Os Media e a Construção do Conhecimento

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POR OUTRAS PALAVRAS

Janeiro 2013

Ana Rita Alves “Os media e a construção do conhecimento” Artigo produzido no âmbito da Unidade Local de Análise de Imprensa

IN OTHER WORDS é um projecto financiado com o apoio da Comissão Europeia. A informação contida nesta publicação (comunicação) vincula exclusivamente o autor, não sendo a Comissão responsável pela utilização que dela possa ser feita.


in other words O projecto IN OTHER WORDS Web Observatory and Review, for Discrimination Alerts and Stereotypes Deconstruction visou chamar a atenção para o papel e realidade dos media na Europa, para a presença de discursos discriminatórios e estereotipados, de vários tipos, nas notícias que difundem, que criam representações sociais erróneas e podem influenciar comportamentos intolerantes.

cesso de monitorização e análise dos media; todos estes boletins estão disponíveis on line a partir da página de internet do projecto: http:// www.inotherwordsproject.eu/ e os 17 boletins Iinformativos Portugueses POR OUTRAS PALAVRAS também estão disponíveis em http://issuu.com/ieba. Foram ainda publicadas 5 newsletters Europeias, sobre: 1. desconstrução de estereótipos; 2. Roma & Sinti; 3. LGBT; 4. Islamofobia e

Este projecto desenvolveu uma metodologia e implementou uma acção piloto que procurou reduzir o impacto de notícias discriminatórias e estereotipadas, produzidas pelos media. Para isso, foram constituídas 7 Unidades Locais de Análise de Imprensa, em 6 países Europeus (Espanha, Estónia, França, Itália, Portugal e Roménia), cuja tarefa foi a monitorização da imprensa local e nacional, por um período de 15 meses, entre Novembro de 2011 e Janeiro de 2013. Cada Unidade Local de Análise Imprensa publicou mensalmente boletins informativos, com o resultado do proVisita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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5. Migrantes. Estas newsletters integram informação temática complementar e uma selecção de análises de notícias produzida pelos vários parceiros; são editadas em Inglês e estão disponíveis on line em: http://www.inotherwordsproject.eu/?q=node/155.

nos 6 países da parceria e os principais resultados obtidos; 2. abordagem teórica e empírica relativa à grelha de análise para monitorização dos media; 3. análise dos aspectos problemáticos da comunicação dos media, incluindo orientações para uma e comunicação jornalística efectiva e com diversidade e 4. uma análise detalhada sobre a criação e gestão de unidades locais de análise de imprensa; 5. os anexos incluem referências bibliográficas, terminologia relevante, glossário de termos pejorativos, incluindo uma tabela com os termos nas 6 línguas do projecto. Esta publicação está acessível on line em http://issuu.com/ieba e também no website do projecto.

Foi editada uma publicação final do projecto, em Inglês, intitulada “Grassroot Antidiscriminatio - The Role of Civil Society in Media Monitoring Policies”. Este livro integra os seguintes conteúdos: 1. construção de estereótipos e exemplos para a sua desconstrução, incluindo os métodos e as práticas de monitorização desenvolvidas POR OUTRAS PALAVRAS


por outras palavras Em Portugal foi constituída uma Unidade Local de Análise de Imprensa (ULAI), da qual fazem parte as seguintes entidades: IEBA (parceiro português do projecto), APAV - GAV de Coimbra, APPACDM de Coimbra, GRAAL, NÃO TE PRIVES e SOS RACISMO. As reuniões da ULAI decorreram na Casa de Chá da APPACDM, no Jardim da Sereia, em Coimbra, de forma aberta e pública, podendo qualquer pessoa ou entidade interessada participar nestas reuniões. Durante o ano de 2012, a ULAI reuniu mensalmente para analisar a selecção de notícias dos jornais monitorizados em Portugal: 3 regionais: Campeão das Províncias, Diário As Beiras e Diário de Coimbra e 7 de referência e âmbito nacional: Diário de Notícias, Jornal i, Jornal de Notícias, O Expresso, O Público, Primeiro de Janeiro e Sol. A análise das notícias pela ULAI constitui-se como um processo participado, de debate, reflexão e desconstrução, identificando os discursos (conteúdo escritos) e os elementos (as imagens) discriminatórios e/ou estereotipados, dos mais variados tipos. Complementarmente, a ULAI apresentou Página 3

propostas, sugestões e recomendações, de modo a que as notícias se centrassem na informação essencial, cumprindo a sua função informativa, de forma objectiva e inclusiva, contribuindo para a formação de uma opinião pública informada e com capacidade crítica, bem como para a adopção de boas práticas de escrita jornalística. Após a análise das notícias, a ULAI seleccionava as consideradas mais relevantes, para integrarem o boletim informativo POR OUTRAS PALAVAS do respectivo mês. Entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2012, foram analisadas 149 notícias dos 10 jornais monitorizados, categorizadas de acordo com o tipo de discurso discriminatório que continham: 45 estereótipos, 39 xenofobia, 12 - racismo, 12 - LGBTfobia, 9 discriminação de género, 8 ciganofobia, 8 - Dia internacional da Mulher, 7 - intolerância religiosa, 6 - outros, 2 orientação sexual, 1 - nacionalismo.

página do Facebook, em: http://www.facebook.com/ PorOutrasPalavras e na prateleira de publicações on line do IEBA, em http:// issuu.com/ieba. Os vídeos das actividades do projecto estão disponíveis em http://www.youtube.com/ user/IEBAvideos. A presente publicação é composta pelo artigo de Ana Rita Alves, facilitadora da ULAI, intitulado “Os Media e a Construção do Conhecimento”, que enquadra cientificamente e reflete de forma crítica as linhas de análise desenvolvidas pela ULAI, depois de um ano de monitorização de 10 títulos da imprensa escrita, portuguesa.

Foram publicados 12 boletins POR OUTRAS PALAVAS mensais e 5 temáticos, sobre 1. Ciganofobia, 2. Deficiência, 3. Imigrantes; 4. Género e 5. LGBTfobia, que são acessíveis no sítio da Internet do projecto, também a partir da POR OUTRAS PALAVRAS


ieba O IEBA Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais (www.ieba.org.pt) é uma associação de desenvolvimento local, com sede no concelho de Mortágua, na região Centro de Portugal, que foi criada em 27 de Dezembro de 1994.

Esta associação foi criada por um conjunto de pessoas e de entidades do meio local, comprometidas com a promoção do desenvolvimento do seu território, das pessoas e das organizações. De acordo com os seus estatutos, o IEBA tem por objetivo “(...) o desenvolvimento da sua área de intervenção, nomeadamente através de apoio técnico e promoção das atividades económicas, culturais e sociais, dos recursos humanos, do ensino e formação profissional, bem como a criação e gestão de empresas (...). “ Objetivos Estratégicos: - Conceber, gerir e participar em projetos e atividades de âmbito Europeu, nacional, regional e local, que contribuam para o desenvolvimento do território, das pessoas e das organizações. - Informar e prestar serviços técnicos especializados às empresas, entidades da economia social, autarquias e a empreendedores/as. - Melhorar as competências e Visita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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elevar a qualificação das pessoas através do planeamento, organização, execução e avaliação de ações de formação profissional. - Promover o emprego, através do aconselhamento profissional e apoiando a procura ativa de emprego. Áreas de Atuação: Formação Profissional: melhorar as competências, elevar os níveis de qualificação dos recursos humanos; Emprego: facilitar o encontro entre a procura e a oferta de emprego e apoiar a procura ativa de emprego; Inclusão Social: favorecer a inclusão social de grupos sociais desfavorecidos; Igualdade de Género e de Oportunidades: contribuir para a igualdade de entre homens e mulheres e combater todas as formas de discriminação. Animação e Divulgação: contribuir para a animação sóciocultural, divulgar o território e os produtos locais. Empreendedorismo: aumentar o espírito empreendedor, apoiar a criação de empresas e o autoemprego. Desporto: promover estilos de vida saudável, o bem-estar, a qualidade de vida e a prática de actividades desportivas. TIC: tornar acessíveis, aproveitar as potencialidades, formar e disseminar a utilização das TIC. Qualificação das organizações: intervenções de melhoria e capacitação organizacional, realizadas em empresas e em entidades da economia social, através

de processos e formação e consultoria. Qualidade: desenvolver processos de certificação de qualidade nas empresas e em organizações da Economia Social. Competitividade e Produtividade: elaborar candidaturas a sistemas de incentivo ao investimento e à criação de emprego. Mobilidade Europeia: organização de intercâmbios europeus para profissionais da formação e para pessoas no mercado de trabalho. Internacionalização: apoiar processos de internacionalização, através da organização de missões e do estabelecimento de parcerias. Projectos mais recentes: NACIONAIS Q3 Qualificar o 3º Sector III Ser ou Não Ser Igual III Plano Anual de Formação Programa Formação PME Corpo São, Mente Sã EUROPEUS INSIGHT http://www.insight-training.eu/

CRISTAL http://cristalgrundtvig.wordpress.com

Q3.eu www.q3-eu.info

VALIDAID http://www.validaid.eu

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“os media a construção do conhecimento” Ana Rita Alves Facilitadora da Unidade Local de Análise de Imprensa

Os Media e a Construção do Conhecimento ‘O espectáculo não pode ser compreendido como o abuso de um mundo da visão, o produto das técnicas da difusão massiva de imagens. Ele é bem mais uma Weltanschauung [ideologia] tornada efectiva, materialmente traduzida. É uma visão do mundo que se objectivou’ (Debord, 2005: 9).

Embora a forma como se constroem relações de poder possa parecer abstracta, uma análise mais atenta à forma como o conhecimento tem vindo a ser produzido e das representações através das quais este se operacionaliza e que, no mesmo lance, gera (e.g. nos media), pode servir para entender, em parte, como se autorizam determinadas cartografias de poder. Acrescente-se que uma das questões que se considera inquietante quando se pensa em produção de conhecimento é a aparente contradição entre o seu carácter volátil e a forma como o mesmo timbra e (re)significa o passado, o presente e o futuro. Se por um lado existe um conjunto de narrativas históricas sistematicamente revisitadas e contestadas, tornando-as fugazes; por outro, as marcas que a produção do conhecimento - enquanto processo - vai deixando e que se tornam muitas vezes a verdade, constituem a base retórica fundacional (e de continuidade) das sociedades contemporâneas. Neste sentido, argumenta-se que a ausência de uma hipótese (imediata) de ruptura com o pensamento socioeconómico e político contemporâneo assenta, essencialmente, num paradigma de pensamento capitalista, eurocêntrico e binarista que, de certa forma, impossibilita a superação de um modelo de racionalidade que assume ainda contornos positivistas e que se encontra colonizado na essência (Mignolo, 2009). Esta condição epistemológica a priori parece impedir uma ruptura entre os dois pólos do binómio que, embora aparentemente simétricos, se constituem numa base vertical hierárquica (Santos, 2002: 7) e opositiva que legitima a constante naturalização das relações de poder entre seres, saberes e formas de fazer: “(…) we used and perpetuated discourse integral to white, male dominance, specifically the use of binary pairs such as us/them, self/other, normal/deviant and neutral/biased, in thinking and discussion about social groups and social inequities. Critics have pointed that these dualities in language and thought are legacies of particular social orders and power arrangements in which the valued term of the pair (us, self, normal, neutral) flows from and supports the given distributions of resources and power (Haraway 1989, Scott, 1990, Young, 1990). These binarisms are not only hierarchically-ranked and polarly-opposed, but the right-hand, lesser terms ‘serve the higher, in a relation of dominance, mastery, or control’ (Code, 1991: 274). (…) it is in the context of the opposite other that whiteness or wealth is constructed” (Lesko and Bloom, 1998: 384-385).

