Revista + Município

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DIALOGAR PARA APRIMORAR O debate sobre o déficit de médicos no Brasil é antigo, porém, tornou-se um tema candente a partir de 2012, quando setores da sociedade, sobretudo as entidades municipalistas, sinalizaram a possibilidade de realização de chamadas internacionais para suprir a demanda por profissionais. Prefeitos e prefeitas expõem há décadas a dificuldade enfrentada para contratar médicos, afinal, é na porta das Prefeituras que a população bate quando está desassistida. A saúde sempre compôs as reivindicações populares e a falta de médicos consolidou o tema como central. As eleições de 2012 foram reveladoras nesse sentido. A dificuldade de acesso à atenção básica foi o mote dos debates. Porém, nenhum projeto de governo era capaz de apontar saídas para tal realidade, afinal, não se tratava de um problema de gestão, mas da oferta de profissionais. Entidade municipalista mais antiga do Brasil e da América Latina, a Associação Brasileira de Municípios (ABM) acompanhou de perto o dilema das prefeituras, particularmente as mais afastadas dos grandes centros, a exemplo de Novo Airão/AM, município debruçado às margens do Rio Negro. Como mostra a reportagem da presente publicação, um médico precisa viajar cerca de dez dias para atender uma comunidade quilombola. Era um desafio fixar profissionais em áreas como essa. A realidade de Novo Airão se reproduzia de Norte a Sul do país. Dessa forma, nossa entidade constatou a necessidade de uma solução imediata para a falta de médicos nos municípios e passou a dialogar com o Ministério da Saúde, reivindicando a implantação de políticas públicas nesse sentido. Quando o Ministério da Saúde anunciou a intenção de realizar chamadas internacionais como uma alternativa de curto prazo, a ABM apoiou prontamente a iniciativa, participando dos debates e das ações de planejamento para sua viabilização. Por isso, com orgulho, podemos afirmar que o Mais Médicos é mais um fruto da luta municipalista. O programa não apenas contemplou a demanda imediata em relação ao provimento emergencial de profissionais – com a importante parceria entre o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), que viabilizou a participação dos médicos cubanos –como também formulou políticas de médio e longo prazos, que trazem avanços na formação e na distribuição de médicos. A experiência de Ceres/GO, relatada nessa publicação, define esse quadro. Mesmo com uma concentração de 7,92 médicos a cada mil habitantes –índice quatro vezes maior do que o nacional, de 1,8 –, o município tinha dificuldade de fixação de profissionais na atenção básica, por não terem o perfil adequado para atuar na Saúde da Família. Esse e centenas de outros casos sinalizam o sucesso do programa ao longo dos últimos 18 meses. Os ‘Diálogos Mais Médicos e a gestão municipal para atenção básica de saúde’, promovidos pela ABM, em parceria com a Opas, foram importantes para mensurar os avanços proporcionados pelo programa nos municípios com menos de 50 mil habitantes, sob a ótica dos prefeitos e gestores públicos, atores fundamentais na dinâmica da gestão local da saúde.

Promovemos duas edições dos Diálogos, em Manaus/AM e em Brasília/DF, e realizamos visitas nas cidades de Ceres/GO, Sapucaia/RJ, Teodoro Sampaio/ BA, Novo Airão/AM e Lapa/PR, que revelaram a importância que o Mais Médicos assumiu na democratização do atendimento na atenção básica. Também foram apuradas as demandas para seu aprimoramento, como a necessidade de aproximação entre a supervisão do programa e os municípios, o incremento das especialidades, entre outros. A partir desses dados pudemos apresentar ao Ministério uma avaliação e sinalizar caminhos para tornar o programa ainda mais eficiente nas próximas etapas. Ao mesmo tempo em que verificamos avanços importantes, também identificamos a necessidade de novas fontes de financiamento. Por isso, apresentamos à presidenta Dilma Roussef o nosso apoio à retomada da CPMF, compartilhada entre União, estados e municípios, de forma que, no caso das prefeituras, ela tenha destinação exclusiva à saúde. Os Diálogos mostraram que, quando o assunto é saúde, políticas públicas inovadoras como o Mais Médicos podem superar desafios aparentemente instransponíveis, por meio do empenho e sintonia entre todos os entes na dinâmica do pacto federativo. Embora ainda haja demandas a serem encaminhadas, ficamos satisfeitos com a sinalização do Ministério de que o Mais Médicos continuará assegurando a presença de profissionais de Norte a Sul do país e pretendemos aprofundar ainda mais o diálogo com a União para contribuir com essa missão. A prefeita Lindinalva, de Novo Airão/AM, disse durante os diálogos: “Deus me livre de o Mais Médicos acabar. Prefiro não pensar nisso”. Para todos os prefeitos e prefeitas essa situação é impensável, porque a garantia do acesso à saúde é fundamental para a construção de uma vida melhor nos municípios do nosso Brasil.

“FICAMOS SATISFEITOS COM A SINALIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DE QUE O MAIS MÉDICOS CONTINUARÁ ASSEGURANDO A PRESENÇA DE PROFISSIONAIS DE NORTE A SUL DO PAÍS E PRETENDEMOS APROFUNDAR AINDA MAIS O DIÁLOGO COM A UNIÃO PARA CONTRIBUIR COM ESSA MISSÃO”

Eduardo Tadeu Pereira é presidente da Associação Brasileira de Municípios (ABM)

Foto: Raul Pereira


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SUMÁRIO L A PA/ PR

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MAIS MÉDICOS Atenção básica avança em 72,8% dos municípios brasileiros

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DIÁLOGOS BRASÍLIA

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“O programa mais médicos não tem data para acabar”

TEODORO S AMPAIO/ B A

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DIÁLOGOS REGIÃO NORTE “Nossos rios são nossas ruas”

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INFRAESTRUTURA

Atendimento além dos médicos

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FORMAÇÃO Especialistas nas comunidades brasileiras

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C A PA: MAIS MÉDICOS DE NORTE A SUL DO PAÍS

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NOVO AIRÃO/AM


EXPEDIENTE

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Publicação de prestação de contas do projeto ‘Diálogos Mais Médicos e a gestão municipal para atenção básica de saúde’

CERES/GO

Associação Brasileira de Municípios

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SAPUCAIA/RJ

SAUS, Quadra 5, Bloco F - Brasília/DF www.abm.org.br Coordenador do projeto: Márcio Cruz Edição: Ágora Comunicação Jornalista responsável: Yasmim Taha / MTB 62264/SP Projeto gráfico: Rafaela Dardengo Tiragem: 7.000 exemplares Circulação: Nacional

Diretoria ABM Presidente: Eduardo Tadeu Pereira – Várzea Paulista/SP Vice-presidente: Marcos Ferreira - Patrocínio Paulista/SP

Membros

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POR DENTRO DA REDE Rede-Observatório do Mais Médicos acompanha resultados do Programa

Ana Renata da Purificação Moraes – Branquinha/AL Anderson Zanon – Sapucaia/RJ Ângela Maria Moreira Kraus - Farol/PR Ascânio Antônio de Paula - Cafezal do Sul/PR Carlos Roberto Pereira – Tanguá/RJ Cesar Emilio Lopes Oliveira – Capitão Enéas/MG Edgar de Souza – Lins/SP Eliomar de Souza Nogueira – Fortaleza dos Nogueiras/MA Divino Alexandre da Silva – Panamá/GO Elisa Maria Costa – Governador Valadares/MG Florentino Alves Veras Neto – Parnaíba/PI Francis Maris Cruz – Cáceres/MT Francisco Evanildo Simão da Silva – Mauriti/CE Gilmar Antônio Rinaldi – Esteio/RS Josehildo Taketa Bezerra – Tomé-Açú/PA Klauss Francisco Torquato Rêgo - Extremoz/RN Leonardo Deptulski – Colatina/ES Luciano Duque de Godoy Sousa – Serra Talhada/PE Luiz Alberto Silva Muniz – Utinga/BA Marcio Reinaldo Dias Moreira – Sete Lagoas/MG Maria das Dores de Oliveira – Claro dos Poções/MG Maria Inês do Rosário Brito – Ceres/GO Monica Gomes Aguiar – Camocim/CE Neuma Maria Café Barroso - Pedro II/PI Patrícia Pequeno Costa Gomes de Aguiar – Tauá/CE Paulo Cezar Junqueira Hadich – Limeira/SP Paulo Mac Donald Ghisi – Foz do Iguaçu/PR Pedro Celso Zuchi – Gaspar/SC Raimundo Nogueira dos Santos – Gurupá/PA Renato Gemelli Bonadiman – Seberi/RS Solange Sousa Kreidloro – Nova Bandeirantes/MT Tânia Maria Portugal – São Sebastião do Passé/BA Vicente de Paula de Souza Guedes – Rio das Flores/RJ Vitor Antônio Pletsch – Nova Prata/RS


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MAIS MÉDICOS

MINISTRO GARANTE CONTINUIDADE DO MAIS MÉDICOS

Foto: Thamyres Ferreira/MS

Em reunião com a ABM, Marcelo Castro assegura que governo federal manterá presença dos 18.240 médicos nos municípios Hêider Aurélio Pinto, secretário de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde, Eduardo Tadeu Pereira, presidente da ABM, e Marcelo Castro, Ministro da Saúde

Há pouco mais de dois anos de seu lançamento, o programa Mais Médicos já se consolida como o ponto de partida da maior revolução vivida na atenção básica de saúde brasileira. Implantada em julho de 2013, em meio a uma grande oposição das entidades médicas, a iniciativa quebrou paradigmas e hoje é elogiada pelos usuários do SUS, prefeitos(as) e gestores(as) de saúde e até mesmo pelos médicos brasileiros que ingressaram no programa. O déficit de médicos no Brasil é uma antiga realidade que afeta os municípios brasileiros, sobretudo os periféricos e do interior. O país tinha em 2012 1,8 médico para cada mil habitantes, índice abaixo de nações como Argentina (3,2), México (2) e Espanha (4). Para igualar-se à média de 2,7 médicos por mil habitantes registrada na Inglaterra, o Brasil precisaria ter mais 168.424 profissionais. Acompanhando essa realidade, a ABM passou a dialogar com o Ministério da Saúde, exigindo uma solução imediata para a questão da falta desses profissionais, já que os prefeitos apontavam o problema da fixação de médicos como um dos maiores desafios de gestão. Como resposta para essa reivindicação, o governo federal lançou o Programa Mais Médicos, dividido em três eixos: Educação, que consiste na reestruturação da formação médica, para resolver definitivamente o problema da falta de profissionais, com a criação de novas vagas de residência e de graduação; infraestrutura, por meio da construção de novas unidades básicas de saúde e reforma e ampliação das existentes; e o provimento emergencial de médicos, dimensão mais imediata do projeto, via chamadas públicas para profissionais brasileiros e estrangeiros.

milhões de brasileiros que até então estavam desassistidos. A iniciativa beneficiou 4.058 municípios e 34 distritos indígenas, atendendo 72,8% das prefeituras brasileiras. Hoje, 18.240 médicos atuam no programa. Com essa revolução na oferta de profissionais, a grande preocupação dos prefeitos deixou de ser a garantia de atendimento na atenção básica. “Os municípios estão apreensivos em relação à continuidade do programa e do convênio com a Opas, pois os médicos já criaram vínculos com a comunidade e seria um grande prejuízo perdê-los”, avalia Eduardo. O ministro da saúde, Marcelo Castro, em reunião com o presidente da ABM, informou que o Mais Médicos será sempre uma das grandes prioridades do Ministério da Saúde, pois ele vem garantindo um auxílio constante aos gestores municipais no provimento de profissionais na atenção básica. “Sabemos o quanto é difícil contratar médicos no interior, em periferias e em localidades remotas, e por isso, o Mais Médicos é tão importante: trata-se do governo federal fazendo a sua parte na melhoria e expansão do atendimento médico à população, em parceria com as prefeituras. Nós continuaremos a garantir a presença desses 18.240 profissionais, realizando todas as reposições necessárias trimestralmente. Assim manteremos sempre atendidos os 63 milhões de brasileiros beneficiados pelo programa”, afirma.

Foto: Karina Zambrana/ASCOM-MS

“A parceria com a Organização Pan Americana de Saúde (Opas) foi decisiva, tanto pela oportunidade técnica como pela experiência internacional, que nos deu sustentação”, pontua Alexandre Padilha, ministro da Saúde à época da implantação do programa Mais Médicos. Enquanto as mudanças na política de formação de médicos, a criação de novas vagas de residência e em cursos de medicina e a melhoria da estrutura das unidades básicas de saúde miram em resultados de médio e longo prazo, o chamamento de novos médicos para o SUS cumpriu a missão de garantir de imediato a presença de profissionais na atenção básica dos municípios, levando atendimento para 63

Presidente da ABM, Eduardo Tadeu Pereira (dir.), participa de coletiva de imprensa no lançamento do Mais Médicos junto com o então ministro Alexandre Padilha (centro)


MAIS MÉDICOS

MAIS MÉDICOS 63 MILHÕES

DE BRASILEIROS ATENDIDOS

4.058

MUNICÍPIOS BENEFICIADOS

72,8%

INDÍGENAS

18.240

DAS PREFEITURAS CONTEMPLADAS

APRIMORAR PARA AVANÇAR

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& DISTRITOS

MÉDICOS

Fonte: Ministério da Saúde

SUPERVISÃO

Por meio do projeto ‘Diálogos Mais Médicos e a gestão municipal para atenção básica de Saúde’, a Associação Brasileira de Municípios (ABM) levantou as principais demandas de prefeitos, gestores da saúde e médicos para o aprimoramento do programa.

Aproximação da supervisão do programa com a gestão da saúde dos municípios, para assegurar um retorno mais rápido das demandas apontadas tanto pelos médicos quanto pelos gestores.

RETROALIMENTAÇÃO

NOVAS FONTES DE RECURSOS

Aprimoramento do diálogo e integração entre a atenção básica, particularmente o Programa de Saúde da Família, e as demais esferas da saúde pública, como as especialidades e o atendimento de média e alta complexidades, assegurando o fluxo de informações.

Criação de novas formas de financiamento da saúde para assegurar o abastecimento de medicamentos e insumos fundamentais para a atenção básica.

MAIS ESPECIALIDADES

COMUNICAÇÃO

Ampliação da oferta de médicos especialistas no SUS, tendo em vista a grande espera para consultas com esses profissionais. Para isso, os (as) prefeitos (as) sugerem a criação do programa Mais Especialidades.

Investimentos em ferramentas de comunicação, como rede de internet e de telefonia móvel para viabilizar o contato dos profissionais das unidades de saúde com outras estruturas da administração municipal e também acesso a conteúdos online.

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DIÁLOGOS | REGIÃO NORTE

“NOSSOS RIOS SÃO NOSSAS RUAS” Constituída pela maior bacia hidrográfica do mundo, a Região Norte do Brasil é composta por cidades ribeirinhas, realidade que impõe diversos desafios e peculiaridades à gestão pública, como o alto custo regional, dificuldades de locomoção e para a construção em áreas de várzea. Se em outras regiões brasileiras a contratação de médicos era uma tarefa difícil, na Norte essa missão era quase impossível, consolidando o Mais Médicos como um divisor de águas.


