Misery louca obsessao stephen king

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11 A ternura dela não incluía deixar a porta do quarto destrancada, mas isso não era problema. Ele não estava quase louco de dor e com sintomas de abstinência como da outra vez. Coletara quatro grampos de cabelo dela como um esquilo coletando nozes para o inverno, e os escondera sob o colchão junto com os comprimidos. Quando Paul teve certeza de que ela tinha saído mesmo e não estava escondida por ali para ver se ele não ia “armar um fuzuê” (outro bordão de Annie que ele anotara em seu glossário particular), ele empurrou a cadeira até a cama para pegar os grampos, junto com a jarra de água e a caixa de lenços de papel do criado-mudo. Mover a cadeira de rodas com a máquina Royal em cima da tábua e na frente dele não foi muito difícil, pois seus braços tinham ficado bem mais fortes. Annie Wilkes ficaria surpresa em saber o quão forte estavam agora — e ele esperava sinceramente que em breve ela viesse a descobrir. A Royal era uma merda de máquina de escrever, mas era ótima para malhar. Ele começara a erguê-la e baixá-la repetidamente sempre que estava na cadeira e Annie não estava no quarto. Seis levantadas de 15 centímetros foram tudo o que ele conseguira no começo. Agora ele conseguia levantá-la 18 a vinte vezes sem pausa. Não era pouca coisa — a tralha velha pesava pelo menos 20 quilos. Ele mexeu na fechadura com um dos grampos, segurando outros dois na boca como uma costureira trabalhando em um vestido. Ele pensou que o pedaço de grampo ainda preso lá dentro poderia atrapalhá-lo, mas não foi o que aconteceu. Ele topou com o tambor quase imediatamente e o empurrou, levando a lingueta junto. Ele perdeu alguns segundos se perguntando se ela não teria colocado um cadeado do lado de fora da porta também. Paul se esforçara para parecer mais fraco e mais doente do que se sentia, mas as suspeitas de um paranoico de verdade vão longe e chegam bem fundo. Então a porta se abriu. Ele sentiu a mesma culpa nervosa e a vontade de fazer tudo rápido. Com os ouvidos apurados para ouvir a velha Bessie voltando — embora Annie só tivesse saído há 45 minutos —, ele pegou um chumaço de lenços de papel, molhou na água da jarra e se inclinou de lado, desajeitadamente. Rilhando os dentes e ignorando a dor, ele começou a esfregar a marca na jamba direita da porta. Para seu grande alívio, a mancha começou a desaparecer quase imediatamente. As calotas das rodas não tinham atravessado a tinta como ele temia, mas somente a roçaram. Ele deu ré, virou a cadeira e empurrou-a de volta para limpar a outra marca. Ao terminar o serviço o melhor que pôde, ele deu ré outra vez e olhou para a porta, tentando ver com os olhos desconfiadíssimos de Annie. As marcas continuavam lá, mas apagadiças, quase indiscerníveis. Ele achou que estava tudo bem. Esperou que estivesse tudo bem. — Porões antitornados — disse ele e lambeu os lábios, rindo sem alegria. — Puta merda, amigos e vizinhos. Ele voltou à porta e olhou ao longo do corredor. Mas agora que as marcas tinham sido apagadas ele não sentiu vontade de sair ou tentar fazer algo mais. Em outro dia sim. Ele


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