Estudo Desenvolvimento, Comércio e Finanças | Desigualdades e Incongruências

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2.3. SUSTENTABILIDADE E DIREITOS HUMANOS NÃO VINCULATIVOS Os acordos de comércio celebrados entre a União Europeia e regiões ou países terceiros vão, cada vez mais, para além das questões puramente comerciais, entrando em muitas áreas da decisão política. Neste contexto, desde o Tratado de Lisboa que estes acordos integram capítulos sobre desenvolvimento sustentável e, particularmente incentivado pela Estratégia da UE “Comércio para Todos” (2015), vários aspetos sobre a responsabilidade social das empresas, a preservação do ambiente e gestão sustentável dos recursos naturais, o respeito pelas normas laborais ou a proteção dos direitos humanos começaram a constar de vários acordos comerciais com países em desenvolvimento65. A atual Comissão Europeia (2019-2024) também expressou o compromisso de promover um comércio mais sustentável e responsável, nomeadamente no âmbito da implementação do Pacto Ecológico Europeu, aprovado em 2019. No entanto, várias incoerências permanecem nesta área. Em primeiro lugar, os estudos de impacto sobre os acordos de comércio livre e a revisão regular efetuada pela Comissão Europeia sobre a sua implementação seguem uma perspetiva quase exclusivamente comercial (sobre a abertura de mercados para a UE e listagem dos bens e serviços que registam aumento do comércio), sem ter em conta o impacto real dos acordos em questões mais abrangentes como a diversificação económica, a fiscalidade, as cadeias de abastecimento, o emprego ou os efeitos nas empresas, particularmente considerando que estes impactos podem variar consideravelmente consoante os setores e as regiões e que são particularmente importantes para os países em desenvolvimento (Hervé, 2020). No âmbito dos direitos humanos, o Plano de ação da UE para os Direitos Humanos e a Democracia define, desde 2012, que o comércio deve ser utilizado em prol dos direitos humanos, que estes devem ser incluídos nas avaliações de impacto em todas as fases e esta questão deve ser analisada em caso de negociação/conclusão de acordos de comércio ou investimento66. Na revisão de implementação dos acordos, porém, é ainda inexistente ou incipiente a análise de práticas ambientais e legislação social e de direitos humanos dos países parceiros, bem como a participação da sociedade civil e dos próprios países parceiros no controlo da implementação das disposições sobre desenvolvimento sustentável e direitos humanos. A perspetiva sobre os direitos humanos tende, igualmente, a ser limitada, não se focando de forma abrangente nos direitos cívicos, políticos, económicos, sociais, culturais e laborais. Em segundo lugar, as disposições sobre desenvolvimento sustentável não são vinculativas e carecem de meios de implementação e de escrutínio, ao contrário das disposições sobre comércio. Em vários acordos, a inclusão dessas disposições é contrabalançada com disposições em que se afirma o direito das partes estabelecerem o seu nível de proteção social e ambiental e de agirem nestas áreas consoante a sua legislação nacional, o direito de soberania dos Estados sobre os seus recursos naturais, ou outras disposições similares que se sobrepõem às declarações de intenção no quadro do desenvolvimento sustentável.   Em junho de 2017, a Comissão Europeia publicou um documento de orientação sobre a implementação das disposições sobre o desenvolvimento sustentável nos acordos comerciais, iniciando o debate com os Estados Membros, o Parlamento Europeu e outras partes interessadas sobre o que pode ser feito para melhorar o seu cumprimento.

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Em 2015, a Comissão Europeia publicou orientações específicas nesse sentido, disponíveis em https://trade.ec.europa.eu/doclib/ docs/2015/july/tradoc_153591.pdf

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