Dentro Doida

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CAROL PIMENTEL

dentro doida Pequenas hist贸rias



Dentro doida


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CAROL PIMENTEL

dentro doida Pequenas hist贸rias



Para Marco, meu amor, que sempre acredita em mim, até quando eu duvido. Para Pedro Bem, minha alegria, minha inspiração.



13 Anoiteceu 19 Mais ou menos assim 25 Viagens 29 Sem mais 33 Muita curva 41 O amante 45 Saltitante 47 Escolhas 53 Falta de ar 57 Os quatro 63 Passo a passo 69 Descoberta 73 Catarina 77 ClichĂŞ 83 Sem nome 87 Aquele homem



Cuidado com essa mulher. Como quem não quer nada, Carol Pimentel vai nos arrastando para o epicentro do redemoinho. Como quem leva a um prazer com algum risco, algum desejo além do vermelho e do amarelo do sinal do pecado. Pensando bem, melhor assim: cuidado com essa correnteza de narrativa que nos faz troncos e galhos de enchente. Todo cuidado é pouco. Vamos parando pelo caminho, alumbramento e susto. Dentro, fora, mexe. É assim. Como quem não quer nada vamos achando que o mundo é fofo. Ela nos conduz com uma fala de coisas simples, cotidianíssimas, beijo com gosto de café etc. Quando vemos, o açucareiro está repleto de formigas. Mais ou menos assim: “Ela saía todas as

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noites para esquecer, esquecer de tudo. Era uma forma de esvaziar e abrir espaço para o dia seguinte, para o que vinha”. Simples, escrita fácil sobre coisas difíceis, mas vai brincar com ela! (Risadinha deliciosamente perversa). “Dentro Doida” ou que mistérios tem Clarice. Repare nesse trecho: “Vera não voltou para a mesa. Pegou o primeiro táxi e foi embora, direto para a sinceridade do seu quarto.” Carece discorrer mais sobre os perigos de Carol? Viagem ao redor das pequenas sinceridades. Que doem com gosto de quero mais: “Vestiu roupa já usada, cabelo e rosto nem viu, foi”. Quem é esta mulher? Conheço Carol desde pequena. Vinda do banho, passava na sala na ponta dos pés, onde eu namorava a sua irmã Elizabeth, moça que amava Nina Simone e os teoremas do cine italiano. Carol passava como hoje escreve. Com a elegância de nunca ser esquecida. Bairro dos Aflitos, anos 1980. Trinta anos esta noite-prefácio. Boa leitura a todos. Xico Sá Rua da Aurora, Recife, verão do ano da graça de 2012

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A n oi t ec e u

A cabeça doía de tanto pensar naquilo, a mesma coisa. Parecia ouvir a própria voz repetindo as palavras, mas não tinha som. Um pedido, uma súplica. Nem bem sabia para quem. Qualquer um que captasse e pudesse ajudar: santo, anjo, Deus, capeta, universo, lei da atração. Ou quem sabe uma telepatia que o fizesse perceber, como num estalo, um impulso, que não, não podia viver sem ela. Tentava acreditar que ele conseguiria senti-la de onde estivesse, sofreria, tomaria uma decisão, de novo, rápido assim. E pron-

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to, tudo acabou. Quer dizer, não acabou mais. Foi um engano. O que tinha terminado continuou sendo. Tudo está como no cotidiano de sempre, ele foi pegar o jornal na porta e já volta. Vou fazer o café, café para dois. Não. Meu Deus! Eu preciso de ajuda, algum milagre, por favor. “Trago a pessoa amada em três dias”, ela leu. Três dias? Como isso poderia acontecer? Que caminho lógico a cabeça dele traçaria para chegar à conclusão de que tinha feito uma bobagem? Quem conseguiria fazê-lo perceber, sentir isso? Em três dias? Eu esperaria. Sim, eu aceito as condições do milagre. Se soubesse que ele estaria de volta um minuto após as 72 horas, eu esperaria. No primeiro dia dos três, eu acordaria e banho, água para limpar, lavar, tirar a sujeira toda, o lixo. Na cabeça, xampu em dobro, com força. E então cremes, esfoliantes, hidratantes, tonificantes: suavizar. Ah, música. Instrumental, para que nenhuma letra interferisse no nosso momento. Leve e não muito alta. Os vizinhos não devem ter percebido nada do fim, foi tudo tão civilizado, tão polido. Que não percebam também o retorno, ele voltando, como se nunca tivesse ido. À tarde eu iria ao shopping. Comprar uma coisinha aqui, roupinha, uma graça, um cheiro, um de-

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cote para ganhar elogio. Sorvete, livraria, encontraria uma amiga dos tempos da escola e contaria que estava casada há dois anos. Pensava, claro, em ter filhos um dia, menino e menina. Mas depois, estamos nos curtindo primeiro, aproveitando a vidinha a dois: viagens, jantares, surpresas, sexo a qualquer hora. Temos nossos problemas, brigas, como todo casal, é parte do pacote, mas sempre fica tudo bem. Depois de tanto vai e vem, ansiedade gritando, chegaria em casa exausta, veria um filme sem dar muita atenção e dormiria, acordaria tarde. Nestes dias de espera pela pessoa amada não se trabalha. O mundo para. O meu. Não é fácil sentar e aguardar, mesmo que seja por algo muito bom. O segundo dia seria um pouco mais tenso, afinal a chegada, a volta tão desejada, suplicada, se aproxima: experimento roupas, faço graças na frente do espelho, testo caras, digo frases interessantes, lembro que ele adorava aquela minha gargalhada de quando nos conhecemos. Gargalho, com a cabeça meio de lado, valorizando o perfil esquerdo, meu melhor. E olho de soslaio para o espelho. Ficou bom, pareceu natural — pensaria. E, sim, aquela roupa combinava com tudo, cores fortes, ousadas, demonstravam a segurança que sempre tive. Embalagem decidida, seria hora de ir ao supermercado. Salmão fresco, risoto de limão e uma,

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duas garrafas de vinho. Compraria taças novas para brindar com ele, muitas vezes, antes de cair na cama, juntos. Ainda na lista, chocolates, frutas, pães para o café da manhã. Pronto, finalmente o dia teria passado. Deitaria, mas nada de pregar o olho, eu estaria muito feliz para isso. Às cinco da manhã do terceiro dia, depois de rolar e rolar na cama, eu levantaria e, ok, uma caminhada no parque atrás da nossa casa, nossa, seria uma boa ideia. Zanzando, água de coco, vento no rosto, bateria um sono. Mas, mesmo assim, não daria para dormir sem o remédio que tanto tinha tentado evitar. Tomaria um — e nunca mais, depois jogaria a caixa fora. Precisava descansar para estar com uma fisionomia serena logo mais. Dormiria a tarde inteira. Sonharia. Sonharia. Sonharia. Acordaria. A lógica não fazia sentido mesmo. Se ele tinha tomado uma decisão tão séria, chegado a sair de casa, não voltaria em alguns dias se dizendo arrependido, chamando a si mesmo de louco. Loucura. Quem diria isso? Não havia milagre capaz de fazer o outro querer o que eu quisesse, sentir o que eu sentisse, inventar o que eu inventasse. Concluiu. Anoiteceria. Muito. Crescente. Sem parecer ter fim. E eu, sozinha, perceberia que só indo fundo na noite — dessas bem escuras, de tão noite que são — poderia

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ver o amanhecer novamente. Por mais sol que tivesse, por mais que brilhassem os dias, queimassem. Um tanto haveria de arder, doer, sentir, dessentir, entender e aceitar para, finalmente, clarear. E seguir.

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M ai s ou m e n os ass i m

Ela saía todas as noites para esquecer, esquecer de tudo. Era uma forma de esvaziar e abrir espaço para o dia seguinte, para o que vinha. Mas como, aos 14 anos, alguém poderia se sentir cheia, inundada ao ponto de precisar deixar sair, desafogar? “Ela é muito nova para tanta vida interna, para tanta melancolia”, pensava Flora a cada conversa que tinha com Laura, a filha do marido, a outra mulher. Mauro estava casado com Flora desde que a pequena tinha oito anos de idade, e as duas, que no início eram apenas distantes,

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foram se aproximando. Parceiras do cotidiano. “Sinto uma necessidade imensa de sumir, não pra sempre, mas por alguns momentos. E não lembrar dessa droga toda, das pessoas da escola, dos professores infelizes que parecem jogar na gente os problemas da vida, das meninas bobas que me fazem ter vergonha por elas. Fico constrangida com a estupidez do mundo”, joga Laura. E Flora pega, ouve e pensa como aquela quase criança pode concatenar assim. Tantas coisas que ela própria, aos 32 anos, não conseguia soltar, traduzir de si. E aquela pirralha dizia tudo com tanta facilidade e, ao mesmo tempo, tanto sofrimento. Tinha dor nela, talvez por se saber gente, com tanto não saber, se sentir perdida, pequena, enojada pelos que sabem menos ainda mas não têm sequer noção disso. Dor que a fazia precisar sair de casa — muitas vezes correndo, como quem tenta chegar à privada para não vomitar no chão —, sentar no último degrau da escadinha que dava na rua, e esquecer. Ausência. Sempre faltava alguma coisa. Dentro, ao redor, no passado, ela não sabia onde. Nem se era coisa, pessoa, sentimento, alegria ou tristeza. Era um não ter sem nome. Às vezes ela achava que era algo parecido com… Com vontade de realizar, de fazer, construir. O quê? Era tudo tão bom, mas falta20


va isso, esse troço, talvez singular, talvez plural. Não fazia chorar nem nada dramático assim, só ficava ali, faltando. Num momento fluía dentro dela, como se fosse água corrente, que segue sem esforço. Noutro momento pulsava, gritava essa ausência. Flora não costumava falar muito sobre isso, nem com Laura, a menina gente grande que lhe contava tudo, tantas palavras, sentidos. É que Laura escorre, excede; Flora tenta preencher. Mas ninguém percebe. Até ela, mal se dá conta. De vez em quando vê que falta, mas não de vez em quando: falta sempre. E ela ri. E ela anda vendo as vitrines, arrastando o pé na areia da praia, papeando com os amigos, aproveitando a vida. Apesar do que não há. Mauro chega em casa por volta das dez da noite. Só sai da redação depois de colocar todas as vírgulas, pontos, aspas, acentos e travessões necessários naquele dia. Ele janta e as meninas ficam em volta, comentam as pequenices do dia, discutem uma coisa e outra. É lógico que nada se fala sobre os devaneios aqui descritos, não são esses os assuntos da família. Sempre foi uma coisinha lá de Laura e Flora, mais da primeira com a segunda. Está tudo no ar, e ali permanece. Pode ficar assim por anos a fio, até nunca mais, longe, para sempre, até deixarem os sentimentos de