DIÁLOGOS | REGIÃO NORTE

Foto: Alberto César Araújo/Aleam

Prefeita de Ponta das Pedras/PA, Consuelo Castro, apresenta ao lado de prefeitos da Região Norte as dificuldades dos municípios ribeirinhos

Ao retratar a dimensão dos desafios enfrentados pelas administrações municipais de cidades da Região Norte, da prefeita de Ponta de Pedras/ PA e presidente da Associação de Municípios do Arquipélago do Marajó (Amam) Consuelo Castro, define muito bem a realidade local. “Nossos rios são nossas ruas e isso torna a gestão pública um grande desafio”. Os relatos de prefeitos da região e de secretários de saúde no primeiro seminário dos ‘Diálogos Mais Médicos e a gestão municipal na atenção básica de saúde’, no dia 6 de novembro, em Manaus, reforçaram essa constatação.

Em algumas cidades, como Novo Airão/AM, situada a 115 km da capital Manaus, em períodos de seca um médico pode demorar até dez dias no percurso de barco para chegar à comunidade quilombola, realidade que torna difícil a contratação de brasileiros, tendo em vista o quadro de falta de profissionais e a exigência de salários altos. “No início da gestão pagávamos R$ 15.000,00 para um profissional ficar 12 dias. Hoje nós repassamos R$ 2.500,00 para cada médico usar como quiser”, conta o secretário de saúde, Cícero Agar.

O evento aconteceu durante o Encontro Regional de Municípios – Edicão Norte, promovido pela Associação Brasileira de Municípios (ABM). Entre os principais problemas apontados pelos participantes estão o alto custo regional, muito desigual em relação ao nacional, a complexidade de construção de prédios públicos em regiões de várzea e os obstáculos para locomoção, que exigem uma frota variada de veículos, com barcos, carros e caminhonetes 4x4.

R$ 15.000,00

ERA O SALÁRIO PAGO PELA PREFEITURA DE NOVO AIRÃO AOS MÉDICOS

Esses fatores interferem diretamente na capacidade das prefeituras da Região Norte de atrair e contratar médicos. Levantamento do Ministério da Saúde com base em dados do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que entre os cinco Estados com a menor concentração de médicos – menos de 1 a cada 1.000 habitantes – três pertencem a essa área: Acre, Amapá, e Pará.

Esse contexto consolida o programa Mais Médicos como um divisor de águas para a atenção básica dos municípios do Norte do país. Segundo o presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Amazonas (COSEMS/AM), Januário Carneiro da Cunha Neto, a região recebeu 2.235 médicos, distribuídos em 371 municípios e 19 distritos indígenas, beneficiando 7,7 milhões de pessoas. No estado do Amazonas, 98,9% dos municípios aderiram ao programa.

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ESTADOS BRASILEIROS COM A MENOR CONCENTRAÇÃO DE MÉDICOS PERTENCEM À REGIÃO NORTE

DISTRITOS INDÍGENAS DO AMAZONAS RECEBEM MÉDICOS DO PROGRAMA

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DIÁLOGOS | REGIÃO NORTE Ele relata que a iniciativa solucionou o problema de fixação de médicos. “Os profissionais não queriam ficar devido à longa distância entre os municípios. Nós tínhamos uma alta rotatividade de médicos na atenção básica. Era um leilão, pois quem não tinha dinheiro ficava sem médico. Fazíamos alguns arranjos financeiros para não perder a equipe e sanar alguns problemas de saúde”, relembra. Ainda como resultados positivos do Mais Médicos, ele destaca a melhoria da estrutura das unidades de saúde e a aquisição de equipamentos. Mesmo com tantos avanços, os municípios da Região Norte ainda demandam o aprimoramento das ferramentas e políticas de saúde para melhoria do atendimento. “Por que não se cria uma linha de financiamento para transporte aquaviário? Por que o único tipo de transporte sanitário e de urgência regular é o Samu?”, questiona Januário. Ele ainda reivindica uma atenção diferenciada do governo federal em relação aos municípios do Norte, que sofrem com o subfinanciamento dos projetos desenvolvidos em parceria com a União, devido ao alto custo regional. Na cidade de Manaus/AM, a capacidade de atendimento do Programa de Saúde da Família dobrou. Em 2013, 50% das equipes estavam incompletas, devido à falta de médicos. O Mais Médicos viabilizou a atuação de 212 equipes, que envolvem 96 profissionais do programa. “Em Manaus nós temos cinco distritos e a maioria desses profissionais atua nas áreas de maior vulnerabilidade. No distrito rural nós temos seis médicos do programa, que trabalham nas unidades ribeirinhas e também nas fluviais”, expõe Núbia Rodrigues, gerente da Estratégia de Saúde da Família.

“Os profissionais não queriam ficar devido à longa distância entre os municípios. Nós tínhamos uma alta rotatividade de médicos na atenção básica. Era um leilão, pois quem não tinha dinheiro ficava sem médico. Fazíamos alguns arranjos financeiros para não perder a equipe e sanar alguns problemas de saúde” - Januário

Carneiro da Cunha Neto, presidente do COSEMS/AM

câncer de útero. “No primeiro mês ela tinha 51 pacientes fazendo o acompanhamento (5,2% da população cadastrada), enquanto no quarto mês ela já havia envolvido 56% dessa população, de faixa etária de 25 a 64 anos”.

Núbia Rodrigues, gerente da Estratégia de Saúde da Família de Manaus/AM

A capital amazonense conta com 31 médicos intercambistas individuais, 32 cooperados (cubanos) e 33 brasileiros. “Uma médica cubana fez uma busca ativa de pacientes com doenças cutâneas e também começou o acompanhamento e tratamento de pacientes com leishmaniose. Outro avanço da atuação dessa profissional foi o trabalho que ela desenvolveu com as crianças, ampliando a cobertura das consultas e reduzindo o índice de mortalidade infantil, que em Manaus é bem alto”, avalia, mencionando também o desempenho de outra médica cubana na prevenção do

O secretário adjunto de atenção especializada da capital, Wagner William de Souza, reforça a constatação de Núbia. “Quando eu soube que os cubanos viriam, eu comecei a acreditar. No Brasil, 55% dos médicos são especialistas em alguma coisa, mas apenas 1,28% é especialista em saúde da família, porque foi formado para trabalhar dentro do hospital e não consegue compreender que os pacientes precisam de prevenção. Os cubanos vieram para preencher esse espaço”. A região amazônica enfrentou uma dificuldade peculiar em relação ao programa. “Em quase todos os Estados, as universidades organizam o Mais Médicos. Aqui elas foram contra e por isso a Coordenação de Comissão Estadual (CCE) teve que ser constituída dentro da Secretaria de Saúde”, relata Wagner.


DIÁLOGOS | REGIÃO NORTE

PONTA DE PEDRAS/PA PREFEITA: Consuelo Maria da Silva Castro, presidente da Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó (Amam)

POPULAÇÃO: 29.160 habitantes*

DIFICULDADES PARA CONTRATAÇÃO DE MÉDICOS

“Tínhamos quatro médicos passando receita e demandando exames, agora nós temos oito, porém recebemos o mesmo valor para o custeio da atenção básica."

O principal desafio era a disponibilidade de profissionais e o alto salário exigido. Antes do programa Mais Médicos, o município mantinha de três a quatro médicos e a média salarial era de R$ 20.000,00. Residentes em Belém/PA, os médicos brasileiros que atuam em Ponta de Pedras/PA vão à cidade de barco e o deslocamento faz com que eles percam um dia de trabalho, tendo em vista que o transporte parte às 13h da tarde segunda-feira rumo ao seu destino final. Esses profissionais não residem no município e vão embora aos finais de semana, deixando a população desassistida. “Tem que ter dia para a população adoecer, não pode ser de final de semana”, diz Consuelo.

ter médicos nos municípios e desmistificou a questão dos altos salários dos brasileiros. Além disso, passou a existir a possibilidade de trabalhar na prevenção e no tratamento de doenças crônicas e atendimento domiciliar, atendendo pessoas que não podem se deslocar aos postos de saúde e reduzindo gastos a médio e longo prazos. “Se alguém tiver um AVC eu tenho que alugar um barco, chamar um avião”, exemplifica.

medicamentos aumentou expressivamente com a chegada dos novos profissionais. “Tínhamos quatro médicos passando receita e demandando exames, agora nós temos oito, porém recebemos o mesmo valor. Todo ano aumenta e desde 2013 não há aumento dos repasses da farmácia básica, do valor laboratorial e nós ficamos no prejuízo”.

NOVA REALIDADE

PROBLEMAS E DEMANDAS

Ponta das Pedras recebeu quatro médicos cubanos, que atendem na zona ribeirinha da cidade, onde a prefeitura inaugurou três novos postos. Essa nova realidade promoveu uma revolução na atenção básica do município, reduzindo filas e tempo de espera para atendimento. “Abriu-se a porta para se

A prefeita cita como uma desvantagem do programa o fato de os novos médicos não poderem atuar na urgência e emergência. Ela ainda sugere como medida para aprimoramento do Mais Médicos o incremento do custeio da atenção básica, tendo em vista que o número de exames e de

“Teremos menos assistência médica. A gente teria que diminuir o número de médicos no município. Não teria como manter a quantidade que eu tenho hoje”.

E SE O PROGRAMA ACABAR?

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DIÁLOGOS | REGIÃO NORTE

AMAJARI/RR PREFEITO: Moacir José Bezerra Mota, presidente da Associação dos Municípios de Roraima (AMR)

POPULAÇÃO: 11.006 habitantes*

DIFICULDADES PARA CONTRATAÇÃO DE MÉDICOS Os dois médicos que atuavam em Amajari eram contratados pelo governo do estado e a prefeitura complementava o salário deles para atuarem na atenção básica. A questão financeira era um impedimento para a contratação de profissionais, assim como a localização da cidade. “Existe a dificuldade de o médico querer trabalhar no interior”, constata Moacir. Com escassez de médicos a população das ilhas fluviais, comunidades indígenas e de assentamentos de colônias ficava desassistida e, muitas vezes, tinha que ser atendida na capital Boa Vista.

NOVA REALIDADE O município recebeu três médicos do programa e há previsão de participação de outros dois. Esse novo quadro inverteu o fluxo da procura por atendimento na região, já que os moradores da capital passaram a se deslocar para o interior. “Nós estamos conseguindo atender a demanda de atendimento, exames e remédios. Antes sufocávamos a capital e agora é o contrário”, compara o prefeito. Hoje os idosos e doentes crônicos têm acompanhamento médico semanal, o que resulta na prevenção de problemas de saúde mais graves.

PROBLEMAS E DEMANDAS Para o prefeito de Amajari, o programa pode ser aprimorado por meio da oferta de mais capacitação aos profissionais e um acompanhamento mais próximo do governo federal. Para isso, ele sugere que a cada seis meses a União avalie a adaptação desses médicos e ofereça o apoio necessário. “Eles vêm de uma região diferente. O governo federal precisa estar mais junto deles”.

E SE O PROGRAMA ACABAR? “A gente fica até com medo, porque o programa está por tempo limitado e precisamos que ele seja prorrogado o mais breve possível para que nossos munícipes não fiquem sem esses médicos, caso contrário ficaremos em uma situação muito caótica”.

“A gente fica até com medo, porque o programa está previsto por um tempo limitado e precisamos que ele seja prorrogado”


DIÁLOGOS | REGIÃO NORTE

PRESIDENTE FIGUEIREDO/AM PREFEITO: Neilson da Cruz Cavalcante POPULAÇÃO: 32.812 habitantes*

DIFICULDADES PARA CONTRATAÇÃO DE MÉDICOS O prefeito Neilson classifica seu município como “um tanto quanto diferenciado” no contexto da Região Norte. “Temos uma receita de ICMS boa, de mais de R$ 100 milhões anuais, para uma população em torno de 30 mil habitantes”. Porém, mesmo com uma situação financeira estável, a prefeitura enfrentava dificuldade de contratação de médicos. Os profissionais não tinham o costume de fazer atendimento domiciliar e medicina preventiva e era um desafio assegurar assistência nas áreas rurais e do interior. Os moradores das áreas ribeirinhas tinham que sair de casa às 4 horas da madrugada para chegar ao porto às 6h30 e pegar o transporte para a cidade, o que custava R$ 30,00 e podia se tornar R$ 60,00 quando o doente necessitava de acompanhante.

“Além de levar atenção de saúde para o morador da área rural, a gente levou para a comunidade uma atividade econômica local. Não há mais impedimento para as coisas se instalarem lá”.

NOVA REALIDADE Presidente Figueiredo recebeu quatro médicos do programa e com isso descentralizou o atendimento, assegurando assistência permanente nas áreas distantes do centro, já que a prefeitura conseguiu aumentar o número de equipes de saúde da família. As comunidades ribeirinhas recebiam os profissionais de 15 em 15 dias e hoje têm médicos fixos, atendendo diariamente. “Além

*Fonte: IBGE, 2015 (população estimada)

de levar atenção de saúde para o morador da área rural, a gente levou para a comunidade uma atividade econômica local. Se já tinha a escola, agora tem médico, você começa a gerar um núcleo descentralizado da sede da área urbana do município. Não há mais impedimento para as coisas se instalarem lá”.

E SE O PROGRAMA ACABAR? “Eu teria sérios problemas, porque se eu tiver que dispensar o médico fixo da área rural como eu vou fazer o atendimento e justificar para a população? O paciente vai ter que voltar a gastar os R$ 60,00 para ser atendido?”

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DIÁLOGOS | BRASÍLIA

Foto: Edgar Marra

O Secretário de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde, Hêider Aurélio Pinto, contribuiu com os diálogos apresentando as novas perspectivas do Mais Médicos

“O PROGRAMA MAIS MÉDICOS NÃO TEM DATA PRA TERMINAR” Hêider Aurélio Pinto, Secretário de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde do Ministério da Saúde garante: o Mais Médicos continua em 2016 Contratar e fixar médicos foi, até 2013, um dos maiores desafios enfrentados pelas prefeituras brasileiras. A exigência de salários altos, em muitos casos ultrapassando os R$ 30 mil, e o não cumprimento da carga horária inviabilizavam a garantia de atendimento médico na atenção básica, sobretudo em distritos indígenas, regiões periféricas, ribeirinhas e do interior. A sanção da Lei do Mais Médicos foi um marco na resolução desse dilema e hoje a grande preocupação dos prefeitos e prefeitas é a continuidade do programa.

