Um Novo Horizonte em Fotos

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OS JOVENS QUE APARECEM NAS FOTOS Mais que um livro de fotos, trata-se de um livro de vidas. A arte que brota no olhar fixado nas lentes, retrata uma realidade que demonstra a potência dos jovens, hoje, no Degase. Um alimento para a humanidade que torna visível o mais importante: os jovens! Ainda que não possam aparecer, aparece a arte, a criatividade, a visão do mundo, o olhar e há, impregnado em tudo isso, muito de cada um deles. Este livro nasce e se constitui como um trabalho coletivo. Jovens detidos, vivendo, já nas fases iniciais da vida, um dos extremos da punição: a detenção. Seja pelo abandono, pela errância da vida, pela limitada ação do Estado, ou mesmo pela cultura punitiva que impera na sociedade. E, ainda assim, sobra um sopro criativo, alegre, potente, que traz sementes de esperança, de transformação. Esperança de ampliação da humanidade. Neste momento que se ameaça diminuir a maioridade penal, olhar com afeto, generosidade e compromisso para esta linda obra coletiva, quem sabe pode ampliar a disposição por direitos? O Estado deveria investir em ações criativas, participativas, inventivas, que ampliem a potência dessa juventude do século XXI. Superar a limitada e anacrônica fome pela ampliação de direitos é um grande desafio e isso se faz avançando para novas conquistas. Essa visão contemporânea está expressa nesta linda obra de muitos cliques, muitos olhares, diferentes iluminações, que reforçam a convivência como uma conquista necessária e o direito à diferença como uma engrenagem para o avanço da democracia em todas as suas dimensões. O encontro entre o Observatório de Favelas e o Instituto Terra Nova para a produção deste lindo livro, no qual os protagonistas não podem aparecer, nos elevou, ampliou nossos repertórios e visão. Observar a partir dos variados ângulos de captação de cada olhar, de cada história e sensibilidade, nos torna mais fortes, dispostos e otimistas. Vamos nessa estrada construir e conquistar uma cidade de direitos. Eduardo Alves - Diretor do Observatório de Favelas e Coordenador Geral da ESPOCC



COLABORADORES: Ana Paula Degani Thiago Ripper

PROJETO GRÁFICO: Jeff Sanchez COMPILADORA: Luciana Meireles EDITOR: Cícero Nogueira

www.curioeditora.com

RIO DE JANEIRO 2015


OS MENINOS Os meninos de olhos tristes, que quase derretem, são também os meninos de olhos brilhantes que acabam de descobrir o mundo. Os meninos e suas mãos ágeis que querem descobrir cantos, lugares, sentidos, que querem tocar o mundo! Os meninos de olhares perfeitos, de caminhos tortos, que reúnem todas as energias do universo e colocam dentro de uma câmera com um pouco dos seus sonhos. Os meninos de sonhos profundos, de calma desassossegada, que transmitem a vontade de ver o mundo de uma só vez, com todos os seus clicks e cores, nuances e percepções. Os meninos das noites em claro, de motivos de insônia, de culpas remoídas e saudades profundas. Os meninos do mundo... Que não pertencem a ninguém, a não ser a eles mesmos. Que não são de lugar nenhum, a não ser do agora. Os meninos que são o mundo, que são inteiros, E que não cabem em si de tanto querer ver e ser. Ana Degani



(...) Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo. Fragmento do poema Dou respeito às coisas desimportantes, de Manoel de Barros. 1



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Se podes olhar, vĂŞ. Se podes ver, repara. JosĂŠ Saramago 2


A utopia estรก lรก no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcanรงarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu nรฃo deixe de caminhar. Eduardo Galeano 3

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(...) Caminhante, são tuas pegadas O caminho e nada mais; Caminhante, não há caminho, Se faz caminho ao andar. Ao andar, se faz caminho E ao voltar a vista atrás Se vê a senda que nunca Se há de voltar a pisar. (...) Poema Cantares, de António Machado 4

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16 UMA DIDÁTICA DA INVENÇÃO I. Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber: a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação e) Que um rio que f lui entre 2 jacintos carrega mais ternura que um rio que f lui entre 2 lagartos f) Como pegar na voz de um peixe g) Qual o lado da noite que umedece primeiro. (...) Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios. Manoel de Barros 5




19 UMA DIDÁTICA DA INVENÇÃO IX. Para entrar em estado de árvore é preciso partir de um torpor animal de lagarto às 3 horas da tarde, no mês de agosto. Em 2 anos a inércia e o mato vão crescer em nossa boca. Sofreremos alguma decomposição lírica até o mato sair na voz... Hoje eu desenho o cheiro das árvores. Manoel de Barros 6