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ser o que são, e quem sabe virarem outra coisa. Dito assim, parece tudo catastrófico nessa casa, ruim, triste, falso, fora de lugar. Mas não. Tem muita alegria ali, tem amor, prazer, verdade. Essa tristezazinha, esses enxamezinhos de abelha, fazem parte, de maneiras diferentes em cada um, da vida, de quem está acordado. — Acorda, Laura. Hora de ir pra escola. Vou te levar hoje. — Não vou — Laura ri. Flora ri. — Diz que eu tenho que ir. — Eu não. Acorda teu pai e pede pra ele mandar você ir. — Ninguém manda em mim nessa casa. Talvez vocês devessem saber que uma menina precisa de alguma ordem, um limite. — Laura, levanta dessa cama agora e muda de roupa. Agora. — Elas gargalham. — Eu sonhei o mesmo sonho a noite inteira. — É? — Eu me via, meio de fora, sentada na escada olhando pra rua, depois na escola, depois em casa. E sentia uma paz. Parecia que tudo estava bem, parecia que eu era leve. Um clipe com uma música lenta e doce tocando. E eu lá, vivendo, sem vontade de evaporar. Gostei. — Também gosto. Pensa nisso. Talvez você comece a perceber que pode ser assim, que não precisa levar tudo tão a sério, e que todos os sentimentos fazem parte de você, mas eles não precisam pesar nas suas costas. Deixe o que você sente passar por dentro, ir e vir, sem atravancar, sem tirar o ar, sem apertar. Aprenda com tudo o que você é e

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se torne mais, melhor. Use sua inteligência linda, sua sensibilidade a seu favor. A nosso favor. Transforme em inspiração. — Pode ser. Vou elaborar. — diz, com um sorriso suave no rosto. — Agora vai, muda de roupa. Estou mandando, hein?! Espero você lá fora. Mauro tinha acordado e ouvido quase toda a conversa enquanto pegava um livro na estante do corredor. Ele conhecia bem as suas garotas. Não sabia uma imensidão de detalhes ou de um acontecido aqui, outro ali, mas sabia delas, da essência. E adorava o fato de elas terem encontrado aquele espaço de intimidade, de simpatia, entendimento. Gostava que elas cultivassem segredos, que Laura chamasse Flora no quarto para dizer algo e o deixasse de fora sem a menor cerimônia. Sabia, claro, que a filha era muito — ele também se surpreendia com aquele serzinho tão esperto, contestador, cheio de opiniões assustadoramente coerentes. E que aquilo, não havia dúvida, tinha um lado de carga, de peso doído. Saber dói, saber-se dói. Mas também liberta, também dá a chance de encontrar respostas, saídas, chaves. Era um pai orgulhoso, um marido apaixonado. Ele tinha gostado de ouvir o conselho de Flora. Ficou feliz em saber que sua mulher tinha aquela compreensão. Na verdade ele via isso nela. Flora parece flutuar de tão

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leve. E ele sabe que de algo ela também sofre, que algo também aperta. Um dia eles quase conversaram sobre isso. Quase. Mas Mauro sabe sem dizeres, sem palavras ou frases. E mesmo que não soubesse, saberia. Simplesmente porque sempre há sofrimento, maior ou menor, mais ou menos diluído. E Flora dilui, tem a técnica. Talvez pudesse ser mais aberta, conseguir soltar seus gritos com mais habilidade, mas ela dá seu jeito. É alegre, gargalha, ama, brinca, compartilha, é bonita, amiga. Como já foi dito, falta, ponto. E ela não sabe o quê. Segue usando o que não falta para viver, construir o castelo, ser feliz. Laura põe a mochila quadriculada de um lado das costas e sai de casa. Procura por Flora, não acha. Vasculha os arredores da casa com o olhar e vê, lá longe. Eles se beijam, seu pai e Flora, sentados no último degrau da escadinha que vai dar na rua.

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V i age n s

O pai morreu na mesma semana do nascimento. Era o momento mais feliz da vida de João: o filho desejado, aguardado com dias riscados no calendário da geladeira, estava chegando, saudável e lindo, como são os muito amados. E o grande seu Zé partia, de súbito, abrindo espaço no mundo para o neto, parecendo a existência um jogo de troca-troca, substituição. Estranho pensar com tanta força na vida e na morte ao mesmo tempo, sentir no peito dois opostos, sair do enterro para a maternidade, despedida e boas-vin-

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das. Injustiça dar e tirar dessa maneira, pensou João. “Por que nenhuma opção?”. “Por que simplesmente o veredito?” Andava na areia da praia vazia, dia nublado, com lágrimas correntes, lamentando e agradecendo, xingando e acarinhando. Alegria culpada. Sofrimento culpado. Queria tanto que o pai conhecesse o filho, abraçasse, contasse as histórias tão boas de ouvir, mostrasse a coleção de canetas, os livros que precisavam ser lidos, folheando, fazendo nascer vontade e ganhando respeito do pequeno, com olhos curiosos. E os truques de mágica, quem ensinaria? Ele, João, não saberia reproduzir com a mesma graça. Adoraria dar esse presente ao filho, ao pai, um ao outro. A sensação de nada poder fazer tomava o coração de angústia. Não lhe saía da cabeça duas imagens: o pai deitado na cama, só em corpo, e o menino chorando, chegando ao mundo, atrasado para o encontro. Voltou para casa cansado, olheiras nos olhos das noites seguidas, não dormidas, gastas com os dois homens mais queridos do seu mundo. Marina, vivendo o dueto pânico e felicidade das mães de primeira viagem, tentava fazer o possível, conversar, argumentar que o filho veio para amenizar um sofrimento escrito por Deus, destino, não se pode

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mudar a ordem natural. João se irritava com bobagem tão absurda, dizia grosserias, palavrões e ficava ainda pior. Ela não merecia. Mas ele também não, e talvez alguém pudesse entender que era um momento extremo, de cabeça doida mesmo. Naquela noite, deixou Marina com a mãe dela e pediu permissão para sofrer sozinho, sem magoar ninguém: já tinha dito bobagens demais nos últimos dias. Foi para o apartamento vazio do pai. Mãe não havia desde os cinco anos de idade, dor acostumada. Pegou uma garrafa de uísque, vício antigo de seu Zé, e entrou no quarto escuro, janelas fechadas: não abriu. Ficou lá por um tempo, dois, três, e começou a abrir: caixas, gavetas, lembranças. A coleção de canetas, limpa, organizada por cores e tipos, foi um dos primeiros achados. Não se atreveu a tirar nenhuma do lugar. Numa caixa pequena, algumas cartas, papel amarelado, leu uma frase: “Meu amor, só penso em te abraçar, beijar, sentir teu cheiro e nunca mais te deixar ir a lugar nenhum sem mim”. Viu no envelope que era da sua mãe, guardou. O pai nunca falava dela. Quando obrigado pelas perguntas de João, era econômico nas palavras. E ele preferiu respeitar isso. Na estante dos livros pegou um Camus, depois um Tolstói, uma Clarice, um Machado e então alguns de Monteiro Lobato. Pensou no filho. Os

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truques de mágica não poderiam ser encontrados ali, foram embora. João acordou atordoado, sem se saber em sonho ou realidade. Olhou ao redor e entendeu. A cabeça latejava, o coração estranhamente estava morno. O rostinho da cria recém-nascida lhe veio à cabeça. Sorriu e sentiu vontade de chorar, mas secou. Saiu do quarto, da casa e foi andando até a dele, distante. Quanto precisaria caminhar para chegar? Começou a gestar a morte do pai. Lentamente, cada fase, para poder com mais leveza e doçura sentir a alegria da chegada do filho. E achar, no meio do trajeto, maneiras de promover um encontro.

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S e m ma i s

Nada fazia imaginar o que estava por vir. O samba, o céu de Lua cheia, o vento fresco de maio, a cerveja gelada, tudo parecia perfeito naquela noite. Em meio à música, ao coro dos que beiravam a roda e às pessoas que dançavam, conversas, risos, olhares, encontros. Vera e os amigos, mesa cheia, estavam sentados no canto direito da praça, chegaram cedo para garantir lugar. Cantavam em voz alta, em movimento, bebiam, comiam batata frita, nem lembravam que o trabalho madrugava no dia seguinte.