Os ‘Diálogos Mais Médicos e a gestão municipal para atenção básica de saúde’, promovidos nos dias 30 de novembro e 1° de dezembro na sede da Associação Brasileira de Municípios (ABM), em Brasília, em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e apoio do Ministério da Saúde, abordaram a necessidade de manutenção da iniciativa e permitiram a formulação de propostas para seu aprimoramento. Participaram do evento prefeitos(as), secretários(as) de saúde e representantes dos ministérios da Saúde e Educação, da Opas, do


DIÁLOGOS | BRASÍLIA Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), da Rede-Observatório do Programa Mais Médicos, de conselhos municipais e dos movimentos populares. O presidente da ABM, Eduardo Tadeu Pereira, apresentou a proposta do projeto desenvolvido pela entidade e classificou o Mais Médicos como a principal marca do governo Dilma e uma das políticas de maior impacto nos municípios. Em sua apresentação, ele falou sobre o trabalho de pesquisa realizado pela entidade nas cinco regiões do país, visitando municípios com menos de 50 mil habitantes, sendo eles: Novo Airão/AM, Lapa/PR, Sapucaia/RJ, Teodoro Sampaio/BA e Ceres/GO. “Investigamos o olhar dos prefeitos, prefeitas e gestores de saúde com o objetivo de registrar os resultados nos municípios menores, que, de maneira geral, tinham maior dificuldade de fixação de médicos, e propor alternativas para o aprimoramento do programa, a partir das demandas das gestões municipais”. O presidente apresentou resultados preliminares da análise e propostas de aprimoramento para 2016. “A maioria dos gestores que participou do estudo aprova o programa, mas demonstra ansiedade em relação à sua continuidade, por isso o Ministério precisa se posicionar o quanto antes a respeito dessa perspectiva”. Ele também apontou como demandas dos municípios a necessidade de aproximar a supervisão do programa aos gestores e médicos; de se promover o aprimoramento do SUS no sentido da integração entre a

Foto: Edgar Marra

Eduardo Tadeu Pereira, presidente da ABM, apresenta demandas dos municípios para o aprimoramento do programa

atenção básica e os demais serviços, assegurando o fluxo de informações; garantir aos municípios mais recursos para a compra de insumos e medicamentos fundamentais para a qualidade da atenção básica; e investimentos em ferramentas de comunicação, como acesso à internet e rede telefônica em todas as unidades de saúde.

Conquistas e resultados O primeiro painel apresentou os resultados do Programa Mais Médicos nos municípios. O debate foi coordenado pela prefeita de Nova Bandeirantes/MT e vice-presidente da Associação Mato-grossense de Municípios, Solange Kreidloro, que ressaltou a importância dos médicos do programa para a cidade e os desafios em atrair esses profissionais para sua região. “Sempre tivemos dificuldades em contratar médicos. O valor cobrado pelos profissionais é muito além do oferecido em outros municípios. Temos três médicos, dois deles contratados pelo valor de R$ 38.000,00 e um que veio pelo programa Mais Médicos. Defendo a continuidade dessa política e afirmo que tivemos avanços nos municípios de pequeno porte”, expõe. Os resultados apresentados pelo Diretor de Departamento de Planejamento e Regulação da Provisão de Profissionais de Saúde da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério, Felipe Proenço, reforçam o discurso da prefeita. “A quantidade de médicos formados no Brasil não acompanha a demanda. Para cada médico formado, duas novas vagas de trabalho são oferecidas. Evidentemente isso cria uma situação de escassez. Ainda temos poucas escolas de medicina que por si só não sustentam a necessidade do sistema de saúde”, constata.

Foto: Edgar Marra

Felipe Proenço (esq.) representou o Ministério da Saúde no debate sobre os avanços do Mais Médicos. Participaram da mesa a prefeita de Nova Bandeirantes/MT, Solange Kreidloro, o representante da Opas, Ariel Delgado, e o coordenador da Rede-Observatório, Alcindo Ferla

R$ 38.000,00

É O SALÁRIO PAGO PELA PREFEITURA DE NOVA BANDEIRANTES/MT PARA OS MÉDICOS

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DIÁLOGOS | BRASÍLIA Adotada como uma alternativa de curto prazo para transformar a realidade exposta por Proenço, o chamamento de médicos brasileiros e estrangeiros já alcançou resultados e níveis de satisfação que comprovam o sucesso da iniciativa. Em dois anos e meio, o programa levou 18.240 médicos para 4.058 municípios e 34 distritos indígenas, beneficiando 63 milhões de brasileiros. A distribuição de profissionais foi realizada de forma estratégica, já que 75% deles foram encaminhados de acordo com indicadores de vulnerabilidade social. Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) com base em 1.837 cidades beneficiadas mostra os impactos positivos da atuação desses profissionais: houve aumento de 33% no número de consultas mensais e de 32% das visitas domiciliares.

33% NO NÚMERO DE CONSULTAS E DE 32% DAS

AUMENTO DE

VISITAS DOMICILIARES

Todos esses avanços refletiram-se na opinião dos usuários em relação à atenção básica e também dos gestores de saúde. Em uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria o Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) 227 gestores de diferentes municípios beneficiados avaliaram com nota média de 8,7 a atenção à saúde da população. Antes do Mais Médicos, a nota era 6,6. Os principais fatores relacionados à mudança da avaliação são a melhoria da qualidade do atendimento, a presença constante de médicos nas UBS, proximidade entre médico e paciente e o aumento da oferta de consultas. O programa também agradou aos médicos participantes. Em levantamento realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com 391 profissionais de todas as nacionalidades, 100% afirmaram que foram bem recebidos pelas comunidades, e 98% indicariam o programa a um colega de profissão. “Tivemos um aumento de médicos brasileiros. Para nós isso representa o fato de que o profissional daqui, apesar da resistência e da propaganda negativa das entidades médicas, procurou o programa e está muito satisfeito”, afirmou Felipe Proenço. A Rede-Observatório do Programa Mais Médicos também apresentou resultados positivos durante os diálogos. Composta por diversas entidades como universidades, institutos e associações, ela tem o objetivo de monitorar o programa através de uma rede científica. Para isso foi necessário criar um sistema de banco de dados confiável, reunindo as informações dos municípios. O professor doutor Alcindo Ferla, coordenador da rede, apresentou dados referentes aos primeiros 18 meses do programa. “Mesmo em um curto período de implantação podemos afirmar que há correlações entre os indicadores do programa e a melhoria do acesso à atenção básica ” explicou.

“Mesmo em um curto período de implantação podemos afirmar que há correlações entre os indicadores do programa e a melhoria do acesso à atenção básica ” – Alcindo Ferla, coordenador da RedeObservatório do Programa Mais Médicos Entre os dados utilizados por Ferla para fundamentar sua afirmação estão os índices de rendimento das novas equipes de saúde da família formadas a partir do programa, tendo em vista que a média de consultas diárias realizadas por profissionais do Mais Médicos é 24% superior em relação aos demais, aumentando principalmente o atendimento e tratamento de pessoas com diabete e hipertensão e procedimentos ligados ao pré-natal. Os estudos do observatório comprovam a teoria de que o acesso ao médico generalista tende a resolver problemas de saúde sem que seja necessário buscar atendimento nas unidades de média e alta complexidades. Cidades contempladas pelo programa conseguiram reduzir o número de internações por casos sensíveis à atenção básica. Nos municípios sem o programa, não houve variação entre 2013 e 2014, enquanto naqueles com cobertura de 36% a redução das internações foi de 7,86% no mesmo período.

REDUÇÃO DE

7,86% NO NÚMERO DE

INTERNAÇÕES ENTRE 2013 E 2014 O acordo de cooperação internacional firmado entre o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), que viabilizou a participação de médicos cubanos, foi fundamental para o alcance de resultados tão expressivos em um curto intervalo de tempo. “A vinda dos profissionais cubanos representa 62,9% do total de médicos no programa. Entre esses, 51% fazem atendimento em municípios com menos de 50 mil habitantes em áreas mais remotas que não atraíam médicos brasileiros, elevando a taxa de cobertura médica”, detalhou o responsável pela análise de dados da Opas, Ariel Delgado Ramos.

OS MÉDICOS CUBANOS CORRESPONDEM A

62,9% DO TOTAL DE PROFISSIONAIS DO PROGRAMA


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Dilemas e desafios

Foto: Edgar Marra

Como toda iniciativa pioneira e recente, o programa Mais Médicos apresenta, na visão dos gestores municipais e do próprio Ministério, alguns desafios na sua execução. José Santana, diretor substituto do Departamento de Planejamento e Regulação da Provisão de Profissionais de Saúde do Ministério, citou como desafios a abertura de novos cursos de medicina no país junto aos institutos de ensino público e particular, contratação de docentes e a obrigatoriedade de formação em medicina geral de família e comunidade para ingresso em residências que não são de acesso direto, conforme definido na Lei 12.871, que institui o Programa Mais Médicos. Algumas medidas foram planejadas para incentivar os novos médicos em sua decisão no ingresso e permanência no atendimento básico de saúde em regiões mais inóspitas, como a combinação da instalação de instituições de ensino no interior, com residência na mesma localidade, e oferta de curso de formação em preceptoria, com pagamento de bolsa formação aos médicos residentes em MGFC que ingressarem a partir do ano de 2016. Santana alertou os prefeitos e gestores para mudanças propostas à Lei dos Mais Médicos que estão tramitando no Congresso, a partir de relatório da Subcomissão da Carreira Médica (Submed), presidida pelo deputado Mandetta (DEM/MS), propondo que a data de vigência da universalização da residência seja estendida de 2018 para 2022. “Essas alterações querem tirar a credibilidade da universalização e protelar para que nunca seja concretizada. A intenção está clara, é adiar para depois enfraquecer. Não há necessidade dessa mudança”, enfatiza. Representando o Ministério da Educação, Fábio Abreu, da Diretoria de Desenvolvimento de Educação e Saúde, apresentou proposta de integrar as ações do Ministério da Saúde e do Ministério da Educação no que

José Santana, diretor substituto do Departamento de Planejamento e Regulação da Provisão de profissionais de Saúde, Vera Dantas, representante da Articulação Nacional de Educação Popular em Saúde, Fábio Abreu, representante da Diretoria de Desenvolvimento de Educação e Saúde do Ministério da Saúde, Inês Brito, prefeita de Ceres/GO, Cristina Maia, técnica do Ministério da Saúde, Renato Bonadinan, prefeito de Seberi/RS e Anderson Zanon, prefeito de Sapucaia/RJ

diz respeito ao ensino em saúde, através do Contrato Organizativo de Ação Pública Ensino-Saúde (COAPES), dispositivo ofertado aos atores do SUS e da educação superior que propõe operacionalizar os processos de negociação, tomada de decisão e contratualização de ações que materializam a integração ensino-serviço-comunidade. O objetivo é colocar em pleno funcionamento o ensino, a oferta de serviços e o acesso das comunidades após a abertura de novos postos de trabalho nos municípios. Essa ação visa a universalização da residência, qualificação das estruturas de saúde responsáveis pela formação e promoção das especializações médicas nas áreas com maior prioridade. “Vemos o COAPES como um dispositivo poderoso, para organizar essas ações

ATRAVESSANDO O RIO

LUZERNA/SC PREFEITO: Moisés Diersmann, presidente da Associação dos Municípios do Meio Oeste Catarinense (Ammoc)

Luzerna/SC tem um alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), portanto, não se enquadra nos critérios de vulnerabilidade do Mais Médicos, mas está inserida em uma região de 13 municípios contemplados pelo programa. “Aqueles que aderiram sentiram uma diferença imensa. Nas áreas de assentamentos rurais não tinha atendimento nenhum e hoje as equipes de atendimento de saúde básica estão completas” , relata Moisés. Uma cidade que fica do lado oposto do rio recebeu uma médica cubana com especialização na área infantil e teve ótimos resultados. “Os nossos moradores querem atravessar o rio, mesmo tendo médico em Luzerna”. O prefeito considerou os diálogos promovidos pela ABM produtivos. “Os diálogos trouxeram indicadores que mostram que o programa está realmente funcionando e apresentaram as perspectivas para o futuro”.

POPULAÇÃO: 5.701 habitantes* *Fonte: IBGE 2015 (população estimada)

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DIÁLOGOS | BRASÍLIA integradas nos municípios, que após acordado não pode ser quebrado com a mudança de gestão, por exemplo. É para que seja cumprido o acordo pactuado entre as partes envolvidas. Para isso temos a Lei do Mais Médicos, a 12.871 de 2013, e a Portaria Interministerial nº 1.124, de 2015, que instituiu o COAPES”. A médica, educadora e representante da Articulação Nacional de Educação Popular em Saúde, Vera Dantas, provocou os presentes pedindo um exercício de reflexão coletiva ao afirmar que um dos maiores desafios é a própria comunicação do médico com outros profissionais de saúde, e destes com a população. “Quais os caminhos que o programa Mais Médicos tem traçado para atender os populares dentro das suas especificidades e peculiaridades regionais? Como os processos de educação serão organizados dentro da perspectiva da pluralidade brasileira?”, questionou. O prefeito de Sapucaia/RJ e presidente da Associação dos Municípios do Estado do Rio de Janeiro (AEMERJ), Anderson Zanon, expôs uma situação diferente em relação aos demais prefeitos ao relatar que não havia dificuldade de contratação de médicos em seu município, por estar situado em uma região com presença significativa de faculdades de medicina, consequentemente, com maior oferta de profissionais. Ele também relatou que a médica cubana teve dificuldade de adaptação em virtude da língua e em relação à prescrição de medicamentos. “O programa deve seguir se adaptando melhor à realidade de cada município. É um desafio criar uma política nacional que contemple os mais de cinco mil municípios com características e demandas tão diferentes”, concluiu. A cidade de Ceres/GO também apresenta um cenário peculiar. Apesar de ter apenas 20 mil habitantes, possui 250 médicos que moram no município. “Mesmo assim tínhamos grande dificuldade de atrair profissionais para a atenção básica”, relata a prefeita Inês Brito, mediadora do debate, que vê como principal desafio do programa avançar no sentido de criar o “mais especialidades”. “Precisamos

aumentar os outros programas que são essenciais, respeitando, claro as particularidades da atenção básica. Tivemos grandes avanços e acho que agora temos que pensar em sermos mais resolutivos em outras áreas”. O prefeito de Seberi/RS, Renato Bonadiman, apresentou como desafio o cumprimento de alguns requisitos, citando exemplos de sua região, como o município de São José das Missões, que tem 2.748 habitantes e um médico contratado pela prefeitura, que vive em outro município e precisa percorrer 30 quilômetros de estradas de chão para realizar os atendimentos. “Esse município se inscreveu, mas não conseguiu ingressar no programa, pois para se enquadrar nos critérios e comprovar demanda por mais profissionais era preciso ter mais de 4 mil habitantes”. Já Boa Vista das Missões/RS, com 2.171 habitantes, tinha um médico contratado e conseguiu adesão ao programa, recebendo um profissional cubano. Em Seberi/RS, com 11.176 habitantes, havia três médicos e recebeu mais dois profissionais pelo programa para compor as cinco equipes de saúde da família.

CRIAÇÃO DO

“MAIS ESPECIALIDADES” É UMA DEMANDA APONTADA PELA PREFEITA DE CERES/GO, INÊS BRITO

MÉDICOS DAS ANTIGAS

BERTIOGA/SP Manuel Pietro, secretário de saúde de Bertioga/SP POPULAÇÃO: 56.555 habitantes*

*Fonte: IBGE 2015 (população estimada)

O aumento populacional é um fenômeno que ocorre em Bertioga/ SP todos os anos. Cidade litorânea, ela passa a ter dez vezes mais pessoas em seu território nas altas temporadas. “Nesse período a busca por atendimento básico é menor em relação às emergências. Foi difícil mudar essa política e fazer com que a pessoa entenda que ela pode ter um médico que traga resolutividade com atendimento contínuo”, conta Manuel. A vinda de três médicos do programa – um argentino, um cubano e uma brasileira – proporcionou grandes avanços nesse sentido, como aumento de 200% no rendimento de consultas médicas. “O contato entre paciente e médico ficou mais próximo. Esse profissional interage com a população perguntando, por exemplo, quanto de sal a pessoa consome. Isso previne doenças, trazendo de volta os cuidados do médico de família como tínhamos antigamente”.


