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pode prever que o controle sobre o uso da floresta ou outro recurso seja feito por outrem que

à titularidade de vários grupos identificáveis, que em si carregam características de representa-

não as comunidades indígenas, nem jamais poderá proibí-las de usar ou habitar essas áreas. Os

ções coletivas transindividuais. A representação indígena coletiva, portanto poderia ocorrer por

indígenas podem voluntariamente abrir mão do direito de desmatar e converter essas áreas para

meio de associação, pessoas jurídicas, ou representantes indicados pelas diversas comunidades

uso alternativo do solo, como veremos mais adiante, mas não podem se comprometer contratu-

e povos indígenas envolvidos.

almente a não realizar atividades tradicionais (caça, pesca, derrubadas para roça, para constru-

Assim, pode a múltipla titularidade coletiva dos créditos de carbono gerados pelas ativi-

ção de aldeias ou casas etc.), ainda mais quando os contratos forem de longo prazo e vincularem

dades indígenas de desmatamento evitado, recuperação ou conservação de florestas dentro de

gerações vindouras. E, em nenhum caso, pode a floresta ou a terra indígena serem oferecidas em

terras indígenas, determinar a repartição dos benefícios de diversas maneiras. No caso dos cré-

garantia ao cumprimento do contrato, pois estes são, como visto acima por expressa determina-

ditos de carbono especificamente oriundos de REDD+, e se considerarmos a proposta de linha

ção constitucional, inalienáveis, impenhoráveis e indisponíveis ao uso de terceiros.

de base da reserva legal do Código Florestal com o consequente monitoramento de toda a área

Titularidade indígena coletiva

da terra indígena para a verificação da adicionalidade, teríamos que todos os povos indígenas detentores dos direitos sobre essas terras deveriam ser titulares de tais créditos ou benefícios.

Por fim, resta esclarecer que, sendo a terra indígena reconhecida como de posse perma-

Isso porque para as atividades de REDD+ serem devidamente computadas, seriam

nente de um ou mais povos habitantes tradicionais das mesmas, também só pode ser coletiva a

necessárias atividades de fiscalização sobre toda a terra indígena. Também haveria de se con-

titularidade do usufruto exclusivo dos recursos naturais ali encontrados. O art. 40, II do Estatuto

siderar toda a extensão da TI ou corredor de TIs para atividades como o controle de fogo e

do Índio (Lei 6001/73) dispõe que a posse e o usufruto das terras exclusivamente ocupadas por

planejamento de corte raso para abertura de roças e aldeias; e o monitoramento das florestas

grupos ou comunidades indígenas definem a titularidade do patrimônio indígena. Assim, um

como REDD+. Essas medidas evitariam ao máximo conflitos entre diferentes comunidades de

projeto florestal com geração de créditos de carbono pode envolver um ou mais grupos ou co-

uma mesma TI ou conjunto de TIs e a imposição de limitações ao modo de vida indígena. Por

munidades indígenas, a depender da(s) terra(s) indígena(s) em que se quer implementar. Nesse

exemplo, garantiria a liberdade de escolha sobre o uso do solo em todo o território, afastando

coletiva indígena, ou co-titularidade do direito sobre tais recursos. Essa opção dependerá exclusivamente da organização e das formas de representação dos grupos indígenas envolvidos, podendo ser definida, por exemplo, a partir da divisão das tarefas que culminam por gerar créditos de carbono, ou a partir da localização das florestas e dos grupos dentro da terra indígena, ou de acordo com o arranjo social dos povos e comunidades em relação ao uso da terra, ou ainda a

Ana Laura Junqueira/ISA, 1996

caso, podem os diferentes povos, grupos ou comunidades indígenas decidirem pela titularidade

partir qualquer outra forma coletiva de titularidade para garantir que a repartição dos benefícios entre os grupos também ocorra de acordo com os princípios, valores e tradições indígenas. No entanto, a decisão deve vir dos grupos indígenas envolvidos e devem respeitar suas formas de organização social e relação com outros grupos. A depender do arranjo social dos povos e comunidades envolvidos na implementação de um projeto de carbono florestal em terras indígenas, pode haver divisibilidade do objeto ou créditos de carbono entre os diferentes grupos, mas não entre os indivíduos pertencentes a tais. A titularidade sobre as terras e os recursos naturais é sempre coletiva no caso de terras indígenas. Essa hipótese se assemelha então ao conceito do direito individual homogêneo, porque se refere

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Desmatamento evitado (REDD) e povos indígenas: experiências, desafios e oportunidades no contexto amazônico

Assembléia da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), S. Gabriel da Cachoeira, AM. Projetos de REDD dentro de Terras Indígenas demandam decisões coletivas.

Desmatamento evitado (REDD) e povos indígenas: experiências, desafios e oportunidades no contexto amazônico

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