Saúde ao Sul - Edição de Março/2018

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Rio de Janeiro, Março 2018 . No 16

TRANSGÊNICOS As Parcerias Público-Privadas nos Sistemas de Saúde A Saúde Global com os pés no chão Entrevista: José Lindgren Alves, ex-secretário executivo del IPPDH-MERCOSUL


INSTITUCIONAL

INSTITUCIONAL ISAGS-UNASUL Diretora Executiva: Carina Vance Chefa de Administração e Recursos Humanos: Gabriela Jaramillo Coordenadora de Relações Internacionais: Luana Bermudez GESTÃO DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO Coordenadora: Flávia Bueno Editor-Chefe: Manoel Giffoni Reportagem: Carina Vance, Félix Rígoli, Flávia Bueno, Julia Dias, Manoel Giffoni, Maria Jesús Mella, Mario Camelo Colaborador: Francisco Armada Equipe: Carlos de Lima Contato: comunica@isags-unasur.org Telefone: +55 21 2505 4400

Esse é o informe do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (ISAGS), o centro de pensamento estratégico na área de saúde da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) que visa contribuir para a melhoria da qualidade do governo em saúde na América do Sul por meio da formação de lideranças, gestão do conhecimento e apoio técnico aos sistemas de saúde.


TRANSGÊNICOS:

PROGRESSO OU RETROCESSO? A produção e o consumo de alimentos transgênicos cresceram vertiginosamente nos últimos anos, especialmente na região sulamericana. Mas, quem tem razão neste debate? Os alimentos transgênicos são bons ou maus para a saúde das populações? Há milhares de anos, quando o planeta ainda era um lugar inóspito e o ser humano só um caçador nômade, todos se alimentavam somente do que plantavam e colhiam e tudo era natural e orgânico. Ao longo do tempo, começamos a domesticar os animais e as plantas e não paramos mais. Desde o início da produção agrícola como a conhecemos, os alimentos foram “selecionados” pelo homem de alguma maneira. Não por uma questão genética, mas por praticidade de produção. Hoje, basicamente tudo o que consumimos (incluindo os principais cultivos agrícolas como arroz, milho, trigo, soja e algodão) é feito com algum tipo de intervenção humana. Intervenções estas que se adaptaram e se modificaram ao longo do tempo até chegar a resultados extremamente sofisticados, dando origem aos organismos geneticamente modificados (OGM) ou alimentos transgênicos. O trigo selvagem, por exemplo, tem sementes na ponta do caule que se alastram naturalmente quando caem no solo e germinam. É assim que a planta se reproduz. Agora imaginemos uma mutação genética que impeça a quebra do caule. Por mais que não seja “interessante” para a natureza, pois impede a reprodução da semente, essa mesma mutação é boa para o agricultor, que poderá cultiva-la mais facilmente e escolher onde plantar o cereal. Este é apenas um exemplo. Há uma infinidade de alterações genéticas, os chamados “eventos” que são aprovados e utilizados pela indústria alimentar para

proporcionar conveniência aos produtores como a tolerância a herbicidas, resistência a insetos, mais estabilidade, maior resistência à seca, etc. Com o argumento de facilitar a produção para alimentar de forma mais “apropriada” à enorme (e vertiginosamente em alta) quantidade de habitantes do planeta, a produção e o consumo dos OGM cresceu com muita intensidade a partir de 1996, quando começaram a ser produzidos em larga escala, especialmente na América do Sul. Segundo o Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Agro Biotécnicas (ISAAA), existem hoje 185,1 milhões de hectares de área transgênica no mundo. Brasil, por exemplo, é o segundo maior produtor, apresentando cerca de 52,6 milhões de hectares de área plantada, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, que tem 72,9 milhões. Em seguida, vem a Argentina, o terceiro maior produtor do planeta, com 24 milhões de hectares de OGM. De fato, a soja do país atualmente é 100% transgênica. 1996: 1,7 milhões de hectares 2016: 185,1 milhões de hectares A superfície global de cultivos transgênicos aumentou 110 vezes nos últimos 21 anos A biotecnologia é a tecnologia de mais rápida adoção na história da Agricultura

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“O transgênico aumenta a segurança da colheita, a tranquilidade do produtor e tudo isso faz com que aumente a quantidade e a produção. Por outro lado, também temos uma série de mudanças ambientais, ecológicas e genéticas que o homem poderá enfrentar no futuro. Algumas já estão acontecendo. Quando há um princípio de seleção drástica como uma nova resistência a uma praga, por exemplo, se eliminam inimigos e genótipos. Ao mesmo tempo, se modifica o ambiente. Enquanto estas pragas desaparecem, outras começam a tomar envergadura, já que não existe competição. Com isso, começa a aumentar a periculosidade da outra plaga que estava mascarada pela dominante. Na Argentina, por exemplo, já começaram a aparecer males que antes não eram dominantes.”, afirma Carlos Banchero, professor titular consultor da Cátedra de Genética na Universidade de Buenos Aires (UBA) e autor do livro A Difusão dos Cultivos Transgênicos na Argentina. Por se tratar de um tema ainda muito novo, não existem estudos realmente concretos que abordem as consequências dos OGM e seus efeitos ao longo prazo para a saúde. Enquanto isso, o debate sobre o tema cresce, assim como a produção e também os interesses da grande indústria agrícola para que este movimento continue. Existem inclusive evidências da pressão da indústria, em particular das empresas transnacionais, para influenciar e interferir na investigação acadêmica. No Uruguai, por exemplo, um dos primeiros países em aprovar a produção de transgênicos na nossa região, houve uma grande discussão em dezembro passado sobre a aprovação de 14 novas variedades de transgênicos. Para 10 delas, que estavam destinadas a pesquisa e estudos controlados, não houve problema. Entretanto, nas outras quatro que seriam para uso comercial, não houve acordo tanto na Comissão de Gestão de Risco (CGR) – organismo que regula o tema no país - como no gabinete ministerial. Os ministérios de Habitação e Meio Ambiente (MVOTMA, na sigla em espanhol) e de Saúde Pública se opuseram à aprovação por entender que ainda não existem estudos suficientes sobre os possíveis efeitos destes transgênicos e do uso de agroquímicos associados.

