Biografia abdias

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Abdias Nascimento

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O apartheid já foi definido muito propriamente como um crime contra a humanidade. A consciência livre do mundo, o espírito de justiça e de solidariedade humana tem repudiado essa prática do Governo da África do Sul, e até países como a França e os Estados Unidos têm publicamente se aliado a essa condenação internacional do apartheid. Entretanto, para nossa vergonha, constatamos a ausência e a omissão do Governo do Brasil, no sentido de uma ação concreta que justifique na prática as suas declarações contra o apartheid proferidas tanto na assembleia da ONU como mesmo pelo Exmo. Presidente José Sarney. É realmente uma contradição terrível que o Brasil, o maior país negro do mundo depois da Nigéria, que tanto se proclama o berço da “democracia racial” e que deveria liderar internacionalmente a luta contra o apartheid, mantenha relações diplomáticas e comerciais com o Governo sul-africano. Mais do que uma contradição e um infortúnio, a cumplicidade do Brasil com o apartheid é uma cegueira política de graves consequências para o futuro de nossas relações internacionais. Porque, mantendo esse tipo de endosso tácito ao governo assassino sul-africano, o Brasil se mantém um aliado das forças mais retrógradas e obscurantistas do nosso tempo. A comunidade negra brasileira, da qual sou porta-voz neste Congresso, clama e exige do governo da chamada Nova República uma atitude que traduza os reclamos da consciência democrática do nosso povo: o imediato rompimento de todo e qualquer tipo de relações com o governo da África do Sul. Ainda na segunda-feira última, dia 5, os negros do Rio de Janeiro e de São Paulo realizaram marchas e ato público, nas duas grandes capitais, de repúdio ao apartheid. Também a população negra de Brasília redigiu um documento de repúdio às nossas relações com a África do Sul. Peço que esses documentos sejam incluídos como parte deste meu pronunciamento, pois eles iluminam a realidade vivida por nosso povo neste instante. Esperamos que o Governo do Presidente José Sarney, assim como os responsáveis pela Nova República não se mantenham indiferentes, como é da tradição das classes dirigentes deste País, ao clamor das aspirações mais altas e justas dos descendentes daqueles africanos escravizados que edificaram o Brasil.

Povo negro, Nova República e Assembleia Constituinte A transição do poder militar para o civil em 1985, quando o vice-presidente José Sarney assumiu no lugar do presidente eleito Tancredo Neves, representou uma nova etapa no processo de redemocratização do país após a anistia, a volta dos exilados, a reorganização partidária e as eleições de 1982. A Emenda Dante de Oliveira, que instituiria eleições diretas como mecanismo dessa transição e


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