucuras sobre esta cama, deixe o amor acender sua chama. Ponha fé nessa história de amor, amar com amor, não há pecador. Ponha sonhos lindos na sua noite, não deixe que a solidão lhe açoite. Ponha seus beijos na minha boca, provoca; após, de amor me sufoca.

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Tercetos - VI DEUS Sou a fé que te ajoelha, sou a voz que te aconselha. Sou a pedra, sou a muralha, sou a telha! RUA DA FOFOCA Sou comum, sou qualquer um: sou do jeito que seus olhos me vêem. Aceito ser o tema na rua do zunzunzum. PESCARIA Quem sabe do fundo do rio é o peixe quem me pesca! Usando anzol e isca de alforrio.

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Ainda será poesia? Poesia, seja discreta, pise suavemente. Somente ela deve entender, somente ela pode perceber, que estou a falar de amor... Poesia, sua voz é cativante, então, fale baixinho. Pode ser que ela dorme, deixe-a dormir sossegada. De manhã, sussurre nos ouvidos dela... Poesia, agora fale que é hora, tome a mão dela e fale. Quase fale sobre amor, quase fale de saudade, deixe que ela se dê conta...

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Poesia, Se a mão tornar-se trêmula, se um fado tocar na hora... Cale-se. Silencie de pronto. Se um acorde soar pujante, já será poesia, não fale nada! Poesia, Se lhe faltar o ar, se lhe fugir o chão, essa é à hora, fale ao coração; não diretamente, delicadamente, ela deverá captar o que quiser captar. Poesia, depois volte e me arrazoe abertamente se ainda há amor. Se será verde minha primavera, Se terei ar puro nas minhas manhãs... Se você, Poesia, ainda será poesia, quando anoitecer!

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Coisas de poeta Pensem em mim como alguém que saboreava poesia e pão no café da manhã; como alguém que ouvia Ângela Maria e Nelson Boemia, ao dormir; como quem se entregava à preguiça nas canções em espanhol do Nat K. Cole! Pensem em mim como alguém que desenhava poesia na virgem lauda branca; como alguém que se sentia vivo ao ouvir o canto dos passarinhos; como alguém que se dava bem com os velhos, jovens e com as criancinhas! Pensem em mim como alguém que não se dava bem com o peso e coisas de alma; como alguém que disfarçava bem a timidez que pesava nos ombros; como alguém que sabia esconder a ternura sem fim que tinha no coração. 95

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Pensem em mim como alguém que flertava com as estrelas, que falava com a lua; como alguém que sentia a brisa de cada manhã, que ansiava pelas chuvas; que sabia demais a coragem de um olhar, que sabia sempre a hora exata de se calar. Pensem em mim como alguém que lidava com as letras, que buscava sempre a palavra certa para a ocasião; como alguém que tentava deixar este mundo mais terno e colorido. Como alguém que tentou o tempo todo, ser poeta de ofício e benefício!

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Ouso um poema Ouço palavras na mudez do vento que corta na varanda Ouço palavras e sei das vontades que elas guardam Ouço palavras e todas suplicam que eu as engula Para que depois eu as restitua soltas no tempo Ouço palavras que mudas e frias não geram poesias

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Ouço palavras quentes e loucas, pena que poucas Ouço palavras que por si só já são poemas Ouço palavras e como um louco, ouso um poema!

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Perfume de riso... Quando tenho teu riso leve parece que a alegria salta do teu rosto para o meu; tudo se torna um encantamento. Deixo meus olhos demorarem no teu sorriso, necessito eternizar esta imagem para meu deleite! Teu sorriso era tão leve. Tão leve que se foi com o vento. Ficou em mim o peso desta saudade e uma vontade de ter-te aqui novamente, meiga e pura e com aquele sorriso leve e lindo! Quando partiste, naquela noite, teu sorriso caiu no chão e se desfez. Hoje somente eu o possuo na lembrança. Nem a ti ele pertence mais como antes pertencia. Sumiram do teu rosto o riso e todo o encantamento! Teu sorriso era tão esplêndido que eu sentia um perfume peculiar de riso. Somente um riso divinal para ter aquele poder. Agora chego a ouvir a dor na minha voz de saudade. Agora chego a perder o anseio de continuar a viver assim! 99