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“Tanto o MVOTMA como o Ministério de Saúde Pública nos opusemos à liberação dessas quatro variedades. Não estamos contra os transgénicos em si, podem ser muito positivos, mas é preciso ver o que acontece quando são liberados no ambiente. Não há estudos suficientes para saber e assim nos colocamos”,

disse na ocasião ao Montevideo Portal a ministra de Habitação e Meio Ambiente, Eneida De León. No Brasil, em posicionamento oficial de 2015, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) critica o aumento do consumo de agrotóxicos no país e avalia que o problema está relacionado ao uso de transgênicos resistentes a herbicidas. O comunicado também questiona os efeitos dos OGM para a saúde das pessoas em longo prazo. Por outro lado, o relatório do Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, lançado em 2001 pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) naquele momento citou os transgênicos como uma das principais soluções para acabar com a fome que hoje afeta mais de 800 milhões de pessoas. Quem está certo e quem está equivocado? Existe perigo para a saúde e o meio ambiente? Quem deve regular isso? Seja qual for a resposta, o especialista do ISAGS em Determinação Social da Saúde, Francisco Armada, chama a atenção para uma questão muito importante que tem relação direta com o direito à Saúde: o rótulo dos OGM. “O direito das pessoas de se informar sobre o conteúdo dos produtos distribuídos para o consumo humano inclui conhecer se algum de seus componentes tem carácter de transgênicos. O aceso a esta informação é inclusive independente da necessidade de continuar documentando a produção e/ou o impacto do consumo de transgênicos na saúde dos humanos e outros animais”, afirma.

NA AMÉRICA DO SUL Os produtos transgênicos foram objeto de distintas regulações na região. Equador, Peru e Venezuela, por exemplo, contam com marcos regulatórios muito estritos. Os três países proíbem seu cultivo e os dois primeiros também têm uma política de rótulos para indicar os OGM importados. Por outro lado, Chile proíbe a produção de transgênicos e sua comercialização interna, mas autorizou a produção de sementes transgênicas para a exportação. No entanto, as regulações cobrem muitos temas desde o cultivo até o consumo, como o cultivo animal dos OGM, a comercialização e, inclusive, chega a abarcar a propriedade intelectual.

Mario Camelo mariocamelo@isags-unasur.org

Esta produção desenfreada proporcionou vantagens e rendas aos agricultores, mas também gerou um debate caloroso sobre suas consequências. Alguns dos principais objetivos dos OGM, por exemplo, sempre foram a diminuição do uso de pesticidas e a biofortificação nutricional. Com a redução do uso de defensivos agrícolas, supostamente também diminuiria a quantidade de combustível necessário para o transporte, a pulverização e a emissão de contaminantes. Este aumento na renda permitiria ainda que os agricultores utilizassem menos terra e gastassem menos água, contribuindo assim para uma agricultura mais sustentável. No entanto, em muitos casos, acontece exatamente o contrário: uma utilização maior de pesticidas e pulverização nas plantações, pois muitas plantas e sementes são resistentes aos herbicidas.


PALAVRAS DO ESPECIALISTA O “SELO MIGRANTE” EM QUILICURA, UM OLHAR LOCAL DA IMIGRAÇÃO NO CHILE

por María Jesús Mella Guzmán, analista em Políticas e Assuntos Internacionais da Universidade de Santiago de Chile (USACH)

Quilicura se transformou em um destino estrutural de acolhimento para imigrantes na Região Metropolitana de Santiago de Chile, reconfigurando o panorama cultural, social e institucional do distrito. A elevada concentração de cidadãos haitianos e a significativa presença de refugiados palestinos marcam uma diferença, já que as políticas que devem ser implementadas devem enfrentar este desafio cultural. Neste contexto, parece pertinente aprofundar as medidas que estão sendo adotadas no nível dos governos locais para abordar a imigração a partir de um enfoque de direitos. Foi assim que no ano 2015 pela primeira vez, o Ministério do Interior reconheceu o trabalho realizado por um município em prol de sua população estrangeira, ao trabalhar com uma perspectiva intercultural, entregando o “Selo Migrante” ao município de Quilicura. Esta certificação oficial do Governo do Chile tem como objetivo criar e/ou fortalecer a institucionalidade municipal necessária para executar planos, programas e projetos orientados para a atenção e inclusão da população migrante. Estas capacidades são certificadas pelo Departamento de Imigração, entidade que apoia e orienta a formação de escritórios comunitários para estes fins. Entre as ações implementadas destaca-se a elaboração de um diagnóstico da realidade migratória do distrito. Este primeiro passo é fundamental para que se possa contar com informação fidedigna que proporcione um panorama mais próximo à realidade. Desta análise, elaborou-se o Plano de Acolhimento e Reconhecimento de Migrantes e Refugiados do Distrito de Quilicura, onde reúne-se a informação obtida, identificam-se nódulos críticos, planos de ação e possíveis políticas locais a serem implementadas, sendo as áreas abordadas com maior ênfase: educação, trabalho, habitação e convivência no bairro. No âmbito educacional, são realizadas campanhas de sensibilização para a comunidade escolar sobre os direitos e a realidade dos migrantes e refugiados, que consistem na difusão de documentários que mostram a contribuição dos migrantes para as comunidades de destino e das crianças para as escolas, também se estabeleceu uma definição nos colégios de “colegas tutores”, para apoiar os filhos de imigrantes. No campo do trabalho, a criação de programas de capacitação através da subvenção do Serviço Nacional de Capacitação e Emprego (SENCE),