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Há quase um ano Vera tinha o status “solteira” nas redes sociais. Depois de um longo namoro, desses que viram meio casamento de tanto que um dorme na casa do outro, ela terminou. Descobriu uma traiçãozinha de Raul, zinha, segundo ele, um dia e nunca mais, sem importância emocional. Mas tinha acontecido. Vera morreu um pouquinho de tanto sofrer. Brigou com ele e consigo mesma, chorou uma maré cheia, disse o que não pensava, acabou tudo, conversou educadamente, tentou ser racional, perdoar, quase voltou. Ele jurou que foi a única vez nos quatro anos de relação, prometeu que não aconteceria novamente e ela quis acreditar. Mas querer é apenas uma parte. Não deu, e os dois decidiram, exaustos, seguir a vida em caminhos distintos. Passava das onze horas quando ela, no meio de um gole, viu, entre desconhecidos, um perfil familiar. Perdeu de vista, procurou loucamente, coração na iminência de explodir. Não era aquele, nem o outro, achou, sim, era ele: Raul. A primeira vez, nunca tinham se encontrado desde o ponto — parágrafo ou final, ainda não se sabe. Fixou o olhar. Faltava ar naquela praça tão ventilada, arborizada, todo mundo sumiu, o barulho também, ficou Raul. E o Luar, nome dele de traz para a frente, gracinha dos tempos de casal. Ninguém que não esteja envolvido pode saber o

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que uma criatura sente num momento desses. Como sofrimento é fraco de memória, até quem já passou esquece um pouco a força da tempestade. De longe, ela acompanhava cada respiração, cada movimento de rosto, de mãos, seguia o olhar dele com medo de encontrar alguém, mulher, na outra ponta. Chamou uma amiga e mostrou. — Ele viu você? — Não, nem sei se quero que veja. — Acho que vocês deviam se falar, assim não tem clima, quebra o gelo. Afinal, já faz tanto tempo, né? Cada um foi pro seu lado, você tá bem. — Claro, claro. Mas acho que não vou falar, não, ele tá longe e, como você disse, já faz tanto tempo. Vera saiu da mesa e foi ao banheiro. Passou perto de Raul, sentiu as pernas fraquejarem, viu um sorriso dele, o sorriso, teve certeza que o mundo estava em câmera lenta, quis descer, e seguiu em frente. Banheiro pode salvar uma mulher num momento desses. Vera chorou como há muito tentava evitar, em silêncio, muda. Passou as unhas no braço, com força, ficaram as marcas. Queria sentir outra dor, alguma que fizesse atenuar um pouco aquela. Berrou para dentro, pela dor mais forte, a que marcou a alma. Nem pensou em fazer xixi. Enxugou as lágrimas, colocou pó, tudo certo, rosto em ordem. Passou no

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balcão do bar da praça, pediu uma dose de uísque, sem gelo, e engoliu. Assim que virou para sair dali, deu de cara com Raul, colado na sua frente. — Oi. Quanto tempo! — ela Dois beijinhos no rosto, como amigos que não eram. — Saudade de você. Tudo bem? — ele — Tudo, tudo. Como sempre trabalhando muito, cheia de projetos, sem tempo pra nada. — ela — Sei como é. Conheço você, sempre correndo — ele — … — ela — … — ele — E você? — ela — Ah, na mesma também. Nenhuma grande novidade. — ele — Bom, vou indo. O pessoal tá me esperando na mesa. — ela — Vai, vai. Legal ver você. — ele — É, legal. Também gostei. — ela Um abraço gentil, como se nada, nunca, tivesse havido entre eles. Vera não voltou para a mesa. Pegou o primeiro táxi e foi embora, direto para a sinceridade do seu quarto. Trovões, relâmpagos, chuva muita, exagerada, barulhenta. Tempestade. O Luar continuava aceso lá fora. E lá dentro. 32


M ui ta c ur va

Rosa já não era criança. Fez 13, passou dos 15, completou 19 e continuava meio estranha, boba, sem rumo, segundo a avaliação atenta do pai. Ele olhava com preocupação, tentava descobrir em que ponto tinha errado. — Será que fui mole, compreensivo demais? — pensava repetidamente. A filha não era como as primas, que sonhavam em casar, iam à igreja com a família, sabiam fazer bolo e até um jantar se fosse preciso.

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— Só pode ter um problema. Tá sempre com a cabeça planejando um troço qualquer, querendo mudar o pensamento de um aqui, outro ali. Faz muita curva, inventa demais e não chega a lugar nenhum. Pra que tanto livro, meu Deus? Deve ser deles que vêm esse mundo de ideia desencontrada. A pessoa só consegue mesmo ficar perdida, achando que pode ser o que não é, fazendo fantasia de coisa que não existe — comentou certa vez com um amigo mais chegado. Ela ria, achava engraçado. Compreendia a falta de compreensão do pai, a pureza, a ignorância — para falar reto —, mas preferia não bater de frente e não ter que explicar o que ele não entenderia. O futuro de Rosa era a grande questão da vida de Agnaldo, comerciante, dono de um mercadinho que sempre deu duro para sustentar os seus, proporcionar estudo, prumo, dignidade. Louco pela filha, carinhoso, presente, ainda mais apegado desde a morte da mulher, sofria por não saber dar jeito na menina, endireitar, fazê-la igual as outras. Tinha sonhado que ela viraria professora, pois gostava de estudar, que casaria com um homem trabalhador, teria sua casinha. Mas não, já tinha terminado o colégio e dizia que logo logo iria morar um tempo em São Paulo, fazer faculdade lá, estudar Filosofia. — Vê se pode! — resmungava ele.

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Naldo não era pai de bater, nem de brigar, e já chegou a imaginar que talvez devesse ter sido. Era homem de palavras, de conversa simples, de aconselhar. Preocupava-se, queria traçar o caminho da filha, dar a mão, mas jamais foi intransigente. Alguns amigos, irritados com tamanha falta de ação, “paciência de Jó”, o aconselharam a dar uma boa surra quando Rosa disse que preferia ficar em casa lendo, abrindo mão do encontro de jovens da igreja, o evento mais aguardado do ano pelos meninos e meninas da idade dela. — Muito esquisita! — soltavam os parentes a cada oportunidade que surgia. Outro dia o leite ferveu, entornou, sujou o chão todo e a panela quase virou brasa porque ela, naquele computador, escrevendo sei lá o quê, esqueceu-se do mundo — disse uma prima durante um almoço de família. Até que Rosa, cansada de ter paciência, decidiu: chegara o momento de partir. Tinha juntado o dinheiro que ganhava ajudando o pai no comércio para os primeiros meses de vida nova e, acima de tudo, era confiante e segura — como são os jovens —, sabia que encontraria uma maneira de se virar aonde fosse. Mas não queria ir sem uma certeza: a de que seu Agnaldo, viúvo, pai só dela no mundo, ficaria bem. Saudade teria, falta sentiria, mas nunca abandonado, nunca

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esquecido. — Pai, eu tenho uma coisa importante pra falar. — Oi, minha pequena, o que foi? — Você sabe dos meus planos de estudar, de conhecer outros lugares, escrever um livro, viver novas experiências… — Hum! — Acho que chegou a hora. — Filha, esquece isso. Por que você não faz sua faculdade aqui perto, como tanta gente, suas amigas, primas? Tem curso de muitos tipos, deve ter um que você goste. — Mas eu não quero, pai. Se eu ficar aqui, fico, não saio do lugar. E eu quero voar. — Ô, cabecinha voadora, é muito sonho e pouco pé no chão. Viver é trabalhar, constituir família, ficar perto dos nossos e preparar os filhos para a vida, dar a eles condições de seguir um bom caminho. Mas você não ouve meus conselhos, não entende o que eu explico. Filha, você precisa crescer. — Talvez um dia você me entenda, paizinho. Eu não sei se vou crescer, mas prometo que vou tentar ser feliz sempre. E tentar, buscar, é metade do caminho. — Ah, pequena, você vai me deixar e eu nem consigo saber direito a razão. Você fala tanto, conta de sonhos, de livros, de escritas… Acho bonito o seu gos-

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to pelo estudo, mas você é uma criança, ainda precisa virar gente, saber o que é a vida de verdade. — Estou indo saber, pai, descobrir. A Rosa quer desabrochar. Por favor, me entende um pouquinho pelo menos. E o mais importante: me promete que vai ficar bem. — Eu vou deixar porque não quero filha minha saindo pelo mundo corrida, escondida. E sei que você vai de qualquer jeito, como sempre fez tudo o que quis, do jeito que quis, mesmo quando sua mãe estava viva. Vou ajudar e acreditar que você vai encontrar essa sua felicidade. Só não esqueça do pai, viu? A sua casa é aqui. — Levo você comigo, meu pai, em mim inteira. Vou ser eternamente grata pelo seu amor e sua compreensão, mesmo achando que eu fazia tudo errado, que eu seguia na contramão, mesmo sofrendo por não me entender. — Tá certo, minha filhinha. Que Deus lhe proteja. Rosa viajou três semanas depois, não sem antes ensinar o pai, com alguma relutância da parte dele, a usar o e-mail. Treinamento intensivo. E então pegou um ônibus, um avião. “Pai querido, cheguei aqui. Tá tudo bem, viu? A viagem foi cansativa, mas tranquila. Agora vou des-

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cansar e comer. A dona da pensão é muito simpática e o quarto confortável, simples mas aconchegante. Aos poucos vou deixando com a minha cara.” Estudou Filosofia, mudou para Letras, trabalhou, formou-se, fez amigos, tomou porres. “Feliz aniversário, paizinho. Muita alegria e saúde pra você. Tentei telefonar, mas seu celular, como sempre, está `fora da área de cobertura’. Liga, carrega, não esquece em casa. Como está tudo? Tanta saudade, vontade de abraçar forte, apertar. Ai, ai. Bom, estou indo a uma festa e vou brindar a você, ao seu dia: tim-tim.” Encontrou um cara legal, terminou com ele, chorou muito, conheceu outro, amou, publicou um livro, vendeu umas dezenas, engravidou do segundo namorado, teve um menino, viu e sentiu várias coisas pela primeira vez. “Finalmente a febre passou. Nossa, pai, como é difícil ver um filho na cama, sofrendo. Dá uma dor no peito, uma sensação de fragilidade. Ainda nem dormi, mas agora, vendo que a temperatura cedeu, acho que consigo. Precisava falar com você, pedir colo, aquecer o coração, mas não queria ligar a essa hora, acordar o meu velhinho. Amanhã nos falamos. Boa noite pra todos nós. Amo você.” Muita vida depois, decidiu revisitar o início, o pas-

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sado — mas não escreveu nada sobre isso —, voltou para onde tudo começou, com razões parecidas, só que ao contrário, foi morar com o agora marido, pai do filho, na cidade ao lado da sua, a que tinha faculdade, virou professora. E seu Agnaldo, bem pertinho da filha novamente, sem precisar de e-mail para um afago, pensou consigo mesmo: “Demorou um bocado mas ela me ouviu”.

