Adorno minima moralia

Page 243

dialéctico retrocede ao estádio pré-dialéctico: a tranquila exposição de que cada coisa tem duas vertentes. 153 Para terminar. - O único modo que ainda resta à filosofia de se responsabilizar perante o desespero seria tentar ver as coisas como aparecem do ponto de vista da redenção. O conhecimento não tem outra luz, excepto a que brilha sobre o mundo a partir da redenção: tudo o mais se esgota na reconstrução e não passa de elemento técnico. Há que estabelecer perspectivas em que o mundo surja transposto, alienado, em que se mostrem as suas gretas e desgarramentos, como se oferece necessitado e disforme à luz messiânica. Situar-se em tais perspectivas sem arbitrariedade e violência, a partir do contacto com os objectos, só é dado ao pensamento. É o que há de mais simples, porque a situação incita peremptoriamente a tal conhecimento, porque a negatividade consumada, uma vez abarcada no seu todo pela vista, compõe a imagem invertida do seu contrário. Mas tal é também o absolutamente impossível, porque pressupõe uma posição que se subtrai, ainda que só num grau mínimo, ao círculo mágico da existência, quando todo o conhecimento possível, para adquirir validade, não só se deve extrair primariamente do que é, mas também, e por isso mesmo, está afectado com a mesma deformação e precariedade, de que se propõe sair. Quanto mais apaixonadamente o pensamento se hermetiza no seu sercondicionado, por mor do incondicionado, tanto mais é inconsciente e, por isso, tanto mais fatidicamente se rende ao mundo. Deve, inclusive, assumir a sua própria impossibilidade por mor da impossibilidade. Mas, em face da exigência, que assim se impõe, a pergunta pela realidade ou irrealidade da própria redenção é quase indiferente.

242


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.