UMA DIDÁTICA DA INVENÇÃO VII. No descomeço era o verbo. Só depois é que veio o delírio do verbo. O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos. A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor, mas para som. Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira. E pois. Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos — O verbo tem que pegar delírio. Manoel de Barros 7

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JARDIM INTERIOR Todos os jardins deviam ser fechados com altos muros de um cinza muito pálido, onde uma fonte pudesse cantar sozinha entre o vermelho dos cravos. O que mata um jardim não é mesmo alguma ausência nem o abandono... O que mata um jardim é esse olhar vazio de quem por eles passa indiferente. Mário Quintana 8

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Se temos de esperar, que seja para colher a semente boa que lançamos hoje no solo da vida. Se for para semear, então que seja para produzir milhþes de sorrisos, de solidariedade e amizade. Cora Carolina 9



NinguĂŠm caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, refazendo e retocando o sonho pelo qual se pĂ´s a caminhar. Paulo Freire 10

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DifĂ­cil fotografar o silĂŞncio. Entretanto, tentei. (...) Manoel de Barros 11



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A liberdade, que é uma conquista, e não uma doação, exige permanente busca. Busca permanente que só existe no ato responsável de quem a faz. Ninguém tem liberdade para ser livre: pelo contrário, luta por ela precisamente porque não a tem. Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho, as pessoas se libertam em comunhão. Paulo Freire 12


(...) Todo amanhĂŁ se cria num ontem, atravĂŠs de um hoje (...). Temos de saber o que fomos, para saber o que seremos. Paulo Freire 13


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Gosto de ser gente, porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas consciente do inacabamento, sei que posso ir mais alĂŠm dele. Paulo Freire 14


Há muitas pessoas de visão perfeita que nada veem... O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido! Rubem Alves 15

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Todo caminho da gente é resvaloso. Mas também, cair não prejudica demais - a gente levanta, a gente sobe, a gente volta! O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. Guimarães Rosa 16

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Para ser feliz de verdade É preciso encarar A realidade. Millôr Fernandes 17

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Eu quero desaprender para aprender de novo. Raspar as tintas com que me pintaram. Desencaixotar emoçþes, recuperar sentidos. Rubem Alves 18


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De que adianta falar de motivos? Às vezes, basta um só; às vezes, nem juntando todos. José Saramago 19



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“Ilha não é só um pedaço de terra cercado de água por tudo quanto é lado. Ilha é qualquer coisa que se desprendeu de qualquer continente. (...) Tudo na gente que não morreu, cercado por tudo o que mataram, é uma ilha. Toda ilha é verde. Uma folha caindo é ilha cercada de vento por tudo quanto é lado. Até a lágrima é ilha, deslizando no oceano da cara.” In: A Ilha, de Oswaldo Montenegro 20



Aqui em casa pousou uma esperanรงa. Nรฃo a clรกssica, que tantas vezes verifica-se ser ilusรณria, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto. Conto uma Esperanรงa, de Clarice Lispector 21

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Quantas perguntas tem um gato? Pablo Neruda 22



Os cientistas dizem que somos feitos de รกtomos, mas um passarinho me contou que somos feitos de histรณrias. Eduardo Galeano 23


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A memรณria guardarรก o que valer a pena. A memรณria sabe de mim mais que eu; e ela nรฃo perde o que merece ser salvo. Eduardo Galeano 24


FICHA TÉCNICA DO PROJETO UM NOVO HORIZONTE Cícero Nogueira Coordenador Geral Marco Antônio Gomes Coordenador Administrativo - Financeiro Luciana Meireles Coordenadora Executiva Anna Christina Oliveira Monitoramento e Avaliacao Ana Cristina Alves Assistente Pedagogica

AGRADECIMENTOS ESPECIAIS À EQUIPE DO NOVO DEGASE Diretor Geral do DEGASE: Alexandre Azevedo de Jesus Coordenador da Coordenação de Educação, Cultura, Esporte e Lazer - CECEL: George Fox Diretor da Divisão de Cultura, Esporte e Lazer - DICEL: Alexander Martins Diretora da Divisão de Pedagogia: Kátia Barghigiani Diretora do Centro de Capacitação Profissional - CECAP: Rosane Braga

AGRADECIMENTOS ESPECIAIS À EQUIPE DA AGÊNCIA DIÁLOGOS (ESPOCC) - OBSERVATÓRIO DE FAVELAS Diretor do Observatório de Favelas e Coordenador Geral da ESPOCC: Eduardo Alves Coordenador Executivo da Agência Diálogos e da ESPOCC: Rodrigo Azevedo Diretor de Criação da Agência Diálogos e Diretor de Arte da ESPOCC: Jeff Sanchez



