DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AO MERCADO EDITORIAL
Néstor García Canclini
QUANTO OU COMO SE LÊ? REFAZER AS PERGUNTAS Néstor García Canclini
A maioria das pesquisas sobre leitura estima o quanto se lê em papel, embora saibamos que hoje se lê e se escreve muito tempo na tela. É mais produtivo averiguar não o quanto se lê, mas como se lê e para que: como são formadas as competências leitoras. A leitura não é um ato individual isolado em interação, o que se evidencia na análise das feiras de livros e dos grupos de leitura.
1.
Nós que estudamos a sociedade e a cultura, tivemos que mudar, nas últimas décadas, os nossos pontos de partida, inclusive a nossa forma de perguntar. Observamos que um dos principais obstáculos para entender a organização e o papel da cultura é ver cada inovação como destruição daquilo que predominava antes. Será que as telas vão substituir os livros? Essa preocupação é parecida com aquela de quem, no início do século XX, temia que o cinema fosse acabar com o teatro. A seguir, a queda de público nas salas de cinema levou ao anúncio de que a televisão extinguiria o público de filmes. Mais tarde, a meados dos anos 1980, a cultura a domicílio se intensificou, com a irrupção de videocassetes e locadoras. Todavia, as salas não desapareceram, mas foram divididas, remodeladas com no-
vos atrativos (som e imagens digitais), foram criados complexos de salas de exibição em shoppings e em zonas periféricas, onde haviam fechado as antigas e enormes salas. As inovações em formatos e mídias culturais não eliminam necessariamente seus predecessores. O rádio, o teatro, o cinema, a televisão e o vídeo foram se transformando diante do desafio das novas mídias de comunicação. É razoável acreditar que a expansão das telas multimídia, nas quais se lê e se escreve diariamente, estaria conspirando contra o hábito de ler? 2. A segunda coisa que nós cientistas sociais aprendemos é a não centralizar as pesquisas e os métodos de observação etnográfica nas perguntas dos produtores culturais que, em casos como a leitura, são parecidas com as de sociólogos e antropó-
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