orientados especificamente aos migrantes e refugiados, a realização de cursos de aprendizagem de espanhol e de orientação profissional no contexto das necessidades produtivas do distrito e da região metropolitana e a definição de uma nova agenda de cursos com base nas ofertas de trabalho presentes em Quilicura. Em relação ao eixo de habitação e convivência, a criação de uma unidade dentro do município que atua como fiador e garante os aluguéis dos imigrantes, o fortalecimento do programa “Saídas Culturais”, que leva a população migrante aos lugares históricos da região, a criação de oficinas gratuitas de formação gramatical, ortográfica e de cultura chilena com ferramentas audiovisuais e material bibliográfico, além dos programas de mediação intercultural e de vizinhança. A avaliação destas políticas foi realizada a partir de indicadores de direitos humanos; indicador estrutural, indicador de processo e indicador de resultados. É possível reconhecer os esforços por parte do Estado do Chile em contribuir de forma prática para que os governos locais formulem e implementem políticas em direção à criação e ao fortalecimento de uma institucionalidade que acolha a imigrantes, e estimule sua inclusão e participação nos processos que os envolvem diretamente. Do mesmo modo, o Selo favorece que os programas implementados tenham um impacto real na população migrante; maior escolarização, obtenção de certificados oficiais de cursos de espanhol, inserção no mercado de trabalho do distrito, e um melhor entendimento do funcionamento dos serviços públicos. Este impacto ocorreu em todos os níveis, desde crianças e mulheres, no que cabe destacar um trabalho com enfoque de gênero, que busca apoiar em maior medida a este segmento da população migrante mais vulnerável. Finalmente, pode-se estabelecer que, ao avaliar as políticas fomentadas pelo Selo Migrante no Distrito de Quilicura, elas possuem um enfoque de direitos cumprindo com os três indicadores que foram utilizados para sua avaliação. Por sua vez, o reconhecimento do “Selo Migrante” contribuiu para estabelecer as bases de uma nova forma de acolhimento para os imigrantes a partir da perspectiva dos governos locais, dando a devida importância às políticas públicas implementadas no nível municipal e à coordenação que se deve ter entre o Estado e os municípios.

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AGENTES PÚBLICOS E PRIVADOS NOS SISTEMAS NACIONAIS DE SAÚDE As chamadas Parcerias Público-Privadas (PPP) estão se tornando comuns em muitos sistemas de saúde e a tendência pode se intensificar como resultado da crise econômica. Em alguns países onde há ajuste fiscal, deixar o setor privado subcontratar serviços públicos (não apenas saúde) se tornou uma ferramenta para equilibrar orçamentos públicos. Neste artigo, tentamos mostrar que essa tendência está se expandindo em muitos países da América do Sul, embora não haja evidência de seus benefícios. É uma prática que é planejada e implementada, embora haja evidências crescentes de que não obtém os resultados planejados. No entanto, esse crescimento de popularidade gera preocupações e debates sobre como essas PPPs servem ao interesse público. Por que essa forma de privatização está sendo adotada e por que o público deve estar preocupado? Do ponto de vista dos direitos dos cidadãos, o aforismo de Deng Xiaoping parece se aplicar: “não importa se o gato é preto ou branco, com tanto que ele dê cabo dos ratos”. A opção inversa, ou seja, manter serviços em mãos estritamente públicas também mostrou gerar ineficiências e pouca capacidade para responder às necessidades das pessoas.

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Os desafios estão escondidos nas várias dimensões desse processo: a tendência generalizada do setor privado para influenciar as políticas que têm a ver com a expansão de seu domínio na saúde, juntamente com a necessidade do governo de reduzir seus orçamentos.

Isso faz com que qualquer medida no sentido de transferir serviços públicos e funcionários para o setor privado pareça atrativa. Na maioria dos países, a prestação privada de serviços de saúde pública é onipresente, incluindo a produção farmacêutica e tecnológica, a construção de infraestrutura, incluindo hospitais através de contratados privados, além dos serviços periféricos, como a restauração, lavanderia e limpeza desses hospitais, que são realizadas por empresas externas, algumas delas cooperativas1. Embora não haja avaliações claras, a experiência que começou na Europa e na Nova Zelândia está sendo replicada em muitos países da América do Sul. O organismo público de controladoria no Reino Unido afirmou recentemente que: “Ainda não encontramos uma avaliação robusta e sistemática do uso do financiamento privado em PPPs no projeto ou do programa”2. Edwards, por sua vez, conclui que “relatórios financeiros inadequados e falta de responsabilidade para PPPs servem para obscurecer o que o governo não quer revelar”3. Essa falta de transparência e disposição para avaliar parece servir como uma narrativa de sucessos, sem qualquer embasamento real4. Embora sejam frequentemente usados ​​como sinônimos, a contratação de serviços, as parcerias público-privadas e a privatização não são iguais. Em alguns países, a privatização está indubitavelmente em curso, mas usando diferentes modalidades: quando os co-pagamentos são aumentados ou incentivos fiscais são aplicados ao seguro


parte de sua função para o setor privado fica evidente.