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O ama n t e

O espírito de Antônio não falava com ela. Todos naquela sala diziam já ter encontrado com o pai, a filha, a amiga de infância, o marido, o padre, mas ela nada. Nunca acreditou na possibilidade de alguém que não existe mais vir de um lugar que também não existe para bater um papo, contar uns segredos sobrenaturais, acalmar a quem quer que fosse. Ela pedia por tudo, tentava encontrar uma crença dentro do peito para poder se agarrar, ver se fazia uma ponte. Nada. Pensava na avó, que, quando ela era criança, achava

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meio santa. Toda branquinha, velhinha, sempre de vestido solto, lenço na cabeça, calada, parecia a imagem “da prateleira”. — Não é prateleira, menina, é altar. E essa é Santa Clara. — dizia a mãe. Clara, ela tinha razão. Mas nem a avó possuía esses poderes. E ela também não acreditava que, mesmo parecida com santa como ninguém, Dona Juçara pudesse ajudar. — Se nem santo de verdade existe — resmungava balançando a cabeça. — Mas Antônio está em algum lugar, tem que estar. Ele prometeu se casar comigo, esperei oito anos e quando ele finalmente se separa da outra, no dia seguinte, morre assim, engasgado?! Não, engasgo é uma morte muito fraca, parece brincadeira de homem bobo — explicava, sentada num banco, a uma moça que conversava toda semana com o marido através de um rapaz que “recebia”. E a moça, que tinha fé católica mas apelava a quem pudesse, pensou: — Brincadeira de Deus. A neta de Dona Juçara, que não ajudava a fazer a tal ponte, continuava tagarelando. — Nunca ganhei um sorteio na vida, nunca recebi nada de graça, podia ser agora a minha vez, receber Antônio. E eu até pagaria se fosse preciso. Mas Antônio tem que provar que ia mesmo casar comigo, An-

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tônio não pode me deixar assim. Ninguém achava que ele ia terminar com aquela lá. E quando eu ia esfregar na cara de todo mundo, abraçada com ele por aí, cadê Antônio? E no enterro foi a gordota quem posou de mulher, tava até rindo de satisfação a danada. Claro, não deu tempo de ninguém saber da separação. No almoço seguinte, puft, acabou o homem. Tem que ter alguma coisa, uma aliança, um cartão de amor me prometendo uma vida eterna juntos, sei lá. Pelo menos tenho o que mostrar pra quem quiser ver, e pra quem não quiser também. É minha dignidade que tá em jogo. Já procurei em tudo o que é lugar, mas não achei coisa nenhuma. E de eternidade não teve nem um dia. Oito anos de espera pra ser esposa, senhora, andar pelas ruas do bairro de mãos dadas e ganhei o quê? Parece até piada. Antônio já fez de tudo, mas por essa eu não esperava. A moça católica que falava com o marido através do rapaz que recebia fingia prestar atenção, mas já tinha mudado o pensamento no meio do caminho, bem no ponto da descrição da esposa de Antônio, com ar de poderosa no meio da cerimônia. Até que ela, a que esperou oito anos pelo dia de virar a oficial, calou-se e ficou sentada ali, parada, pensando em Antônio caído, sufocado na frente dela. E ele não deu sinal, não deu nada. Ela sabia, no

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fundo. Antônio não estava ali, não existia mais, como a avó Juçara e todas as outras criaturas do mundo que tinham deixado de ser. Foi-se Antônio e nunca foi marido dela. Nem na rua, nem na padaria, nem no mercadinho da esquina, nem na casa dos amigos. E ela não soube, ninguém no bairro soube, que ele havia reservado uma mesa no restaurante mais caro das redondezas para um jantar a dois, naquela noite, caso não tivesse engasgado no almoço. Tinha pensado em juras de amor, encomendado flores que não foi buscar, planejado pedi-la em casamento. Não tinha comprado, ainda, a aliança que ela procurava pela casa, pelos bolsos das roupas que estavam na mala. Não tinha escrito um bilhete, falaria tudo olhando no olho. Marcariam a data, finalmente, assim que a papelada do divórcio saísse, logo em seguida. Mas ele engasgou no almoço. O rapaz que recebia recebeu, soube de tudo, pensou logo em contar à “mulher que só falava em Antônio”, mas não a encontrou. Ela foi embora sem deixar vestígio, sem acreditar em nada mais.

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Sa lt i ta n t e

Vivia com a família em uma casinha pobre, no alto da maior favela da cidade. Todos os dias, bem cedinho, descia saltitando pela escadaria estreita, com o uniforme da escola e o mesmo sapato gasto de sempre, sempre. Vozinha fina, cantarolava músicas de duplo sentido, funk, como se fossem canções de criança, criança que ela ainda parecia ser, pelo jeito, o olhar doce. Bonitinha, pequena e, embora com 16 anos, sem muito cuidado de espelho, pente, maquiagem ou bijuteria. Até banho não aparentava tomar com a

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frequência devida. Era menininha, filha de mãe que não foi cuidada e talvez por isso não cuide, nem pense nisso. Mas alegria tinha, não hereditária, pois felicidade era coisa dela. E, certo como a soma de dois e dois, passava adiante. Espalhava sorrisos pelo mundo, gargalhadas, fazia piadas, achava tudo bonito, até o feio, o estranho e muitas vezes o triste. Porque acreditava numa beleza maior, de estar vivendo e, assim sendo, passar por claridade e escuridão, o fácil e o difícil. Percebia com uma rara sensibilidade. E — talvez por isso, talvez não — a vida dela própria se iluminava, dava mais certo, mais sorte. Ela nem sabia explicar, botar legenda no que sentia, simplesmente mostrava os dentes e era feliz. Bom de ver Clarita passar pelas ruas, entrar na casa dos vizinhos, conversar, colorir o dia de um aqui, outro ali. Não tinha nada de boba, era mesmo flor em forma de gente, o melhor que alguém pode ser. Ela nasceu assim e conseguiu permanecer, apesar dos esgotos pelo caminho. Sorte de quem é esperto. Como Clarita.

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Es c olhas

Prostituta. Profissão escolhida depois de muita análise, avaliação detalhada, custo e benefício. Valia a pena, concluiu, e jogou-se no mundo. Não, não era ilusão ou a ideia inventada de uma realidade desconhecida de perto. Sabia das dificuldades e, principalmente, que uma boa parte delas seria inesperada, um sem número de possibilidades. Algum receio, sem dúvida, mas era um projeto para a vida, para garanti-la como ela queria, com sobra, e isso pedia um esforço. Normal.

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Lógico que Melina não andava pelas calçadas com roupinhas coladas, tipinho tão triste e deplorável que deveria pagar para alguém querê-la, vir com notas de cem penduradas pelo corpo: em troca de beijo, uma; algo mais, várias. Melina era mulher de revista, irretocável, daquelas que, em entrevista, parecem perfeitas: respostas curtas e objetivas, cuidados com a pele, o físico, alegria, sorriso grande, dentes bem brancos, cabelão de produtos caros, desejo de ter filhos no futuro, quando a carreira estiver mais estabilizada, histórias engraçadas, viagem dos sonhos, brilho puro. Os homens podiam ser velhos, sem limite de idade, mas não asquerosos ou feios em excesso. E tinham que ter algum charme, algo para dar prazer. Craque no que fazia, se existisse uma hierarquia, ela seria chefona, assumiria rapidamente. E até a tristeza que o se dar sem amor pode trazer — ou assumamos a unanimidade, traz —, ela via como coisa da vida, apenas diferente do sofrimento do se dar com amor. Haveria de qualquer maneira. Além do mais, derramava lágrimas entre goles de Champagne, o original, em seu flat lindamente decorado perto da praia. À faculdade particular de Direito ela ia à tarde, quatro vezes na semana. Aluna mediana, queria se formar, ter diploma para atender, ao mesmo tempo, desejo da mãe e dela própria. Nunca pensou em exer-