Se admitirmos que o processo de construção histórica excede as fronteiras académicas, coexistindo no sistema educativo, nos discursos políticos e nos meios de comunicação social, percebe-se que os actores que participam na construção da narrativa histórica são múltiplos, o que permite antever o conflito de perspectivas e intenções:

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“os media a construção do conhecimento” “Debates about [historical events and its significance] involve not only Professional historians but ethnic and religious leaders, political appointees, journalists, and various associations within civil society as well as independent citizens, not all of whom are activists. This variety of narrators is one of the indications that theories of history have a rather limited view of the field of historical production. They grossly underestimate the size, the relevance, and the complexity of the overlapping sites where history is produced, notably outside of academia. […] [T]he thematic awareness of history is not activated only by recognized academics. We are all amateur historians with various degrees of awareness about our production. We also learn history from similar amateurs. Universities and university presses are not the only loci of production of the historical narrative” (Trouillot, 1995: 19-20).

Se admitirmos, simultaneamente, que existe uma matriz de pensamento dominante, existirá, com certeza, um denominador comum na forma como todos esses discursos são (re)produzidos. É exactamente neste contexto simultâneo de contenda e de anuência política (e ideológica) que se torna imperativo perceber o papel desempenhado pelos diferentes actores no acesso ao discurso público, designadamente, o das elites simbólicas (van Dijk, 2007)(1), se o considerarmos enquanto espaço privilegiado para a disseminação das ideologias dominantes e, consequentemente, parte essencial da diegese histórica. Neste sentido, pensar o discurso público, indubitavelmente associado às elites e ao controlo e disseminação do conhecimento e da ideologia, exige uma incursão ao universo dos usos da última, como forma de legitimar hierarquias simbólicas e materiais. Philomena Essed (1991) sustenta que a ideologia é o elo de ligação entre práticas que envolvem diferentes actores e situações. Neste quadro, a autora sustenta que é imperativo (re)criar permanentemente um sentido histórico de um ‘nós’ - o grupo dominante, em oposição a um ‘eles’ - os grupos dominados, com o objectivo de promover a coesão do grupo dominante a partir da construção de diferenças grupais inatas baseadas em argumentos raciais e étnicos (pp. 41). Esta (re)construção permanente de uma linha abissal entre ‘nós’ e os ‘outros’ é activada através de um conjunto de instrumentos conceptuais como ‘nação’, ‘cultura’ e ‘homogeneidade’. Associada também a noções empíricas de ‘verdadeiro’ e ‘falso’, a ideologia está eminentemente relacionada com questões de poder e de dominação (ibidem: idem). Louis Althusser (1999), por sua vez, defende que a ideologia é ‘a representação da relação imaginária dos indivíduos com as suas condições reais de existência’(2), argumentando que a estrutura de funcionamento das mesmas possui uma dimensão representativa (simbólica) e uma dimensão material. _________________________________________________________ (1)

Teun van Dijk (2007) argumenta que as elites simbólicas são o segmento da população que detém acesso privilegiado ao discurso público. Neste sentido, as autoridades do discurso público são políticos, jornalistas, escritores, professores e académicos, todos/as aqueles/as a que de alguma forma seja concedido um papel de relevo, de poder nas estruturas do sistema. Estes/as líderes dos grupos dominantes têm o poder de definir as políticas na política, a direcção do caminho legislativo, as linhas editoriais, as políticas de educação e os currículos escolares, entre outros. Cf. também van Dijk (2002): ‘Our definition of these elites is thus not in terms of material resources that are the basis of power, such as wealth, nor merely in terms of their societal positions of leadership, but rather in terms of the symbolic resources that define symbolic "capital", and in particular their preferential access to public discourse. The elites, defined in this way, are literally the group(s) in society who have "most to say," and thus also have preferential "access to the minds" of the public at large. As the ideological leaders of society, they establish common values, aims, and concerns; they formulate common sense as well as the consensus, both as individuals and as leaders of the dominant institutions of society’ (pp.148). Acrescente-se ainda que “among the resources that forro the power base of dominant groups, also the preferential access to public discourse is an increasingly important asset, because it allows access to the control mechanisms of the public mind. In modern societies, discourse access is a primary condition for the manufacture of consent, and therefore the most effective way to exercise power and dominance” (van Dijk, 1996: 102). Visita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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Cf. Althusser (1999: 24): “Ideology is a ‘representation of the imaginary relationship of the individuals to their real conditions of existence”. Página 6

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“os media a construção do conhecimento” Embora se admita que as diferentes perspectivas não correspondem à realidade (que constituem uma ilusão), sustenta-se que estas representações são alusivas à realidade e que precisam somente de ser interpretadas de forma a revelarem a realidade que encerram (Althusser, 1999: 317). Por outro lado, as ideologias possuem uma condição material, uma vez que existem sempre num apparatus e na sua prática (idem: 318), sublinhando a inscrição da ideologia nas práticas (quotidianas): “(…) [T]he existence of the ideas of his belief is material in that his ideas are his material actions inserted into material practices governed by material rituals which are themselves defined by the material ideological apparatus from which derive the ideas of that subject” (Althusser, 1999: 319).

A ideologia acumula, ainda, uma função de reconhecimento e de desconhecimento ou conhecimento deturpado, sendo exactamente por isso que aqueles que estão dentro dos sistemas ideológicos se consideram por definição fora de qualquer quadro ideológico, negando paulatinamente o carácter ideológico da ideologia: “(...) ideology never says ‘I am ideological’’(3) (Althusser, 1999: 321). A academia apresenta-se como o exemplo paradigmático já que, na qualidade de instituição consagrada de produção de saber, sempre se considerou para além/fora da ideologia, o que tem contribuído, por um lado, para a legitimação do seu poder e, por outro, para a perpetuação de um positivismo científico mascarado que perpassa as várias dimensões da vida quotidiana: “This ideology of science, which tries to conceal its interests and wants its own beliefs to be accepted as truth by those who recognize its power and dominance, is thus hardly different from other ideologies that are developed to achieve hegemony, to legitimate power or to conceal inequality – if only in the dominant knowledge. It is at this crucial point where the philosophy and sociology of ideology and the philosophy of science overlap” (van Dijk, 2000: 3).

A. Gramsci conceptualizou as relações entre ideologia e sociedade em termos de hegemonia, destacando a ideia de que a hegemonia, “(...) more subtly works through the management of the mind of the citizens, for example by persuasively constructing a consensus about the social order” (Gramsci apud van Dijk, 2000: 3). Considerando que o discurso é a peça fundamental para a criação, transmissão e apreensão do conhecimento, o processo de (re)produção discursiva deve ser considerado espaço essencial para a (re)produção ideológica (van Dijk, 2000): “By ideologies I mean the mental frameworks – the languages, the concepts, categories, imagery of thought and the system of representation – which different classes and social groups deploy in order to make sense of, figure out and render intelligible the way society works” (Hall, 1996: 26 apud van Dijk, 2000: 9).

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Cf. versão original, Althusser (1999: 321): “(…) those who are in ideology believe themselves by definition outside ideology: one of the effects of ideology is the practical denegation of the ideological character of ideology by ideology: ideology never says ‘I am ideological”. Página 7

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“os media a construção do conhecimento” Poder, Media e Discurso “Knowledge is routinely presupposed or taken for granted in the public discourses of a community. This is one of the fundamental basic relationships between discourse and knowledge” (van Dijk, 2012: 588).

“Power abuse not only involves the abuse of force, for example in police aggression against black youths, and may result not merely in limiting the freedom of action of a specific group, but also and more crucially may affect the minds of people. That is, through special access to, and control over the mean of public discourse and communication, dominant groups or institutions may influence the structures of text and talk in such a way that, as a result, the knowledge, attitudes, norms, values and ideologies of recipients are – more or less indirectly affected in the interest of the dominant group” (van Dijk, 1996: 85).

As lentes da história Ocidental (re)produziram e (re)orientaram o olhar sobre aqueles e aquelas que são sistematicamente (re)construídos/as como ‘outro’. Da produção académica aos meios de comunicação social, as representações ditas científicas, objectivas e neutrais ou mesmo as que se admitem ficcionadas sobre o ‘outro’ foram fruindo no seio das culturas populares e eruditas, consagrando-se como verdades absolutas e constituindo um conjunto de argumentos e justificações ontológicas das sociedades contemporâneas e das suas políticas. Corroborando a ideia de que o discurso é iminentemente ideológico e produz posições (Hall, 1992: 293, tradução minha), “o conhecimento não pode ser considerado como uma ‘simples reflexão’ sobre o mundo exterior” (Wolf, 1999: 3) uma vez que as ideias (e as ideologias) têm um papel fundamental no estabelecimento de relações de cooperação ou conflito entre as pessoas (idem, ibidem: 4): “A discourse is a group of statements which provide a language for talking about – i.e. a way of representing – a particular kind of knowledge about a topic. When statements about a topic made within a particular discourse, the discourse makes it possible to construct the topic in a certain way. It also limits the other ways in which the topic can be constructed” (Hall, 1996: 291).

Se admitirmos, neste contexto, que as elites são as principais detentoras de poder simbólico bem como de operatividade política e económica e, consequentemente, as entidades reguladoras do discurso público, pode admitir-se que, com o intuito de afirmação e preservação do status quo, o discurso público opera como fonte de legitimação de poder e do estabelecimento de prioridades no acesso a recursos. Esta hegemonia está patente nos campos da política, da educação, do sistema legislativo e dos media, regulamentando o acesso das populações a direitos, bens e conhecimento (van Dijk, 2010, grifos meus). É neste sentido que o discurso público se constitui como um campo de batalha, corporalizando tensões silenciosas que se articulam entre as diferentes áreas da vida social e política, bem como da matriz de pensamento que a sustenta e lhe permite continuidade em sociedades que se pensam sectoriais e descontínuas. Não se quer com isto afirmar que as audiências são receptáculos passivos de informação. Pelo contrário, o facto é que os media continuam, em larga escala, os discursos difundidos noutros espaços de conhecimento (e.g. sistema educativo designadamente, discriminatórios) contribuindo para a diminuição da contestação e para o aumento do consenso. M. Focault, ao analisar a relação entre a produção do discurso e a reprodução do poder, bem como as regras e as práticas que produzem proposições com significado e que regulam o discurso em períodos históricos particulares, concluiu que nada existe fora do discurso (Foucaul apud Hall, 1997: 44) - que o discurso constrói o tópico, define e produz os objectos de conhecimento, regulando a forma como se Visita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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“os media a construção do conhecimento” fala de determinada coisa e como se constrói conhecimento sobre a mesma (ibidem, idem). Consequentemente, ‘a verdade não está fora do poder’: “Não há relação de poder sem a correlativa constituição de um campo de conhecimento, nem nenhum conhecimento que não pressuponha e constitua, no mesmo lance, relações de poder” (4) (Foucaul apud Hall, 1997: 49, tradução minha). “Cada sociedade tem os seus regimes de verdade, a sua política geral de verdade, isto é, os tipos de discurso que aceita e operacionaliza como verdade (...)”(5) (Foucault apud Hall, 1997: 49, tradução minha).