Na nossa região, existem três termos principais para o tema: a privatização do Jaleco Cinza, quando as funções de apoio, limpeza e lavanderia são privatizadas; a modalidade Jaleco Verde, para laboratório, radiologia e outros serviços auxiliares e a privatização do Jaleco Branco, quando os serviços clínicos são privatizados5, 6.

As principais questões sobre privatização e PPPs, em particular, são as áreas de eficiência e a garantia de que os objetivos públicos sejam alcançados. É importante lembrar que, nesses casos, existe o risco de que o serviço público abandone seus objetivos públicos e seja guiado por resultados financeiros. Visto do lado positivo, um governo pode se beneficiar de se especializar em suas capacidades de recrutamento, em vez de tentar desenvolver uma estrutura para controlar diretamente a total complexidade dos serviços de saúde do país. Em uma revisão de quatro estudos, Liu et al. observou uma melhoria no acesso à atenção primária pública através de provisão privada em porcentagens entre 9 a 26 pontos percentuais7. Mas em outras áreas, como eficiência, equidade e qualidade, seus estudos concluíram que não houve vantagens com a privatização ou não obtiveram resultados conclusivos. Alguns resultados foram definitivamente negativos. O acesso parece melhorar, mas os resultados em termos de qualidade não são significativos. A eficiência (resultados vs. custos) foi geralmente menor em serviços privatizados do que em serviços puramente públicos. Este é um ponto importante em relação aos sistemas de saúde pública na América do Sul, uma vez que a experiência internacional mostra que o uso de PPPs para terceirizar hospitais e cuidados primários tem entre 13 e 17% de custos adicionais de transação. Os custos de transação geralmente estão ocultos ou não são levados em consideração e estão concentrados em três áreas: planificação, contratação e monitoramento4, 8. Quando adicionado aos custos totais, a maioria das PPPs são mais caras do que a provisão pública9. Além disso, a presença simultânea de PPPs e provedores públicos leva à fragmentação e ao risco moral, uma vez que existe a tendência de se enviar casos complexos ao sistema público, além de contratar os melhores recursos humanos, privando o setor público de sua excelência10. Vários resultados indesejáveis ​​ podem causar efeitos perversos quando considerados no sistema como um todo. A concorrência desleal dos serviços privados frente aos serviços públicos pode levar a um cenário rapidamente desequilibrado, onde a presença de um provedor privado pode causar uma súbita deterioração da qualidade do provedor público. Além disso, um sistema de pagamento vinculado a indicadores em fornecedores

descentralizados com estatísticas deficientes pode levar a falsos resultados e registros, a fim de melhorar a remuneração, tanto quanto possível. Mesmo a Nova Zelândia cancelou uma grande parte das suas PPPs desde 2000, especialmente nos hospitais11. Um ponto crucial é que esse tipo de privatização não deve ser selecionado como uma forma de esconder os gastos públicos ou manter a dívida pública artificialmente baixa. Como Edwards et al concluem em um estudo de financiamento hospitalar privado: “Embora seja prematuro dizer se os problemas experimentados se relacionam mais com o modelo subjacente ou sua implementação, parece que uma parceria público-privada complica ainda mais a já complexa tarefa de construir e operar um hospital”12. As PPPs e outras formas de terceirização de serviços de saúde pública podem ter virtudes intrínsecas, mas também têm falhas intrínsecas. A compra, contratação e esforços de compliance geralmente não são capazes de registrar todas as possíveis variáveis ​​que conseguem manter as virtudes e evitar as falhas. A experiência no lado do cliente da PPP (a autoridade pública) é relativamente pouco desenvolvida em relação às capacidades das equipes especializadas em licitação dos fornecedores. O principal problema é que um Estado que esteja preparado para privatizar os serviços públicos porque se considera um fracasso gerencial dificilmente será melhor passe a ser um contratador. Félix Rigoli felixrigoli@isags-unasur.org

privado, a intenção do Estado de transferir uma certa

Referencias 1

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of the cooperative-based, Coopesalud Pavas Clinic. Washington (DC): U. S. Agency for International Development – Usaid 1991 F, Nowinski A. CASMU: Autogestión periférica en el sector salud en Uruguay. In Gestión de recursos humanos en las reformas sectoriales en salud: cambios y oportunidades. Washington, D.C, Organización Panamericana de la Salud, 1996. p.193-210 2

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model’ University of Manchester. 5

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[2018] Décadas para lembrar e aprofundar nicilina O Descobrimento da Pe

As datas comemorativas sempre são uma oportunidade para refletir sobre outras épocas e seus contextos, sem deixar de olhar para frente de modo a consolidar o que foi construído. Nesse sentido, o ano de 2018 muito nos pode inspirar para seguir trabalhando pela cooperação como um caminho e pelo direito à Saúde como um fim.

[1928]

nder Fleming observou pela xa Ale s ocê esc a ist nt cie o os, Há 90 an da substancia, obtida a partir s ico iót tib an s ito efe os vez primeira cionando os tratamentos para olu rev , um tat no m liu icil Pen o do fung sífilis. a pneumonia, a meningite e a o com is, rta mo tão en até s doença fez com que várias bactérias to, an ent no do, ina rim isc ind o Seu us um caso típico de Resistência – ela a es ent ist res m sse na se tor Antimicrobiana (RAM).

iversal n U o ã ç a r a l c De [1948] s o n a m u dos Direitos H icados dos horrores prat

elação a Mundial e a rev ra er Gu cial que redigiu pe 2ª Es da o sã is m Co a Com o fim am um eia países constituír 1948 pela Assembl de o br m ze de pelo Nazismo, os em o ntada e aprovada lecem um “padrã be ta es os ig rt a Declaração aprese ta itos Unidas. Seus trin s” e inclui conce õe aç n e s Geral das Nações vo po os nçado por todos o bem-estar. comum a ser alca uidade e do direito à saúde e a importantes de eq

[1948]

[1948] A CRIAÇÃO DO NHS Em 1948, o Reino Unido lançou o desafio inédito de oferecer serviços de saúde à sua população de maneira universal, gratuita e de qualidade. Nos últimos 70 anos, o National Health System (NHS) é não só a instituição que mais orgulha os britânicos, mas também uma referência para todo o mundo, atendendo a mais de 1 milhão de pacientes a cada 36 horas.