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Nova proposta de formação

Foto: Edgar Marra

O segundo dia de debates teve como foco as ações de longo prazo previstas pelo programa. O primeiro diálogo ‘Mais Médicos a longo prazo: mudanças na formação acadêmica’ foi mediado pelo vice-presidente da ABM e prefeito de Patrocínio Paulista, Marcos Ferreira, que defendeu uma formação mais focada na atenção básica. “Nós, brasileiros, não temos em nossa cultura uma coisa que eu notei nos médicos cubanos, que é uma noção de solidariedade coletiva. A formação dos médicos é importante para isso e considero fundamental que eles passem ao menos um ano da residência na atenção básica”. O Diretor de Departamento de Planejamento e Regulação da Provisão de Profissionais de Saúde da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério, Felipe Proenço, retomou sua participação no evento e falou sobre a necessidade de disciplinar a quantidade de profissionais direcionada para cada especialidade. “Fazer regulação da formação de especialistas é algo que qualquer país que se preocupa com seu sistema de saúde e que busca ter um sistema universal faz. O Brasil adotou a partir de 2013 com o Mais Médicos, mas outros países já faziam isso muito antes”, diz, citando exemplos como Canadá, França, Portugal e Espanha. Além de assegurar uma melhor distribuição de médicos entre as especialidades, o programa ainda tem como meta ampliar o número de vagas em graduação e residência, como expôs a representante do Ministério da Educação Érika Almeida, coordenadora geral de Expansão e Gestão da Educação em Saúde da Diretoria de Desenvolvimento em Educação Superior. “O conjunto de ações para a mudança na formação médica precisa unir vários atores governamentais em ações estruturantes. Existe uma demanda evidente por profissionais com formação generalista para preencher as vagas ofertadas nos municípios”.

Alcindo Ferla, coordenador da Rede-Observatório, Felipe Proenço, do Ministério da Saúde, Marcos Ferreira, prefeito de Patrocínio Paulista/SP, Lígia Cardieiri, Secretária de Saúde da Lapa/PR, e Érika Almeida, representante do Ministério da Educação

“Fazer regulação da formação de especialistas é algo que qualquer país que se preocupa com seu sistema de saúde e que busca ter um sistema universal faz” - Felipe Proenço, Ministério da Saúde

100% SAÚDE DA FAMÍLIA

RINCÃO/SP PREFEITO: Dudu Bolito POPULAÇÃO: 10.796 habitantes*

*Fonte: IBGE 2015 (população estimada)

Contratar médicos para atender o dia todo nas unidades de saúde era uma missão impossível para a prefeitura de Rincão/SP. “O máximo que conseguíamos eram alguns especialistas que ficavam algumas horas com atendimento de poucos pacientes”. Essa realidade mudou com o Mais Médicos: hoje a cidade tem dois médicos cubanos que ficam oito horas, todos os dias, atendendo o número de pacientes que for necessário. Esse novo quadro viabilizou a implantação do Programa Saúde da Família. “Hoje, 100% da cidade tem a cobertura do atendimento de saúde da família”, comemora o prefeito, destacando também a conquista de recursos para reforma e construção de unidades de saúde e um posto de emergência.

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DIÁLOGOS | BRASÍLIA O Ministério estabeleceu um plano de expansão que visa alcançar uma média de 2,7 médicos a cada mil habitantes em 2026, sendo o índice atual de 1,8. Para isso, o governo pretende, nesse mesmo período, aumentar o número de vagas em cursos de medicina de 0,8 para 1,34 a cada 10 mil habitantes. Com essas medidas, deve-se atingir em 2026 a marca de 600 mil médicos brasileiros, quase o dobro do que o país tem hoje. O coordenador da Rede-Observatório do Programa Mais Médicos, Alcindo Ferla, foi além dos aspectos quantitativos da formação, propondo a valorização do aprendizado prático. “A área de saúde tem características diferentes dos demais ofícios, dessa forma é preciso aprender durante o trabalho, pois a teoria não é totalmente suficiente e, inserido na prática, é possível redefinir e reorganizar o conhecimento”.

Essa proposta se aplica à realidade descrita por Lígia Cardieri, secretária municipal de saúde de Lapa/PR, cidade com 70 comunidades rurais, realidade que demanda uma formação diferenciada do médico, sem grande dependência de tecnologias e equipamentos complexos. “A presença de um profissional com esse perfil facilita o atendimento, uma vez que as unidades básicas de saúde das zonas rurais são limitadas em recursos tecnológicos. Esses médicos do programa são capazes de examinar o paciente com maior minúcia e são precisos no atendimento clínico fazendo, eles mesmos, alguns exames para os quais na maioria das vezes os médicos brasileiros necessitam de recursos laboratoriais.”, relata.

NÚMERO DE MÉDICOS A CADA MIL HABITANTES DEVE PASSAR DE

Novas perspectivas

1,8 PARA 2,7 ATÉ 2026 Foto: Edgar Marra

De olho no futuro do programa, os participantes do seminário debateram os desafios para o seu aprimoramento no âmbito local. Luis Antonio Bevegnu, secretário de saúde de Santa Rosa/RS e diretor administrativo do Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), cobrou maior protagonismo para os gestores municipais no planejamento das atividades que envolvem o Mais Médicos. “Queremos estabelecer a melhor forma para a contratação efetiva dos profissionais pelos municípios após essa fase de provimento emergencial. É preciso criar critérios firmes no financiamento para a infraestrutura e para o incremento na Saúde Básica pelo SUS”, ressaltou. Ângela Krauss, prefeita de Farol/PR, Hêider Aurélio Pinto, Secretário de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde, Eduardo Tadeu Pereira, presidente da ABM, Glauco Oliveira, representante da Opas, e Luis Antonio Bevegnu, diretor administrativo do CONASEMS

A SALVAÇÃO DO NORDESTE

MAURITI/CE PREFEITO: Evanildo Simão POPULAÇÃO: 46.113 habitantes*

*Fonte: IBGE 2015 (população estimada)

A contratação de médicos era, na definição do prefeito Evanildo, um grande balcão de negócios até 2013. “Nós tínhamos uma estrutura mercadológica em que os médicos definiam qual era o preço para trabalhar no município. Qualquer prefeito que colocasse uma quantia a mais do que eu estava pagando fazia com que o médico saísse, às vezes até sem avisar a secretaria de saúde”. Somente a partir do Mais Médicos a prefeitura conseguiu planejar a atenção básica com mais eficiência, graças aos 12 profissionais que recebeu, além dos seis provenientes do Provab. “Foi a oportunidade de ampliar a rede de atenção básica e nos dá segurança sanitária e médica. Sem sombra de dúvida, tem sido a grande salvação nos municípios do Nordeste brasileiro”.


DIÁLOGOS | BRASÍLIA Parceira importante do programa Mais Médicos não apenas do ponto de vista da participação de médicos cubanos, mas também da execução e análise da iniciativa, a Opas foi representada pelo coordenador regional Glauco Oliveira. “Temos trabalhado na gestão do conhecimento como fonte importante de saber. Uma base é produzida e disponibilizada a gestores de saúde do Brasil e também para outros países que tenham interesse sobre as experiências e o funcionamento do Mais Médicos. Estamos realizando estudos de casos para implementar essa base e Curitiba é a primeira cidade que passa por esse processo”, anunciou. A prefeita de Farol/PR, Ângela Kraus, mediou o debate e reivindicou que o programa tenha mais abrangência, já que seu município não conseguiu se enquadrar nos requisitos estabelecidos pelo Ministério da Saúde. “Nosso município é pequeno e já tínhamos médicos contratados pela prefeitura. Não nos enquadramos no programa por esse motivo. Seria importante ter profissionais do Mais Médicos para reforçar a atenção básica, pois com eles seria possível atender 85% dos que buscam atendimento médico”, ressaltou a prefeita. Preocupação recorrente entre prefeitos e gestores de saúde, a possibilidade de encerramento do programa em 2016 foi descartada por Hêider Aurélio Pinto, Secretário de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde do Ministério da Saúde. “O programa não tem data pra terminar. A tendência do Mais Médicos é seguir, visto que outros países que aderiram a esse modelo, como os Estados Unidos, utilizam essa forma de provimento até hoje, quando precisam. No futuro a tendência é ir reduzindo a utilização desse modelo, pois há outras medidas no programa

Acesse as apresentações dos palestrantes: www.abm.org.br/apresentacoes-dialogos

que vão suprir essa demanda”, afirma, referindo-se ao processo de interiorização de ensino e ao novo modelo de residência. Para o presidente da ABM, Eduardo Tadeu Pereira, os diálogos proporcionaram um fluxo de informações e demandas entre os municípios e o governo federal fundamental para o aprimoramento do Mais Médicos. “Esse foi um passo importante no aprofundamento da relação entre as prefeituras e o Ministério da Saúde. A ABM vai trabalhar para avançar ainda mais no diálogo federativo. Atingimos o nosso objetivo de transmitir ao governo federal as demandas do municipalismo e concluímos a atividade com a certeza de que os prefeitos e prefeitas terão condições de manter o atendimento médico de qualidade aos brasileiros e brasileiras de todos os cantos do país”.

“Queremos estabelecer a melhor forma para a contratação efetiva dos profissionais pelos municípios após essa fase de provimento emergencial” - Luis Antonio Bevegnu, diretor administrativo do CONASEMS

As fotos do evento estão disponíveis em: www.abm.org.br/fotos-dialogos

PESSOAS NÃO SÃO NÚMEROS ANTÔNIO ABREU BARCELAR FILHO Militante do Movimento Popular de Saúde (Mops)

O programa Mais Médicos contemplou uma das principais bandeiras do movimento popular de saúde: a garantia de atendimento médico à população. “Acredito que o programa vem cumprindo esse papel. Só o Mais Médicos funciona? Não. É preciso que o SUS volte efetivamente a ser o eixo de todas as políticas de saúde, oferecendo um serviço público e universal com a efetivação de sua função original e não por meio de terceirização de clínicas e hospitais particulares como tem sido feito”, protesta Antônio. Para ele, os médicos do programa, principalmente cubanos, têm um enfoque mais humanitário. “Precisamos de uma saúde que humanize e trate de pessoas e não números”.

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INFRAESTRUTURA

Foto: Mateus Nascimento

ATENDIMENTO ALÉM DOS MÉDICOS Porta de entrada preferencial do Sistema Único de Saúde (SUS), unidade básicas recebem investimentos a partir do programa Mais Médicos e proporcionam melhor atendimento e condições de trabalho

Unidade de Estratégia da Saúde da Família (ESF) do Jardim Ribeiro, em Ceres/ GO, construída em parceria com o governo federal, atende 1.131 famílias

Não é apenas de médicos que se constitui uma atenção básica de qualidade. A presença de profissionais nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) é fundamental para assegurar o acesso ao atendimento, porém não garante por si só tratamento adequado ao usuário. A ambiência dos postos de saúde é determinante para que os médicos atendam a população com qualidade e motivação e também para que os pacientes sintam-se acolhidos. A melhoria da infraestrutura das UBS é um dos eixos do programa Mais Médicos. A inciativa prevê investimento de R$ 5 bilhões para o financiamento de 26 mil obras em cerca de 5 mil municípios, com a reforma, ampliação e construção de novos prédios. Em dois anos e meio de execução do programa, 91% dos municípios receberam recursos do Ministério da Saúde para investir no aprimoramento das unidades já existentes ou na construção de novas. Das 38 mil UBS avaliadas pelo Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), 71% passaram ou estão passando por obras, entre as quais 77% são cofinanciadas pelo governo federal por meio do programa Mais Médicos. Na cidade de Ceres/GO, situada a 177 quilômetros da capital Goiânia e com 21.909 habitantes, todas as Unidades de Saúde da Família passaram por intervenções. Entre elas, quatro foram reformadas e ampliadas e três construídas. Os levantamentos da Rede-Observatório do programa Mais Médicoss apontam um cenário de mudanças recentes nas unidades de saúde, com melhorias nas condições de atendimento associadas ao Programa Requalifica UBS. “Em sua maioria, os indicadores de reforma, ampliaçãoe e condições de atendimento mostram incrementos maiores nos perfis de município de maior necessidade. Dessa forma, o Requalifica está associado ao incremento da infraestrutura e à redução de desigualdades”,avalia o avalia o coordenador da rede, Alcindo Ferla.

Mesmo com investimentos em infraestrutura, o acesso à internet ainda deixa a desejar. Apenas 13 mil unidades estão conectadas via banda larga, o que dificulta o dia a dia dos gestores de saúde, devido à dificuldade para cadastrar e reunir dados em um sistema, e também dos médicos que têm dificuldade para acessar dados e para comunicação com o Ministério e demais setores da prefeitura. O médico do Programa de Valorização da Atenção Básica (Provab), Caio Silveira Leite, que trabalha em Teodoro Sampaio/BA, município com cerca de 8 mil habitantes, aponta essas limitações em seu cotidiano. Ele atua no distrito de Buracica, a uma distância de cerca de 30 quilômetros do centro da cidade. “Como estudantes recém-formados temos muitas dúvidas em relação às clínicas, aos procedimentos nas questões éticas e em como lidar com os gestores. Aqui não temos internet e o celular não pega. Ficamos completamente isolados e dessa forma não consigo ter acesso a nenhum portal para esclarecer essas questões, inclusive o Telessaúde”, relata.

+ INFRAESTRUTURA

91%

dos municípios receberam recursos para infraestrutura das UBS

71% 77%

das UBS estiveram ou estão em obras

das intervenções são cofinanciadas pelo governo federal


FORMAÇÃO

ESPECIALISTAS NAS COMUNIDADES BRASILEIRAS Vinte e cinco anos após criação do Sistema Único de Saúde (SUS), país planeja pela primeira vez o número e o perfil profissional dos médicos em sintonia com as necessidades do povo brasileiro Como fixar médicos nos municípios sem depender da permanência dos estrangeiros no país? A resposta é muito simples: formar mais médicos brasileiros e garantir uma especialização coerente com as demandas do SUS. Essa é uma das dimensões do Mais Médicos e tem como meta assegurar 600 mil profissionais no mercado brasileiro em 2026, um aumento de 38% em relação ao quadro atual. Os médicos estrangeiros correspondem a 92% da força de trabalho do programa. Para atingir um número de profissionais suficiente para suprir essa demanda, o Ministério da Saúde pretende criar 11.447 vagas em cursos de graduação em medicina até 2017, tendo cumprido metade dessa meta até 2015. O objetivo é atingir um índice de 1,34 vaga de medicina a cada 10 mil habitantes em 2017, o que representa um aumento de 18%. De acordo com Felipe Proenço, diretor do Departamento de Planejamento e Regulação da Provisão de Profissionais de Saúde da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério, em 2011, a proporção de vagas em cursos de medicina a cada 10 mil habitantes era de 0,8 no Brasil. “Na Inglaterra, segundo maior sistema público e universal do mundo, que passa também por processo de crescimento da oferta de vagas em medicina, esse índice era de 1,5 em 2011”, afirma. O programa também estabeleceu parâmetros de qualidade para os cursos, definindo um limite de cinco leitos por aluno; e diretrizes norteadas pela necessidade de interiorização dos profissionais e uma distribuição regional que atenda às demandas dos municípios, corrigindo o problema de fixação de médicos em todo o território nacional, inclusive em áreas periféricas, ribeirinhas e interioranas. Antes do Mais Médicos havia 213 cursos de graduação em 130 municípios e a perspectiva do programa é atingir 341 cursos em 235 cidades.