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cer. Era também modelo, fazia trabalhos com alguma frequência e se sentia bem com isso. Junto com a universidade, formava um belo título para exibir, e ainda por cima, garantia as contas principais, as que namorado só deve pagar quando vira marido. A família era unida, mesa grande: os pais, a avó, três irmãs e o filho pequeno de uma delas. Muita gente na mesma casa, alguns satisfeitos com o básico, com o “nunca faltou comida, escola…”, outros reclamando de “nunca ter dinheiro pra nada, comprar uma roupa melhor, ir a um restaurante mais caro, fazer uma viagem”. Melina era desse lado da opinião. Quando resolveu dar um rumo na vida, época em que era hostess em boates, alugou um apartamento com uma amiga. Tinha 19 anos. Os editoriais de moda e campanhas publicitárias começaram a surgir aos poucos — não tinha altura para desfiles. Mas o dinheiro, bem razoável, não pagava os sonhos maiores, não dava o conforto que ela buscava, longe do básico. E foi por aí, entre uma foto e outra, um papo e outro, que decidiu. O nome era um só, nunca mascarou para si mesma: prostituição. Se queria namorar homens pensando no bolso, e, “Deus queria”, até casar, fingindo amor maior do que o carinho que talvez pudesse sentir, “tomara”, buscando uma boa conta no banco, um carro bonito, “um apê bacana”, Estados Unidos,

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Paris, lancha, roupas, festas, não havia definição mais apropriada. Tinha até orgulho de compreender isso e, melhor, de não ter vergonha. Com a bela figura, universitária, modelo, articulada, moça de família, não era difícil encontrar quem corresse atrás. E ela sabia fazer, deixava vir, não se dava fácil. Criticava as mulheres que se entregavam só por uma noite, sem compromisso. “Se é por amor, ficar é pouco. Se é por dinheiro, menos ainda”. Melina só namorava sério e nada de homens casados. Aos 23, já tinha se relacionado com cinco, sem contar um colega de faculdade, bancário e muito esforçado, por quem seu coração balançou, balançou, mas não caiu. Foi difícil, mas ela não deu-se o direito. E entre o grupinho dos endinheirados, já houve também quem mexesse com a moça. Ensaiou uma paixão — pernas tremendo, frio na barriga e tudo o mais — justamente pelo mais rico do seus ex. “Teria sido perfeito”, mas descobriu que ele tinha esposa e filhos ainda em tempo de pular fora. Várias taças de Champagne a ajudaram a esquecer. Outros vieram. Com o tempo, vendo o mundo, conhecendo pessoas, Melina chegou à conclusão de que homens e mulheres sempre buscam algo no outro, querem para si: atenção, pele, cuidado, amor — muitas vezes nem correspondido —, estabilidade emocional, filhos. Ela

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buscava uma boa vida, alguém que pudesse lhe proporcionar realizações, como, provavelmente, tanta gente por aí. Todos também dão algo em troca, interesses indo e vindo. E ela, que mesmo tranquila com suas escolhas achava-se diferente, sentiu-se, de alguma maneira, igual.

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Fa lta d e a r

O mar batia na pedra, a água explodia, respingos no rosto, traço de luz no céu. Pela primeira vez em muito tempo, coração sereno, tranquilidade. Só depois de ter passado por aquilo tudo soube o significado da palavra paz. Era o que ele buscava. No auge da confusão, via pessoas andando na rua e desejava ser qualquer uma, gente ou até bicho, menos ele próprio. Estar doente o fazia mais fraco, menor, sujo, coitado, pobre, feio, infeliz, no mais profundo sentido. “Sou outro, quero ser Deus. Cura, ressuscitar. Acredito,

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preciso acreditar, trazer a sorte, a transformação. Medo, muito medo. Vazio, desespero. Fugir, correr, me jogar. Abismo. Subir, me agarrar nos galhos, nas pedras, espinhos, sangrar, suportar, renascer, voltar”. O remédios fortes, o tratamento todo e a impossibilidade de sanidade cuspiam delírios. Melhor com eles. Era mais viável ser louco, estar, um coitado, deixar-se deitar, adormecer, entorpecer. Em algum ponto parecia não haver trilha de volta, pedrinhas que marcassem o caminho. Completamente perdido. Mata fechada, mar aberto, buraco escuro e fundo, deserto. Nunca mais alegria, amores, mulheres, futebol, almoços de família, porres, viagens, amigos — pensariam nele? —, festas, papos, filmes de ação, praia no fim da tarde, cerveja gelada, rodas de samba. Até o trabalho doía, até o chefe metido a engraçado, até o trânsito na volta pra casa. Sentiria falta. Pânico, gritos na madrugada, chutes na porta, murros, rancores, cartas de despedida. Fraqueza, cansaço, falta de si. Medo jamais experimentado. 70% de chance. Muito para quem vê de fora, assustador para quem está dentro. “Quero 100%, nada menos”. Natural. Alguém que sempre teve tudo desde criança, um tudo entregue em mãos, que sempre achou felicidade direito, não conquista, só poderia pensar assim. E sofre mais, nunca se viu perdendo. Quem ousa tirar

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algo dele? A vida estava dando as respostas, lições, da pior maneira. Preço alto. O medo fica ali, rodeando. A doença puxando, querendo roubar, arrancar a força, à força. “Eu pago, troco, doo, mas alguém, médico ou Deus, precisa me salvar. Mãe, cadê você, fica perto de mim, segura minha mão, aperta. Quero voltar à barriga, me recriar, religar o cordão. E depois o parto, chego novamente, novo, são. Todos felizes. Mãe, me ajuda, você pode”. Um dia, outro, dez, meses. Carnaval, Páscoa, aniversários, feriados de santos e heróis, Natal, Ano Novo. Passou, passou. Sim. Indo embora, a doença, não ele. A droga toda funcionou, arrancou energia das entranhas. Subiu à superfície, sabe-se lá como, conseguiu. Respirou profundamente, até alcançar o alívio, até desengasgar. E não foi fácil, não de graça. “Vou gritar, abraçar, agradecer. De joelhos, em milhos, pagar. Obrigado, mil vezes. Quantas Ave-Marias? Quantos Pais-Nossos? Não posso chorar, não tenho mais esse direito. Viva! Viva!”. A cabeça demora a voltar ao lugar, se é que lá esteve algum dia. Mas tudo bem, se é hora de comemorar, que seja, como for. A Lua nova trazia as boas-vindas, o amanhecer, e, claro: alegria, amores, mulheres, futebol, almoços de família, porres, viagens, amigos — estariam com ele —, festas, papos, filmes de ação,

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praia no fim da tarde, cerveja gelada, rodas de samba. Enfim, paz. Desejava, como nunca antes, ser, estar, continuar.

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O s q uat r o

Quanto mais ele gritava, cuspia, rosnava, mais possuída ela se sentia. Parte dele, propriedade. Grosso, meio monstro, ardiloso, esperto. Nada de tapas, só dureza, intransigência. Era um jogo de dois, par, um jeito de trocar. E, embora dissesse o contrário, ela gostava, estimulava, palavreava também. Por dentro, aplaudia: lindo show. Inferno dos lares em volta. Carinhos, afagos, risos, olhares de cumplicidade, bilhetinhos. Nunca brigas, discordâncias. Sempre doçura, compreensão, sempre a favor. Pareciam um

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só. Ele um lorde, o sim em forma de gente. Quem os via na rua, o que era raro, admirava, invejava. Sucesso das redondezas, das obras, dos botequins. Loura, redonda nos lugares certos, maquiagem forte, silicone, bronzeado em dia, decotes, saia curta. Comentário preferido nas rodas de fofoca da vizinhança, pólvora dentro de casa. Os dois, casal mais comum do que as más bocas admitem. Beijos e abraços antes, palavrões impublicáveis depois. Ou o inverso. Bastava um “Você chegou tarde” para o apresentador subir ao picadeiro e anunciar o início do espetáculo. Filhinha de mãe e pai protetores, neta de avós carinhosos, pingente de coração no pescoço, roupas básicas, tons pastéis, melhor aluna da sala na época da escola, voz mansa, pediatra. A nora que toda mãe sonharia. Um brigadeirinho bem doce, quase enjoado. Os cabelos escuros e lisos, repartidos ao meio, e a magreza da vida toda, pediam proteção. E ele dava, nas noites de segunda (reunião de projetos) e quarta (primeira pelada da semana). Os momentos com Maria Eduarda eram tão combinados, há tanto tempo, com tantos álibis, que nesses dias raramente Saulo e Renata brigavam. Ela desconfiava de outras situações, outras saídas à noite, do segundo dia da pelada — o único existente, de fato, porém mais recente —, de telefonemas realmente im-

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portantes, do cheiro de cigarro nas roupas, resquício dos fumantes do escritório. Tiro certo, alvos errados. Ele era perito, anos de experiência e muita vontade de fazer dar certo. Para todos. Maria Eduarda fantasiava um dia casar com Saulo, sim, mas não ousava dizer isso. No máximo insinuava, falava de filhos desejados, de uma casa na praia, como se fossem apenas sonhos dela, só dela. As segundas e quartas — até uma da madrugada, no máximo — não podiam ser gastas com chateações, cobranças. Eram noites de amor, muito. De dança na sala, vinhos e jantares requintados na mesa, regados a boas conversas, de filmes melosos no quarto, de cama quentinha. Mas nada como a alta temperatura da vida com Renata. Casados há 13 anos, desde os 20 dela, a relação sempre foi um mar de espinhos. O ciúme, as discussões com poucos limites, os gritos, a explosão: tempero. Com muita pimenta, por favor. Encomenda sob medida. Uma trilha difícil, sinuosa, perigosa, mas que leva ao topo, linda vista de tirar o fôlego. Paixão de adolescência, ela engravidou e eles casaram. Mas o filho não veio, voltou no meio do caminho. Mesmo assim continuaram juntos, seguiram apenas os dois, sem mais, por nenhuma outra razão além de amor. Em uma quinta-feira chuvosa, Maria Eduarda estava triste, começava a admitir que os seis anos de re-