[1948] A Criação da Organização Mundial da Saúde Com a experiência de iniciativas focadas no combate a doenças, os países decidiram criar em 1948 uma organização que trata a Saúde de maneira ampliada, “um estado de completo bem-estar físico, mental e social”. Assim determina uma das primeiras frases da constituição da OMS. Até o uso da palavra ‘mundial’ e não ‘internacional’ em seu nome enfatiza a natureza global que se pretendia com a nova organização. Hoje em dia, é indiscutivelmente o grande espaço de governança da saúde global.

[1978]

[1978] Plano de Ação de Buenos Aires

DECLARAÇÃO DE ALMA-ATA

Este ano se comemoram os 40 anos da assinatura de uma declaração de enorme impacto em todo o mundo. Ao enquadrar a Saúde como uma questão socioeconômica e um direito humano, destacou a urgência de entender a atenção primária, em sua integralidade e universalidade, como “o núcleo” dos sistemas de saúde e o contato próximo com a comunidade como um componente central do mesmo. Aos 35 anos de Alma-Ata, o ISAGS realizou um mapeamento dos modelos de APS na América do Sul, acesse-o em bit.ly/ISAGSlibroAPS.

Ainda que a cooperação entre os países do Sul já ocorresse com intensidade variada desde a descolonização, foi em 1978 que o conceito se formalizou em uma conferência na capital da Argentina. No seu texto, a palavra ‘assistência’, tradicionalmente empregada nas relações norte-sul, deu lugar a ‘cooperação’, refletindo uma noção de maior simetria e aludindo ao sentido de ‘trabalho conjunto’ . O documento cria as bases para iniciativas como a criação do ISAGS-UNASUL.

[1988] Criação do Sistema Único de Saúde no Brasil Há 30 anos, em um contexto de redemocratização, se criou na América do Sul o maior sistema de saúde pública do mundo, garantindo o acesso integral e universal a toda a população do Brasil desde uma simples atenção ambulatória até procedimentos complexos como os transplantes. Em 1988, eram 30 milhões de beneficiários. Hoje são 190 milhões.


A SAÚDE GLOBAL COM OS PÉS NO CHÃO A cada ano, ações conduzidas por atores da Saúde Global se multiplicam. Entretanto, os benefícios e resultados que muitos desses projetos buscam alcançar parecem não chegar aos seus destinatários

Imagine que você está no Nordeste do Brasil, em uma cidade do interior. Uma família com três filhos, um deles com pouco menos de dois anos. Porém, algo não parece bem. A criança, que já deveria caminhar com seus próprios pés, segue nos braços de sua mãe. Seu desenvolvimento foi dificultado por uma simples picada em sua mãe, quando ainda estava grávida, de um mosquito que há décadas transmite doenças em diversas regiões do país, o Aedes Aegypti. Esta família, cuja realidade foi totalmente mudada de uma hora para a outra pela epidemia do Zika e seus consequentes distúrbios neurológicos, é parte do que os gestores de políticas públicas e tomadores de decisão em nível global chamariam de ‘público-alvo’. Em decisões tomadas a milhares de quilômetros de suas casas, em instancias globais como a Organização Mundial da Saúde, mobilizaramse pesquisadores, aparatos estatais, financiamento de diversas naturezas, no que finalmente se converteu em uma emergência de nível global. Com medidas de tal envergadura, pode-se vir a crer que uma família como esta estaria muito bem assistida. No entanto, as decisões tomadas no âmbito da Saúde Global, parecem estar muito distantes das pessoas que desejam alcançar, porque suas vozes não são ouvidas. Essa é a forma como entende a perspectiva crítica da Saúde Global1, conforme apresentada por João Biehl, pesquisador da Universidade de Princeton, e Adriana Petryna, da Universidade da Pensilvânia. Para eles, escutar as pessoas serve não

apenas para a avaliação de projetos implementados, mas também para seu desenho. Para além do que se descreve como público-alvo, está um contexto que inclui determinantes sociais, econômicos, políticos e culturais. A tentativa de homogeneização em categorias demográficas ou geográficas fica apenas na superficialidade. Esta tentativa tem óbvias vantagens para a medição e avaliação dos resultados do que se está implementando, inclusive para que, posteriormente a sua avaliação, esses projetos recebam mais recursos financeiros, ou sejam escolhidos para receber fundos dessa ou daquela organização, entre outros. Para o geógrafo brasileiro Milton Santos2, entretanto, a homogeneização é típica de uma ‘fábula’ da globalização e não reflete a realidade. Para ele, a globalização como se retrata hoje não existe de fato, é uma perversidade, já que seus benefícios (a ideia do estreitamento do espaçotempo, acesso a tecnologias e informação, aldeia global, etc.) só alcançam uma pequena parcela da população do mundo. Assim, ao contrário do que se quer levar a crer, as diferenças locais são na verdade maiores e mais acentuadas. Portanto, as ciências se unem às técnicas para conformar o discurso único que constrói a ideia de globalização atual. Apesar da importância das avaliações baseadas em métricas e epidemiologia, há outros instrumentos que deveriam ser entendidos como igualmente relevantes, como a etnografia, para abordar de forma complexa temas, vidas e grupos sociais.