O MÉDICO CERTO, NO LUGAR CERTO Formar uma quantidade maior de médicos é apenas uma parte da solução do problema brasileiro. Há carência de profissionais para atuar na atenção primária e com o olhar voltado para a saúde da família. O problema da quantidade e distribuição de vagas também é uma realidade no sistema de residência.

O OBJETIVO É ATINGIR UM ÍNDICE DE 1,34 VAGA DE MEDICINA A CADA 10 MIL HABITANTES EM 2017

O Mais Médicos agrega uma política de ampliação da formação de especialistas, visando adequar essa mão de obra às necessidades da população, através da universalização do acesso à residência médica tendo como base a Medicina Geral de Família e Comunidade. Além de adequar o perfil do médico às necessidades da população, essa medida, aliada à abertura de novos cursos de graduação em medicina no interior do país, deve reduzir as desigualdades regionais, causadas, sobretudo, pela forte concentração de vagas de graduação e de residência na Região Sudeste. “O programa mudou a lógica de como autorizamos a abertura de cursos de graduação pelas universidades privadas. Antes elas faziam um estudo de mercado e definiam. Agora o Ministério da Educação abre um edital que indica, baseado nas necessidades regionais, em que municípios serão abertos os novos cursos, e as instituições interessadas concorrem. Com isso saímos da lógica do mercado, para atender as demandas da população”, esclarece José Santana, diretor substituto do Departamento de Planejamento e Regulação da Provisão de Profissionais de Saúde do Ministério. A Lei determina que, até o final de 2018, haja o mesmo número de vagas de residência de acesso direto que o número de egressos nos cursos de graduação do ano anterior. Essa resolução será aplicada no concurso que permitirá a entrada nas residências iniciadas no primeiro trimestre de 2019. Para atingir esse objetivo, o Brasil passará de cerca de 1.500 vagas de residência em medicina geral de família e comunidade em 2015 para 18.000 vagas no final de 2018. Por ser a porta de entrada do SUS e, portanto, o primeiro ponto de contato entre os sistemas de saúde e a comunidade, a atençãobásica pode e deve ter alto grau de resolutividade, portanto, é fundamental formar médicos para atuar nessa área. Para isso, o Mais Médicos estabeleceu como prioridade a Medicina Geral de Família e Comunidade (MGFC). “Outros países do mundo garantem universalização de treinamento ou residência em medicina geral e familiar na formação médica, entre eles Reino Unido e Cuba, com duração de um a dois anos em média”, expõe Proenço. Hoje, há apenas pouco mais de 4.000 médicos de família no Brasil. Quebec, uma província do Canadá, possuía em 2011 um total de 7.715 médicos de família e 8.365 outros especialistas. Para reverter o quadro nacional, a MGFC passou a ser a residência que dará acesso a todas as especialidades que não são de acesso direto. Assim, caso o médico queira fazer qualquer especialidade além dessas, terá que atuar durante um ou dois anos nessa área.

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FORMAÇÃO

ACESSO DIRETO A ESPECIALIDADES Genética Médica

Medicina Legal

Medicina do Tráfego

Medicina Nuclear

Medicina do Trabalho

Patologia

Medicina Esportiva

Radioterapia

Medicina Física e Reabilitação

1 ANO APÓS RESIDÊNCIA EM MGFC

Medicina Interna (clínica médica)

Cirurgia Geral Psiquiatria

Pediatria Ginecologia e Obstetrícia

Medicina Preventiva e Social

2 ANOS APÓS RESIDÊNCIA EM MGFC Demais especialidades

As mudanças nas regras da residência estão sendo vistas com bons olhos pelos gestores de saúde dos municípios. “Vinte e cinco anos anos depois da criação do SUS, esta é a primeira vez que medidas são tomadas no sentido do estado brasileiro assumir seu dever constitucional de planejar o número assim como o perfil deste profissional para atender às necessidades de seus cidadãos”, celebra o diretor administrativo do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), Luis Antonio Benvegnú. Além dos residentes, o Ministério formará 10 mil preceptores até 2018, atingindo a marca de 14,2 mil profisisonais capacitados para atender os programas de residência em MGFC em todas as regiões do país.

· AL ERTA · Há resistências no Congresso contra a medida prevista na lei do programa Mais Médicos (12.871/13), que instituiu como prérequisito de acesso à residência médica a formação na medicina geral de família e comunidade. Tramitam na casa propostas de mudanças, formuladas a partir de relatório da Subcomissão da Carreira Médica (Submed), presidida pelo deputado federal Luiz Henrique Mandetta (DEM/ MS). Uma das possíveis alterações prevê que a data de vigência da universalização da residência seja estendida de 2018 para 2022, medida que, se aprovada, prejudicará o aumento da oferta de profissionais na atenção básica e saúde da família.

IN T EG R A Ç ÃO ENS I NO -S AÚ D E O aprimoramento da relação entre as universidades e os gestores do SUS também é um objetivo do programa Mais Médicos e será estimulado por meio dos Contratos Organizativos de Ação Pública Ensino-Saúde (Coapes). A iniciativa promoverá melhores condições de inserção dos estudantes nos serviços de saúde e poderá beneficiar cerca de 1,3 milhão de alunos de graduação em 15 profissões da área de saúde.

METAS DE FORMAÇÃO

Garantir 600 mil médicos brasileiros até 2026

Universalizar o acesso à residência médica em 2018

Criar 11.447 novas vagas em graduação até 2017

Formar 14,2 mil preceptores até 2018

Atingir 341 cursos de medicina em 235 cidades Fonte: Ministérios da Saúde e da Educação

Beneficiar 1,3 milhão de alunos de graduação através do Coapes


MAIS MÉDICOS

MAIS MÉDICOS DE NORTE A SUL DO BRASIL Os Diálogos ‘Mais Médicos e a gestão municipal para a atenção básica de saúde’ percorreram o país de dimensões continentais para conferir no dia a dia dos municípios com menos de 50 mil habitantes os resultados do programa que levou profissionais para as regiões mais distantes e garantiu atendimento para brasileiros até então desassistidos. Prefeitos e gestores das cinco regiões do país, representadas por Ceres/GO, Lapa/PR, Sapucaia/RJ, Teodoro Sampaio/BA e Novo Airão/AM, abriram as portas do universo da saúde de suas cidades para mostrar a transformação proporcionada pelo programa Mais Médicos no isolamento das regiões ribeirinhas, na imensidão das zonas rurais e no vazio da falta de médicos.

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NORTE A SUL | L APA/ PR

Foto: Marcos Uhlik

OS FRUTOS DA ATENÇÃO BÁSICA NA ZONA RURAL Com a maior parte de sua população concentrada no campo, município da Lapa, no interior do Paraná, supera o dilema da fixação da médicos e garante atendimento em 70 comunidades rurais A população brasileira deixou de ser predominantemente rural na década de 1970 e, desde então, o processo de migração para as zonas urbanas se consolidou como uma tendência demográfica no país. Atualmente apenas 15% dos brasileiros vivem na zona rural. Porém, alguns municípios constituem exceções, como Lapa/PR, situado a 62 quilômetros de Curitiba, com um índice de 40% de pessoas que moram no campo. Enquanto a expansão das atividades urbanas e o avanço industrial atraem ano a ano os brasileiros para novos polos econômicos, o município do interior do Paraná conserva sua vocação agropastoril, sendo o maior produtor de fruta de caroço do estado, atividade que consiste na principal fonte de renda dos trabalhadores rurais.


NORTE A SUL | L APA/ PR Quarta maior extensão territorial do Paraná, com 2.097 km2, Lapa possui 47.557 habitantes. O resultado desse perfil demográfico são as grandes distâncias entre as comunidades rurais, que somam cerca de 70, e, consequentemente, a dificuldade logística para a oferta de serviços públicos. Qualificar a atenção básica de saúde era uma das metas do governo da prefeita Leila Klenk quando assumiu a prefeitura em 2013. Porém, ela percebeu que a viabilização desse projeto exigia muito mais do que vontade política. “Planejamos uma atenção básica dirigida ao paciente e com a equipe de saúde completa, mas então começaram os problemas: a equipe completa é cara e o médico não existe”, relata a chefe do Executivo. O governo municipal detectou um déficit de nove profissionais na atenção básica e não mediu esforços para superar essa carência: aumentou o salários de R$ 9 mil para R$ 15 mil e divulgou as vagas em rádios e jornais. Entretanto, essas medidas não foram suficientes para atrair médicos. “Isso mostra que não se tratava de um problema de salário, mas do fato da Lapa estar em uma zona intermediária. A cidade pertence à região metropolitana, mas não é perto a ponto de os profissionais poderem morar em Curitiba. Há cidades mais próximas da capital, como Piraquara ou Colombo, que absorvem esses profissionais, afinal não são todos que se enraízam no interior”, analisa a secretária de saúde, Lígia Cardieri. A fixação de médicos foi um desafio insolúvel para a gestão municipal até o lançamento do programa Mais Médicos. A população das comunidades rurais, algumas 65 quilômetros distantes da sede do município, era a mais afetada pela falta de profissionais. Nessas áreas são comuns os casos de depressão, doenças provocadas pelo fumo excessivo, fumaça de chaminés, uso indiscriminado de agrotóxicos e lesões na pele, devido à grande exposição ao sol. “Considero o Programa Mais Médicos muito importante para a Lapa. Recebemos quatro profissionais estrangeiros, todos comprometidos com as comunidades onde atuam”, elogia a prefeita.

Santos médicos A chegada de quatro médicos estrangeiros ao município – dois cubanos e dois portugueses - revolucionou o acesso dos lapeanos à atenção básica e a cidade passou a colecionar casos de resolutividade nas consultas com clínico geral. Esse foi o caso do aposentado João Guerino de Lima, que sofre de hipertensão. Desde que foi atendido pelo médico português Miguel Aupuim, teve seu quadro estabilizado. “Ele mudou meu medicamento e pediu que cortasse o sal da alimentação. Agora minha pressão está 14/9”, comemora o ex-lavrador. O médico José Gervásio Orta Perez é tido como um santo na casa de uma de suas pacientes. Idosa, ela foi medicada durante três anos com remédio para demência e o cubano descobriu que o problema era desidratação, resolvendo o quadro com uma simples aplicação de soro.

Crédito: Marcos Uhlik

“Considero o Programa Mais Médicos muito importante para a Lapa. Recebemos quatro profissionais estrangeiros, todos comprometidos com as comunidades onde atuam.” – Leila Klenk, prefeita da Lapa/PR

Como reconhecimento ao bom atendimento, a foto de José ganhou um cantinho especial na parede da casa da paciente e seu nome já faz parte das orações da família. Lapa ainda foi beneficiada com a expertise da médica portuguesa Maria Tereza Pereira Pestana sobre os princípios ativos dos agrotóxicos. Ela atende as comunidades rurais de Passa Dois, Faxinal dos Castilhos, Mato Preto e Santa Regina, que estavam abandonadas do ponto de vista do atendimento médico. “Há anos nós buscamos profissionais com esse conhecimento, porque muitas das nossas doenças rurais estão relacionadas ao uso excessivo de agrotóxicos e ela começou um trabalho de pesquisa aqui, relacionando esse uso com o adoecimento das pessoas”, conta a prefeita.

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NORTE A SUL | L APA/ PR Não são apenas os médicos estrangeiros que fizeram a diferença na atenção básica. Ainda em 2013, o município foi contemplado com nove médicos do Programa de Valorização da Atenção Básica (Provab), fundamentais para a consolidação do projeto de descentralização de algumas áreas da saúde. “Conseguimos cobrir todas as regiões com aquela meninada amparada em conceitos novos de saúde. Eles atendiam desde crianças e gestantes, até saúde mental, que nós descentralizamos também. Os médicos mais antigos que estavam aqui não atendiam esses casos”, afirma Leila. Quando o governo municipal conseguiu assegurar cobertura médica a todos os bairros e comunidades, foi surpreendido com o cancelamento

do contrato do Provab. “Nós estávamos inscritos no programa e tínhamos perspectivas para receber mais profissionais. Porém o Ministério alegou falta de preenchimento de cadastros e que não estávamos credenciados no Programa de Saúde da Família. Provamos que estava tudo certo e mesmo assim ficamos sem nenhum médico do Provab”, lamenta a prefeita. Nesse sentido, ela sugere para aprimoramento do programa que o Ministério da Saúde estabeleça uma relação mais próxima com as administrações municipais, garantindo respostas mais rápidas às demandas de cada cidade.

Atendimento sem senhas Mesmo com o imprevisto de perder os nove médicos do Provab, o município registrou grandes avanços no acesso a atendimento médico. Antes do Mais Médicos, os lapeanos estavam acostumados a chegar de madrugada na unidade de saúde, a partir das 3h30, para pegar a senha e aguardar pelas consultas, que começavam às 8 horas.

ANTES DO MAIS MÉDICOS, OS LAPEANOS PRECISAVAM CHEGAR DE MADRUGADA NA UNIDADE DE SAÚDE PARA PEGAR A SENHA E AGUARDAR PELAS CONSULTAS A chegada dos novos profissionais proporcionou a extinção da fila. Atualmente o posto abre às 5 horas e os pacientes são acolhidos dentro dele, não sendo mais necessário aguardar do lado de fora. Ainda há espera em alguns dias da semana, sobretudo nos períodos de safra, porém a demanda está controlada. Enquanto a curva do número de atendimentos cresce, a de exames cai. “Se a saúde da pessoa está fora de controle, com os índices lá em cima, é preciso fazer exame e isso aumenta muito a demanda. Quando o médico conhece de fato a história das pessoas, ele não precisa pedir toda hora exame”, explica a secretária de saúde. O consumo de medicamentos segue a mesma tendência, principalmente em relação a calmantes e antidepressivos. O cotidiano na roça consiste em jornadas de trabalho exaustivas, atividades braçais e repetitivas e um convívio social restrito, devido às grandes distâncias entre as comunidades. Para aliviar o desgaste, algumas pessoas frequentam as consultas para solicitar receita de medicamentos controlados. “O melhor psiquiatra para o paciente é ele próprio. O psiquiatra pode prescrever o melhor remédio do mundo, mas se a pessoa não tiver consciência de que depende dela, não vai melhorar”, pondera o doutor José Gervásio.

