Elitismo, autonomia, populismo - os intelectuais na transição dos anos 1940

Page 149

Capítulo 4 ESCRITORES EM AÇÃO

Elitismo, Autonomia, Populismo

dos escritores, mas igualmente em defesa das liberdades democráticas. Desafiava que se apontasse um único fato “indicativo de alguma atitude assumida por algum escritor comunista, durante os trabalhos do Congresso, contrária ao espírito democrático ali reinante. O próprio desfecho da crise demonstra suficientemente o que estamos afirmando”. Portanto, se alguma derrota acontecera, essa havia sido daqueles que apostavam no isolamento do PCB, já que a democracia teria sido vitoriosa, bastava ler a Declaração de Princípios que reafirmava e ampliava a Declaração do I Congresso. Comparando o momento com as circunstâncias que cercaram a realização do I Congresso, Astrojildo dizia: “Em 1945, a Declaração de Princípios serviu de plataforma à ação de reconquista das liberdades democráticas que haviam sido destruídas em 1937. Sabe-se como os escritores e os intelectuais em geral intervieram então na batalha política, desempenhando importante papel na luta comum de todo o nosso povo pela redemocratização do país. Eles reviviam, pode-se dizer, a tradição militante da inteligência brasileira que o passado nos legara, desde a Inconfidência, a Independência, a Regência, a Abolição, a República”. Contrapondo as conjunturas, vê em 1945 um momento de um processo que cumpre uma trajetória ascendente, enquanto a situação de 1947 é vivenciada como retrógrada e caracterizada pela “volta ao cenário do mesmo grupo fascista que desencadeou a reação de 1937 e está empregando esforços desesperados para liquidar a Constituição de 1946 e reimplantar no país a ditadura fascista. Já nos encontramos, de fato, sob um regime de arbítrio policial, com a anulação na prática das mais elementares liberdades consignadas na Constituição”. É por ter essa percepção que Astrojildo, a despeito de toda a crise vivenciada no encontro, valoriza tanto a Declaração de Princípios, reconhecendo e assinalando os perigos que ameaçavam (e já atingiam) a democracia brasileira, conclamando os escritores à defesa dos princípios democráticos fundamentais, consagrados na Constituição: livre organização das associações e partidos, inviolabilidade do mandato popular, eliminação das leis restritivas e dos aparelhos judiciários de exceção (PEREIRA, 1963, p. 300-303). •294•

À guisa de conclusão: “O racha dos escritores” e a cisão política e cultura A partir da cassação dos parlamentares eleitos pelo PC, a predominância do esquerdismo e o abandono da política de união nacional, que tentara tornar o PC um partido esteio da ordem e da tranquilidade, se implantam definitivamente. O que sem dúvida tinha relação com o isolamento da URSS no plano internacional e com o advento da Guerra Fria. Embora o exagero dessa guinada tenha forte relação com as limitações próprias à cultura e à política do país. As razões que levaram à marginalização do PC e à sua exclusão do sistema político eram pequenas, se comparadas ao papel exercido pelo largo campo que compunha a esquerda brasileira durante a luta contra o Estado Novo. O espírito que predominou entre os comunistas brasileiros foi marcado fortemente pela decepção com o processo democrático: de certo modo, se sentiram traídos pelas forças com as quais haviam se aliado no início do processo de transição. A partir daí, a cultura de esquerda trilhou um caminho, talvez excessivamente despropositado, mas seguramente compreensível, no qual, desiludida com a democracia, preparou-se, subjetivamente, para uma guerra de largas proporções e para a clandestinidade, justificadas pela perseguição e repressão que são desencadeadas contra o PCB. Por isso mesmo, odiou, sinceramente, aqueles que considerou “oportunistas”, os “pretensamente progressistas”, os “vacilantes”, os que, em nome do liberalismo, ajudavam a reação a isolar e reprimir os comunistas. Até mesmo Astrojildo, sempre preocupado com a interlocução com as outras correntes, em especial com o liberalismo, e empenhado no diálogo intelectual, acaba concedendo ao sectarismo e ao culto da personalidade que se apossam do universo intelectual da cultura comunista (KONDER, 1981, p. 67). A concessão chega a um ponto em que Astrojildo, já no início de 1948, na sequência, portanto, do II Congresso de Escritores, trata Prestes como “economista, pensador político, sociólogo, teórico do marxismo”: “O homem que melhor e mais profundamente conhece os problemas brasileiros, em seus múltiplos aspectos históricos, econômicos, políticos e sociais” (PEREIRA, 21.02.1948). A alusão à superação das especializações na figura de Prestes, evidentemente, não é gratuita. •295•


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.