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lação com Saulo não eram adubo para casamento. Ela sempre soube, verdade escondida num cantinho do coração, camuflada. Ele jamais prometeu o que não cumpriria, mas também nunca foi muito claro sobre o futuro. E a amante, delicada, não perguntava da vida de lá, sobre a outra, oficial. Sabia que existia e ponto. A palavras ali se restringiam ao momento. Na tal quinta-feira molhada, com um plantão na clínica infantil se aproximando, noite inteira, Maria Eduarda pensou em aliviar o estresse, relaxar no dia seguinte. “Eu mereço, eu preciso”. Lembrou da massagista indicada pela esposa de um amigo de Saulo, a quem ele ousou apresentá-la algumas semanas antes, durante um jantar. “Ela é ótima, você vai ver. Mãos de nuvem. Anota o telefone e marca”. O amigo sabia das artimanhas de Saulo e, certo dia, precisou dar explicações à própria mulher enquanto servia de álibi. Foi uma emergência, contou tudo. Quando descobriu que sua vida tinha sido escancarada, o marido e amante ficou preocupado, mas foi tranquilizado, não haveria problema. E já que todos tinham conhecimento da história, poderiam ser cúmplices em encontros esporádicos, um happy hour discreto, uma dose de sociabilização para Maria Eduarda. Seria bom para ela. Além do mais, Saulo tinha um orgulho imenso das duas, a guerra e a paz, e era difícil escon-

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der uma delas. Com barulho da chuva forte ao fundo, naquela quinta-feira: — Renata? — Sim. — Uma amiga me passou seu contato. Quero marcar uma massagem para amanhã à tarde, você tem uma horinha? — Claro. Seu nome é? — Maria Eduarda.

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Pass o a pass o

Adolfo só queria passar o tempo, que, pela contas dele, era coisa de uns cinco anos no máximo. Leda tinha um sonho não realizado: aprender a dançar. Já estavam lá pela quarta aula quando fizeram par pela primeira vez. Ela não deu assunto, estava ali com uma meta, e, mais ainda, tinha pavor de papo de velho, gente que só fala de coisa antiga, de morto, de morte. Ele fez uma, duas perguntas e desistiu da cocota monossilábica que não tinha ritmo, definitivamente, e se achava o máximo. Tempo ele podia gastar com

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qualquer um, só preferia que não fosse uma criatura insuportável. Vários encontros depois, chuva forte, os dois na porta da escola de dança, um guarda-chuva. E era de Adolfo. Leda pensou em sair correndo até o carro, o que não era coisa simples, mas antes do raciocínio concluído, se valia ou não a pena pedir uma “carona” ao velhote, ele ofereceu. — Seu carro está por aqui? Levo você até lá. — Está. — respondeu, já irritada. “Quem ele pensa que é, me chamando de você? Pareço mais jovem, mas quero respeito” — Então vamos? — Tudo bem. Cumprida a delicadeza, despediram-se com “obrigada” e “boa noite” e Adolfo saiu andando. Leda não acreditou que teria peso na consciência àquela hora, doida para chegar em casa, no meio de um temporal que deixaria seu cabelo fofo só por ter passado perto. Resistiu, com a idade se liberou da obrigação de ser gentil por aí. Seguiu em frente e o sinal fechou. Pronto, ficar parada poderia colocar tudo a perder. Cinco, quatro, três, dois, um. — Senhor. Como é mesmo o nome dele? Senhor. Se ele não ouvir mais uma vez desisto pra sempre, sem volta. Senhor. Velho surdo.

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— Oi. Você está falando comigo? “Não, gritando.” — disse para dentro — Pois é, quero saber se posso ajudar. O senhor vai a pé? — Vou tentar conseguir um táxi numa rua mais movimentada, aqui vai ser impossível. — Me meto em cada uma — sussurro — Entra aqui, vamos encontrar. Todos os táxis da cidade sumiram, não dava para acreditar. “Que droga! Joguei paralelepípedo na cruz, só pode”, pensou. Rodaram, ele tentou chamar um que passou ao lado, estava ocupado. Outro ali, saco!, também não estava disponível. Rua alagada logo em frente, então pela direita que dá na avenida do canal, lá deve ter táxi. — Ou um ônibus até, não me importo — disse Adolfo um tanto constrangido. “Ainda por cima mora longe. Eu mereço”. O trânsito não andava na tal avenida. Tudo parado, vários carros atrás, movimento só da água que vinha de cima e rodeava quem ou o que estivesse no caminho. Um posto de gasolina na esquina podia ser uma opção para dar um tempo, mas difícil chegar lá. Adolfo desceu do carro, tirou um cavalete que estava na calçada e Leda subiu com tudo, passou por cima de um canteiro e conseguiu entrar, quase batendo num bomba de gasolina que se meteu na frente.

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— Qual é mesmo o nome do senhor? — “Você”, por favor. Adolfo. — O meu é Leda. — Eu sei. Sentaram em cadeiras de plástico, Adolfo deu o braço para Leda apoiar, ela fingiu que não viu. Pegou o telefone e começou a ligar. Falou com a filha e depois com uma amiga, com quem tinha marcado um joguinho on line para aquela noite. Só se for mais tarde, quando a água baixar. “Inferno! Onde é que eu fui me meter”. Adolfo entrou na loja do posto e voltou com uma cerveja. Ofereceu, Leda fez cara de nojenta, disse que preferia não beber, pois estava dirigindo e algumas regras ela ainda cumpria. Meia hora, uma, dois dedos de conversa e a chuva parecia ter vindo para não mais partir. Muitos carros tinham feito o mesmo que eles e o clima era um misto de impaciência e zum zum zum de barzinho. Vários também pegaram bebidas e todos acabaram entendendo que teriam que passar a noite ali. Não poderiam dirigir, mas ninguém pensou nisso naquele momento. Leda decidiu aceitar. — Será que teriam um copo de vidro? O tempo forçado juntos obrigou a conversas, perguntas. A bebida contribuiu e possibilitou respostas, sinceras. E ninguém falou sobre idade, anos vividos

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ou que faltavam. — Meu marido morreu muito novo ainda, segui sozinha com dois filhos adolescentes. E eu não me sentia mais forte, eu era um deles, também triste, com um aperto enorme no coração, sem saber o que fazer. Então crescemos e aprendemos juntos, eles cuidaram muito de mim. Foi difícil, mas a vida segue. — De alguma maneira a gente aprende como passar por cima. Mas não sei muito de família e casamento, não. Eu casei só uma vez, me divorciei cinco anos depois e não tive filhos. Ela tinha um amante, foi um baque. Morreu pra mim, mas não morreu de verdade, não, tá por aí até hoje. Sou dono da minha vida e cuido dela sozinho. “Até que ele não é tão desagradável”, concluiu a senhora. Perto das cinco horas da manhã, depois de umas dez latas de cerveja, papo vai, papo vem, eles perceberam que boa parte das pessoas já tinham saído dali, a rua já não estava tão cheia, a chuva era só chuvisco. A filha de Leda, que ligava a cada meia hora, foi buscá-la. O carro ficou lá, alguém pegaria mais tarde. Levaram Adolfo em casa, e nem era tão longe. Dali em diante, as aulas de dança ficaram mais divertidas, a loja do posto virou ponto de encontro, outros colegas se juntaram a eles. E os dois, Adolfo (75) e

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Leda (77), que continuava tentando aprender a dançar, passaram a ser par constante. — É só um amigo.

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D es c ob e r ta

— …então ele me puxou pelo braço, colou o rosto no meu, deixando bem clara a intenção, e me beijou. Nunca passou pela minha cabeça que isso pudesse acontecer, e muito menos que eu pudesse aceitar. — Por que? — Me fiz essa pergunta assim que saí dali e já elaborei, pari um milhão de respostas, mas não sei, sinceramente. Não sou um cara preconceituoso, nem com os outros nem comigo. Me deixo querer, desejar, ter liberdade pra tentar, tenho até pouco limite.

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Meus pais hoje são tranquilos, mas fui muito preso na infância, muito proibido de tudo, então cresci com ânsia de espaço, de atitude, de decisão minha. Mas, até aqui, nunca existiu um homem nesse sentido, de atração. Tenho pensado muito nisso, nas certezas que construí na vida. E mil outras dúvidas: Como nunca percebi? Será que é só com ele? O único? — É? — Sei lá. Pensava que me conhecia bem, mas pelo jeito não. E apesar da surpresa, de um pouco de medo, alguma parte de mim, lá no fundo, parece sorrir. É como se algo grande, e pior, de muita verdade, começasse a crescer. E se cresce é porque, mesmo pequeno, já existia. Não sei se você me entende, nem se eu mesmo me entendo. Eu sinto desejo por mulher, tenho certeza. Já me apaixonei, namorei, prometi amor eterno, embora não tenha cumprido a promessa. Você sabe, já me ouviu falar tanto, contar histórias, casos. Mas é assustador descobrir um outro lado. Se antes não era claro, ou parecia não estar lá, agora vai ficando nítido, latente. Nem sei como admitir, como dizer, mas… Eu acho que gosto dele. Aquele beijo não sai da minha cabeça, por várias razões. Alguns amigos falavam que ele tinha uma queda por mim e, pensando agora, vejo que eu sentia um certo orgulho, uma satisfação.