De acordo com Biehl e Petryna, essa abordagem apresenta vantagens para os projetos levados a cabo pelos atores da Saúde Global, porque “ao mudar a ênfase da doença para as pessoas e ambientes, e de acesso vertical por igualdade, temos a oportunidade de firmar uma agenda humana que confronta os desafios que o mundo enfrenta e expande nossa visão do futuro de comunidades globais”1. O reconhecimento da alteridade é uma das tarefas do antropólogo e a etnografia é um método que permite reconhecer e compreender fenômenos sociais de forma integral. Observando a maneira como as pessoas e grupos vivem, a etnografia permite que os pesquisadores possam incluir as pessoas na investigação, com participação ativa de modo a trabalhar por mudanças estruturais3. Bem, combinar duas estratégias filosoficamente tão diferentes pode ser um desafio que os atores da Saúde Global devem ter em mente. Talvez com uma avaliação dessa natureza, a história com que começamos este artigo teria uma conclusão distinta: uma que incluísse a perspectiva dos efetivamente afetados, com o impacto que eles gostariam de sentir. Este deveria ser o resultado que todo projeto de Saúde Global deseja. Desde o início da sua história, a UNASUL respeita a interculturalidade da região sul-americana e a participação social como pilares da sua atuação.

Com isso em mente, devemos seguir recordando esses valores em todas nossas ações, com o principal objetivo de melhorar a vida da nossa gente.

Referências 1 BIEHL, João; PETRYNA, Adriana. Peopling Global Health. Saude soc., São Paulo , v. 23, n. 2, p. 376-389, 2014. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902014000200376&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 19 fevereiro 2018. 2 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização - do pensamento único à consciência universal. São Pauto: Record, 2000. 3 MATTOS, CLG. A abordagem etnográfica na investigação científica. In MATTOS, CLG., and CASTRO, PA., orgs. Etnografia e educação: conceitos e usos [online]. Campina Grande: EDUEPB, 2011. pp. 49-83. Disponível em < https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwi28KGt3tXZAhWtzlkKHS2fDQYQFggtMAA&url=http%3A%2F%2Fbooks.scielo.org%2Fid%2F8fcfr%2Fpdf%2Fmattos-9788578791902-03.pdf&usg=AOvVaw29D7mFJa3vcrThVbWBW_JW>. Acesso em 28 fevereiro 2018.

Flávia Bueno flaviabueno@isags-unasur.org

Para tal, os antropólogos coletam dados, fazendo trabalho de campo com as pessoas e em contato com suas culturas.


SALUD SUR

ENTREVISTA

JOSÉ AUGUSTO LINDGREN ALVES secretário executivo do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul (IPPDH-MERCOSUL)

Entre janeiro de 2017 e janeiro de 2018, o brasileiro José Augusto Lindgren Alves esteve à frente do Instituto que realiza pesquisas e estudos sobre políticas públicas de direitos humanos no bloco sub-regional. Diplomata, Lindgren dedicou seus 30 anos de carreira aos direitos humanos, como na sua posição de delegado do Brasil na Comissão das Nações Unidas sobre o tema em Genebra por quase dez anos. Atualmente, é membro do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD).

O IPPDH foi criado em 2009 com o objetivo de oferecer cooperação técnica, realizar pesquisas e capacitações sobre os direitos humanos, além de apoiar na coordenação de políticas regionais. O senhor pode nos dar um panorama sobre como se desenvolveu o trabalho nos últimos anos? O Instituto desde que abriu as suas portas trabalha, como bem foi colocado, no âmbito da cooperação técnica. Transitamos ao longo dos anos por uma variedade de temas que surgem como mandato da Reunião de Altas Autoridades em Direitos Humanos do Mercosul (RAADH), assim como de outras instâncias do Mercosul, como a Reunião de Ministras da Mulher, Reunião de Ministros do Interior, Foro Migratório Mercosul, etc. Entre os temas, se podem mencionar a mobilidade humana (migrações, refúgio, direito das vítimas de tráfico de pessoas), memória, verdade e justiça, cooperação Sul-Sul, idosos, crianças e adolescentes, acesso aos direitos sociais, sistema de informação sobre a institucionalidade no Mercosul, etc. 12

Nesses eixos temáticos foram realizadas pesquisas, cooperação técnica, reuniões de trabalho com


o objetivo de orientar as políticas públicas em nível nacional de cada um dos Estados. Também foram desenhadas campanhas de informação e sensibilização. O IPPDH nesses anos conseguiu constituir-se como um ator estratégico de políticas públicas e direitos humanos que colabora com os Estados no diálogo, na gestão e na divulgação de estudos, assim como na sensibilização dos direitos humanos. Conseguimos criar um espaço de formação e capacitação para servidores públicos, que é uma das suas principais conquistas, a Escola Internacional de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul. Por ela, nos últimos dois anos, já passaram mais de 500 pessoas, entre representantes dos Estados, servidores públicos, diretores, além de pesquisadores e integrantes de organizações da sociedade civil.

Os avanços normativos na matéria que foram identificados na Argentina, por exemplo, assim como as políticas públicas positivas orientadas ao acesso a direitos sociais universais, como o emprego e a saúde das pessoas LGBTI. De qualquer jeito, segue sendo necessária a produção de informação, sendo esta uma condição fundamental para o desenho, a implementação e a avaliação de políticas públicas orientadas a erradicar situações de discriminação e a promover condições de igualdade substantiva entre os distintos grupos sociais que compõem a sociedade.

