Cem anos de música no Brasil 1912-2012

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glossário

jamais voltou a usá-la. Entretanto, o procedimento havia fascinado vários jovens compositores, alunos de Messiaen nos cursos de música de vanguarda da cidade de Darmstadt, na Alemanha, que apanharam o bastão do serialismo integral do mestre como o caminho preferencial para a música nova (Neue Musik). Iniciava-se ali um movimento que seria predominante na cena contemporânea da década de 1950, por meio das obras de compositores como Pierre Boulez, Karlheinz Stockhausen, Luigi Nono e Henri Pousseur. Fora desse círculo, a palavra serialismo tinha forte conotação pejorativa por causa do alto grau de abstração matemática envolvido em seus procedimentos, símbolo de uma ultrarracionalização do processo criativo que já na década seguinte havia sido abandonada pela maioria de seus principais defensores. Porém, ainda na década de 1950, o serialismo integral mostrava suas fragilidades, tal como exposto no fundamental artigo elaborado pelo compositor Iannis Xenakis La crise de la musique sérielle (ou A crise da música serial), de 1955. Ao final deste período vários compositores buscavam caminhos alternativos ao serialismo integral que, no entanto, havia deixado raízes profundas na criação musical, incutindo de forma definitiva o pensamento especulativo como importante estratégia da composição musical.

P POLIMETRIA No repertório tradicional, a música tende a ter apenas uma medida métrica, que rege a organização do tempo. Tomemos como exemplo o ritmo da valsa, cuja métrica está baseada em três tempos (ou “batidas”), sendo o primeiro forte e os demais fracos (o famoso “pum-tchá-tchá”). Imagine que cada ciclo destas três batidas toma o total de 1 segundo. Agora imagine que, sobrepondo-se à métrica ternária da valsa, criemos uma parte organizada em dois tempos, binário (um forte e um fraco, “pum-tchá”), e não em três, ocupando o mesmo espaço de 1 segundo. Temos aí um exemplo elementar de polimetria, isto é, quando duas ou mais pulsações musicais são propositalmente sobrepostas em uma partitura, contribuindo para a complexidade da obra. No século 20, a polimetria tornou-se uma importante estratégia por parte dos compositores, e refletiu no campo da métrica e do ritmo os anseios por novas sonoridades trabalhadas no campo da harmonia e da melodia por meio da sensação de irregularidade que dela resulta. Foi a partir deste desejo pela quebra da previsibilidade temporal que se nota também o uso sistemático de quiálteras na notação musical do período. Em termos gerais, o procedimento indica para a música uma alteração na proporcionalidade das durações das notas. Voltando ao ritmo da valsa, um compositor pode pedir para que, no lugar de três notas por compasso, o intérprete “encaixe” cinco notas, gerando assim uma rítmica bem mais irregular e complexa. Polimodalismo Baseia-se no mesmo princípio da politonalidade. Porém, em vez do uso de diferentes tonalidades, usam-se diferentes modos, isto é, diferentes escalas heptatônicas com diferentes posições dos intervalos de tom e meio-tom. Se na música tonal temos duas escalas básicas (a maior e a menor), na música modal temos sete escalas, todas batizadas com nomes usados na Grécia antiga (apesar de não existir nenhuma prova de que eles empregassem essas mesmas escalas): jônio, dórico, frígio, lídio, mixolídio, eólio e lócrio. O uso moderno de escalas 344


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