Médico Cubano José Gervásio está incentivando pacientes a substituírem gradativamente os calmantes por chás

Inconformado com a dependência da população local a esses medicamentos, o cubano passou a investir em longas conversas e a negociar novos tratamentos com seus pacientes. “Sugiro para alguns substituírem o remédio para dormir por chá, por exemplo”. Assegurar a presença de médicos nas comunidades exigiu investimentos em infraestrutura e equipamentos, já que os novos profissionais passaram a gerar demanda, como macas e geladeiras para vacina, o que exigiu também a expansão da rede elétrica. Mesmo com tantos avanços nesse sentido, alguns atendimentos são realizados em espaços comunitários, já que as distâncias entre os bairros e o baixo adensamento dessas áreas torna inviável a construção uma de UBS em cada comunidade, realidade que muitas vezes obriga a realização de atendimentos em salas de escolas, igrejas e casas de pacientes. Os médicos do programa também reclamam da ausência de um sistema que eles chamam de “retroalimentação”, que consiste em ter um retorno dos resultados de exames e conclusões sobre os casos que são encaminhados para especialidades.


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Conscientização: Doutora Maria Teresa cria material explicativo sobre os males do tabagismo em parceria com a Secretaria Municipal de Comunicação

Repousando na porta da UBS após consulta, João Guerino conta que conseguiu controlar sua hipertensão seguindo um simples conselho do médico português Miguel Aupuim: reduzir o consumo de sal

Apesar de parecerem intransponíveis, esses obstáculos se tornam menores com a fixação de médicos. A portuguesa Maria Teresa, além de atuar na sua pesquisa sobre as doenças causadas por agrotóxicos, está desenvolvendo um trabalho de conscientização sobre tabagismo e, para isso, solicitou à Secretaria Municipal de Comunicação a elaboração de um informativo sobre os males causados pelo fumo, intitulado Quer parar de fumar? Você consegue!.

ele, que tinha um acúmulo muito grande de cera no ouvido”, conta José em tom divertido. Segundo ele, o nível de desinformação das pessoas que vivem em algumas regiões da zona rural é alto e, por isso, o médico assume a missão de orientá-los sobre condições básicas de higiene e cuidados pessoais.

Assegurar a presença do médico nas numerosas e distantes comunidades rurais também foi um desafio superado, graças ao empenho de José Luiz Milian Castro, que atende 17 bairros, entre eles Pedra Lisa, situado a mais de 60 quilômetros de estrada de terra sentido interior. “Quando se diz interior nós já imaginamos condições mínimas. Mas nós melhoramos, recebemos da prefeitura algumas coisas que precisávamos, como iluminação, maca, mesas, cadeiras, estetoscópio, coisas que antes não tínhamos. Também chegou um notebook para preenchermos os dados e fazermos os relatórios”, avalia o médico, que faz de 30 a 40 atendimentos diários. Antes disso as pessoas tinham que ir até o Centro da cidade para ter atendimento. Certa vez, o cubano foi reconhecido por fazer um “milagre”. “O morador de uma comunidade me procurou e disse que estava preocupado com o gato dele, pois o animal miava sem emitir som. Decidi examinar o paciente e então percebi que o problema não era com o gato e sim com

Outra conquista da Lapa foi a inclusão no grupo de dez cidades brasileiras que receberão o programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade em 2016. “Novos horizontes se abrem. A Lapa será contemplada com dois médicos residentes com supervisão do Grupo Hospitalar Conceição do Rio Grande do Sul”, celebra a secretária de saúde.

JOSÉ LUIZ MILIAN CASTRO, ATENDE 17 BAIRROS, ENTRE ELES PEDRA LISA, SITUADO A MAIS DE 60 QUILÔMETROS DE ESTRADA DE TERRA SENTIDO INTERIOR O olhar especial e a atenção dos profissionais do Mais Médicos com os lapeanos reduziu as grandes distâncias e o sofrimento causado pela rotina exaustiva do trabalho na lavoura, reforçando a tese da prefeita Leila de que “quando temos alguém que nos ouça, a dor diminui”.

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Estrada de terra conduz até o distrito de Buracica, a 25 quilômetros do centro

NA CONTRAMÃO DA MIGRAÇÃO Falta de possibilidades para geração de renda provoca movimento migratório em Teodoro Sampaio/ BA e, consequentemente, redução do número de habitantes. Enquanto isso, Mais Médicos induz fluxo inverso e atrai profissionais para atenção básica de saúde da cidade

O crescimento populacional sempre foi uma tendência em grande parte das cidades brasileiras, mesmo que em ritmo mais lento nas últimas décadas. Teodoro Sampaio, situado do interior da Bahia, vive um fenômeno inverso. Na década de 1970, o município abrigava aproximadamente 17 mil habitantes e sua economia era baseada em lavouras de cana-de-açúcar e de fumo. A atividade mantinha nove armazéns, que abasteciam indústrias do ramo fumageiro em Holanda, Portugal e Alemanha, empregando cerca de 3 mil pessoas, desde o produtor até o operário.

BAHIA

Teodoro Sampaio Salvador


NORTE A SUL | TEODORO SAMPAIO/ BA A decadência dos dois setores aconteceu simultaneamente, levando todos os armazéns a fecharem as portas no mesmo ano. “Não foram morrendo lentamente ou avisaram as pessoas de forma que houvesse tempo de procurarem alternativa. Por isso sofremos um êxodo terrível e nos encontramos na situação em que estamos hoje”, resgata o prefeito Akira Suga. Atualmente a cidade possui 8.013 habitantes (população estimada pelo IBGE para 2015) e as terras onde estavam plantadas as lavouras de fumo e cana-de-açúcar voltaram-se à pecuária, que demanda pouca mão de obra. As oportunidades de trabalho tornaram-se escassas na cidade, mas para os médicos sempre houve vagas de sobra. A prefeitura recebe o piso do FPM, que corresponde ao coeficiente de 0,6 e, portanto, não tem condições de arcar com os salários que os médicos brasileiros exigem. Pagava R$ 8.990,00 e esse valor não foi suficiente para fixar profissionais. “Por ser uma cidade do interior e de difícil acesso, tínhamos muita dificuldade em contratar e ainda havia rotatividade”, afirma o prefeito, que disponibiliza um carro da prefeitura para levar os profissionais de Salvador até Teodoro Sampaio, tendo em vista que não moram médicos na cidade. A adesão ao programa Mais Médicos foi a única saída da gestão municipal para esse dilema, principalmente em relação à fixação de profissionais nos dois distritos – Lustosa e Buracica -, regiões mais afastadas do centro. O município foi contemplado com três médicos, entre eles dois brasileiros e uma cubana. “Depois que o governo federal criou o Mais Médicos nosso município ficou muito bem assistido. É a melhor coisa que pode existir, principalmente para cidades pobres, como Teodoro Sampaio”, elogia o secretário de saúde, João Paulo Vaz Góes.

“Por ser uma cidade do interior e de difícil acesso, tínhamos muita dificuldade em contratar médicos e ainda havia rotatividade.” – Akira Suga,

prefeito de Teodoro Sampaio

Profissão: ajudar as pessoas Yuslaidy Parra, cubana formada em medicina há 11 anos, dedicou mais da metade de sua carreira a missões médicas internacionais. Ela passou quatro anos na Venezuela e já faz dois anos que atua na atenção básica de Teodoro Sampaio, no Posto de Saúde da Família (PSF) do Centro, referência para 2.350 habitantes. “A nossa formação é muito baseada em trabalhar fora, ajudando as pessoas mais carentes”. A médica atende uma média de 20 pessoas por dia, além das demandas espontâneas. “As pessoas hoje têm admiração e paixão pela médica cubana, que fica ao menos meia hora atendendo. Antes elas ficavam chateadas, porque o atendimento durava poucos minutos”, relembra o secretário. Yuslaidy em visita domiciliar a Conceição Castro, idosa de 99 anos

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“Depois que o governo federal criou o Mais Médicos nosso município ficou muito bem assistido. É a melhor coisa que pode existir, principalmente para cidades pobres como Teodoro Sampaio.” - João Paulo

Vaz Góes, secretário de saúde Toda quinta-feira é dia de atendimento domiciliar no posto de Yuslaidy. Ela começa a sua agenda de visitas caminhando até a casa da primeira paciente do dia, junto com a agente comunitária de saúde, Valmira de Souza, e da enfermeira Thássia Neves. Ao tocarem a campainha são logo recebidas por Nair Castro Vieira, filha da Conceição, de 99 anos. “Lembra da nossa cubana”, diz à mãe, demonstrando a relação de proximidade que há entre a família e a profissional. Apesar da convivência de dois anos, Yuslaidy conduz a consulta como se fosse a primeira. Informada por Nair de que a idosa estava com dificuldades de urinar, a médica faz uma série de perguntas, como a frequência com que dona Conceição urina e a cor. “Está fazendo muito calor nesses dias. A senhora tem que tomar muito líquido. Ao menos dois litros de água e sucos no intervalo das refeições”. Conceição aproveita o espaço e já emenda uma conversa de amigas, descrevendo a receita do suco para a equipe que a atende. Enquanto isso, a enfermeira Thássia faz um teste de glicemia, extraindo uma gota de sangue do dedo da idosa, e a médica continua orientando Nair sobre a saúde da mãe. “Como ela tem dificuldade de mastigar, evite comidas duras, para não machucar a gengiva. O importante é fazer refeições frequentes, a cada três horas”, recomenda, solicitando também um exame de urina. “Tome cuidado com as quedas, que são os maiores riscos nessa idade”, alerta, despedindo-se de sua paciente depois de 25 minutos de diálogo. A aprovação do serviço prestado pela profissional é recorrente entre suas colegas de trabalho. “Ela é muito prestativa. A população gosta muito e, quando ela sai de férias todos perguntam quando voltará”, relata a enfermeira Tássia. Totalmente ambientada ao clima do Brasil e à rotina de trabalho, Yuslaidy pretende permanecer no programa Mais Médicos, mas sugere que haja uma integração maior entre a atenção primária e os demais setores. “Na atenção primária cuidamos da saúde preventiva, mas tem pessoas que precisam de outro tipo de atenção. Também tem a falta de reciprocidade na informação, porque encaminhamos um paciente, mas não temos um retorno sobre o quadro dele”.

Faça chuva ou faça sol, a médica cubana (centro) realiza suas visitas domiciliares acompanhada da agente comunitária de saúde, Valmira de Souza (dir.), e da enfermeira Thássia Neves (esq.)


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O desafio da prevenção Caio Silveira Leite Alves Santos mora em Salvador e viaja todos os dias para Teodoro Sampaio para trabalhar na USF do distrito de Buracica, referência para 1.300 pessoas. Ele demora uma hora e meia para chegar na cidade e mais 40 minutos até seu local de trabalho. O caminho, uma estrada de terra, leva até uma área com perfil rural, povoada por lavradores. Ele integrou o Programa de Valorização da Atenção Básica (Provab) em 2014, na cidade de Anápolis/BA e, no ano seguinte, migrou para o Mais Médicos, optando por Teodoro Sampaio, por ser mais próxima de Salvador. O médico atende uma média de 14 pacientes por dia. “Demoro muito para chegar aqui e dependo das condições da estrada. Então a gente chega tarde e isso compromete o número de atendimentos”, pontua.

Caio Silveira viaja todos os dias de Salvador até o distrito de Buracica para atender a população local

A agenda de Caio é segmentada de acordo com os programas de assistência. Na terça-feira, por exemplo, ele atende clínica geral e prénatal; na quarta-feira, hipertensos e diabéticos, e quintas e sextas são reservadas para atendimento clínico e à criança, além de demandas espontâneas que surgem ao longo da semana. “O que mais temos aqui são os hipertensos e diabéticos. Eles ocupam cerca de metade da minha agenda. Vemos também parasitose, anemia, dermatite e escabiose (sarna), porque a população local não tem orientação higiênica e há animais pastando por todos os lados, com as crianças andando com pés descalços”, descreve. Ele destaca a dificuldade que encontra em trabalhar na prevenção, devido à falta de consciência das pessoas. “No interior ainda existe a cultura de só procurar o médico quando estiver doente e não para fazer a prevenção. Muitos pacientes passaram a vida inteira aqui, são lavradores, e não têm essa cultura de se voltar para o autocuidado”, lamenta. Caio também aponta como desafios a falta de alguns insumos e de medicamentos, como hipertensivos. “Quando isso acontece tento trocar o remédio por um equivalente ou oriento a pessoa a buscar na Farmácia Popular de Alagoinhas”. Outro obstáculo é a ausência de rede de internet e telefonia móvel em Buracica, que impede o acesso a fontes de informação, como o Telesaúde, e o contato com os demais serviços da prefeitura. O médico também enumera os pontos positivos do programa. “Ele oferece uma bolsa com o valor que é melhor remunerado do que a maioria dos municípios, proporciona um vínculo relativamente estável, de pelo menos três anos e, dessa forma, não tem a rotatividade dos médicos contratados pela prefeitura. Além disso, estamos inseridos em um programa pedagógico de especialização”, elogia. Já para secretário de saúde, João Paulo, a única preocupação é com o futuro do Mais Médicos. “Minha proposta é que o programa continue e eu peço a Deus que ele não acabe. A atenção básica do município está muito bem assistida”.

Yuslaidy realiza visitas domiciliares semanais para orientar pacientes e seus familiares sobre os tratamentos

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Período de seca do Rio Negro traz dificuldades para a navegação e para que comunidades ribeirinhas acessem atendimento médico

A MARÉ ESTÁ PARA MÉDICO Entre cheias e vazantes, cidade ribeirinha de Novo Airão supera dificuldades para fixação de médicos no embalo do programa que revolucionou a atenção básica no Amazonas O Rio Negro traz com suas secas novos cenários para Novo Airão/AM, cidade debruçada às suas margens, a 180 quilômetros de Manaus. Nesse período, dezenas de praias surgem ao longo das águas, criando cenários exuberantes e favoráveis para o turismo e lazer. Para a população local, as mudanças vão além das belas paisagens. A vazante impõe obstáculos para atividades cotidianas, a exemplo da navegação,tornando o acesso a serviços básicos, como atendimento médico, um desafio. O percurso entre regiões ribeirinhas e a Unidade Básica de Saúde (UBS) na região central de Novo Airão, onde a prefeitura conseguia manter um médico com certa sazonalidade, pode demorar dez dias em períodos de seca. A chegada do cubano Abel Perez diminuiu distâncias e aumentou o acesso da população de áreas isoladas à atenção básica. Ele viaja uma semana e meia de barco para atender uma comunidade quilombola, deslocamento que levaria 24 horas em tempos de cheia do rio.


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O cubano Abel Perez viaja de barco para atender comunidade quilombola que estava desassistida antes do Mais Médicos

MÉDICO CUBANO VIAJA CERCA DE

10 DIAS DE BARCO PARA ATENDER COMUNIDADE QUILOMBOLA Antes do programa Mais Médicos, essa e outras comunidades ribeirinhas e rurais de Novo Airão estavam desassistidas, devido às dificuldades da prefeitura em fixar médicos. “Tinha médico que vinha para passar duas semanas e pedia R$ 15 mil. Se faltasse e chamássemos sua atenção era um problema. Ele não voltava ao município e nós ficávamos reféns desses profissionais”, lembra o secretário de saúde Cícero Agard, que conseguia manter no máximo dois profissionais na atenção básica. Até 2013, nenhum médico residia em Novo Airão e os profissionais que a prefeitura contratava vinham de Manaus. O programa contemplou a cidade com quatro médicos estrangeiros, sendo três cubanos e um boliviano, e uma médica do Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab). “Essa história toda mudou. Agora nós temos médicos 24 horas por dia, toda a semana. Nos finais de semana eles estão aqui e raramente saem do município. Seja o dia que for, estão à disposição, principalmente os que trabalham na zona rural”, relata Cícero. O histórico de médicos como Abel, que se dispõem a passar mais de uma semana dentro de um barco para assegurar atendimento à população, permanecendo por 15 dias em uma comunidade isolada, é de dedicação à medicina para além da esfera profissional. Antes de ingressar no Mais Médicos, o cubano trabalhava na Venezuela. “Na cultura que nós cubanos temos, o que importa não é o dinheiro, mas sim salvar uma vida”, revela.