Junto ao lançamento dos estudos mencionados, o IPPDH também levantou informação sobre a institucionalidade dos direitos humanos com

Recentemente, em 2017, o IPPDH publicou um estudo sobre a promoção e a proteção dos direitos humanos dos migrantes regionais na cidade de São Paulo e um diagnóstico sobre os migrantes haitianos em três países (Argentina, Brasil e Chile). Quais aspectos desses estudos deveriam ser observados com mais atenção pelas autoridades de Saúde?

um inédito sistema interativo, o SISUR. Como os

É fundamental partir da premissa que os migrantes estão em todos os nossos países e, assim como é necessário e importante recebê-los, é também importante a sua inclusão, o que implica na garantia de todos os seus direitos. O estudo mencionado aborda a necessidade de articular com governos locais e de elaborar marcos normativos que possibilitem a regularização migratória para o pleno gozo dos direitos. No que se refere a direitos sociais e, em particular, ao tema da saúde, uma questão pontual é trabalhar a não-discriminação durante o processo de atenção à saúde. Por outro lado, é importante contar com tradutores que facilitem o acesso à saúde.

um deles. A partir dessa informação, será possível

países vão poder se beneficiar com a troca desse tipo de informação? O SISUR permite levantar informação sobre a institucionalidade no Mercosul, ou seja, sobre as instituições, normas e políticas públicas de direitos humanos em cada um dos países, o que permite também conhecer o estado dos avanços de cada identificar articulações, cooperação e boas práticas que poderão, inclusive, virar políticas regionais.

Os objetivos estatutários do IPPDH e do ISAGS em suas respectivas áreas são bastante similares. Como as duas instâncias podem colaborar para cumprir com as suas missões em temas complementares, como a saúde e os direitos humanos? As instituições de direitos humanos e políticas públicas têm o importante desafio de colaborar mutuamente para evitar a duplicação de esforços.

Uma das iniciativas mais interessantes de 2017 foi a publicação e a distribuição do Manual dos Migrantes, com informação acessível, especialmente para os imigrantes.

Nesse sentido, a troca de informações, a cooperação,

Também foi publicado um compêndio de boas práticas na garantia e proteção dos direitos das pessoas LGBTI. Quais foram os destaques desse estudo?

articulação conjunta. O tema da saúde como um

a pesquisa e ações específicas de sensibilização e informação são portas importantes para uma direito e como política pública está presente em quase todos os eixos temáticos que o IPPDH vem trabalhando até o momento.

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AO PUNTO

Por Carina Vance

A LUTA DAS MULHERES COMEÇA CEDO Desde inícios do século XX, a cada ano se celebra o Dia Internacional da Mulher, inicialmente impulsionado por lideranças socialistas focando-se sobretudo no direito ao voto e nos direitos trabalhistas. Com o passar das décadas, as demandas associadas à celebração deste dia foram adquirindo amplitude e profundidade, priorizando a igualdade de direitos no âmbito educativo, o direito à participação política e a ocupar cargos públicos, os direitos econômicos e culturais, e os direitos sexuais e direitos reprodutivos, entre outros. Em 1975, a Organização das Nações Unidas reconheceu o 8 de março como o Dia Internacional da Mulher, após ele ter sido designado como tal pela Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, 65 anos antes. Graças à luta incansável de milhões de mulheres em todo o mundo, alcançaram-se avanços significativos para a vigência plena de seus direitos. No entanto, existem temas vitais que simbolizam o quanto ainda resta a ser feito, entre outros: a violência de gênero; as brechas no acesso a espaços de poder político; as desigualdades salariais; a falta de acesso à justiça; e, na área da saúde, dezenas de condições que afetam desproporcionalmente às mulheres gerando mortalidade e morbidade absolutamente evitáveis. Uma das problemáticas que mais chama a atenção e que afeta de maneira singular a América do Sul é a gravidez adolescente. No centro do debate estão temas que ainda geram polêmica em nossas sociedades. Para citar dois exemplos: a extrema assimetria de poder entre homens e mulheres, em sociedades profundamente machistas e patriarcais; e, o acesso à educação sexual integral para meninos, meninas e adolescentes. No primeiro caso, as cifras revelam uma realidade assustadora em relação à violência sexual contra menores, além de um sem número de formas como as mulheres em geral são

vítimas de violência e abuso, como as tantas agredidas por seus maridos pelo simples fato de propor o uso de uma camisinha. Em relação à educação sexual integral, o debate é acirrado e ocorre até nas mais altas esferas de decisão política. Em países como Argentina, Chile, Colômbia, Equador e Peru, e muito provavelmente em cada um dos países sul-americanos, se posicionaram ostensivamente grupos contrários ao desenvolvimento de políticas que promovam os direitos sexuais e os direitos reprodutivos, como os programas de educação sexual integral. Em muitos casos, os grupos se apresentam como representantes da postura da Igreja Católica, ou da doutrina evangélica. Fora de nossa região também segue vivo o debate, como é o caso da Costa Rica, onde neste mesmo ano se mantiveram fechados vários estabelecimentos educativos, por algumas semanas, como medida de pressão para que o governo desistisse da implementação de programas de educação sexual integral. A Igreja Católica, historicamente, sustentou a postura de que as relações sexuais devem ter como única finalidade a reprodução humana. Segundo esse conceito, está claro, se questiona o uso de métodos contraceptivos e de proteção contra doenças sexualmente transmissíveis. Segundo esse conceito, também não têm espaço as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. No fundo, o que se questiona é que as relações sexuais possam acontecer por prazer. E justamente o direito ao prazer, que se inclui no direito sobre o próprio corpo, é outro dos posicionamentos dos movimentos de mulheres que ganhou força nos últimos anos. Relacionado a este tema está o debate sobre o aborto, que realizado em condições de clandestinidade tirou a vida de