Denote-se, no entanto, que em relação ao discurso mediático, persiste a ideia de que a notícia se limita a reportar uma verdade, que provém directamente de um facto real (de um acontecimento). Esta asserção, juntamente com a conceptualização metodológica da imprensa(6) que se quer objectiva, ignora o recorte e contribui activamente para a perpetuação de uma ideia de neutralidade no discurso mediático. Argumente-se que esta perspectiva contribui para a perpetuação de uma sociedade que – ávida de informação – confia muitas vezes conhecer o que não vê e muitas das coisas sobre as quais nunca antes havia pensado. Este processo de produção de conhecimento, muitas vezes desterritorializado, constrói um conjunto de ‘realidades’ que servem determinadas disposições de poder. Considerando que os media ocupam um espaço ímpar na (re)produção do conhecimento dominante através de palavras e imagens inscritas pelo jornalismo, pelo cinema, pelo design ou pelas novas tecnologias, constituindo-se como uma das instituições mais proeminentes na (re)produção do consenso social (van Dijk, 1996), é essencial a sua análise para perceber o emaranhado de representações que gera e que gerem, muitas vezes, as produções das realidades contemporâneas: ‘The contemporary media shape identity; indeed, many argue that they now exist close to the very core of identity production. In a transnational world typified by the global circulation of images and sounds, goods and peoples, media spectatorship impacts complexly on national identity and communal belonging. By facilitating an engagement with distant peoples the media “deterritorialize” the process of imagining communities. And while the media can destroy community and fashion solitude by turning spectators into atomized consumers or self-entertaining monads, they can also fashion community and alternative affiliations” (Shohat & Stam, 2003: 7).

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Cf. M. Foucaut original: “There is no power relation without the correlative constitution of a field of knowledge, nor any

knowledge that does not presuppose and constitute at the same time, power relations” (Foucaul apud Hall, 1997: 49). (5) Cf.

M. Foucaut original: “Truth is a thing of this world; it is produced only by virtue of multiple forms of constraint. And it induces regular effects of power. Each society has its regimes of truth, it’s general politics of truth, that is, the types of discourses which it accepts and makes function as true, the mechanisms and instances which enable one to distinguish true and false statements, the means by which each is sanctioned... the status of those who are charged with saying what counts as true” (Foucault apud Hall, 1997: 49). (6) Descendente

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das ciências da comunicação e do jornalismo. POR OUTRAS PALAVRAS


“os media a construção do conhecimento” ‘In Other Words’: Metodologia de um Projecto É exactamente no sentido de monitorizar e produzir uma análise crítica da imprensa escrita em Portugal(7), de Janeiro de 2012 a Janeiro de 2013, que se inaugura o Projecto ‘Por outras Palavras’. O projecto encontra-se sedeado em Mortágua uma vez que encontra no IEBA - Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais - a sua entidade promotora, mas conjuga um conjunto de outras associações parceiras tais como: a APAV-GAV de Coimbra - Associação Portuguesa de Apoio à Vítima; a APPACDM – Associação de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental de Coimbra; o GRAAL – Movimento Internacional de Mulheres; a Não te Prives – Grupo de Defesa dos Direitos Sexuais; o Movimento SOS Racismo e a UMAR Coimbra – União de Mulheres Alternativa e Resposta (presentes no projecto desde Setembro). A sessão de apresentação pública da Unidade Local de Análise de Imprensa (ULAI) decorreu no dia 13 de Janeiro de 2012 e a primeira reunião no dia 25 desse mês, na Casa de Chá da APPACDM, em Coimbra. Elegendo como palco o discurso mediático em Portugal(8), foi seleccionado um conjunto de dez jornais (de referência) - sete jornais de distribuição nacional (Diário de Notícias, Jornal I, Jornal de Notícias, Expresso, Público, O Primeiro de Janeiro e Sol)(9) e três jornais de âmbito regional (Campeão das Províncias, Diário As Beiras e Diário de Coimbra). A sua monitorização é diária e o seu foco são notícias, havendo até ao momento uma única excepção relativa à análise de um artigo de opinião. Mensalmente, são realizadas reuniões públicas com os parceiros, para as quais é ainda convidado um conjunto de jornalistas. Este grupo tem como objectivo analisar a selecção de notícias dos jornais monitorizados. Desta análise resultam propostas, sugestões e recomendações que são posteriormente integradas no boletim informativo mensal, ‘Por Outras Palavras’. Sem linhas de análise estanques, o projecto procurou perceber as lógicas do discurso público, enfatizando aquilo que pareceram ser questões essenciais no que diz respeito à (re)produção da discriminação no discurso mediático. Para tal, procurou-se analisar os conteúdos do discurso mediático, atentando a formulações sintácticas e gramaticais e a campos semânticos, investigando a forma como determinadas formulações discursivas contribuem para a (re)produção de imagens e performances (Hesse, 2012) discriminatórias. Neste sentido, interessou perceber, através de uma análise crítica do discurso, as operações discursivas através das quais os media produzem e disseminam representações sobre o ‘outro’, contando mais sobre quem enuncia do que sobre o que é enunciado. Entenda-se que o discurso “(…) is more than words and global structures in the sense that it is semiotically associated with visual information, such as page layout, placement pictures, tables and so on, as is the case in the press, or for film on TV, or on the internet” (van Dijk, 2004). Deste modo, a análise discursiva “(…) is not concerned with language alone. It also examines the context of communication: who is _________________________________________________________ (7)

Denote-se que, embora se trate de um projecto Europeu, delineado a partir de matrizes de pensamento específicas, a sua transposição para o contexto local foi feita de uma forma cuidada e livre. Neste sentido, embora haja no seio do projecto a tentativa de pensar e sugestionar sobre o tipo de linguagem utilizada na imprensa escrita, o projecto tem privilegiado, acima de tudo, uma discussão sobre a matriz epistemológica na qual se baseiam os discursos discriminatórios analisados. (8)

Destaque-se que no âmbito deste projecto são analisadas somente notícias que figurem nas versões impressas (excluindo

as edições online) no sentido de delimitar o campo de análise. (9) Denote-se

que o jornal diário Correio da Manhã não foi analisado uma vez que, embora seja um dos jornais mais difundidos, não nos interessa tanto trabalhar a difusão mas sim a enunciação. Neste sentido, não sendo o Correio da Manhã considerado um jornal de referência, considerou-se pouco pertinente a análise do seu discurso, que poderia inclusive ser considerado, por muitos leitores, como um discurso de excepção e menos como uma linha de continuidade do discurso do dominante. Assim, entendeu-se que a sua análise seria pouco relevante para o estudo em causa. Página 10

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“os media a construção do conhecimento” communicating with whom and why; in what kind of society and situation, through what medium; how different types of communication evolved, and their relationship to each other” (Cook, 1991 apud Bell and Garret, 1998: 3). Uma das razões pelas quais as linhas de análise se têm vindo a dilatar na forma e no conteúdo relaciona-se – paradoxalmente – com um discurso mediático monótono que tem obrigado o projecto a reinventar estratégias de análise, particularmente relacionadas com a crítica ou a ampliação de informação sobre os temas em discussão (que não figuram na notícia) e que permitem, tantas vezes, a sua (re)contextualização ou a sua crítica.(10) Neste sentido, existe uma panóplia de linhas de análise, que se desejaria trazer para discussão, resultantes do conjunto de monitorizações e análises efectuado, pela Unidade Local de Análise de Imprensa, no decorrer das doze reuniões realizadas, em Coimbra.

As Semânticas da Discriminação Não pretendendo dirimir as diferenças inerentes a cada media e as latitudes particulares do seu discurso, constata-se que se apartarmos as diferenças nas orientações político-partidárias e nos dispositivos discursivos de cada jornal - -destinados a diferentes públicos - os media veiculam discursos e silêncios bastante similares em relação a um conjunto de premissas fundamentais, que corroboram e sustentam a existência de uma sociedade ‘moderna/capitalista, europeia (eurocêntrica)/euroamericana, cristã(cêntrica)/patriarcal’ (Grosfoguel & Mielants, 2006: 1-2). Qualquer um destes jornais, na sua singularidade, (re)utiliza um conjunto de segmentos discursivos dominantes. Embora se denote que há temas que reúnem mais semelhanças inter-jornal que outros, defende-se que a imprensa escrita em Portugal (analisada), como instituição, veicula um discurso, maioritariamente, orientado pelos mesmos dispositivos ideológicos. Tal se admite estar relacionado com os paradigmas científicos vigentes e a sua difusão, particularmente com a ‘uni-versidade’ - uma estrutura de poder globalizada a partir de um conhecimento provincializado que procura promover uma homogeneidade epistemológica e vertical global (Grosfóguel, 2012, grifos meus). 1. Os discursos de autoridade e a objectificação do ‘sujeito’ ‘(...) Explicit ideological practices as well as ideological discourses are systematically related to ideologies, which mutually may facilitate each other. Leaders, intellectuals and other ‘ideologues’ of a group typically may be expected to Play such roles, especially because of their tasks to lead a group, co-ordinate its actions, and make sure that its goals are realized and its interests protected’ (van Dijk, 2000: 172).