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— Você quer encontrá-lo? — A gente vai se encontrar, temos vários amigos em comum, estudamos na mesma faculdade… — Você quer? — Acho que sim. É engraçado e doido tudo isso. Me dei conta de que nos vimos tão pouco e que eu sinto como se ele fosse tão próximo. Mas não consigo ficar à vontade. Não pela família, pelo que os outros vão pensar, com isso eu sei lidar, mas não me sinto confortável. — Por ter beijado um homem ou por gostar dele? — As duas coisas. — E aí? — Não faço ideia. Quero ir com calma, me dar tempo, esperar, sentir, descobrir melhor o que tem aqui dentro. Acho que não será um caminho curto, tenho a impressão de que preciso voltar, refazer alguns trajetos, repensar convicções, conversar com amigos, ouvir opiniões também. Muitas vezes algo que a gente nem vê em si próprio, alguém de fora percebe. Não é uma decisão apenas, é bem maior, agora preciso saber quem sou eu. No meu tempo, eu quero abrir as portas, as minhas, tentar. Se ainda for o tempo dele, de ainda houver uma chance, talvez ele queira entrar. E talvez, quem sabe, eu deixe. — Continuamos na próxima sessão.

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Catarina

A formiga andava até a parede, voltava, dava de cara com outra formiga, voltava, Maria botava o dedo no meio do caminho e ela voltava. Enquanto observava essa dança de vai e vem, de um ser que parece só buscar uma trilha livre à sua frente, sem obstáculos, Maria pensava se as formigas tinham vida. Quer dizer, vida ela sabia que tinham, porque moviam-se, sem motor, sem força externa. Mas será que havia qualquer coisa parecida com sentimento, pensamento? Se não, como era o existir? Na verdade, tanto fazia estarem ou não vivas se elas so-

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mente andassem de lá para cá, se apenas respirassem. Com uma sensação de pena e aperto no coração, ela deu um nome àquela formiga: Catarina. Achava justo. — Pai, formiga é mais ou menos gente? — Nem mais nem menos, filha. Formiga não é gente, é formiga. — Mas, assim, elas sabem que moram aqui nessa casa? Sabem que eu sou uma menina? Sabem que tem sol, céu, que todas as coisas do mundo existem? — Acho que não, Maria. Acho que elas não sabem nada disso. — Que triste, pai. Como alguém, quer dizer, um ser, pode viver sem saber que as coisas existem? — Mas para viver é preciso saber? — Para ser feliz, é. — Bom, se não podem ser exatamente felizes, também não ficam tristes, não sofrem, já que não sentem nem sabem de nada. — É mesmo. Mas é melhor saber de todas as coisas do mundo. Você não acha, pai? — Filha, eu não sei o que dizer, não sei de todas as coisas do mundo, todas as respostas. — Catarina é o nome dela — disse Maria chorando. — Daquela ali no canto da parede. E ela nunca vai poder ser feliz, nem ser triste, nem ser nada. — Não saber é uma forma de ser feliz, simplesmente

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viver, andar, sentir o vento. Pode ser assim. — De que adianta sentir o vento e não saber o que ele é? — Ah, filha, cada um é de um jeito, os animais, as pessoas, a Catarina. E nós não podemos mudar isso. Agora vai dormir, moça, é tarde e amanhã você acorda cedo. — Tá. — respondeu Maria, não muito convencida. Nem o pai sabia bem o que estava dizendo. A conversa ficara difícil para ambos. Maria, lambendo uma lágrima que caiu pelo canto do nariz e foi parar entre os lábios, continuou olhando a formiga e pensando na vidinha de menina, nas coisas dela. Sabia que no dia seguinte voltaria para a casa oficial, que encontraria a mãe, que tinha escola. No que o pensamento passou pela mãe, veio a imagem dela chorando na semana anterior, dentro do banheiro, vista pelo buraco da fechadura. A separação já era coisa antiga, de mais de um ano, mas Maria sabia que eram pelo pai aqueles soluços, pelo ex-marido. Deitou na cama, ainda olhando para Catarina, e cochilou. Antes de pegar no sono, pensou que se as formigas pudessem entender do mundo por um minuto, teriam vontade de ser gente e saber das coisas. E que algumas as pessoas, como a mãe dela, talvez desejassem, vez por outra, ser formiga.

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C li c hê

Ana finalmente entendeu o que é o amor. E ainda que ele, o amor descoberto em si, assustada por sabê-lo dentro dela, era clichê. Tudo o que ela tanto tinha ouvido sobre aquela espécie de sentimento, na vida toda, da boca de um milhão me mulheres, encaixava-se. E mais dezenas de frases e maneiras de decifrar aquilo, cabiam. Ana, que sempre odiou clichê, sempre achou cafona repetir palavras de outros, virou eco. Nasceu-se. O olhar mudou o foco, as mãos ficaram grandes, os braços multiplicaram-se, a cora-

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gem cresceu, também o medo, com a mesma força, e o coração parecia não caber mais dentro da pessoa miúda que era ela. Ainda assim, Ana, metida a moderninha — busca interminável desde a adolescência —, orgulhava-se em dizer que continuava a mesma de antes. Podia parecer a quem olhasse de relance. E tudo estava ali, dentro do imaginado numa vida, por anos a perder de vista, até o dia em que ela ouviu Rico chorando dentro do quarto, depois de alguns dias meio estranho, calado. Percebia que algo andava errado, não desligou-se dele, nunca, mas pensou ser bobagem, coisinha normal. Não era. Para o mundo até poderia ser, mas não para Ana. Era seu filho chorando, sofrendo. Sem pensar, sem bater, entrou no quarto. — Filho, o que foi? Ele não respondeu. — Posso me meter na sua vida? Ela não perguntou. Ele deitado na cama, o rosto virado para a parede. Soluço. Ana não se controla. — Me diz o que está acontecendo, por favor. — Nada de mais, mãe. — E a pessoa chora por nada de mais? — Terminei com Lisa. Pronto! — Você? — Ela sabia que o filho balançava demais por “aquela exibidinha” para simplesmente terminar. — Ela acabou, quer viver a vida dela, conhecer ou-

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tras pessoas… Sei lá, mãe, me deixa só, por favor. Não tranquei a porta porque achei que você estivesse no trabalho. — Não consigo. — O quê? — Sair e deixar você aqui, assim, desse jeito. Filho, eu só consigo andar, fazer almoço, trabalhar, ir à academia, conversar sobre qualquer coisa se você estiver bem. Nunca vi você assim. — Mãe, sai. Soluço. Ana chora, mas finge que não. Tosse, faz barulhos estranhos para confundir. Rico nem olha. Uma força descomunal a grudava naquela cama, onde estava aquele filho com o coração partido, filho trocado por outros. Num rompante de bom senso, ela soltou-se dali e saiu, deixou-o só. Sem qualquer traço de bom senso, foi à sala, trancou a porta e colocou uma cadeira encostada. Assim, ela estaria no banheiro, provavelmente chorando, mas ouviria caso ele decidisse sair. Não deixaria. Ana não compreendia bem o que ocorria com ela. Era muito forte, uma imensidão. Sempre teve medo do amor doido, e muitas vezes doído, que sentia pelo filho, medo de não aguentar vê-lo tropeçar, esquentar de febre, tirar nota baixa, ser zombado pelos amigos por qualquer razão. Mas, sim, aguentou nesse monte

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de anos até ali. Não sem sofrimento, mas aguentou. E nunca havia pensado em como se sentiria quando ele levasse um fora da namorada. Talvez por não passar pela sua cabeça alguém rejeitando o menino mais sensacional, lindo, esperto, culto e boa gente da face da Terra. Quem poderia? Ela era só ele. Mesmo que fosse ainda a de antes, moderninha. Mesmo que amasse o marido. Amava. Mas ela era só ele. Deus. Queria poder ser aquela garota, transformar-se nela. E dar-se a ele. Lisa: a felicidade embrulhada em papel de presente. Devia ter tido outro filho — pensava há séculos, desde quando ainda era tempo de ter. Talvez dividindo pudesse ser menos pesado. Ela tentava de todas as formas aliviá-lo disso também, não deixá-lo perceber demais seus excessos. Ana e o marido foram bons na educação. Ele mais tranquilão, zen, ela uma mulher agitada, meio maluca, com manias diversas, mas controlada. Soltava os bichos interiores em pequenas doses, e na maioria das vezes ficava tudo certo. Uma mulher interessante, charmosa, inteligente. Paixão de Rico, além da outra que o faz chorar. Mas a mãe é a mãe, não serve. Já conquistada no infinito. Ela entendia isso, e não sabia o que fazer. Alguém não quer o seu tesouro, nega o que para ela é vida, é ar. Lá dentro do peito, naquele lugar onde ficam as coisas que não temos coragem de admitir, é claro que ela

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tinha ciúmes dessas moçoilas. Não as queria pegando nele, mandando nele, levando para lá, para cá, como se fossem donas. Ele era dela, e um pouquinho do pai. Mas Ana, acima de tudo, de si mesma, desejava, como nada na vida, ver aquele ser sorrindo, feliz. E ela não bastava. Não. Teria que, pela estrada, dividi-lo e contentar-se em ser apenas, embora grande, uma parte. E, com prazer, eternamente colo.