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Tercetos – VII BEIJO Se sua boca toca a minha: saio do chão, caminho no céu. Sou um rei no beijo da minha rainha. PEIXINHOS Esses peixinhos realçados pelas mãos de Deus; são pingos de calma nesse rio pingados! SEPARAÇÃO (de corpos) Agonia, desejo, vontade. Distância que fere e rasga a carne. E sangra saudade!

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Digitais da alma Precisamos muitas vezes na vida despirmo-nos de nós mesmos; e, calados, apenas ouvir o que vem de dentro do nosso ser aquietado! Às vezes é preciso conversar acaloradamente com a parte calma que vive na dormência dos dias mornos da nossa vida! Sentar-se ao pé do anjo falso que carregamos como fardo ao longo dos anos, e, de dedo em riste lhe mostrar verdades há muito reprimidas na nossa moral de gente sã e acalmada! Rasgar esta falsa roupa de cetim que nos adorna e cobre a parte suja que pesa nos nossos ombros elegantes no dia-a-dia da vida... 101

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Depois de um tempo, somente assim é possível termos uma noite sossegada; uma faxina de nós, em nós mesmos, ufa! Depois leves e com as mãos perfumadas, nem em sonhos seremos os mesmos de antes; e suspiros diferentes surgirão! E a parte imutável que restará, esta é você, é a sua essência; nem você, ou eu, nem ninguém, se livrará dela, são digitais da alma! Que sejam limpos os seus rastros, Que sejam sublimes seus restos, Que sejam doces os seus haveres, que sejam, antes de tudo, coisas de seres humanos humanizados e reais!

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Apenas amor Preciso, com versos perfeitos, arrombar as portas do seu coração... Assim, você já extasiada de poesias, pediria para eu deixar de compor... Depois, ao invés de fazer poemas, faríamos, por horas seguidas, apenas amor!

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Aquele olhar Hoje não sou mais o de antes. Nem há tanto viço no meu olhar... Meus cabelos não estão leves como eram. Agora caminho num outro compasso. Agora mudo passos, não saio correndo... Até penso que sei o que faço da minha vida! Aquele olhar que eu possuía saiu voando numa manhã verde e sumiu. Agora dentro de mim habita um pouco de noite onde o fantasma do tempo esforça-se para me assustar... Atualmente, creio que sei caminhar sem tropeçar na pedra do caminho... Eu já não sou mais o de antes e nem há tanto viço no meu olhar... Assim, dizem que sou bem melhor. Será?

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Miragens Teu vozear não era mais que um sussurro; embora, de tanto alento que conduzia, parecia um grito e me dominaria fácil. Teu perfume era diferente, rico e único, meio úmido e meio feral, almiscarado! Era como se ele não te pertencesse... Teu coração acelerou, poderia ouvir o pulsar. Era tudo tão real e visível, era puro ardor. Era fogo e abrasaria os lençóis de cetim! Era tudo um louco e estranho contentamento. Sabíamos que a ocasião não nos pertencia. Parecia alheia, tínhamos outras peles! Mas eu me havia resgatado de mim mesmo. Já era um trunfo fenomenal, uma noite de sonhos e quimeras. Foi real demais! Refiz o fôlego e parece que ainda sentia o teu cheiro no escuro deste quarto. Feliz fiquei a esperar a luz do dia! 107

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Tercetos - VIII SEDE OU FOME? Veja como o verso pede outro verso, e outro, e outro... De certo verso de verso tem sede! TRETA OU MUTRETA? Quem foi que disse que poeta sabe tudo sobre o amor? - Sabe nada de nada, é tudo treta! EXAGERADO Humilha, fere, faça dor. Talvez mereça mais que isso. Amar em demasia, perde-se no amor!