SALUD SUR

milhares de mulheres, muitas delas, adolescentes. Apenas em dois países sul-americanos é legal o aborto nas primeiras semanas de gestação, sem condições específicas. Existem grupos na região que defendem, apesar da contundente evidência que os contradiz, que quanto mais acesso à educação sexual integral, mais casos de gravidez na adolescência haverão já que consideram que estimula as relações sexuais precoces, e leva à libertinagem. A realidade é outra. Centenas de estudos demonstram a efetividade do maior acesso aos contraceptivos e à informação baseada em evidência. A própria OMS inclui estas estratégias em suas recomendações para os Estados Membros, e o faz porque são efetivas. A base de dados do Banco Mundial demonstra que todos os países sul-americanos reduziram a taxa de fertilidade em adolescentes entre 15 e 19 anos nas últimas décadas, mas só cinco deles a reduziram mais que a média na América Latina, e esta por sua vez piorou sua posição mundial com relação a outras regiões, tendo agora uma das mais altas taxas do mundo. Mais acesso aos métodos contraceptivos e à educação sexual integral, algo que claramente aconteceu em nossa região, melhorou a situação, mas as cifras também expõem que é necessário aprofundar as políticas. Desejamos que a redução da taxa de gravidez adolescente se dê mais rápido, sempre no marco do respeito aos direitos das e dos adolescentes. Com esse fim, convidamos vocês a ler um estudo realizado por ISAGS no ano passado (disponível em nossa página web), que compila as políticas e estratégias dos países da UNASUL para abordar a gravidez adolescente não planejada.


PÍLULAS

INSTITUCIONAL EPISTEMOLOGIAS DO SUL E SUA RELAÇÃO COM A SAÚDE No dia 02 de março, os pesquisadores Bruno Sena Martins e João Arriscado Nunes estiveram na sede do ISAGS, no Rio de Janeiro, para debater o tema “Epistemologias do Sul e sua Relação com a Saúde na América do Sul”. O evento abriu a série Diálogos do Sul de 2018. Sena Martins e Arriscado Nunes fazem parte do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, dirigido pelo sociólogo Boaventura de Souza Santos, que pesquisa como as estruturas sociais e de poder constituem e interferem na produção de saberes.

ESPECIALISTA DO ISAGS MAGISTRAL NA UFRJ

CLASSE

No dia 2 de março, nosso especialista em Sistemas e Serviços de Saúde, Félix Rigoli, deu uma aula magistral na inauguração do Mestrado em Atenção Primária da Saúde na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O tema da sua palestra foi “Governança em Saúde Internacional: a perspectiva sul-americana”.

NOVAS FUNCIONÁRIAS DO ISAGS

“O conhecimento não é só conhecimento”, ressaltou Martins em sua fala, lembrando que a questão epistemológica é também ética e política. Ao lembrar o histórico da colonização, que passa pela desumanização de diversos povos, e de como essa dimensão ainda é estruturante de nossas sociedades, Martins apresentou as linhas pelas quais as epistemologias do Sul fazem suas investigações. Sociologia das ausências, sociologia das emergências, ecologia de saberes, tradução intercultural e artesanias das práticas são algumas das estratégias trazidas por essa abordagem. Esses conceitos são importantes para a reflexão sobre as práticas de saúde. Nunes propõe pensar a saúde a partir da experiência do sofrimento. Um sofrimento que é inscrito no corpo e na alma daqueles que são sujeitos a uma violência estrutural causada pela tripla dominação: capitalista, colonial e patriarcal. No entanto, esse sofrimento também gera respostas, práticas de cuidado e cura que na maior parte das vezes são ignorados pela medicina hegemônica. Ou, em outros casos, precisa passar pela validação dessa medicina, como no caso de práticas da medicina oriental, como a acupuntura, ou da biopirataria, que se apropria de saberes tradicionais.

Julia Dias é a nova redatora de Imprensa e Redes Sociais do ISAGS. Formada em Comunicação Social pela UFRJ, Julia trabalhou na Academia Brasileira de Ciências e no Centro de Comunicação das Nações Unidas no Brasil. Atualmente, está fazendo uma especialização em Políticas Públicas para a Igualdade na América Latina pela CLACSO.

A essas práticas os pesquisadores dão o nome de ‘monocultura do saber’ e, em oposição a ela, propõe uma ‘ecologia do saber’, que reconheça e respeite as diferentes práticas de cuidado e cura e sua capacidade de lidar com os distintos sofrimentos. Nunes destacou ainda como a submissão das pesquisas em saúde e da indústria farmacêutica à lógica de mercado capitalista penaliza populações que já se encontram marcadas pelo sofrimento lento e cotidiano das práticas capitalistas de produção e trabalho. São justamente as populações que mais sofrem pelo avanço de doenças causadas pela colonização e o capitalismo, como as doenças infecciosas que dizimaram populações indígenas, as que têm negado o acesso a medicamentos e aos benefícios da biomedicina. Diálogos do Sul é uma série de encontros na sede do ISAGS que busca discutir tópicos relevantes para a saúde da região. Os eventos são abertos ao público e também transmitidos em nossas redes sociais.

Sandra Belo é a nova analista Financeira, de Recursos Humanos e Estágios. Formada em Recursos Humanos pelo Instituto Metodista e com pós-graduação em Gestão de Negócios pela IBMEC, Sandra tem uma experiência de 11 anos tanto na área comercial como em finanças.


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