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Sem nome

Finalmente amanheceu. Noite estranha, agitada, acordada. Pesadelo. Vestiu roupa já usada, cabelo e rosto nem viu, foi. Andou pelas calçadas numa reta decidida, atravessou as ruas como se tentasse suicídio. De qualquer maneira, tragédia. “Será que vou saber me perdoar?”, perguntou-se em algum momento. A casa branca, portão pequeno na frente, sem nenhum movimento, não denunciava. Ela conferiu o número no papel amassado e entrou. Uma mulher sentada atrás de uma mesa apertou um botão para destrancar a

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fechadura. Dentro parecia uma clínica comum, embora simplória. Não cabia mesmo perfumaria ali, tiveram bom senso. — Marquei um horário. — Como é seu nome? Não conseguiu dizer. Sentia-se o pior dos seres, tinha vergonha, nojo. Entregou a identidade com a mão trêmula e suada. Enquanto esperava, tentava não pensar em nada. Na verdade, não pensar naquilo, na razão de estar ali. Queria fazer e pronto. Depois de feito, não ter volta, não ter mais decisão a tomar, dá um certo alívio. Ninguém a coagiu, forçou, nem ao menos aconselhou. Só uma amiga sabia, e esta disse apenas: “Faça o que for melhor para você”. E deu colo, ombro, amor. Quis acompanhar, foi impedida: sem testemunhas. Se fosse possível, ela própria estaria ausente. Mas não, para fazer aquilo, precisava passar por cada etapa, ver o sangue escorrer. A resolução foi dela, apenas. Engravidou sem querer, sem poder. O outro, o coautor, se soubesse, provavelmente também não quereria, não poderia. Novos os dois, vinte e poucos anos, nem namorados eram, faculdade no meio, uma vida pela frente. Não cabia um filho. Ela pensava em ter, um dia, mas era vontade distante, para um futuro que ainda custaria a chegar.

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Jamais hoje, impossível. Decisão tomada, não havia dúvida, mas havia culpa, muita, e medo. Quem disse que era fácil? Nem por um minuto. Nunca, nada, foi tão difícil. Ela não queria pensar, pois sabia que faria, não desistiria, não sairia correndo dali. Se saísse, voltaria. Precisava tirar, tinha planos, sonhos. Caso deixasse nascer, não realizaria nem os dela nem os do filho. Mas não chamava de filho, apenas de gravidez. E não gostava da palavra aborto, falava em interromper. Queria voltar atrás, não ter sido tão idiota, se prevenido. Acreditou no ciclo, achou que tinha o controle, na verdade nem pensou muito. “Burra, burra, burra”, disse chorando, em desespero, assim que viu as duas linhas no exame de farmácia. Não conseguia ver nenhuma possibilidade de deixar seguir. Mas também gelava em imaginar o momento, o ato, em como se sentiria depois, na culpa, mil vezes culpa, que não podia evitar, em se ver sentada na sala de espera, quase lá. Quarenta minutos depois, duas idas ao banheiro, um vômito — de enjoo ou de medo — e ela foi chamada. No corredor, enquanto andava até o local do procedimento, os pensamentos vieram sem que ela conseguisse impedir. “Tenho certeza. Por mais que doa, em todos os sentidos, que me marque, eu preciso

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fazer. O contrário destruiria um futuro, dois. Vou ficar bem, melhor com o tempo. E um dia será diferente, será felicidade, mas no momento certo. Peço perdão por agora. É necessário”. Na sala, deu somente respostas: nenhum comentário, nenhuma pergunta. Chegou a hora, pagaria o preço que lhe cobrassem. Fechou os olhos e disse apenas um “ai” pouco antes de terminar.

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Aque le ho m e m

Começava a anoitecer quando Inácio desceu as escadas do hotel e entrou no táxi. No caminho, pensava no texto mil vezes ensaiado, pensado, sofrido. O medo corroía por dentro, apertava, sufocava. Queria saber voltar, desistir daquilo tudo, entender de uma vez por todas que não poderia recuperar o tempo, o não vivido. Soube muitas vezes não procurar, por mais de quinze anos, mas agora que tinha buscado, encontrado, viajado quilômetros e estava ali, chegando, quase, não conseguia desistir. Enquanto esteve longe nunca

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alimentou saudade, embora tivesse, e chegava a acreditar na história inventada de que era um homem sem família, sozinho. Sentia-se assim, só, via-se assim. André tinha 27 anos e terminava, enfim, a faculdade de Direito. Não foi fácil, nada na vida dele foi. Começou cedo a trabalhar para pagar as contas da casa, viu a mãe adoecer e ir perdendo a vida, desistindo dela no quarto ao lado, cuidou dos irmãos mais novos, deu carinho e atenção, virou adulto quando ainda era criança. Mas a necessidade foi a força de cada dia, o impulso para chegar ao próximo degrau, conquistar mais do que comida, alguma sobra, um pé de meia, estar um passo à frente do pouco para nunca faltar. Pensava nos irmãos, queria que eles se tornassem gente de bem, que estudassem, depois trabalhassem e tivessem uma vida boa. Pensava na mãe e não queria aquilo para nenhum deles. Pessoa definhando, fazendo tristeza virar doença, morte, sem lutar, sem tentar encontrar sorriso, nem pelos filhos, que dizia, quando ainda tinha forças e vontade, amar tanto. Parado em frente ao portão, Inácio estava preso. Ao chão, a si mesmo, ao passado que quase não existia mais de tanto tempo ido. Em certos momentos, lembrava de tudo como se nem fosse a sua história, fosse a de outro, ou um filme antigo. Até que o coração apertava e ele percebia, amor e dor, pedaços do que tinha

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restado. Ainda grudado ao chão, lembrou de alguma felicidade no início, uma parte, mesmo que fragmentada, que lhe dava alegria. Os meninos. Inácio, catapultado por esse último sentimento, razão do seu movimento de retorno, respirou fundo e entrou. André abriu a porta. Após dois longos segundos, entendeu quem era aquele homem. — O Sr. quer falar com quem? — André? — Sou eu. — Eu sei, não esqueci. — Não? — Nunca. —O que o Sr. quer? — Ver você, vocês, falar um pouco. Por isso liguei, procurei e vim até aqui, de tão longe. — Longe mesmo. Nem mãe temos mais, não sei se o senhor sabe. — Sei, soube — baixou a cabeça — Desculpe. Pausa. Ninguém falou nada, mas muito foi dito. — Posso entrar? — Se eu disse que podia vir, pode entrar. — Eu não quero atrapalhar, só vim dizer que… Que fui embora, eu sei, fui porque quis, por fraqueza. Vim

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assumir a culpa que esmaga meu pé, me belisca forte, arranca minhas unhas, quebra meu braço. Todos os dias, embora eu tenha tentado fingir, ano após ano, que não doía, que não estava aqui dentro. — Acho que não devíamos falar em dor, sofrimento, em quem causou o quê. Melhor não falar em culpados. — Eu sei que sou o culpado de tudo e admito, sei o que você pensa de mim — disse Inácio chorando, descontrolado, trêmulo, com a mão no rosto vermelho, envelhecido. — Você aceita um café? Confusão louca. Não tinha ódio, talvez só um pouco, melhor dizer raiva. Mas só um pouco. Nem desprezo, não. Do jeito que fosse, um dia foi o pai querido, herói, brincalhão. O marido da mãezinha que morreu por ter sido largada, como quem não vale coisa nenhuma. Sentia medo também. Queria ter vontade de abraçar o homem na sala, mas não tinha. Quem era ele? Desejava que o tempo não tivesse passado tanto, que sua mãe estivesse ali para ver o marido entrar, “alto e forte”, como ela o descrevia. Mas não voltava para ela, que nem estava mais ali. Nem sabia para quem ele chegava, para quê, viagem longa, horas dentro de um ônibus, encontrar rostos que talvez estivessem apagando da memória. Nenhuma história recente juntos,

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a mais nova era tão velha. Voltava para ele, o primogênito? Para os irmãos, que nem o conheceram direito? Vida dura eles tiveram, conquistada com luta. André não podia deixar destruir a casa quem já tinha desfeito coisa demais naquela família. Não podia ouvir o pai falando porquês, não queria. Mas ao mesmo tempo, algo o levava a abrir uma porta, uma brecha ao menos. No fundo, sempre desejou isso. Sonho antigo, imagem pronta na cabeça, o pai chegando em casa, braços abertos, sorriso. Ilusão. Jamais seria assim, mas talvez de uma maneira diferente, com a doçura possível. Quem sabe? E assim, a história que tinha sido interrompida, começou novamente a ser contada. Espalhando as visitas em dias soltos, primeiro rareados, depois frequentes, sim, André daria a Inácio a chance de ser outro, nunca mais o de antes. Depois daquela noite, de ter ido, conseguido, encarado o mais velho, visto os pequenos, agora grandes, de longe na manhã seguinte, falado pelo telefone, marcado um novo encontro com todos juntos, sentia as nuvens se dissipando, ao menos dentro dele, o pai renascendo. Os fantasmas tinham corpo novamente, rosto, presente, hoje. E melhor, amanhã, mais tarde, futuro. Depois daquela noite, Inácio poderia ser qualquer um.

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Carol Pimentel é pernambucana, jornalista e mora no Rio de Janeiro, onde trabalha com assessoria de imprensa e agenciamento de atores. No Recife, a nascente, virou o que é, seja lá quem for. No Rio, uma escolha de vida, acrescentou, coloriu, transformou. Dois lares, dois amores, dois lugares. Caçula entre cinco filhos, a pequena da família, tem 35 anos, mas acha que tem 15. Quando crescer, um dia, quer ser escritora.


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copyright ©2012 Carol Pimentel copyright ©2012 desta edição, Ímã Editorial

Dentro Doida : Carol Pimentel — Rio de Janeiro : Motor : Ímã editorial, 2012, 96p; 21 cm.

isbn 978-85-64528-18-5

1. Contos. I Pimentel, Carol II Título. II Série

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2012 Todos os direitos desta edição reservados a Ímã Editorial | Livros de Criação

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