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Teu sorriso Teu sorriso escapa mais pelos olhos verdes e soltos no vazio da sala. Presente dos deuses que puros, liberais, e alvos, nos viram dignos. Dos teus lábios fogem mais que risos, que de dourados tingem o chão da casa. Teu riso solto nos olhos e nos teus lábios rubros ávidos por beijos, fez-me entusiasta poeta neste dia lindo, de um azul de paz e desejos! 109

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Tercetos - IX DEDICAÇÃO (de poeta) Com a esferográfica na mão torno um samurai e venço guerras. E nasce verso do suor e da abnegação. NATURALMENTE... Se for amor o desejo brilha possante nos olhos dos amantes. Lei da vida. Lobo segue a matilha! CASAMENTO No início, sabor de um fino mel. Durante, a guerra bate a paz. No adeus, picadas de cascavel!

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De onde eu venho... De onde eu venho... Promissória não se assina, a palavra é que determina. O belo surge a cada manhã, erva boa, é salsa e a hortelã, filme passa é na tela do infinito, ameaça o cão late, rebate no grito! De onde eu venho... Os escritos são manuscritos, não tem brigas nem distritos. Só se mata para saciar a fome. E todo homem tem sobrenome, ninguém fica a remexer no lixo. Respeita-se a força do crucifixo! De onde eu venho... Ouve-se das araras o alarido, no quintal sabiá canta doído. Nos bailes dançam abraçados homens e suas damas, colados. Ainda se ouve valsas e boleros, canário, seriema, quero-queros! 111

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De onde eu venho... Não se morre de depressão, não há ocasião para solidão. Ainda se pisa em terra batida, Respeita-se pai e mãe querida. Ainda se cozinha a fogo de lenha, Lá fora berros e vaca na ordenha! De onde eu venho... Tem quermesse, missa, novena, pomares, praças, rosas, açucena. Tem jogo de bola e festa de roça, moça bonita, piada, risos e troça. Tem moda de viola, sanfona, catira, tem poeta, poesia, enredo, mentira! De onde eu venho... Ainda se respeita os velhinhos, ainda se sabe nome dos vizinhos. Ainda empinam pipas os meninos, ainda dá o de comer aos peregrinos. A água ainda é limpa e brota na fonte, ainda se molha o pé da cruz no monte! De onde eu venho... Quem conta do novo dia é o canto do galo! 112

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Noites de amor Se a minha noite é com você não há madrugada fria, nem mesmice sobre a cama. Há, nestas noites de amor, duas vontades, dois desejos, um calor. Quanto mais fico com você, mais tenho sede de ficar, se tenho o seu beijo outra boca não desejo. Quanto mais este amor se acalora mais terno fica o vento que sopra meus cabelos quando me levanto.

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De manhã, quando partir pode levar dos meus olhos o brilho que deu a eles na noite que findou. Mas se na hora do adeus eles ainda brilharem, podem ser lágrimas de temor de que não volta na próxima noite.

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Você por perto Hoje tranquei a dor num baú de pirata e vou por alegria na cara. Fomos feitos pra saborear! Os mistérios das noites fazem você mais viva e linda. E não me é dado o direito de não ser feliz demais... Com você um sorriso tem cor, olhar é magia; mãos desfilam rumos encantando caminhos... Com você por perto a vida é pro que der e vier; nada é muito; riso transborda fácil! Se a lua vier e roubar você, farei prece de adoração; chorarei a noite inteira. Ainda, que chore a noite! 115

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Mas como bem sei que não me fugirá, vamos desfilar ledice de mãos dadas pelas calçadas... Hoje tranquei a tristeza num baú de pirata... A vida é feita para saborear momentos!

