Inventário Cultural de Quilombos do Vale do Ribeira

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Ofícios & Modo

de

Fazer

Desde criança planto mandioca e faço farinha branca, “farinha d’água, biju, coruja, bolo e cuscuz de puva. É um meio de vida, podemos consumir seja lá o que for feito com a mandioca, e podemos vender. Primeiro a casa tem que instalar a roda, o cocho, a prensa, o forno, a teipa. Seja o trabalho qual for, é sempre bom ter duas ou mais pessoas. Quando ainda eu era criança, ajudando meus pais a fazer farinha, cinco porco que eles tinham criação, beberam a mandiquera da mandioca. Todos os cinco morreram envenenados. Nós limpamos e todos os cinco estavam com o estômago se descascando, todo roxo. Mas, mesmo assim, nós não desperdiçamos. Tudo isso porque a mandiquera era muito forte. Antigamente as mulheres sevavam [colocam a mandioca no ralador] e os homens ralavam [giram a roda do ralador]. Hoje só uma pessoa consegue sevar, porque se usa o motor. Pra enxugar não é mais prensa e nem tipiti, porque aqui quase não tem mais . (Armando Modesto Pereira, 76 anos, Morro Seco, 2010)

Arranca a mandioca, coloca no cesto e traz pro tráfico de “farinha. Raspa, lava e leva pra ralar. Uma pessoa vira a roda e outra seva a mandioca. Depois de ralado, coloca no tipiti feito de cipó ou saco de nylon e leva pra prensa ou burro. O burro é feito com um pau pra fazer o travessão; uma tábua pra por o tipiti com a mandioca ralada e enche de pedra pra prensar o tipiti. Depois de algum tempo tira a mandioca da prensa e peneira. Leva pra torrar no forno grande, próprio pra fazer farinha, e mexe com o mexedor até ficar pronta a farinha . (Donaide Morato de Morais, 57 anos, Ivaporunduva, 2010)

Fazer

desde que casei, em 1953. O mais poquico “queFaçofaziafarinha era de dois alqueire, que dava dois sacos de 50 qui-

dioca é 20 litros, dá 10 quilos. Era pra comer, às vezes vendia. Era farinha repartida, fazia pra umas duas ou três famílias, então repartia e guardava na lata. Era um quebra-galho pra família. Quando acabava aquela farinha a pessoa já achava falta, ia fazer mais. Fazia parte da nossa alimentação. Hoje em dia tem pouca pessoa fazendo porque quase ninguém mais planta. Quem faz, ainda faz do jeito que era antes . (Maria Mateus Mandira, 79 anos, Mandira, 2011)

los. Oito fornadas de farinha rendiam 100 quilos. Fazia pra vender, levava no porto pra vender no Batatal. O dono da venda era Izídio Lobo. A gente descia de canoa. Alegre ainda, cantando e gritando. O dinheiro da venda da farinha servia para comprar querosene, roupa, gordura etc. Era o trabalho que tinha na época . (Deolinda Moraes, 74 anos, Nhunguara, 2011)

desde quando tinha dez anos: torrava, colo“cavaFaziano farinha forno, passava na peneira e assim por diante. Faço

toda a semana, pra aumentar um pouco mais a ren“daFaço do mês. Arranco a mandioca, trago para casa, raspo, lavo,

Cuscuz: o tempero é a mesma coisa da coruja e aí põe no cuscuzeiro pra assar. Tampa ele e assa.

pai fazia e eu comecei a fornear com ele desde os 12 “anos.MeuAprendi sozinha, olhando. Minhas filhas não se interes-

e depois prenso até que a massa esteja seca. Depois de tirar a massa da prensa é só peneirar e colocar no forno e esperar algumas horas até que a farinha esteja torrada. Faço eu e meu marido Paulino. É importante para a comunidade por que mantém a tradição de todos os nossos antepassados . (Zulmira Rosa de Oliveira, 73 anos, Porto Velho, 2011)