Cícero Agard, secretário de Saúde de Novo Airão

“Agora nós temos médicos 24 horas por dia, toda a semana” - Cícero Agard, secretário de saúde de Novo Airão Ao chegarem em Novo Airão, os médicos do programa se surpreenderam com a receptividade não apenas da população, mas também da prefeitura, que criou uma estrutura específica para acolher os novos profissionais. “Temos todo cuidado para ajudar quando eles precisam e manter um contato próximo. Com relação ao auxílio moradia e alimentação, por exemplo, eu me preocupo em avisar quando há imprevisto no dia de repassar”, relata Eleiane Souza Nascimento, coordenadora do programa no município. A fixação de profissionais viabilizou a composição de cinco equipes de saúde da família em Novo Airão, que fazem visitas domiciliares periódicas, e a realização de consultas agendadas em alguns bairros, reduzindo tempo de espera para atendimento com clínico geral. “Seria interessante se eles pudessem realizar atendimentos em suas especialidades e não apenas como generalistas”, sugere a prefeita Lindinalva Ferreira da Silva. Ela relata que a nova realidade na atenção básica do município demandou a construção de duas novas unidades de saúde, já que, com a presença diária de profissionais, as estruturas deixaram de ser subutilizadas. “No inicio da gestão nós tínhamos dois postos e hoje são quatro, porque agora é possível atender as pessoas de acordo com o seu bairro, todos os dias”, compara.

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NORTE A SUL | NOVO AIRÃO/AM A melhoria dos equipamentos de saúde foi notada pelos médicos do programa, principalmente por José Aníbal Ávila, boliviano que aderiu ao primeiro ciclo do programa. Ele chegou em Novo Airão em setembro de 2013 e foi encaminhado para o seu local de trabalho, uma casa improvisada, enquanto a unidade de saúde passava por reforma. “No começo foi um pouco difícil. Quando eu cheguei existia carência de medicação, principalmente para doenças crônicas, mas essa situação mudou completamente. Agora estamos abastecidos” relata. “Oi amiguinho”. É assim que a moradora Sueli de Oliveira Brasil, que frequenta a UBS José Paulino Adriano, cumprimenta o doutor José ao adentrar seu consultório para tratar de uma dor de garganta. O boliviano aproveitou a visita de sua paciente para fazer um exame completo, checando sinais vitais, articulações e tendo uma longa conversa para se certificar de que ela está seguindo suas recomendações. “Ele é muito atencioso e vai até nossa casa, o que para mim tem sido muito bom, já que meu pai tem deficiência para se locomover e antes era muito difícil trazê-lo até o médico. Está nota dez”, elogia Sueli. Apesar de já adaptados com a rotina da atenção básica no Brasil, os médicos do programa apontam algumas dificuldades provocadas pelas outras esferas da saúde pública, como o relacionamento com o hospital administrado pelo governo estadual, sobretudo para viabilização dos pedidos de exames complementares e pactuação no encaminhamento de alguns casos.

“No início da gestão nós tínhamos dois postos e hoje são quatro, porque agora é possível atender as pessoas de acordo com o seu bairro, todos os dias” - Lindinalva Ferreira da Silva, prefeita de Novo Airão.

Médico José investiga dor de garganta da paciente Sueli de Oliveira Brasil, que o apelidou de “amiguinho”


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Prevenir é o melhor remédio As diretrizes constitucionais do Sistema Único de Saúde (SUS) definem a prevenção como eixo norteador da atenção básica. Essa política está permeando a atuação dos profissionais do Mais Médicos. “Eles realizam atendimento humanizado. Examinam de fato o paciente, tocam e não apenas prescrevem receita”, avalia a coordenadora da atenção básica da prefeitura de Novo Airão, Marcela de Almeida Rego.

Essa nova forma de diálogo com a comunidade refletem em números que atestam os avanços proporcionados no campo da prevenção, a exemplo das consultas de pré-natal. Em 2012, apenas 33% das gestantes do município agendaram o procedimento, enquanto em 2015 o índice aumentou para 82%.

Os médicos do programa assumiram as ações preventivas como uma responsabilidade. “Aqui no Brasil existe o costume de colocar a prevenção como uma tarefa da enfermagem e faz muita diferença o médico tratar disso, pois fortalece o conceito”.

CONSULTAS DE PRÉ-NATAL

O médico José adotou essa conduta, promovendo palestras para disseminar as diretrizes da saúde preventiva para a população local. “Não basta atender o paciente e não conscientizar. Aqui existe um descuido, por falta de conhecimento, e trabalhar com isso ajuda para que taxas de mortalidade baixem”, considera o boliviano, referindo-se a questões como higiene pessoal e ingestão de água de fontes não potáveis.

AUMENTAM DE

33% PARA

82% ENTRE AS GESTANTES

Mudança de roteiro O doutor Bridis Corona Mayol conhecia o Brasil sob a ótica das novelas. “Sonhei toda a vida em vir para cá. Eu via muita novela brasileira e a vida aqui parecia ser muito boa”, conta. Ao chegar no país e se deparar com a realidade de uma cidade pequena de interior, com 17.671 habitantes, o cubano teve contato com um cenário inesperado. “Vi que a realidade é diferente e que tem uma população carente muito grande. Isso aumentou muito mais o meu desejo de trabalhar aqui, sabendo que tinha pessoas precisando de nós”. O roteiro imaginado por Bridis tomou rumos inesperados, colocando-o frente a frente com uma nova realidade. Desde então ele encara entre 25 e 30 atendimentos diários e visitas de barco às comunidades. “A população ribeirinha sofre muito de verminoses por tomar água de rio contaminada. Também são comuns as doenças de pele”, constata.

O médico cubano Bridis Mayol realiza cerca de 30 atendimentos diários

85%

DE RESOLUTIVIDADE NA ATENÇÃO BÁSICA

O aumento do número de consultas na atenção básica veio acompanhado da resolutividade. Na unidade de saúde em que Bridis atua, 85% dos casos são solucionados sem que seja necessário encaminhamento para especialistas, evitando a necessidade de deslocamento dos moradores de comunidades distantes até o hospital. “Em muitas situações uma consulta resolve o problema e as pessoas já se sentem muito agradecidas. Encaminho apenas pacientes de nefrologia, cirurgia, ortopedia, essas especialidades bem definidas que não podem ser resolvidas na UBS”. Com tantos avanços no acesso à atenção básica e na sua qualidade, a prefeita Lindinalva é enfática na defesa do programa. “Deus me livre de o Mais Médicos acabar. Prefiro não pensar nisso”.

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Foto: Arquivo público da Câmara Municipal de Ceres

Hospital São Pio X, instalado na Colônia Agrícola de Goiás nos anos 1940

RAÍZES PRESERVADAS NA SAÚDE O Hospital São Pio X, instalado na Colônia Agrícola de Goiás nos anos 1940, atendia os operários que trabalhavam na construção da estrada Transbrasiliana (Belém-Brasília). Enraizada nessa região, a cerca de 170 quilômetros da capital, emancipou-se em 1953 a cidade de Ceres, hoje com 21.909 habitantes. Terra favorável para agricultura, sobretudo o cultivo de milho, soja e arroz, o município também é fértil na área da saúde. Seguindo a sua vocação inicial, abriga hospitais públicos e privados, clínicas e laboratórios. Muitos desses empreendimentos são transmitidos de pai para filho, já que em muitas famílias a medicina é uma tradição. Tal realidade é atrativa para os médicos e consolida a cidade como uma exceção no que diz respeito à concentração de profissionais. Enquanto a média brasileira a cada mil habitantes era de 1,8 em 2012, Ceres ostentava, de acordo com estudo do Ministério Público de Goiás, um índice de 7,92, muito superior ao de países latino-americanos e europeus, como Argentina (3,2), Uruguai (3,7), Reino Unido (2,7), Portugal (3,9) e Espanha (4,0).

Com vocação histórica para o atendimento em saúde, Ceres detém concentração de profissionais quatro vezes maior do que a média nacional. Referência nessa área no estado de Goiás, a cidade é um exemplo de que a presença de médicos nem sempre é determinante para atender à demanda da atenção básica

Ceres Brasília Goiânia

GOIÁS


NORTE A SUL | CERES/GO Esse potencial fez com que a capacidade de atendimento tanto no setor público como no privado ultrapassasse as fronteiras cerezinas e a cidade se tornasse referência em urgência e emergência para cerca de 30 municípios. Os serviços de saúde locais são procurados por moradores de diversas regiões de Goiás e também de outros estados, como Tocantins, Mato Grosso e Pará, de acordo com informações da prefeitura. A saúde pública municipal dispõe de rede estruturada com hospital com porta de entrada 24h, Unidade de Pronto Atendimento (UPA), duas unidades do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), quatro leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), hemodiálise, equipamentos de imagem laboratorial e uma infinidade de especialidades. A cidade também abriga um internato rural, que recebe alunos de diversas instituições para atuar em duas unidades de saúde. Mas como diz o ditado: “Em casa de ferreiro o espeto é de pau”. Mesmo com tanta oferta, a prefeitura encontra dificuldade em contratar profissionais com o perfil adequado para atuar na saúde da família. “Apesar de serem efetivos, eles fazem o concurso mas não gostam de medicina da família”, revela a prefeita Inês Brito. Já houve casos em que a população exigia a troca do médico. “Em algumas comunidades o único pedido era esse e eu não tinha como trocar, porque o que justificaria a quebra de contrato? Agora é diferente. Nós aderimos a um programa, que é uma proposta do próprio Ministério”.

CONCENTRAÇÃO DE MÉDICOS / 1.000 HABITANTES (2012)

CERES 8 7 6 5

ESPANHA

4 3

REINO UNIDO

BRASIL

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MESMO COM TANTA OFERTA, A PREFEITURA ENCONTRA DIFICULDADE EM CONTRATAR PROFISSIONAIS COM O PERFIL ADEQUADO PARA ATUAR NA SAÚDE DA FAMÍLIA

Humanização A atuação dos novos médicos pautada pelos princípios da saúde da família proporcionou mudanças na atenção básica, com reflexos nas demais áreas da saúde pública local. Questionadores, esses profissionais cobram melhorias em diversas áreas, incluindo na estrutura das unidades de saúde, e estão influenciando positivamente o restante da equipe, pois cumprem horário. Essa realidade proporcionou avanços significativos na qualidade da assistência. Antes disso era comum a prefeitura receber denúncias sobre o comportamento dos profissionais, que atendiam muito rápido, não faziam encaminhamento para especialidades e sequer tocavam o paciente. De acordo com a secretária de saúde, Janaína Firmino dos Santos, esses acontecimentos ficaram no passado com a adesão ao Mais Médicos. “O índice de aprovação é altíssimo e nós dosamos isso pelas denúncias. Hoje não temos mais”, constata. A presença desses novos médicos na atenção básica de Ceres também garantiu avanços quantitativos, como a redução dos custos com urgência e emergência. “Nas cidades que não têm atenção básica estruturada a procura por esses setores é muito grande, porque dentro da urgência e emergência você tem medicamento, inalação e um médico 24 horas para atender o paciente. Como nós temos uma cultura muito ligada ao médico, as pessoas precisam vê-lo”, avalia Janaína, que destaca fatores como a prevenção e a promoção como fundamentais para atingir esse resultado.

“O índice de aprovação do programa é altíssimo e nós dosamos isso pelas denúncias. Hoje não temos mais” – Janaína

Firmino dos Santos, secretária de saúde

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NORTE A SUL | CERES/GO Outra conquista foi o atendimento da demanda espontânea. “Com apenas um médico na unidade , às vezes a pessoa chegava e não conseguia ser atendida na hora, mas com dois ela consegue. Melhorou muito em relação ao paciente que chega sem marcar. Esse foi o reflexo imediato, o controle da agenda”, informa a coordenadora da atenção básica, Isabella Nepomuceno.

Prioridade: atenção básica A recém formada Nayara de Souza é um exemplo do olhar diferenciado que os médicos do Provab têm em relação à atenção básica. Ela concluiu a graduação no início de 2015 e, desde então, tem dedicado sua atuação à saúde pública. “A experiência na atenção básica é muito importante, porque colocamos em prática agora o que nós aprendemos na faculdade, principalmente com pacientes com doenças crônicas. Se eu já fosse atuar em um pronto socorro talvez não tivesse essa vivência. São campos bem distintos, que acrescentam muito para qualquer médico”, avalia. A médica atua na unidade de Estratégia de saúde da Família (ESF) Jardim Petrópolis e realiza uma média de 16 atendimentos por dia, além das visitas domiciliares, que ocorrem em uma dinâmica de revezamento com o outro médico que trabalha no local. “Aqui tem todos os tipos de caso, desde uma diabetes complicadas até casos de hanseníase”.

“Com apenas um médico na unidade , às vezes a pessoa chegava e não conseguia ser atendida na hora, mas com dois ela consegue. Melhorou muito em relação ao paciente que chega sem marcar” – Isabella Nepomuceno,

Nayara considera o apoio da gestão fundamental para que a dinâmica do Provab seja bem sucedida. “Aqui a gestão participa muito do programa. Estamos sempre lado a lado e isso facilita muito. O programa é muito bom. Consigo estudar, atender e é bem tranquilo”. Grávida de sete meses, Jeniffer da Silva faz o acompanhamento com Nayara. “Fico mais a vontade com ela, porque é mulher. Ela é calma, pergunta e tem paciência de ouvir o que a gente fala”. A médica Elizane Fernandes de Melo, que atua na ESF Jardim Sorriso, também considera a atuação na atenção básica importante para a carreira . “Proporciona um contato mais próximo da população e também a oportunidade de conhecermos melhor os seus problemas e prevenirmos, evitando dessa forma muitas complicações”.

coordenadora da atenção básica

Foto: Mateus Nascimento

Concurso público: solução? A grande oferta de serviços médicos e de profissionais é uma faca de dois gumes para a saúde pública municipal. “Como na nossa cidade tem muito médico circulando devido à grande oferta de emprego, a gente chegou a pagar R$ 15 mil”, relata a secretária de saúde. Apesar de residirem em Ceres, muitos não aceitam atuar na atenção básica por esse valor, mesmo contratados através de concurso. “Inclusive o gestor passado tinha feito concurso, nós fomos convocando os aprovados e chegamos até o último da fila sem conseguir contratar”. Janaína considera que o programa Mais Médicos disciplinou o mercado nesse sentido, por estabelecer um valor nacional de R$ 10 mil. “Isso facilitou as nossas negociações como gestores. Se tiver médico atendendo por R$ 10.000,00, por que vou pagar R$ 20.000,00?”, indaga.