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Não obstante, considera-se que a pouca visibilidade que determinados assuntos detêm no espaço mediático, em conjunção com os escassos recursos da ULAI, condicionam a dimensão da análise dado que esta se limita, muitas vezes, a criticar as áreas de trabalho e de estudo que se relacionam com o âmbito de especialização dos seus parceiros. Assim, embora se traga para a discussão um conjunto de perspectivas e temas (in)visibilizados, não deixa de potenciar o silenciamento de um conjunto de outras temáticas, designadamente, um conjunto de informações a que a Unidade Local de Análise de Imprensa não tem acesso. Página 11

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“os media a construção do conhecimento” 1.1. A (re)criação da autoridade A imprensa escrita em Portugal desenha-se no traçar de um conjunto de mãos e de vozes que, de alguma maneira, habitam e habituam os imaginários das sociedades contemporâneas. Apesar de se supor que num regime democrático todos deveriam ter equidade no acesso ao discurso público, denota-se que o espaço mediático é permeado por um conjunto de discursos de autoridade que, como o próprio nome indica, logram de um elevado grau de poder e credibilidade no espaço público. Uma vez que os espaços de acesso ao discurso mediático são escassos, concentrando-se numa ínfima parte do tecido social, torna-se imperativo analisar as narrativas de algumas instituições e personalidades que detêm o poder de construir os argumentos mediáticos contemporâneos, designadamente: i) as instituições públicas, em particular, de informação e segurança; ii) a academia, especialmente, através de estudos científicos relacionados com as ciências ditas exactas; iii) as autoridades eclesiásticas; iv) os/as ‘intelectuais públicos’. A análise efectuada indica que as instituições públicas, particularmente as de informação e segurança(11), logram de um estatuto e de uma credibilidade privilegiado já que lhes é atribuído o cariz de fonte oficial que advém, simultaneamente: i) do acesso à produção e difusão que estas têm relativamente a estudos e a um conjunto de informações sobre a realidade sociopolítica; ii) do facto de assumirem o papel de zeladoras da ordem pública nacional. Assim, assume-se paulatinamente que, quando falam, estas instituições defendem o bem-estar comum da população, enquanto instituições ao serviço de uma democracia representativa. Consequentemente, as suas opiniões são validadas triplamente pelos seus pares que não as contestam (e muitas vezes as apoiam), pelos média que as difundem e pela invisibilização do contraditório, com o mesmo espaço e poder social de enunciação. Atente-se, por exemplo, à panóplia de notícias que visibilizam questões relacionadas com a imigração, essencialmente, numa óptica de delito relacionada com a legislação ou com criminalidade, através da produção de notícias: i) sobre a promulgação de leis de excepção face às populações imigrantes; ii) sobre as acções do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF); iii) que mencionam, sistematicamente, a nacionalidade de indivíduos, alegadamente envolvidos em actos criminosos. Deste modo, os media contribuem para estabelecer um discurso que relaciona paulatinamente imigração e crime, tanto pela visibilização frequente de situações que relacionam imigração a contextos criminosos como de acções e reacções do SEF, sempre na óptica da instituição: ‘Aumentam crimes ligados à Imigração’, Jornal de Notícias (03/02/2012), ‘SEF impediu entrada de 1500 imigrantes de países de risco’, Diário de Notícias (05/04/2012); ‘Criminoso Moldavo fugiu da ‘prisão’ do SEF no Aeroporto de Lisboa’, Diário de Notícias (25/06/2012), ‘Moldavo finta SEF, PSP e Prossegur’ Diário de Notícias (27/06/2012), ‘SEF deixa fugir do aeroporto outro criminoso’, Diário de Notícias (29/06/2012). Este aparato noticioso não só legitima as acções do SEF, como contribui para justificar publicamente a existência desta instituição. Considere-se também a notícia: ‘SEF impediu entrada de 1500 imigrantes de países de risco’, Diário de Notícias (05/04/2012) que procura reportar o trabalho que o SEF tem efectuado no controlo de fronteiras em Portugal, baseada, maioritariamente, num relatório desta mesma instituição.

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Designadamente o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que, ao contrário, muitas vezes, do ministério que o tutela (e.g. MAI - porque mais visivelmente relacionados com o governo, objecto, por norma, de descrédito) conseguem estabelecer uma relação estreita com parte substancial da sociedade. Este tipo de instituição é legitimada pela função sociopolítica que tem: executiva. Neste sentido pode-lhes ser hipoteticamente retirado o agenciamento, uma vez que se considera que estão ao serviço da Lei. Visita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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“os media a construção do conhecimento” Esta selecção mediática é construída inteiramente com base na perspectiva do SEF, produzindo a ideia de que Portugal se encontra sob a ‘ameaça’ de fluxos migratórios específicos, designadamente de um conjunto de países identificados como ‘países de risco’: ‘Irão, Iraque, Paquistão, Bangladesh, Nigéria e Somália’ (sic). Na mesma linha, este discurso mediático corrobora a ideia de que é necessário proteger a Europa, enquanto projecto geopolítico, económico e cultural, ético e moral, legitimando o discurso da Europa Fortaleza e, no mesmo lance, validando discursos e práticas de exclusão perpetradas pelas políticas dos estados Europeus face à imigração (12). No mesmo lance, a constante menção da nacionalidade, justificada através da objectividade no processo de produção de notícias, conduz à naturalização eurocêntrica do racismo: “We have already criticised the practices that seek to dissolve ‘race’, and the discussions on whether or not to mention the ethnicity or the nationality of people in the news falls within these frames. Arguably, the initiative is to avoid an easy equation between ‘migrant‘/’minority‘ and crime and, in general, to counter the media‘s involvement in the construction and reproduction of ‘stereotypes‘. It seeks to follow principles of ‘objectivity’, and thus bring these into play when assessing whether ethnicity or nationality is relevant. The problem with this idea is that it is, itself, already framed within the limited Eurocentric perspective that defends the practices of racism and white privilege. […] she [the journalist], in fact, follows a racist logic when citing the ‘Russian mafia‘ (the criminal ‘other‘), and the ‘Pakistani network‘ (the male-chauvinist savage). Why, one might ask in response, does the expert not use the example of the Eurocentric racist? The point here is not that we need to attach a specific ethnicity to the different ‘evils‘ in society – the point is that some ‘evils‘ are disproportionately highlighted whilst others are not even considered but are covered up instead. The limits of ‘objectivity‘ are exactly this – they require the individual to remain within the field (or frame) that defends white privilege, because white privilege is ‘naturalised’” (Suaréz-Krabe, 2012: 44).

Este(s) discurso(s) têm vindo a consolidar uma narrativa eurocêntrica segundo a qual a imigração figura como ameaça constante à tranquilidade nacional. Aqui, a relação entre representação (discurso/conhecimento) e a construção de um campo de pensamento/acção (poder) contribui para a construção de concepções de ‘nós’ e do ‘outro’ potenciando o traçar de linhas abissais que dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo ‘deste lado da linha’ e o universo ‘do outro lado da linha’. A divisão é tal que ‘o outro lado da linha’ desaparece enquanto realidade, torna-se inexistente, e é mesmo produzido como inexistente’ (Santos, 2007: 4). A Academia, por sua vez, enquanto instituição de produção de pensamento científico, é motivo de um conjunto de notícias justificado através dos estudos realizados pela mesma. A sua autoridade, enquanto fonte de produção de conhecimento, é impugnada através de uma panóplia de métodos, provenientes do método científico que - embora desconhecidos na sua especificidade por muitos - têm sido legitimados ao longo da história da ciência, resultando daí a ideia que a ciência (em particular, as exactas) é fonte de um conhecimento inquestionável - inteiramente validada pela sociedade moderna , expressão máxima do iluminismo, da modernidade, da laicidade e, consequentemente, das sociedades ocidentais. No sentido de perceber a ideia de como os media servem de plataforma para a difusão do conhecimento académico destaquem-se as notícias: ‘‘Radar Gay e não só’. Orientação sexual topase numa fracção de segundo’, Jornal I (17/05/012) e ‘Orientação Sexual na Dilatação das Pupilas’, Diário de Notícias (08/08/2012). Referenciados na secção Ciência, ambos os trabalhos se referem a estudos científicos realizados no sentido de explorar questões relacionadas com a orientação sexual. Enquanto que a primeira notícia _________________________________________________________ (12)

Como exemplo paradigmático destaque-se aqui a FRONTEX - Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados-Membros da União Europeia, criada a 26 de Outubro de 2004, que conta, muitas vezes, com a colaboração da NATO. Página 13