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Ninguém é de ninguém “Em amor, não há último adeus, senão aquele que se não diz.” Alexandre Dumas “O olhar indiferente é um perpétuo adeus.” Malcolm Chazal “Todos os meus dias são um adeus.” François Chateaubriand

Ah! Como eu te amei, do meu jeito, mas eu te amei. Quis tanto ter-te pra sempre. Confesso que a falta do teu amor me machuca. Confesso que dependo dos teus beijos. Um velho amor não morre apenas. Indiferença, talvez, seja pior que um sonoro adeus. Tenho direito a um olhar de despedida, a um aceno. Confessa que te maltrata a carência do meu corpo, Admite que a toda hora tu ainda pensas em mim.

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Eu sei que ninguém é de ninguém, já disse o poeta. Mas em algumas ocasiões foste minha, sabes bem. Então, por que isso, do nada, fica a inventar coisas?

Mudar não vou jamais, nem tu mudarás, inda bem. É assim que adoramos um ao outro, assim seremos. Então, deixa que fale mais alto o desejo e o apetite.

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Caminhada... Um pouco de mim deixei pelas trilhas em que andei: sonhos, desgostos, desejos e suor. Durava uma eternidade aquelas noites de frio intenso. Eternizaram em mim as feridas daquele tempo. É isto, esta casca dura que trago sob minhas vestes. Estas rugas nas minhas faces não são de agora, não. Surgiram da poeira dos dias que passei solto pelas estradas. Esses caminhos que percorri sorveram metade da brandura que havia no meu olhar de homem. A outra metade trago oculta até de mim mesmo... Plantei na poeira dos caminhos a planta do meu pé descalço. Plantaram em mim as dores 119

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de João, Antônio, Manoel e José... Levo sobre os lombos as dores do mundo. No barulho angustiante do silêncio, o que me acalmava era sentir o vento madrugador acarinhando o meu rosto. Na fé do caminhante eram carícias de Deus num ser solitário e padecedor. Eu que pensava que ficava pouco a pouco por aqueles caminhos... Somente agora percebo que foram eles que foram ficando em mim. Cada curva, cada monte, cada chuva alongada nas noites frias, lavava meus defeitos e deixava-me casto de novo. Sobrevivi às tempestades e à dureza dos caminhos; as partes que perdi, de fato não me pertenciam. As marcas do tempo é que me deixaram assim: de semblante triste e meio rude ou de semblante rude e meio triste.

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Cultivo de versos Cultivo em mim expressivo campo de versos! Entre as linhas enfloram magnólias brancas em galhos quase secos e sem folhas. Flores de cravinas vermelhas e lindas; rosas de diversos entretons, distraídas e seduzidas pelas sorvidas dos cuitelinhos... Cultivo em mim passivo roseiral de versos! Os que passam nas barrancas sem que os olhares desmaiem rumo aos estrados floridos, vivos não estão. Caminham semelhantes a zumbis, estão mortos e vagam; nem merecem a magia 121

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desses alegres colibris que se fartam de néctar no meu campo de versos... Cultivo em mim atrativo canteiro de versos! Os beija-flores me tecem uma rima, a rosa se anima e floresce carmim... Muda o clima e de cima vem a paz. Chuva mansa na campina. Este campo é minha estima, a lástima de antes, aqui jaz! Tudo se eterniza, nem o momento é fugaz! Cultivo em mim um (in) produtivo prado de versos que foi invadido pelos cuitelos multicores!

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Tempos idos Cravei duas estacas naquele chão antigo pensando cercar a dor que escorria para o rio... Vi adormecer o pássaro que brincava de formiga picando folhas e horário esperando o frio inverno... Foi quando me prostrei à sombra do tempo ido, fiz florescer lembranças e troncos de cedros secos... Agora é que descobri que sou capaz de acariciar o vento e domar sua robustez com a palma da minha mão... Cravei estacas de cerne foi no chão do peito meu, pingou saudade juvenil nos pés descalços do tempo! 123

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Tercetos - X FLORES Esse branco, esse roxo, esse luxo... São pétalas do vergel de Deus? Ou é profano, coisa de bruxo? SELVAGERIA E treme a flor na ramagem. Lá vem a madame fazer a ceifa. Quem aqui é a selvagem? ESCRAVIDÃO Marcha o cavalo pelo atalho da morte. aonde do preto velho furtaram a vida. Nem era boi e foi feito de boi de corte.

