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Capitulo 2 Territorialidade no Vale do Ribeira

1. Histórico da ocupação

tulos de propriedade a pequenos posseiros no Vale do Vale do Ribeira. Porém, essa forma de “demarcação” desconsiderava a existência de terras comunais, permitindo que fossem loteadas. Esse procedimento gerou sérios conflitos internos, porque algumas famílias quilombolas venderam seus lotes a pessoas de fora da comunidade, agravando assim a questão fundiária. No inicio da década de 1980, o governo do Estado de São Paulo investiu em melhorias nas estradas que dão acesso à região, a fim de integrá-la ao resto do Estado. As terras se valorizaram, a especulação imobiliária se instalou despertando interesses de latifundiários e empresários de outras regiões, agravando conflitos fundiários em diversas áreas do Vale. Ainda na década de 1980, o governo estadual começou a se apoiar nas organizações sociais existentes na região, visando implementar suas políticas de desenvolvimento rural. No mesmo período, setores da Igreja Católica incentivavam as organizações rurais existentes, para que permanecessem nas terras que já ocupavam há várias décadas. No caso das comunidades quilombolas esse processo se deu com a motivação de seus integrantes a se organizarem em associações comunitárias, uma vez que essa era uma das exigências que o Estado impunha para que tivessem suas terras. Nessa época também foram criadas a maioria das Unidades de Conservação da região. Nos anos 1990, foram promulgadas leis ambientais restringindo as formas de uso dos recursos da Mata Atlântica, e foi a época em que, a região se destacou no cenário político do Estado por conta dos projetos de construção de barragens no Rio Ribeira de Iguape. Para lutar contra essa ameaça as populações tradicionais e, em especial, as comunidades quilombolas, se organizaram e criaram o Movimento dos Ameaçados por Barragens (Moab). Historicamente, a quase totalidade das populações rurais que habitam o Vale, detém somente a “posse da terra” (em muitos casos sem a documentação que comprove seus direitos possessórios). Cláudio Tavares/ISA

A presença de inúmeros sítios arqueológicos comprova que a ocuapção humana é anterior à chegada dos portugueses no século XVI. Essa região era utilizada como rota de passagem pelos ameríndios vindos do planalto para o litoral, bem antes das primeiras incursões dos europeus no Brasil. Certas localidades do Vale eram ocupadas pelo povo Guaianá.1 No século XVI as bandeiras de mineração iniciaram suas expedições partindo do litoral sul do Estado para o interior do Vale do Ribeira, levando junto indígenas e alguns escravos negros.2 No século seguinte a região encontrava-se povoada por colonos europeus, os quais mantinham a economia extrativista e agrícola do Brasil Colônia, utilizando-se de escravos negros, recém-trazidos de diversas regiões da África, e também de índios escravizados. A mineração do ouro foi o primeiro ciclo econômico do Vale do Ribeira, atividade exercida por mão-de-obra escrava. Com o término deste ciclo, muitos ex-escravos ocuparam algumas terras e desenvolveram uma agricultura também voltada ao mercado de alimentos, tanto para consumo regional, como para o comércio com outras regiões do país. Um exemplo é o arroz, cujo ciclo teve início no final do século XVII, e foi intensamente comercializado para outras províncias no Brasil Império até meados do século XIX. Dessa maneira os negros se transformaram em pequenos agricultores, e muitos se fixaram mata adentro na região, dando origem às comunidades negras da região. Uma das primeiras cidades fundadas foi Iporanga, em 1576, pelos bandeirantes em busca de ouro. No século XVII, em função do ouro encontrado às margens do rio Ribeira de Iguape, no Médio Vale, teve origem a cidade de Xiririca, hoje Eldorado, nome que recebeu em 1948, em referência ao ouro. Nas primeiras décadas do século XX, cresceram as lavouras de chá e banana e esta última passou a ser o principal produto econômico da região. O Vale do Ribeira é a região do Estado de São Paulo onde se encontra a maior parte das comunidades quilombolas. A diversidade social, ambiental e cultural ali existente não se compara a qualquer outra região do Brasil. Tal especificidade se justifica pelo fato de que no Vale se concentram um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica do Brasil e se abrigam várias comunidades tradicionais e locais, quilombolas, indígenas, caiçaras e agricultores familiares. Por outro lado, a região apresenta questões que lhe são próprias e demandam políticas específicas, como a regularização fundiária tanto para indígenas como para pequenos agricultores e quilombolas. É preciso considerar ainda que existem conflitos de sobreposições entre os territórios tradicionais destas populações com Unidades de Conservação (parques estaduais e áreas protegidas) No início da década de 1970 houve uma tentativa de regularização fundiária das posses rurais por meio de um convênio entre a Superintendência para o Desenvolvimento do Litoral Paulista (Sudelpa) e a Procuradoria do Patrimônio Imobiliário. Com isso, iniciou-se a demarcação de terras e a distribuição de tí1

Ângelo e Sampaio (1995). Carril, Lourdes de Fátima B. 1995. Terras de Negros no Vale do Ribeira:Territorialidade e Resistência. São Paulo, FFLCH/USP, dissertação de mestrado. 2

Ruínas da fazenda onde se formou a comunidade da Mandira, em 1868. -8-


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