É importante pra gente poder se alimentar, é uma pena só que a gente não tem roda pra fazer farinha. Eu não faço mais porque não tenho roda nem forno, senão continuava a mesma coisa de antes. Tem gente aqui em Praia Grande que ainda faz, a comadre Marina e a Conceição. Se a gente tivesse a roda não passava apuro que tamo passando agora . (Terezinha, 54 anos, Praia Grande, 2011)

saram muito. Tem que ralar na roda, ponhar a massa no tipiti, pôr na prensa ou no burro [pedras], extrair a mandiquera [separar o polvilho]. A massa é coada pra tirar a quirera [toquinho de mandioca], pôr no forno, mexer até ficar no ponto [quando sai do ponto que gruda] . (Geni Cunha Teixeira, 52 anos, Mandira, 2010)

começo ao fim. A gente planta, se cria mato, a “genteFaçotira.doQuando dá dois anos, ta boa de gastar. Arranca a mandioca, traz pra casa, pega a faca, raspa a pele e põe na água. Lava bem lavadinho e põe na roda. A sevadora vai sevando. Depois de tudo ralado, põe na vasilha e na prensa, no tipiti. As pedras são o burro. Põe peso até ficar enxuto. Depois que enxugou a massa, peneira e vai pro forno. A quirera fica pra cima da peneira, sobra da massa. A quirera refresca o forno. Conforme a quantidade, vai quase o dia inteiro no forno. Se for de saco de 60 quilos daí leva dois dias. Depois de fornear, vai mexendo. Aproveita a quirera pras criação. A mandiquera põe num pano, enxuga e sobra a goma. As ferramentas que usa: pra arrancar a mandioca: enxadão. Balaio ou saco pra carregar. Foice pra limpar o pé da mandioca. Faca pra rapar. Gamela para guardar. Tipiti pra prensar a massa. Coxo, onde cai a massa. Pedras e varão pra fazer o burro. Plástico para forrar o cocho. Pá para mexer no forno.

2010) Inventário Cultural de Quilombos do Vale do Ribeira

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“Fazia a farinha de duas em duas semanas no tráfico de farinha, no terreiro das casas. Um alqueire de farinha de man-

Alguns abandonaram [a produção de farinha], mas eu não vou abandonar. Já comentaram na reunião, eles admiram eu não abandonar essa luta. Os outros abandonaram e nem pensam de fazer. Acho que abandonaram porque não têm coragem, a preguiça ajuda um pouco, falta de vontade. O pessoal fica à toa . (Domingos Máximo Vieira, 71 anos, Nhunguara,

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Ofícios & Modo

Fazia farinha e biju. Fazia doce, taiada e pé-de-moleque. “Agora não tô fazendo mais, parei faz uns 15 anos. Dava a mandioca pra porco, pra galinha e pra peixe, pra tratar de criação. Eu mesmo não sei torrar, quem torra é a minha mulher, eu sei ralar. Quando eu fazia o doce da farinha da mandioca, a taiada, eu vendia lá em Iporanga. Vendia fiado, depois eles pagavam eu, aí eu parei de fazer, porque tinha trabalho e não tinha lucro. Taiada: faz com rapadura cozida com gengibre, depois que ela tá no ponto põe na farinha de mandioca e põe no forno.

bolinho, sei fazer coruja, biju, cuscuz; da mandioca a gente faz um montão de coisa. Coruja: tempera a massa de mandioca com amendoim, sal, corta a folha de banana e amarra nas duas pontas da coruja e põe no forno ou na fornalha pra assar.

Nós tinha uma fabriquetinha pra fazer. Eu colhia, rapava, “lavava e dispois relava na rodinha manual que nós tinha. Prensava ela pra tirar a mandiquera, enxugava e colocava numa vasilha. Moía ela novamente, coava na peneira e torrava no forno, com foguinho bem leve. Eu ainda tenho o tráfico pra fazer, mas tô cansado. E os mais novo não querem fazer esse tipo de serviço, eles querem saber de emprego que paga rápido . (Edu Nolasco, 73 anos, São Pedro, 2011)

Pressada: faz com polvilho ou goma. Depois que enxuga a massa [da mandioca], bota pra secar bem sequinho, moe e coa. Fica que nem farinha de trigo e dá pra fazer pressada. Biju: tempera a massa bem coadinha, bem fininha. Põe o amendoim torrado e sal e põe pra assar no forno. Paçoca: mistura farinha com amendoim torrado, soca no pilão bem socado. (Otávio Pedroso de Almeida, 55 anos, Pilões, 2011)

ajudei minha mãe a fazer farinha: arrancar, rapar, la“var,Jásevar, colocar na prensa pra secar, levar no forno pra torrar. Aprendi com a minha mãe, olhando, quando eu tinha uns 17 anos. Tem que ter pelo menos duas pessoas. Uma pra virar, outra pra sevar. Quase toda semana minha mãe faz, o pessoal pede. Vendemos a farinha e conseguimos um troco . (Andreia Aparecida Ribeiro, 23 anos, Praia Grande, 2011)

Domingos torrando farinha. Quilombo Nhunguara. © Felipe Leal/ISA, 2010 Inventário Cultural de Quilombos do Vale do Ribeira

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