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“os media a construção do conhecimento” pretende dar conta de um estudo realizado na Universidade de Washington, que afirma que é possível perceber a orientação sexual das pessoas através da expressão facial das mesmas; o segundo, afere que a orientação sexual pode ser percebida através da dilatação das pupilas. Considera-se problemático, em primeiro lugar, o facto de os dois trabalhos insistirem na ideia de que é possível reduzir um conjunto de construções sociais e identitárias a um agregado de traços ou reacções físicas, ‘permitindo’ fixar biologicamente um conjunto de especificidades e diversidades de ser e de sentir das pessoas, potenciando a reafirmação de velhos dogmas e impossibilitando um debate sobre a construção social destas categorias – não é aqui lugar para analisar a validade científica do que é postulado. No entanto, para o ponto aqui analisado – o discurso mediático – interessa perceber que, ao difundirse estas notícias, os media dão como certo aquilo que a academia afirma incorrendo no risco de colaborarem activamente na construção e na fixação pública de um conjunto de premissas. Acrescente-se que, embora a área de estudo em que se desenrolam estes trabalhos nunca seja mencionada (de forma a que possa ser percebido o enquadramento teórico bem como contextualizadas as perspectivas directoras das investigações), é sempre destacada a Universidade em que o estudo é realizado e a revista científica em que o mesmo é publicado – argumenta-se que este dispositivo serve para a validação do estudo, relevando a sua importância perante os paradigmas de pensamento científicos da actualidade. Denote-se ainda que estas notícias estão redigidas num tom isento, funcionando como plataformas de difusão do trabalho científico, colaborando na perpetuação da ideia de verdade científica e, no mesmo lance, mediática. A inexistência de contraditório impossibilita, em conjunto com o positivismo científico vigente, que o leitor possa, muitas vezes, analisar criticamente os resultados destes trabalhos, entroncando um conjunto de asserções – neste caso, homofóbicas – no seio das sociedades contemporâneas. A autoridade dos representantes da igreja católica, pelo contrário, é conferida através de outros dispositivos. Como exemplo, atente-se à análise de duas notícias a propósito de declarações do Papa Bento XVI sobre o matrimónio e a procriação (medicamente assistida): ‘Papa diz que ‘diferenças sexuais não são irrelevantes no matrimónio’’, Diário de Coimbra (10/03/2012) e ‘Matrimónio heterossexual único ‘digno’ para procriar’, Diário de Coimbra (26/02/2012). Embora ambas se limitem a parafrasear as palavras do Papa através de uma composição do seu discurso em notícia, denote-se ainda que a fotografia que acompanha a notícia mostra a figura do Papa de costas com todo um grupo de ouvintes que se depreende subscreverem a mensagem. Aliás, por esta ocasião, Joseph A. Ratzinger não disse nada de novo em relação àquela que é a posição do clero face ao casamento e à procriação e, neste sentido, não há justificação aparente para o destaque. Independentemente da ideologia que coloca o Papa no centro destas declarações, deve repensar-se o papel dos media no tratamento da notícia e, designadamente, no tratamento dado às fontes subjectivas de informação e, em particular, em grande parte do Ocidente, àquelas que operam na esteira de um grande poder simbólico como a igreja - materializado na voz dos seus representantes. Segundo Michel Rolph-Trouillot, a invenção da Europa começa a delinear-se a partir da criação de um passado Greco-Romano, da Ocidentalização do Cristianismo e do traçado de uma linha imaginária a partir do sul de Cádis até ao norte de Constantinopla (idem, ibidem). É através deste processo que a Europa se torna o Ocidente (Trouillot, 1995: 75) desencadeando a constituição de um espaço metageográfico que delimita uma arena histórica, ideológica e política (Asad, 2005). Ora, dada a centralidade do Cristianismo e, particularmente, do Catolicismo no processo de formação da Europa - e consequentemente de Portugal enquanto comunidade europeia imaginada - é evidente que a extensão da influência da matriz judaico-cristã é transversal a vários sectores da vida social (e.g. direito romano). Naturalmente, deve ser considerado o impacto que os valores e normas provenientes desta matriz de pensamento religiosa têm no quotidiano e, em especial, na forma como influenciam a conduta e a opinião da população que se auto-identifica enquanto católica dado que esta lhe confere uma maior autoVisita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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“os media a construção do conhecimento” ridade moral e simbólica. Cientes disto, os media deveriam pensar no impacto que a reprodução de uma mensagem determinada tem na opinião pública, bem como as suas consequências para a perpetuação de um esboço da matriz e da auto-imagem de Portugal enquanto espaço (familiar) heteronormativo. Por último, destaque-se o papel dos ‘intelectuais públicos’ que ocupam um locus de opinião e/ou de decisão. Entendidos, amiúde, como especialistas na análise social e detentores de uma espécie de legitimidade simbólica pelo desempenho que têm tido ao longo do tempo – a sua autoridade é-lhes consignada pelo facto de serem ‘os intelectuais da nação’, reconhecidos por vários sectores académicos e/ou político-económicos. Neste sentido, ocupam um espaço privilegiado na arena mediática, sendo convidados a expor, a avaliar e a decidir sobre um conjunto de temas e acontecimentos. De acordo com Noam Chomsky (2011), o conceito de intelectual - ainda que parcialmente - ganha proeminência no final do século XIX, aliado de imediato a uma clivagem entre aqueles que defendem o sistema e os que contestam o poder e defendem a justiça. Interessa considerar, segundo Chomsky, que estes intelectuais, pela projecção pública que têm, deveriam ser responsabilizados pelas suas posições já que ‘Intellectuals are typically privileged […]. Privilege yields opportunity, and opportunity confers responsibilities. An individual then has choices.’ (Chomsky, 2011). Destaque-se, como exemplo paradigmático, a crónica ‘Homossexuais contestatários’, Jornal Sol (09/04/2012). Este artigo de opinião, foi alvo de grandes críticas no espaço público, designadamente nas redes sociais, uma vez que o redactor parte de um conjunto de suposições para afirmar que a homossexualidade é uma ‘inclinação’ (sic) ou uma ‘moda’ (sic), já que há ‘gays que nascem gays’ (sic) mas ‘há gays que se tornam gays’ (sic). No decorrer do artigo, o autor considera ainda que a homossexualidade é ‘viral’ (sic) (ULAI, 2011: 3). Este artigo corresponde a um conjunto de asserções que acabam por incorporar a ideia de que a homossexualidade é uma ameaça à continuação da espécie humana: ‘a opção gay é uma forma de negação radical: porque rejeita a relação homem-mulher, ou seja, o acto que assegura a reprodução da espécie’ (sic). Considerando que este texto (à imagem de outros artigos e autores que não cabe aqui analisar) é uma fonte de (in)formação para a opinião pública, considera-se preocupante a sua difusão, ainda mais porque é redigido por alguém que acumula, simultaneamente, poder de opinião e decisão no espaço mediático. Por um lado, a sua condição de cronista – que é naturalmente legitimadora e legitimada pela arena intelectual – confere-lhe oportunidade de veicular diversas opiniões no espaço mediático. Por outro, enquanto director de um jornal de referência, essas mesmas opiniões revestem-se de um carácter decisório no destaque dado a determinados assuntos na agenda mediática(13). Não é descurar que estas opiniões são, em certos casos, reproduzidas por outros media o que lhes pode conferir um carácter multiplicador. Assim, argumenta-se que o estabelecimento da autoridade discursiva nos media é garantida através de um conjunto de dispositivos, que atribuem a estas entidades e personalidades uma credibilidade que lhes confere a posição de fazedores de opinião. Recentrando esse poder no objecto em análise – o espaço mediático – interessa questionar as lógicas operantes no tratamento e difusão de conhecimento que geram, elas mesmas, conhecimento. Embora a limitação do espaço mediático seja feita em consonância com outros sectores socioeconómicos, a realidade é que os media têm um papel importante na decisão que traça as fronteiras e as formas da visibilização e da credibilidade. Neste sentido, os _________________________________________________________ (13)

Acrescente-se que aqui, seria pertinente abrir também uma discussão sobre liberdade de expressão e promoção de uma linguagem de ódio, no sentido de manifestações verbais que de forma subtil ou explícita promovem a discriminação, a ridicularização, a marginalização, entre outras formas de tratamento hostil, que procuram injuriar grupos histórica e socialmente discriminados (ULAI, 2011: 4). Página 15

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“os media a construção do conhecimento” media, não se limitam a mediar campos apartados do saber e da política mas, pelo contrário, integram e permeiam as diferentes instituições sociais. Todas estas decisões (r)estabelecem os termos (dominantes) da discussão sobre o mundo, os sons e os silêncios no espaço público. Por conseguinte, o segundo par do binómio (voz/silêncio) serve o primeiro: a hegemonia dos discursos de autoridade é sustentada pela ausência de contraditório e/ou pela subalternização das mesma, quando existente. No limite, é o próprio discurso dominante que sustenta estas autoridades discursivas, uma vez que as ‘vozes dominantes’ são aquelas que mais eco têm, que mais consenso reúnem, que mais corroboram a ontologia do discurso contemporâneo. Em seguida analisar-se-á a forma como o discurso daquele que é construído social, cultural e politicamente como o ‘outro’, tem vindo a ser objectificado tanto devido à sua invisibilização como também à sua exclusão na criação de contextos de legitimidade e credibilidade mediáticos e, no limite, sóciohistóricos. 1.2. A (re)criação da subalternidade 1.2.1 Da (In)visibilização De acordo com Andrea Brighenti a visibilidade encontra-se precisamente na intersecção entre os domínios da estética (relações de percepção) e da política (relações de poder) (Brighenti, 2007: 324). Entre estes dois está o domínio do simbólico que estabelece uma relação entre conhecimento e visibilidade: “Visibility is a metaphor of knowledge, but it is not simply an image: it is a real social process itself” (Brighenti, 2007: 325).

Embora teoricamente ver implique sempre ser visto, esta relação não se apresenta como linear e simétrica. Pelo contrário, esta assimetria é muitas vezes acentuada por dispositivos tecnológicos que libertam a visibilidade da sua dimensão espácio-temporal do aqui e do agora. Esta assimetria torna a visibilidade num sítio estratégico (Brighenti, 2007: 325) – neste sentido, para as minorias (essencialmente, raciais e sexuais), ser invisível significa estar privado de reconhecimento (idem: 329). Defendendo que a visibilidade nem sempre é um fenómeno positivo (e.g. visibilização mediática constante da relação entre imigração e criminalidade) perpetrando muitas vezes a continuidade da discriminação, afere-se que a invisibilização que os media portugueses conferem ao conjunto de minorias (e assuntos relacionados) sobre as quais (não) fala (e.g. pessoas portadoras de deficiência) contribui, em larga escala, para o seu não-reconhecimento, para a sua produção como inexistentes. Esta invisibilização pode ser de dois tipos: i) do acontecimento; ii) dos sujeitos implicados. O primeiro caso reflecte um silêncio dos media que se tem feito sentir em torno de um conjunto de temáticas, resultando de uma inoperância mediática na abertura de um debate público sobre um conjunto amplo de questões relacionadas com a discriminação, em particular, com a deficiência e com o racismo. Denote-se que estas problemáticas sociopolíticas têm sido excluídas na constituição da agenda mediática em Portugal e, consequentemente, constituídas como não-temas sociopolíticos. Visita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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“os media a construção do conhecimento” Evidencie-se ainda que os media têm vindo a contribuir activamente para um processo de ocultação e de não-reconhecimento da deficiência no espaço público, uma vez que a produção de notícias acerca desta temática é diminuta, limitando-se, maioritariamente, ao anúncio de iniciativas associativas. No caso do racismo denota-se, igualmente, a ausência de notícias que procurem reportar a contemporaneidade da discriminação racial e que através de fórmulas de silenciamento, (Trouillot, 1995) – como aconteceu relativamente à (não)cobertura do julgamento do agente da PSP, absolvido pela morte de Elson Sanches (Kuku), em 2009 – têm contribuído para impossibilitar um debate público sobre violência, racismo e justiça. O segundo caso espelha um processo de invisibilização que passa pela promoção da objectificação do sujeito, através do seu não reconhecimento na esfera pública. Ou seja, embora o acontecimento seja reportado e o sujeito seja considerado na acção, é-lhe retirado todo o agenciamento e espaço de existência mediática e, consequentemente, pública, tornando-o advérbio da própria acção. Esta operação está profundamente implicada com a construção social daquilo que é o ‘outro’ e resulta na objectificação e na subalternização do sujeito. Isto acontece, em grande parte, pela perspectiva a partir da qual a notícia é construída e pelo facto de, nestes casos, os sujeitos implicados não terem direito à voz – não serem consultados – mesmo quando os acontecimentos reportados têm implicações directas na sua vida. Este processo conduz à invisibilização do tema na sua área de visibilidade mediática, na medida em que se passa a discutir outra coisa: os acontecimentos estão lá, mas não são vistos. Considerem-se as notícias ‘Prostituição e medo no jardim de São Lázaro. Porto. Moradores e lojistas já receiam por lá passar’, Jornal de Notícias (17/02/2012) e ‘Ciganos deixam Lidador’, Jornal de Notícias (27/03/2012). O primeiro texto – ‘Prostituição e medo no jardim de São Lázaro. Porto. Moradores e lojistas já receiam por lá passar’ – procura traçar um conjunto de fronteiras cinestésicas a partir da descrição de um jardim público no Porto. Partindo de um discurso classista mas, acima de tudo, sexista, que condena abertamente o trabalho sexual, a notícia produz uma objectificação do sujeito de que se fala as prostitutas - uma vez que as desconsidera enquanto sujeitos activos, sociais e políticos, facto que é reificado uma vez que só aqueles que são relatados como ‘vítimas’ da situação que motiva a notícia (impossibilidade de frequentar o jardim) têm direito à voz. O segundo artigo – ‘Ciganos deixam Lidador’ –, por sua vez, retrata as mudanças ocorridas no bairro do Lidador, na Maia, a propósito do realojamento de um conjunto de famílias ciganas para um aglomerado de casas prefabricadas. Destaque-se, que a notícia começa com a frase ‘Alívio mas ainda um certo sentimento de descrença por ter terminado ‘um pesadelo que durou quase 30 anos’’ (sic). Inicialmente poderia pensar-se que estas palavras intentam descrever o sentimento destas famílias, no entanto, a continuação do artigo revela que o ‘Alívio’ a que se referia a introdução diz respeito aos vizinhos deste acampamento. Assim se afere que esta não é uma notícia sobre o processo de realojamento, mas sim sobre a partida destas famílias do Bairro do Lidador, o que pode ser atestado pelo destaque concedido aos depoimentos dos habitantes do bairro que não viviam no acampamento e pela ausência de quaisquer depoimentos das pessoas que foram alvo do realojamento. Parece ainda haver um discurso transversal a todo o artigo que equipara sistematicamente os ‘ciganos’ a ‘lixo’ ditando que estes não são condignos a viver com a restante população, contribuindo para reificar axiomas racistas na sociedade portuguesa.