BIBLIOGRAFIA 1. BARROS, Manoel de. Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2011. 2. SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Cia. das Letras, 1996. 3. GALEANO, Eduardo. As Palavras Andantes. Porto Alegre: L&PM, 1994. 4. MACHADO, A. Poesias completas, Prólogo Manuel Alvar, Madrid: Espasa- Calpe, Selecciones Austral, 1977. 5. BARROS, Manoel de. O Livro das Ignorãças. Rio de Janeiro: Record, 1994. 6. BARROS, Manoel de. O Livro das Ignorãças. Rio de Janeiro: Record, 1994. 7. BARROS, Manoel de. O Livro das Ignorãças. Rio de Janeiro: Record, 1994. 8. QUINTANA, Mário. Quintana de bolso/ Mário Quintana. Porto Alegre: L&PM, 2007. 9. CORALINA, C. Vintém de cobre: meias confissões de Aninha. Goiânia: Ed. Da UFG, 1985. 10. FREIRE, P. Pedagogia da esperança. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1992. 11. BARROS, M. Ensaios fotográficos. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000. 12. FREIRE. P. Pedagogia do Oprimido. 17ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 1987. 13. FREIRE, P. Educação e Mudança. 12ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 1993. 14. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1993. 15. ALVES, Rubem. A Complicada Arte de Ver. Disponível em: www.rubemalves.com.br Acesso em: 12/10/2011. 16. GUIMARÃES ROSA, João. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994. 17. FERNANDES, Millôr. Hai-Kais/ Millôr Fernandes. Porto Alegre: L&PM, 1997. 18. ALVES, Rubem. A Complicada Arte de Ver. Disponível em: w.rubemalves.com.br Acesso em: 12/10/2011. 19. SARAMAGO, José. A Jangada de Pedra. Editorial Caminho, S.A., Lisboa, 1986. 20. MONTENEGRO, Oswaldo. Conto Ilha. Disponível em: www.oswaldomontenegro.com.br 21. LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina: contos / Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. 22. NERUDA, Pablo. Livro das Perguntas/ Neftali Ricardo Reyes; tradução de Olga Savary. Porto Alegre: L&PM, 2004. 23. Eduardo Galeano ao apresentar seu novo livro “Os filhos dos dias”, publicado pela editora L&PM. 24. GALEANO, Eduardo. Dias e noites de amor e de guerra. Porto Alegre: L&PM, 2001.


O Instituto Terra Nova nasceu com a missão de transformar vidas de pequenos empreendedores sociais e auxiliá-los na concretização de seu próprio negócio. Com 08 anos de experiência na área mencionada, atua promovendo qualificações profissionais, culturais e esportivas, seminários, workshops, palestras e eventos com a finalidade de difundir o empreendedorismo individual e social. Com esse foco, a instituição estabelece parcerias com renomadas ONGs e instituições – privadas e públicas – objetivando potencializar o desenvolvimento de ações pedagógicas de qualidade, como também a abrangência de atendimento em localidades com baixos índices de IDH – Índice de Desenvolvimento Humano. Dentro desse propósito surgiu o projeto Um Novo Horizonte. Um Novo Horizonte é um projeto social que tem como objetivo facilitar o processo de reinserção social e profissional de jovens em conf lito com a lei que estão cumprindo medida socioeducativa em unidades de internação, de semiliberdade e de liberdade assistida do DEGASE, em unidades localizadas nas seguintes localidades: Ilha do Governador, Bangu, Ricardo de Albuquerque, Campos dos Goytacazes, São Gonçalo e Belford Roxo. Com essa parceria entre o Governo do Estado do Rio de Janeiro, através do Novo Degase, e com a Petrobras, financiadora do projeto, foi possível atender, em quase dois anos, cerca de mais de 2.000 jovens em cursos variados como: Costura Básica e Customização, Marcenaria, Cerâmica Artística, Corte de Cabelo Masculino, Batik e Tie Dye, Serigrafia, Penteado Afro e apliques, Desenho, Bordado, Garçom para Eventos, Pintura e Texturização de Paredes, Capoeira e Fotografia. Essa iniciativa tem contribuído com o oferecimento de oportunidades concretas de crescimento e amadurecimento pessoal e profissional desse público, resultando em melhoria da qualidade de vida, respeito e prática dos direitos e deveres e mais: uma possibilidade de ter, presenciar e ver UM NOVO HORIZONTE.




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