Arte, Arquitetura e Território: a experiência cultural no espaço urbano

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18 Este incessante fluxo, entre natureza e cultura, responsável pela renovação da própria natureza é, segundo Eagleton, o que chamamos de trabalho. (EAGLETON, 2003). Assim, se natureza e cultura interagem de maneira tão profunda, como distinguir o natural do artificial? Seria a cidade, fruto da matéria-prima natural e da transformação humana, menos natural que as sociedades tribais? O geógrafo David Harvey argumenta que não. O autor afirma, em seu livro “O enigma do Capital”, que a cidade de Nova York, emblema da sociedade pós-industrial, não seria, como se possa pensar, "antinatural", não estando a sociedade ocidental menos próxima da natureza do que as sociedades primitivas. Sobre a suposta dicotomia entre natureza e o não-natural Harvey escreve: Pouco resta à superfície do planeta Terra que possa ser concebido como natureza pura e original, sem a mão do homem. Por outro lado, é absolutamente natural as espécies, incluindo a nossa, modificarem o seu ambiente para que possam reproduzir-se. Fazem-no as formigas, as abelhas e, da forma mais espetacular, os castores. Do mesmo modo que um formigueiro é absolutamente natural, também a cidade de Nova Iorque o é, decerto. (HARVEY, 2011, p. 100).

Assim, a diferença entre o que é natural e o que é fruto do trabalho humano parece dissolver-se em algo único e indissociável, sendo o conceito de cultura, justamente, a materialização desta associação. À medida em que recusa simultaneamente o determinismo orgânico e a autonomia do espírito, o termo "cultura" carrega em si a própria negação de que natureza e cultura possam existir de forma separada e independente. Pode-se dizer, dessa forma, que a cultura estabelece uma dupla rejeição: ao naturalismo, já que há algo dentro da própria natureza capaz de excedê-la e anulá-la, e ao idealismo, já que não se pode excluir os fatores biológicos e naturais das origens do agir humano. Considerando que a dicotomia entre cultura e natureza - e a sua própria desconstrução - encontram-se no cerne do significado do próprio conceito de cultura, a sua análise é fundamental para o entendimento do mesmo. Tal relação dicotômica é tratada por Latour (1994), em seu estudo sobre a modernidade e a sua suposta superação. Para o autor, o cerne da questão da diferenciação entre os modernos e os ditos "não-modernos" reside justamente na relação entre natureza e cultura. Segundo ele, a modernidade caracteriza-se pela crença na separação ontológica entre humanos e não-humanos, o que significaria


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