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“os media a construção do conhecimento” Uma vez que no espaço mediático a visibilidade é instantânea mas duradoura - já que as representações tendem a estabilizar caso não haja mensagens dissonantes (Brighenti, 2007: 334) - pode afirmarse que o exercício do poder passa sempre por activar/desactivar as visibilidades e invisibilidades e pelos moldes da representação em que essa visibilidade é consignada. 1.2.2. Da enunciação “Knowledge means rising above immediacy, beyond self, into the foreign and the distant. The object of such knowledge is inherently vulnerable to scrutiny; this object is a “fact” which, if it develops, changes, or otherwise transforms itself in the way that civilizations frequently do, nevertheless is fundamentally, even ontologically stable. To have such knowledge of such a thing is to dominate it, to have authority over it. And authority here means for ‘us’ to deny the autonomy to ‘it’ […] since we know it and it exists in a sense, as we know it” (Said, [1978] 1995: 32).

De acordo com E. Said o conhecimento atribui poder e o poder exige mais conhecimento, numa dialéctica profícua de informação e controlo (Said, [1978] 1995: 36). Deste modo, é o conhecimento sobre determinado objecto que o cria (Said, [1978] 1995: 40). Aliás, o sujeito - objecto de conhecimento - é retratado como algo que pode ser julgado (num tribunal), estudado e retratado (como num currículo), disciplinado (numa escola ou numa prisão) ou ilustrado (como num manual zoológico); o que importa ressaltar é que em cada um dos casos o sujeito é contido e representado através de enquadramentos de dominação. Partindo da crítica ao paradigma eurocêntrico de construção de conhecimento sobre o Oriente, E. Said defende que o Orientalismo é um fenómeno histórico, uma forma de pensamento, um problema contemporâneo e uma realidade material (Said, [1978] 1995: 44). E. Said argumenta ainda que a proliferação de formas de conhecimento provincializadas, recortam o mundo em categorias gerais, ‘em entidades que coexistem em tensão, produzidas por aquilo que se entende serem diferenças radicais’ (Said, [1978] 1995: 45). A polarização da distinção - através da essencialização - conduz a ideias de incompatibilidade e distância, para as quais a organização do mundo em categorias binárias se torna essencial (idem: 46-47). Estas asserções estão amplamente presentes na forma como os media re(a)presentam aqueles/as que tem sido ontologicamente construídos/as como os/as ‘outros/as’, radicalmente distintos do ‘nós’ e num enquadramento de dominação (Said, [1978] 1995: 44) . Neste sentido, a visibilização - crucial para o reconhecimento – ‘revela-se insuficiente e ineficiente na superação da hegemonia de determinadas narrativas’ (Araújo & Maeso, 2012a) se a mesma acontecer através da ‘mera inclusão das perspectivas do ‘outro’ (ibidem: idem). Araújo e Maeso, a propósito da análise da construção de uma perspectiva eurocêntrica nos manuais escolares de história (2012a, 2012b) argumentam que é necessário ‘to open up the debate on knowledge an power, engaging with the frames of interpretation within which such perspectives are to be included’ (Araújo & Maeso, 2012a: 1267). Ou seja, embora a inclusão de múltiplas perspectivas seja essencial ao processo da construção de narrativas mediáticas e históricas que incluam uma maior diversidade de perspectivas, é fundamental que se questione a ontologia e a contemporaneidade do quadro epistemológico dominante no qual estas perspectivas tendem a ser incluídas (idem: ibidem). Se não, atente-se à notícia, ‘Moradores invadiram Câmara Municipal da Amadora - Os manifestantes acusam a autarquia de forçar os habitantes do Bairro de Santa Filomena a viver na rua, como ‘lixo’’, O Primeiro de Janeiro (22/06/2012). Visita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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“os media a construção do conhecimento” Este artigo foi redigido por ocasião do início do processo de expropriação e demolição do Bairro de Santa Filomena (Amadora), em Julho de 2012. Considerado, por várias associações e personalidades, como uma violação dos direitos e da dignidade humana, bem como da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, a atenção dada pelos media, em particular, e pela opinião pública, em geral, foi escassa. No seio das iniciativas de protesto contra as demolições, aquela que mais captou a atenção mediática, foi uma manifestação realizada junto da Câmara Municipal da Amadora, após uma reunião em que a vereadora da habitação confirmou, aos moradores, a demolição do bairro. A notícia em análise afirma que os moradores invadiram a Câmara Municipal (sic), ‘obrigando à intervenção da PSP’ (sic), demitindo-se de contextualizar a situação e de explicar aquilo que entende por ‘invasão’ - aproximando a acção dos manifestantes a um imaginário antagonista, de ‘ocupação violenta’. De forma complementar, a formulação discursiva ‘obrigando à intervenção da PSP’ (sic) legitima a acção da polícia, que aparece aqui como um órgão forçado a agir. Há uma tónica moralista, que perpassa toda a notícia, colocada na acção dos moradores que os vai construindo como ‘culpados’, ‘agentes da desordem’ e, no limite, ‘perigosos’. Deste modo, embora os moradores sejam citados a partir do comunicado elaborado, em conjunto com a Plataforma Habita, no qual estão expressas um conjunto de reivindicações que invocam direitos consagrados, este, é suplantado devido à caracterização anterior dos moradores e à citação final da autarquia que funciona como uma espécie de arauto de reposta aos moradores supra-citados e que justifica a actuação da Câmara, perante a opinião pública: ‘vamos acabar com a miséria’ (sic). Numa sociedade em que impera uma lógica caritativa e assistencialista(14), um racismo sócio-ambiental estrutural, bem como a naturalização de um conjunto de representações mediáticas dominantes, a notícia acaba por conferir uma autoridade à Câmara Municipal que abafa e despolitiza o argumento dos moradores. Por fim, a escolha do recorte da notícia, acaba por deixar de fora interesses de planeamento urbano, de especulação imobiliária e de exclusão social. A partir do trabalho de Walter Mignolo, argumenta-se que a erradicação do racismo - especificamente - na epistemologia moderna só pode ser conseguida através da descolonização do conhecimento - de uma alteração dos termos da conversa e não dos conteúdos - defendendo que, enquanto as regras do jogo se mantiverem inalteradas, o controlo do conhecimento não é posto em questão (Mignolo, 2009). Neste sentido é fundamental perceber quem têm sido os enunciadores e a partir de que espaços as enunciações têm vindo a ser produzidas, mais do que aquilo que tem vindo a ser enunciado. O autor defende que aquele que ‘(re)conhece’ está sempre implicado com o ‘conhecido’ embora a epistemologia moderna venha dizer o contrário através da neutralidade científica que, controlando as regras disciplinares, se coloca numa posição privilegiada para avaliar e ditar (Mignolo, 2009: 4). 2. Discriminação e mérito ‘The economic zigzag is also getting sharper. Why that is so is another story. Yet as the general contradictions of the modern world-system force the system into a long structural crisis, the most acute ideological-institutional locus of the search for a successor system is in fact located in the sharpening tension, the increased zigs and zags, between universalism and racism-sexism. It is not a question of which half of this antinomy will in some sense win out, since they are intimately and conceptually tied to each other. It is a question of whether and how we shall invent new systems that will utilize neither the ideology of universalism nor the ideology of racism-sexism. That is our task, and it is not an easy one.’ (Balibar, 1991: 36). _________________________________________________________ (14)

Recordem-se, por exemplo, as recentes declarações de Isabel Jonet, Presidente do Banco Alimentar, sobre a pobreza.

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“os media a construção do conhecimento” As sociedades modernas têm vindo a construir um corpo narrativo que legitima a perpetuação dos equilíbrios de um modelo económico de exploração capitalista e global que se tem vindo a dilatar e a complexificar desde o ano de 1492, marcado pela chegada de Cristóvão Colombo à América e pela saída dos Muçulmanos do Sul da Europa, marcando o início da conquista da hegemonia sociopolítica e económica violenta do Ocidente até à contemporaneidade. Ao longo desta narrativa - edificada na subjectividade do poder - marcos importantes na história do Ocidente (constituído como espaço histórico, ideológico e político) permitem perceber a proliferação das lógicas contraditórias entre discursos e práticas, originando um conjunto de paradoxos, como é o caso do binómio universalismo/discriminação. O primeiro termo, segundo E. Balibar, pode ser entendido como o culminar de um conjunto de tradições antigas (religiosas e monoteístas) e/ou como a ideologia mais apropriada ao sistema capitalista (1992: 30), o que, no mesmo lance, explicaria o porquê do interesse (retórico) e do espaço que o Universalismo ocupa nas sociedades ditas modernas e ocidentais. Ou seja, tendo como principal objectivo a acumulação de capital, é essencial - num sistema capitalista - que tudo seja mercantilizado: bens, capital e mão-de-obra. Facto que torna os particularismos e a heterogeneidade pouco interessantes - ou mesmo incompatíveis - com um sistema que procura reduzir tudo homogeneamente à qualidade de bem, adquirível através de moeda, permitindo: i) uma maior eficácia de produção; ii) a regulamentação lucrativa do mercado de trabalho (Balibar, 1991: 32). Neste contexto, a divisão de trabalho é organizada de acordo com as diferentes competências das pessoas, privilegiando o ‘talento’ e o ‘mérito’(15), ampla e estruturalmente difundidos e institucionalizados através de um conjunto de mecanismos, tais como o ensino e os serviços públicos e as regras anti-nepotismo/favoritismo (ibidem: idem). Neste sentido, o sistema meritocrático é eficaz do ponto de vista económico e estabilizador do ponto de vista político. Admitindo que há e sempre houve (noutros modelos económicos) desigualdade na distribuição de recursos, a onda de indignação parece ser menor e o privilégio melhor aceite, em casos em que a justificação para essa desigualdade é baseada no mérito e não na descendência ou na tradição (Balibar, 1991:32). Devido à manutenção das dinâmicas de poder e à dificuldade de ascensão, o sistema é caracterizado por uma grande instabilidade política. É neste contexto que o racismo e o sexismo (entre outras formas de discriminação) figuram, contribuindo para a minimização dos custos da produção e da possibilidade de ruptura política (Balibar, 1991: 33). De acordo com o autor, o sistema discriminatório: i) permite regular os custos da produção de acordo com as necessidades de determinado sistema económico; ii) dá origem e recria sistematicamente comunidades que socializam a sua descendência a desempenhar os mesmos papéis; iii) promove uma base não-meritocrática para justificar a desigualdade (Balibar, 1991: 34)(16):

_________________________________________________________ (15)

Denote-se que esta ideia surge com a Revolução Francesa: (...) if we have a ‘career open to talents ’ (Balibar, 1991: 32)

(16)

CF. Balibar (1991): “This kind of system – racism constant in form and in venom, but somewhat flexible in boundary lines – does three things extremely well. It allows one to expand or contract the numbers available in any particular space time zone for the lowest paid, least rewarding economic roles, according to current needs. It gives rise to and constantly recreates social communities that actually socialize children into playing the appropriate roles (although, of course, they also socialize them into forms of resistance). And it provides a non-meritocratic basis to justify inequality. This last point is worth underlining. It is precisely because racism is anti-universalistic in doctrine that it helps to maintain capitalism as a system. It allows a far lower reward to a major segment of the work force than could ever be justified in the basis of merit’ (…) ‘Sexism permits us not to think about it. Sexism is not just the enforcement of different, or even less appreciated, work roles for women, no more than racism is just xenophobia. As racism is meant to keep people inside the work system, to eject them from it, so sexism intends the same” (pp. 34). Visita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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“os media a construção do conhecimento” “It is precisely because racism (and sexism) is anti-universalistic in doctrine that it helps to maintain capitalism as a system. It allows a far lower reward to a major segment of the work force than could ever be justified in the basis of merit” (idem: ibidem).