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Ontem choveu poesia Esta noite choveu poesia sobre o meu telhado. Na madrugada me vi todo molhado de verso... É que pela fenda que eu namoro a lua à noite, pingou gotas de poesia sobre a minha cama. Esta noite choveu poesia sobre o meu telhado. Eu fiquei ali na esquina da vida contemplando... Seria o único ser sobre o qual chovia poesias? É por culpa da fenda que por vacilo não tapei. Esta noite choveu poesia sobre o meu telhado. Por esta chuva nos dorsos senti-me virtuoso... Extasiado de versos pude ainda curtir o luar, que vez ou outra faz brilhar o chão do quarto. Esta noite choveu poesia sobre o meu telhado. E na cama, banhado de poesia, remocei vinte anos. Somente depois foi que eu entendi, que Deus do céu fizera um show e choveu poesia. E, de lambuja, quase perpetrou um poeta!

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A lua e o poeta A luz da lua que passa pela fresta da janela do meu quarto, nas noites claras, encantaria o mais vago e insensível dos humanos... A distância que há daqui às alturas fica imperceptível; parecemos tão próximos! Quando a lua não vem, a noite não me é conveniente... Parece que ela contempla minha silhueta através da fraca transparência dessa vidraça. Fico a sonhar acordado com a sua prateada imensidão... Pressiono o olhar contra o vidro frio da minha janela muda, que obstinada e com ciúmes, quer me fazer crer ser a distância ainda maior... Mas o que vale é o que sinto de fato. A distância entre nós nunca esteve menor. E numa noite dessas sei que me beijará a face rubra.

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Agora é tarde Agora é tarde. Calou-se a voz, perdeu-se a palavra, derreteu-se a letra, ficou o dito como não dito. Ficou inaudito. Ficou tudo mal dito, Agora é tarde! Agora é tarde. Foi-se o sonho solto na vida, perdeu-se no mundo... Agora cadê destino que se buscava, cadê abrigo, cadê morada! Agora não há riso que acalenta, não há mão que afaga; ninguém consola; ninguém se alegra, não há surpresas, não há caminhos. Agora é tarde! Agora é tarde. Não há pra quem dizer, nem o que dizer, já não há mais nós, nem há arte em caminhar de mãos dadas pelas calçadas... Não há inspiração para as poesias, não há destinatários. Não se prende leitor que não se deleita com os vocábulos; não há força no olhar, nem há mais olhar, não se vê o belo. Agora é tarde! Agora é tarde. Nada mais é indispensável, nada esta na medida, não há volta, não há ida, não se ouve mais pelos ares aquela música preferida. Não se toca mais canção, não se trocam presentes, não se tocam... 129

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Agora é preciso resguardar-se, agora lembrança é privilégio, logo saudade sozinha se multiplica, agora nada é que fica para sempre! Agora é tarde. Agora é tarde. Agora se cumpre regras, agora se sepultam sonhos, agora obedece a razão, agora não se ouve mais coração, agora é hora de emudecer o verbo, de silenciar a fome, de esfriar o desejo, de nevar o amor... Agora é hora de congelar a cama, agora é tarde, muito tarde, olhando se vê de pronto. Agora é tarde para tudo. Até nunca mais. Já é tudo tarde!

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Vestígios de poesia Por onde eu passo fica no caminho um vestígio de poesia. É que eu respiro e calço nos pés poesias em série. Elas dizem tudo: de bem, de mal, eu mesmo não digo nada. O que sai de mim sem ser poesia vale migalhas, puro aleives. A poesia não falha. E, se for boa perpetua-se e não morre. 131

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Salva os que têm sede de palavras exatas, unidas umas as outras, numa ordem meio louca, nunca antes concebida num reles poema. Isto é a magia que eterniza na trilha rastros perenes de poesias...