A médica Elizane trabalha com foco na complicações na saúde de seus pacientes

saúde preventiva para evitar


NORTE A SUL | CERES/GO A agente comunitária Joyce de Lima, que atua há 12 anos na ESF Jardim Petrópolis, notou a diferença no atendimento da demanda e na qualidade da assistência a partir do programa Mais Médicos, que viabilizou a permanência de outro profissional - a médica Nayara - na unidade. “Aqui no Jardim Petrópolis há uma demanda muito grande. A procura por médico é intensa e com dois profissionais foi possível atender melhor”, relata, referindo-se também às visitas domiciliares, que tornaram-se mais frequentes.

Outro aspecto destacado por Joyce é o trabalho de prevenção. “Com dois médicos sobra mais espaço para o trabalho preventivo. Com um só o foco é consulta, mas o trabalho do Programa de Saúde da Família não é esse e sim a prevenção. Agora sobra espaço para os grupos, por exemplo, das gestantes. Cada dia trabalhamos um grupo”, descreve.

Estrutura renovada Além de enfrentar a dificuldade de fixação de médicos, as unidades de saúde de Ceres apresentavam problemas relacionados à infraestrutura. O programa Mais Médicos também supriu essa demanda e, através de parcerias com o Governo Federal, a Prefeitura construiu dois novos prédios e reformou e ampliou quatro, garantindo melhorias em todas as unidades do município. “O programa foi o melhor e mais ousado. Acho que a presidente e o Ministério cumpriram o papel. Não havia uma iniciativa tão completa como essa, que envolve a questão da estrutura e disponibilidade de pessoal”, elogia a prefeita Inês.

Programa Mais Médicos viabilizou melhorias na estrutura de todas as unidades de saúde de Ceres.

O desafio das especialidades Vencida a etapa do provimento de clínicos gerais para a atenção básica, a prefeitura de Ceres considera importante avançar para as demais esferas. “Acho que podemos evoluir para o Mais Especialidades, porque chega o momento em que o médico precisa fechar um diagnóstico. E tem o caso da urgência e emergência, que se hoje nós tivéssemos aqui três profissionais do Mais Médicos, conseguiríamos cobrir a escala. São oito profissionais 24 horas, não pode faltar”, reivindica Inês. Segundo a secretária de saúde, o programa seria perfeito se viesse acompanhado do Mais Especialidades. “Com isso, a atenção básica aqui resolveria 85% dos seus problemas na própria unidade. Dessa forma não teríamos mais a concorrência desleal nos municípios, porque o SUS nos paga R$ 10,00 em uma consulta e você não acha médico que atenda por esse valor. Em Ceres nós tabelamos em R$ 35,00 uma consulta e a diferença fica por conta do município. Com o Mais Especialidades a gente amplia o poder de negociação e temos mais gente atuando na atenção básica”, expõe Janaína. A gestora também sugere como aprimoramento do programa a ampliação da quantidade dos cursos de medicina, de forma que eles sejam ofertados em “todos os cantos do país”, mas a prefeita Inês vai além no aspecto da formação. “Eu sugeri para o pessoal da capacitação da residência médica colocar como primeira disciplina ensinar a abraçar, porque para ser médico da família precisa ter a capacidade de acolher bem a população e essa é uma das vantagens do programa”.

“O programa foi o melhor e mais ousado. Não havia uma iniciativa tão completa como essa, que envolve a questão da estrutura e disponibilidade de pessoal”– Prefeita Inês Brito

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Foto: Lélio Junior

Secretário de saúde Diego Souza e o prefeito Anderson Zanon não têm dificuldades para manter quadro de clínicos gerais completo

RODEADOS POR MÉDICOS Município de Sapucaia, no interior do Rio de Janeiro, mostra a alta concentração de médicos que se formam na Região Sudeste e proporciona oportunidade de formação e aprofundamento em saúde da família para jovens do Provab O Sudeste destoa das demais regiões brasileiras quando o assunto é concentração de médicos. O número de profissionais para cada mil habitantes é o dobro do Norte e Nordeste, segundo o estudo “Demografia Médica no Brasil”, promovido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Os dados de 2015 revelam, inclusive, que os estados do Sudeste apresentam uma média 2,7, acima da nacional, que foi de 2,09 em 2015.

Quando a comparação é realizada com as Regiões Norte e Nordeste, que apresentam índices de 1,09 e 1,30, respectivamente, a desigualdade é ainda maior. Vários fatores interferem na composição desse quadro, entre eles o déficit de médicos no Brasil e a alta oferta de vagas, que possibilita que os profissionais optem por atuar nos grandes centros urbanos; e a concentração de cerca de 40% dos municípios que possuem cursos de medicina na Região Sudeste.


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MG

RJ

MUNICÍPIOS PRÓXIMOS A SAPUCAIA QUE ABRIGAM FACULDADES DE MEDICINA

Sapucaia/RJ, município de 17.606 habitantes, situado a 144 quilômetros da capital, é um exemplo dessa conjuntura. Ao menos cinco cidades em um raio de 90 quilômetros abrigam faculdades de medicina: Petrópolis, Teresópolis, Juiz de Fora, Valença e Três Rios. Além disso, faz divisa com Minas Gerais, estado que detém uma das maiores concentrações de cursos de medicina. Com essa localização favorável em relação ao acesso a médicos, a prefeitura não enfrenta os dilemas típicos dos municípios pequenos e do interior para a fixação de profissionais.Essa realidade permite a atuação de sete médicos na saúde da família e oito nas demais frentes de atuação da atenção básica. “O quadro é completo”, atesta do secretário de saúde, Diego Souza, referindo-se também aos quatro distritos da cidade - Anta, Jamampará, Aparecida e Volta do Pião – regiões mais afastadas do Centro.

AO MENOS CINCO CIDADES EM UM RAIO DE 90 QUILÔMETROS DE SAPUCAIA ABRIGAM FACULDADES DE MEDICINA Foto: Edgar Marra

O NÚMERO DE PROFISSIONAIS PARA CADA MIL HABITANTES NO SUDESTE É O DOBRO EM RELAÇÃO AO NORTE E NORDESTE Mesmo com essa facilidade para contratar médicos, a gestão municipal ainda encontra certa resistência dos profissionais brasileiros em relação à rotina de trabalho. “Às vezes eles reclamam que atendem um pouco mais de gente, querem fazer agenda fechada e trabalhar a mesma quantidade do que outros trabalham em alguns municípios”, relata Diego, informando que mesmo com esses aspectos é possível atender à demanda das comunidades. “Nossa extensão territorial é muito grande, mas o quantitativo de famílias por equipe é pequeno. Mesmo que eles fizessem uma carga horária reduzida, dariam conta, exceto algumas equipes, como a do distrito de Anta onde a demanda é um pouco maior”. O prefeito Anderson Zanon aponta a questão salarial como outra dificuldade. “Temos muitas alternativas para a contratação de médicos aqui, embora os salários não sejam baixos para a nossa realidade”.

De acordo com Zanon, há dificuldade em fixar os profissionais do Provab no município, porque costumam permanecer até passar na residência. “É um período de transição para eles seguirem carreira”, avalia

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NORTE A SUL | SAPUCAIA/ RJ Atualmente Sapucaia é atendida pelo Mais Médicos por meio de dois profissionais do Programa de Valorização da Atenção Básica (Provab). De acordo com Zanon, há dificuldade em fixar esses profissionais no município, porque costumam permanecer até passar na residência. “É um período de transição para eles seguirem carreira”, avalia. Os planos de Wagner de Almeida Junior reforçam a tese do prefeito. Formado em 2013 em Juiz de Fora/MG, ele ingressou no Provab motivado pelos 10% que a iniciativa proporciona na pontuação da prova de residência. “A intenção é realizar a prova até eu conseguir passar”, relata o médico, que atuou em uma unidade de saúde na periferia de São Paulo/ SP antes de trabalhar em Sapucaia.

Já o médico Frederico Cerqueira Junqueira pretende permanecer por mais tempo. “Ainda estou um pouco indeciso com a residência, então um ou dois anos a mais é bom para poder pensar e ganhar experiência. Eu penso em continuar”, anuncia. Ele é um caso que ilustra bem a relação entre local de formação e moradia dos profissionais e opção de trabalho. Morador de Três Rios/RJ, não conseguiu vaga para atuar em sua cidade e foi encaminhado para Sapucaia, sua segunda opção. O município também recebeu uma médica cubana, porém, de acordo com o secretário e o prefeito, houve dificuldade de adaptação em relação ao idioma e prescrição de medicamentos.

Propostas de aprimoramento Exercitar as diretrizes do Mais Médicos no cotidiano de trabalho proporciona aos profissionais um profundo conhecimento sobre o programa e a dinâmica da atenção básica, inclusive as demandas e possibilidades de aprimoramento. O médico Wagner aponta como desafios a falta de medicamentos no SUS e a dificuldade de acesso a especialistas. “Colocaram muitos médicos, mas falta especialista”, constata, defendendo a ampliação da quantidade de vagas em residência. “Forma-se muito médico por semestre para pouca vaga de residência”, avalia. Frederico faz coro e também considera que há demora para encaminhamento de pacientes devido à falta de especialistas. “No caso de alguns exames não tão complexos, eu não posso pedir e tenho que encaminhar para o especialista”, relata. O médico ainda faz sugestões de aprimoramento no âmbito dos cursos de especialização. “A única coisa que poderia melhorar é reduzir a grande distância entre o médico e a coordenação do programa. Embora a gente tenha um tutor, algumas vezes ficamos sem saber como proceder em determinadas situações”. Ele também sugere a realização de cursos presenciais. O secretário de saúde, Diego Souza, acredita que, para Sapucaia, valeria mais a pena aderir ao programa se o recurso para pagamento dos salários dos profissionais fosse repassado separadamente do Programa de saúde da Família, sem descontar. “São R$ 10 mil tirados do repasse que é feito pra o município e a gente ainda tem que dar ajuda de custo. Então sai mais ou menos R$ 12 mil reais mensais que deixam de entrar por profissional”, avalia.

Méidico Wagner Almeida Junior destaca necessidade de formação de mais especialistas para atender os encaminhamentos da atenção básica

O médico Wagner Almeida aponta como desafios a dificuldade de acesso a outras esferas da saúde. “Colocaram muitos médicos mas falta especialista”


NORTE A SUL | SAPUCAIA/ RJ

Nova geração O programa Mais Médicos está proporcionando a inserção de uma nova geração de profissionais brasileiros na atenção básica, com um olhar diferenciado em relação ao Sistema Único de Saúde (SUS). Frederico se formou em 2014 e é um exemplo dessa tendência. “Optei pelo Provab por uma série de fatores. Primeiro porque sempre me identifiquei com o Programa de Saúde da Família, segundo pela pontuação na residência e também por ser um salário atraente para um recém-formado”. Ele atende na Unidade Básica de Saúde (UBS) São João, referência para cerca de 3 mil pessoas. Frederico realiza visitas domiciliares semanalmente, atendendo de três a cinco famílias, dependendo do cronograma. “A família fica muito grata. A população é muito carente e com esse programa eles até estranham ter um médico sempre presente”, observa. No posto de saúde, o médico costuma receber cerca de 20 pacientes por dia. “A vivência no SUS está contribuindo com minha formação em todos os aspectos possíveis, como relação médico-paciente, conhecimento sobre Programa de Saúde da Família. Desconheço algum programa que proporcione tanto aprimoramento e traga tantas experiências quanto o Provab e o Mais Médicos”. Mesmo Wagner, que ingressou no programa ambicionando a oportunidade na residência, está valorizando a atuação na atenção básica. “A gente aprende a lidar com muita coisa, não só com a questão da falta de remédio, mas também com a população. Tem gente que se forma e já vai par a residência sem ver a carência do SUS”, pondera em relação à obrigatoriedade prevista pelo Mais Médicos de atuar na atenção básica antes da especialização.

“A vivência no SUS está contribuindo com minha formação em todos os aspectos possíveis, como relação médico-paciente, conhecimento sobre Programa de Saúde da Família. Desconheço algum programa que proporcione tanto aprimoramento e traga tantas experiências” - Médico Frederico Cerqueira Junqueira O médico atua na Clínica de Saúde da Família Renato Castro Santos, situada no distrito de Anta, o mais populoso da cidade, e atende 40 pessoas por dia. “Minha agenda está sempre muito cheia”, relata. Mesmo assim, Wagner se dedica ao diálogo com seus pacientes. “Temos muitos casos de hipertensão, diabéticos, crianças com pais mal orientados em relação à alimentação e cuidados. É uma população muito carente, não só de conversa, mas de diálogo entre médico e paciente, então a gente tenta conversar da melhor maneira possível”.

Foto: Lélio Junior

Médico do Provab realiza cerca de 40 atendimentos por dia na unidade do distrito de Anta, região mais populosa de Sapucaia

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REDE-OBSERVATÓRIO

REDE-OBSERVATÓRIO DO MAIS MÉDICOS ACOMPANHA RESULTADOS DO PROGRAMA Composta por pesquisadores, técnicos, estudantes de graduação e pós-graduação, trabalhadores da educação e da saúde e instituições, a Rede-Observatório do Programa Mais Médicos está desempenhando um importante papel na produção de indicadores relativos à iniciativa do Ministério da saúde. A rede científica se articulou em torno da análise da implantação do Programa e vem desenvolvendo diversas pesquisas sobre a temática da gestão da educação e do trabalho na saúde, sobre a atenção básica, entre outros. Está mobilizada em torno do projeto “O Programa Mais Médicos e a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB): analisando efeitos nas políticas e práticas no sistema de saúde brasileiro”, uma pesquisa que, em sua primeira fase, tinha como meta a elaboração de indicadores para monitoramento do programa com base em dados disponíveis a partir dos sistemas de informação do Sistema Único de Saúde (SUS). Os resultados dessa etapa foram apresentados nos ‘Diálogos Mais Médicos e a gestão municipal para a atenção básica em saúde’, pelo coordenador da Rede, Alcindo Ferla, que revelou as três principais tendências constatadas a partir da análise de dados secundários dos sistemas de informação do SUS:

I.

II.

o fortalecimento da atenção básica nos municípios, com ampliação das equipes com funcionamento regular, aumento da oferta de consultas médicas e procedimentos coletivos nas diferentes fases da vida, assim como ampliação do acesso a medicamentos; o aumento do escopo de práticas desenvolvidas nas equipes e unidades básicas de saúde;

de internações evitáveis, em especial em III. redução localidades com processos prévios de reorganização da rede assistencial. Durante os diálogos realizados em Brasília, Ferla convidou a Associação Brasileira de Municípios (ABM) a integrar a Rede.

Alcindo Ferla, coordenador da Rede-Observatório do Programa Mais Médicos, apresenta indicadores nos diálogos de Brasília

INTEGRANTES DA REDE ·UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL ·REDE GOVERNO COLABORATIVO EM SAÚDE ·UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO DO SUL ·UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA ·INSTITUTO LEÔNIDAS E MARIA DEANE ·INSTITUTO DE COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA EM SAÚDE ·ESCOLA GRUPO HOSPITALAR CONCEIÇÃO ·ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA REDE UNIDA ·UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL

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