Não descurando as tensões inerentes na relação universalismo/racismo e sexismo, a realidade é que a combinação do universalismo e da meritocracia serve de base estrutural à legitimação do sistema, enquanto que o racismo e o sexismo servem a estruturação da força de trabalho (Balibar, 1991: 35). Não podemos esquecer, igualmente, que um sistema que privilegia a meritocracia, materializada no esforço e no talento do indivíduo, contribui activamente para o silenciamento da discussão sobre as desigualdades estruturais das sociedades contemporâneas, já que o foco é alterado da (falta de) oportunidade(s) para o esforço e do sistema para o indivíduo. Este tipo de política, dominante e pouco contestada, potencia a criação da figura dos super-heróis e das super-heroínas, criando uma narrativa de excepção que, no mesmo lance, legitima os discursos discriminatórios dominantes, senão vejamos: a propósito do Dia Internacional da Mulher foi publicado um conjunto de notícias relativo às questões de género e às condições de vida no feminino - destacando questões relacionadas com o sector laboral, designadamente a desigualdade salarial(17), o facto de ocuparem uma quantidade ínfima de lugares de topo ou uma maior vulnerabilidade à pobreza(18). Denote-se que a grande maioria dos artigos aborda a questão das (des)igualdades limitando-se a elencar uma quantidade de dados estatísticos sem contextualizar ou problematizar a informação disponibilizada(19). Por outro lado, há notícias que destacam a ideia de que há pessoas a apostarem nas mulheres líderes(20). Apesar da variedade de discursos audíveis, destaca-se a notícia: ‘Elas não têm medo de nada’, em Diário de Notícias (12/03/2012), que promove a imagem da ‘super-mulher’.

De acordo com esta notícia, a condição essencial para as mulheres alcançarem posições de poder é ‘ser uma mulher sem medo’ (sic) e ‘lutar muito’ (sic), particularmente em contextos que são assinalados como conservadores (e.g. Afeganistão) (sic). Construída através de uma matriz eurocêntrica de pensamento, esta linha narrativa, traça uma fronteira geopolítica entre o Ocidente e outros espaços do mundo e, simultaneamente, retira da modernidade (oposta ao termo oposto do binómio conservadorismo) a possibilidade da discriminação. A discriminação é equacionada como uma co-existência do passado e não como um legado histórico contemporâneo o que coloca a discriminação em contextos geográficos e políticos específicos: fora da modernidade e das democracias ocidentais. (Araújo & Maeso, 2010). Este artigo postula ainda que as mulheres não podem desistir facilmente (sic) e que devido à sua ‘fragilidade’ têm de ser ‘corajosas’ (sic) uma vez que o percurso é ‘solitário’ (sic). Reitera que é importante nunca desistir (sic) pois só assim se poderá ‘vencer’ (sic), não deixando de enfatizar que são sempre poucas aquelas que conseguem (sic). Deste modo, a condição da mulher é analisada à imagem da _________________________________________________________ (17)

Cf. ‘Trabalhar mais 4 meses para ganhar tanto quanto o homem’, Jornal de Notícias (05/03/2012) e ‘Mulher precisa de 16 meses para igualar salário anual do homem’, Jornal de Notícias, (05/03/2012). (18)

Cf. ‘Mais qualificadas, com menos emprego e cada vez mais sós’, Jornal de Notícias (08/03/2012) e ‘Secretário Geral da ONU elogia papel da mulher e pede luta pela igualdade’, O Primeiro de Janeiro (07/03/2012). (19)

Cf. ‘Portugal é o 19º país com mais mulheres em cargos de topo’, Sol (05/03/2012’), ‘Portugal tem baixo índice de igualdade’, Jornal de Notícias (12/03/2012) e ‘Mulheres são apenas 27% dos executivos, Diário de Notícias (05/03/2012). (20)

Cf. ‘Site americano expande-se e aposta nas mulheres líderes’, Diário de Notícias (13/03/2012).

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“os media a construção do conhecimento” sua fragilidade natural, naturalizando a ideia de que é necessário ser ‘super-cidadã’ para que a igualdade plena seja atingida. Este discurso implica que se relacione a posição subalterna das mulheres na sociedade mais com a sua condição e o seu mérito do que com um sistema de clivagem social, racial e sexual que utiliza a elaboração e a instrumentalização de categorias e papéis enquanto forma de organização, controlo e manutenção de um determinado sistema de privilégio(21). Neste sentido, o universalismo é uma retórica ao serviço do capitalismo, que se cumpre materialmente através de práticas e discursos enraizados no quotidiano das sociedades contemporâneas. A partir do momento em que os media participam e recriam esta narrativa, são sujeitos de acção na continuidade da mesma, activos na reprodução do poder. 3. Media: poder de criação e sugestão “Today, the narratives of the press are among those that form the basis of our discussions, and they frame what is considered important and what is insignificant, and what is seen as positive or negative. However critical our everyday approach to the news media might be, we are all acquainted with its narrative forms. This is partly due to the media‘s use of shared ideas – ideas that are common and thus make sense to most of its public – and partly due to repetition. In a sense, the media works metaphorically” (Suárez-Krabbe, 2012:16).

O advento dos meios de comunicação de massa, bem como a sua massificação – na década de vinte, do século passado – em conjunto com outras inovações tecnológicas, vieram contribuir amplamente para uma transformação social em curso, que alterou a forma como se percepcionam e constroem o tempo e o espaço, o conhecimento e a globalização(22). Argumenta-se que os media – parte integrante da esfera do discurso público(23) – (re)produzem um conjunto de asserções que advêm e que (re)fundam as estruturas do pensamento dominante, tendencialmente consideradas objectivas e neutras, elevadas a normas, a partir das quais se estabelece um conjunto de associações e comparações. No decorrer deste artigo procurou-se abordar o discurso dos media no sentido de espelhar que estes e, em particular, a imprensa escrita, são uma das instituições de relevo na (re)produção de um conhecimento consensual nas sociedades contemporâneas (Shoat & Stam, 1994). Existe um conjunto de dispositivos hegemónicos de pensamento que (in)forma o discurso mediático que, por sua vez, reconstrói a figura do ‘outro’ enquanto termo opositivo do binómio, intrinsecamente necessário à (re)construção de uma fronteira que delimita uma ideia normativa de ‘homogeneidade’ ou de ‘normalidade’ - a partir de concepções identitárias – e que contribui, sistematicamente, para a (re)construção política de um ‘sistema mundial moderno/capitalista, europeu (eurocêntrico)/euro-americano, cristão (cêntrico)/ patriarcal’ (Grosfoguel & Mielants, 2006: 1-2). Deste modo, se admitirmos que o conhecimento é o processo através do qual se constrói o tópico e se estabelecem relações de poder, a preocupação com a análise do processo de produção de conhecimento deve ser contígua a toda a análise social, pela ubiquidade da matriz de pensamento dominante a todas as áreas do saber e às práticas que influenciam. À imagem de outros sectores da vida pública, também o discurso mediático se constitui como uma produção a partir da (re)interpretação ideológica da materialidade do presente. Logo, é o tratamento mediático que, a partir de processos convencionais de selecção, transforma eventos reais em notícias, uma vez que nada é intrinsecamente noticiável: as notícias tornam-se notícias após serem produzidas e incluí_________________________________________________________ (21)

c.f. ‘(…) each social group or formation that exercises a form of power domination over other groups could be associated with ideology that would specifically function as a means to legitimate or conceal such power’ (van Dijk, 2000: 140). Visita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

(22)

Denote-se que todos estes conceitos se revelam bastante problemáticos e, nesse sentido serão discutidos ao longo do tex-

to. (23)

Em conjunto com os discursos académicos e políticos (van Dijk).

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“os media a construção do conhecimento” das enquanto tal (Fowler, 1991: 11). Estes rituais mediáticos(24) (Couldry, 2003) são práticas através das quais a arbitrariedade dos limites em torno da participação na esfera mediática e a elevada concentração de poder simbólico das instituições mediáticas são naturalizadas - os media afirmam falar por ‘todos nós’ (Couldry, 2003: 29). É neste sentido que os media são entendidos, não como um sistema de organização autónomo, mas como um conjunto de instituições intimamente relacionadas com a estrutura de poder. Estas relações desenvolvem-se através de regimes de propriedade, regulamentação legal, valores implícitos nas ideologias profissionais nos media, bem como nas estruturas e consequências ideológicas e modos predominantes de recolha de notícias (Gurevitch, 1982: 16). Conclusão Não pretendendo, de forma alguma, postular a excepcionalidade dos media na criação de conhecimento, limitando-nos aqui a salientar o seu papel, este trabalho procurou demonstrar de que forma a imprensa escrita, em particular, e os meios de comunicação, em geral, são (re)produtores de um discurso social hegemónico que - através de dispositivos ideológicos específicos – contribui para naturalizar e esvaziar de sentido a possibilidade de uma discussão sobre as diversas discriminações, estruturalmente perpetradas nas sociedades contemporâneas. Esta construção, mais do que efémera, contribui para um processo contínuo de edificação da história, reificando paradigmas ideológicos que constroem quadros epistemológicos determinados que, por sua vez, esboçam representações da relação imaginária de uma sociedade com as suas “condições reais de existência” (Althusser, 1999). Denote-se ainda que estas representações (e.g. veiculadas numa notícia) jamais se assumem como ideológicas e mesmo que não sejam pensadas como realidade, consideram-se alusivas a esta (idem: ibidem). A discriminação é “um processo de diferenciação entre pessoas ou grupos sociais assente em critérios estabelecidos por quem detém o poder de produzir hierarquias de valor. [Estão-lhe] associados [...] processos adicionais de exclusão, invisibilização, marginalização, opressão, segregação e violência, cujas consequências são frequentemente dramáticas nas vidas daqueles/as que os experienciam de forma direta e/ou simbólica” (Cristina Santos, 2012). Não se pretende, no entanto, dirimir as diferenças inerentes às diferentes formas de discriminação, sustentando que as mesmas são legados de processos históricos específicos e operam através de imaginários sociopolíticos particulares, tendo consequências e estabelecendo espaços de debate distintos. É fundamental que a discussão sobre a(s) discriminação(ões) não seja essencialista, debatendo a repetição de padrões mas percepcionando e conceptualizando a diferença(25). Argumenta-se que o racismo, a xenofobia, o sexismo, a LGBTfobia, a discriminação da deficiência, entre outras formas de discriminação, permeiam as estruturas sociais e políticas, contribuindo para a constituição e perpetuação de relações que se (re)definem, sistematicamente, através de ideias de ‘normalidade’ e de ‘homogeneidade’ e, no limite, da (re)invenção sistemática de afinidades e de comunidades imaginadas (‘nós’/’eles/as’), dentro de determinados espaços sociais, identitários, políticos e económicos. Estas concepções, contribuem para a perpetuação de uma linha que forja a continuidade (tacitamente aceite) de certas disposições de poder. Mais o corrobora o facto de a discriminação e, em particular, o racismo, figurar nos media como um fenómeno descontinuado, uma excepção à dinâmica (dita integradora _________________________________________________________ (24)

De acordo com Couldry, rituais mediáticos são acções formalizadas e organizadas em torno de categorias e limites mediáticos-chave, cuja performance enquadra ou sugere uma relação com valores mais amplos relacionados com os media (Couldry, 2003: 29). Cf. original: ‘[M]edia rituals are formalised actions organized around key media-related categories and boundaries, whose performance frames, or suggests a connection with, wider media-related values’ (Couldry, 2003: 29). (25)

Por exemplo, J. Suárez-Krabe afirma que ‘disregarding the fact that whilst discrimination is an aspect of racism, racism refers to much more than discrimination’ (2012: 22). Página 23

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“os media a construção do conhecimento” e tolerante) das sociedades modernas ocidentais, essencialmente notada em momentos de crise (Suárez-Krabe, 2012: 21)(26).