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Meu jeito poeta Quem arrazoa que me sabe demais; não sabe nada de nada! É falácia. Jamais provou do meu veneno, nem sabe o quanto sei tornar-me veludo! Quem arrazoa que me sabe demais; É que nunca me viu navegando nas águas das ansiedades; só assim que se aprende sobre o balanço do mar! Quem arrazoa que me sabe demais; Não sabe que das lesões da vida carrego as cicatrizes no couro; nem sabe o peso que tem o alforje das lembranças! Quem arrazoa que me sabe demais; Não sabe do monólogo que travo na busca da poesia adormecida; quando nem mesmo sei se é lícito este encalço repetido! 133

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Quem arrazoa que me sabe demais; Nem sabe que as noites alongadas lavra meu peito e nos sulcos que ficam brotam a saudade. A dor é que lhe dá o viço! Quem arrazoa que me sabe demais; nem sabe o fascínio que a lua faz nos meus sentidos com seu fulgor de prata; nem sabe sobre o meu jeito poeta! Quem arrazoa que me sabe demais... Não sabe nada de nada. É tudo falácia!

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Se eu fosse mesmo um poeta... Se eu fosse mesmo um poeta, poesias surgiriam de mim pelos poros, leves e desembestadas iguais cachoeiras... E, eu, de cada uma lambiscaria um pedaço, e, após, ainda me sobejaria um verso novo e lindo. Se eu fosse mesmo um poeta, poemas e poesias se davam comigo pelas avenidas, vinham rolando iguais a folhas secas veem no vento, e diriam assim: é com esse que eu vou. E, viriam e aqui ficariam. Se eu fosse mesmo um poeta, meus risos seriam poemas harmoniosos e meu olhar iluminaria vocábulos comuns, que tornariam versos na boca de doutos e cultos, por fim, melodia na noite fria dos cantadores de rua. Se eu fosse mesmo um poeta, o orvalho da madrugada se deitaria em mim e do arco-íris eu seria a oitava cor que cintilaria; dos meus amores brotariam poesias espetaculares, que ficariam armazenadas nos corações sentimentais. 135

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Se eu fosse mesmo um poeta, aliviaria minha sede de verso na mina do peito meu, faria da รกgua salgada, fino licor, e a dor que eu carrego faria esvanecer nos finos sulcos dessa pena que sofre e se contorce para versejar... Se eu fosse mesmo um poeta... nรฃo transpiraria assim para criar um poema!

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Sabor de poesia Busque para ti todo verso que há em mim para nascer... Sinta nas carnes a força atrevida que há no termo não proferido! E zombe do poema que insiste em não nascer. Corte de faca o azedume e a acidez. Faça com que o poema comece a berrar... Depois feche os olhos e 137

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saboreie o poema que preparaste com os teus temperos e dotes! Deguste-o calmamente que ele libera todo o sabor conservado por séculos. Este é o prêmio!

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Hebdômada Na segunda eu fico a beira de um ataque de nervos, terça desfaço de todos os meus acervos, na quarta enlouqueço e busco de volta, na quinta esqueço o nome e endereço, na sexta de contente me entristeço, no sábado desapareço, domingo, desobedeço!

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Título

A Face Bela das Coisas

Autor

Ivan Corrêa

Coordenação editorial

Prefeitura Municipal de Catalão Fundação Maria das Dores Campos Academia Catalana de Letras

Formato fechado

15,0 x 21,0 cm

Mancha gráfica

11,0 x 17,7 cm

Tipologia Papel de miolo Papel de capa Número de páginas Edição Tiragem

Times New Roman 12 Pólen 75 g/m² Triplex 350 g/m² 140 Primeira 1000 exemplares

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