É neste cenário, que pode alegar-se a predominância de uma (in)operância mediática que se revela incapaz de abrir um debate sobre discriminação, discurso e poder, corroborando, pelo contrário, um consenso sobre a ordem social, justificada, muitas vezes, pelas ideias de objectividade e de noticiabilidade (Suárez-Krabe, 2012: 43). Ideias que se baseiam no argumento de que os media estão sujeitos a um conjunto de constrangimentos relacionados, por um lado, com o seu funcionamento (e.g. o pouco disponível para a produção de notícias e preconceitos dos jornalistas) (idem: 43 - 46) e, por outro, com o facto de se tratar de um negócio (idem: ibidem) sujeito às regras do mercado. Esta linha, impossibilita o estabelecimento de uma relação entre a proliferação da discriminação e estruturas socialmente organizadas (Suárez-Krabe, 2012: 43). É a partir destas asserções que se argumenta que os media têm vindo a desempenhar um papel fundamental na (re)criação permanente de um sentido histórico de um ‘nós’, com o objectivo de promover a coesão do grupo dominante a partir da reconstrução sistemática da diferença (Essed, 1991), apoiado num sistema de construção de um modelo de racionalidade binarista, capitalista e eurocêntrica que é urgente repensar. Bibliografia Althusser, Louis (1999) ‘Ideology and ideological state apparatuses (not towards an investigation)’ in J. Evans & S. Hall (eds), Visual Culture: the reader. London, New York & New Delhi: SAGE. Almeida Santos, Clara (2008), ‘Análise de Imprensa’ in Isabel Ferin et al., Media, Imigração e Minorias Étnicas (2005-2006). Lisboa: Alto-Comissariado para a Imigração e o Dialogo Intercultural (ACIDI, I.P), pp. 47-80. Araújo, Marta; Maeso, Silvia Rodríguez (2012a), ‘History textbooks, racism and the critique of Eurocentrism: beyond rectification and compensation’, Ethnic and Racial Studies, 35-7: 1266- 1286. Araújo, Marta; Maeso, Silvia Rodríguez (2012b), ‘Slavery and Racism as the ‘Wrongs’ of (European) History: Reflections from a study on Portuguese Textbooks’, in Douglas Hamilton, Kate Hodgson & Joel Quirk (eds.), Slavery, Memory and Identity: National Representations and Global Legacies, London: Pickering & Chatto, pp. 151-166. Araújo, Marta; Maeso, Silvia Rodríguez (2010), ‘O Eurocentrismo nos Manuais Escolares de História Portugueses’, Estudos de Sociologia (UNESP, Brazil), 15 - 28: 239-270. _________________________________________________________ (26)

Como denota J. Suárez-Krabe, em Portugal, o debate sobre media e racismo “(...) operate within an idea in which people‘s individual prejudices‘ – including those of journalists – need to be countered by activating people’s positive side. This idea is linked to the idea of the Portuguese nation as an inclusive and open nation, and comes to the fore in relation to ideas of ‘inclusion‘. It is based on the secular form of theodicy - the racist idea that the one to be ‘included‘ (the ‘migrant‘, the Roma) needs to be ‘corrected‘ in order to ‘fit‘ into society. Thus the problem is again misplaced and wrongly addressed: it presupposes that the ‘migrant‘ or the Roma represent a problem that needs correction (a pathology within the body of the nation)” (Suárez-Krabe, 2012: 46). Visita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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Marcelino, Valentina (2012), ‘Criminoso Moldavo fugiu da ‘prisão’ do SEF no Aeroporto de Lisboa’, em Diário de Página 26

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“os media a construção do conhecimento” Notícias, 25 de Junho. Marcelino, Valentina (2012), ‘Moldavo finta SEF, PSP e Prossegur’, em Diário de Notícias, 27 de Junho. Marcelino, Valentina (2012), ‘SEF deixa fugir do aeroporto outro criminoso’, em Diário de Notícias, 29 de Junho. Naves, Filomena (2012), ‘Orientação Sexual na Dilatação das Pupilas’, em Diário de Notícias, 8 de Agosto. Primeiro de Janeiro (2012), ‘Moradores invadiram Câmara Municipal da Amadora. Os manifestantes acusam a autarquia de forçar os habitantes do Bairro de Santa Filomena a viver na rua como ‘lixo’, 22 de Junho. Reis, Marta F. (2012), ‘Radar Gay e não só’. Orientação sexual topa-se numa fracção de segundo’, em Jornal I, 17 de Maio. Saraiva, José António (2012), ‘Homossexuais contestatários’, em Jornal Sol, 9 de Abril. Simões, Pedro Olavo (2012), ‘Prostituição e medo no jardim de São Lázaro. Porto. Moradores e lojistas já receiam por lá passar’, em Jornal de Notícias, 17 de Fevereiro.

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ulai - resultados 10 Jornais de referência, nacionais e regionais, foram monitorizados e, mensalmente, são identificadas as notícias consideradas mais problemáticas.

12 Reuniões mensais da ULAI, para debater as notícias identificadas como mais problemáticas, consensualizar a análise e o comentário crítico e seleccionar as que vão integrar o Boletim Informativo; é também feita uma validação do Boletim a publicar.

Distribuição das 149 notícias analisadas pela ULAI, entre Janeiro e Dezembro de 2012, pelos 10 jornais monitorizados Campeão das Províncias; 1

Diário As Beiras; 3 Sol; 9

Diário de Coimbra; 17 Público; 28

17 Boletins Informativos 12 Mensais entre Fevereiro e Dezembro de 2012

Primeiro de Janeiro; 10

Diário de Notícias; 41

5 Temáticos Ciganofobia, Deficiência Imigrantes Género LGBTfobia

Jornal I; 7

Jornal de Notícias; 27 Expresso; 6

Distribuição das 149 notícias analisadas pela ULAI, entre Janeiro e Dezembro de 2012, por categorias de conteúdos Intolerância religiosa; 7

Outros; 6

Nacionalismo; 1

Disponíveis em:

http://issuu.com/ieba

Dia Internacional da Mulher; 8

Orientação sexual; 2

Discriminação de género; 9

Estereótipos; 45

LGBTfobia; 12

Ciganofobia; 8

Racismo; 12

Xenofobia; 39

Distribuição das 149 notícias analisadas pela ULAI, entre Janeiro e Dezembro de 2012, por grupos visados Não especificado; 3 Muçulmanos; 7

Eventos

Outros; 9

Sessão pública de apresentação do projecto e da ULAI Casa de Chá - 13/01/2012 Colóquio Media e (Não)Discriminação CES - 28/05/2012

Ciganos; 6 Mulheres; 34

Pessoas com deficiência; 10

Estrangeiros; 13

Vítimas; 14

Visita ao parceiro da Estónia, Tallinn University Seminário Por Outras Palavras, nos Media FEUC – 14/01/2013

LGBT; 18 Imigrantes; 35

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POR OUTRAS PALAVRAS


a ler e a ver Publicações do projecto disponíveis para leitura e download em: http://www.inotherwords-project.eu/ e em http://issuu.com/ieba

Vídeos do projecto disponíveis em: http://www.youtube.com/user/IEBAvideos e em https://www.facebook.com/PorOutrasPalavras

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POR OUTRAS PALAVRAS


nesta edição Ana Rita Alves, "Os media a construção do conhecimento" RESUMO Considerando o papel central dos media na construção de uma narrativa sobre as sociedades modernas contemporâneas, (re)criando paisagens e moldando identidades, ideologias e políticas, este artigo tem como objetivo promover um debate contextualizado e crítico em torno dos meios de comunicação como uma instituição pública com grande poder de (re) produção de realidades e de (in)visibilidades. Tendo em conta que a este discurso público acedem principalmente as elites simbólicas, é necessário enquadrar os media como uma instituição fundamental para a manutenção e legitimação da ordem social e do consenso social em torno de um conjunto de temas importantes. Argumentando que a discriminação está no cerne das sociedades contemporâneas, é importante contextualizar os meios de comunicação num cenário mais amplo, para ver como funciona a articulação entre as instituições sociais, políticas e económicas mais poderosas, ajudando a sustentar narrativas hegemónicas e a delimitar as fronteiras do poder e da identidade de grupo. No âmbito do projeto de monitorização e análise desenvolvido no contexto Português, considera-se que a perpetuação de uma episteme discriminatória e semântica nas notícias, ou seja, na construção do "outro" é baseada num conjunto de estratégias que contribuem para traçar uma linha abissal. Tendo em conta estas complexidades políticas e epistemológicas, desenvolveu-se um conjunto de argumentos que serão debatidos ao longo do artigo, a saber: - Os discursos de autoridade e da objetivação do 'subalterno' > A (re)criação de autoridade > A constante (re)produção da "subalternidade" - Invisibilização - (Des)contextualização - A retórica da meritocracia - Os meios de comunicação como os fabricantes da realidade

Nesta edição In Other Words

2

Por Outras Palavras

3

IEBA

4

“Os media e a construção do conhecimento”

5-25

ULAI - Resultados

26

A ler e a ver

27

Nesta edição, Na internet, Créditos

28

na internet Visite o website do projecto IN OTHER WORDS em: http://www.inotherwords-project.eu/ No Facebook, GOSTE de nossa página em: http://www.facebook.com/PorOutrasPalavras Conheça a Comissão Europeia–DG Justiça: http://ec.europa.eu/justice/index_en.htm

créditos Edição: IEBA Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais, Janeiro 2013 Contactos: IEBA Parque Industrial Manuel Lourenço Ferreira, Lote 12 - Apartado 38 3450-232 Mortágua, ieba@ieba.org.pt Janeiro 2013

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