8º Boletim Informativo POR OUTRAS PALAVRAS - Setembro 2012

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POR OUTRAS PALAVRAS Boletim Informativo

N.º 8, Setembro 2012

POR OUTRAS PALAVRAS? O IEBA submeteu uma candidatura ao POPH, tipologia 7.3 - Apoio Técnico e Financeiro às Organizações Não Governamentais, designada "MEDIA+IGUAL" que tem por finalidade fomentar a equidade e combater a discriminação de género nos media, pela contestação e discussão sobre a presença de elementos discriminatórios e de estereótipos de género, nas mensagens públicas difundidas pelos meios de comunicação, através dum conjunto de acções que visam a desconstrução, análise, reflexão e sensibilização para essa realidade. A metodologia proposta parte da criação de uma unidade local de análise de imprensa, com parceiros relacionados com grupos sociais discriminados, nomeadamente mulheres, que vai monitorizar e analisar vários títulos da imprensa nacional e desenvolver iniciativas para sensibilizar e informar atuais e futuros profissionais da comunicação social, bem como outros públicos especializados e o público em geral. Este candidatura surge como uma sequência a dar à parceria local já consolidada e ao trabalho iniciado com o projecto "In Other Words", integrando as mesmas entidades da unidade local de análise de imprensa, coordenadas pelo IEBA: GRAAL Movimento Internacional de Mulheres, APAV – GAV Coimbra, Movimento SOS Racismo, APPACDM – Coimbra, Associação “Não Te Prives” – Coimbra e UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta.

Boletim Informativo n.º 8 - Setembro de 2012 Monitorização: de 1 a 31 de Agosto de 2012, foram monitorizados diariamente 10 jornais de referência: 3 de âmbito regional (Campeão das Províncias, Diário As Beiras e Diário de Coimbra) e 7 de âmbito nacional (Diário de Notícias, Jornal I, Jornal de Notícias, O Expresso, O Público, Primeiro de Janeiro e Sol). Nesta edição: 1 - Editorial 2 - Pela Positiva, Visibilidade 3 - Estereótipos 4 - Estereótipos 5 - Xenofobia 6 - Estereótipos 7 - UMAR, Sugestões de Leitura, Créditos

IN OTHER WORDS é um projecto financiado com o apoio da Comissão Europeia. A informação contida nesta publicação (comunicação) vincula exclusivamente o autor, não sendo a Comissão responsável pela utilização que dela possa ser feita.


pela positiva Pode parecer estranho que uma notícia na secção ‘Pela Positiva’ tenha como título ‘Ataques contra imigrantes na Grécia estão a ficar cada vez mais violentos’. Relembra-se somente que o que se analisa são os discursos dos media em relação aos assuntos e não os assuntos em si. Consequentemente,

advoga-se

que esta notícia deve ser considerada na medida em que procura inscrever um debate social sério sobre os acontecimentos relacionados com os ataques, cada mais generalizados, a imigrantes na Grécia. A notícia permite dimensionar a gravidade dos acontecimentos, através de uma descrição completa e complexa, permitindo desvendar a base estrutural dos ataques. in O Público, 16/08/2012

visibilidade Esta notícia dá visibilidade à contestação de uma das Leis considerada por muitas organizações, entre as quais o SOS Racismo, como das mais xenófobas de sempre, aprovada num país que se diz em favor dos imigrantes e que aparece em 2º lugar no MIPEX III Índex de Políticas de Integraç ã o

d e

M i g r a n t e s

( a c e s s í v e l

e m :

http://acidi.gov.pt.s3.amazonaws.com/docs/Eventos/MIPEX_2007.pdf). Destaca-se a violência estrutural da Lei e as suas intenções, pondo a descoberto a estrutura do sistema. Considerando as mudanças trazidas pela promulgação desta Lei, seria interessante que os media aprofundassem a análise, de forma a explicitar as intenções políticas da Lei, bem como o quadro ideológico em que se encaixam estas políticas. Para tal, considerase que o parágrafo final do texto, no qual o SOS Racismo acusa a Lei de ser elitista e selectiva, designadamente a partir da distinção entre ‘imigrante rico e qualificado’ e ‘imigrante pobre’, deveria ser explicada.

Visita ao parceiro da Estónia, Tallinn Univer-

in Sol, 10/08/2012

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estereótipos Recentemente, uma aluna da Escola Haute École Rits, em Bruxelas, Sophie Peeters, realizou um documentário intitulado Femme de la Rue (http://www.youtube.com/watch?v=ESdZDwcA5iM). Este trabalho procurou trazer a público uma discussão sobre o machismo e os piropos lançados às mulheres no dia-a-dia. O texto que se segue procura estabelecer uma análise comparada entre duas notícias, redigidas em dois espaços mediáticos distintos, observando como é que o mesmo acontecimento pode originar conteúdos noticiosos completamente diferentes. No Jornal de Notícias pode ler-se ‘Filme sobre Piropos causa Polémica. Estudante realizou documentário sobre assédio nas ruas de Bruxelas · Ministro do Interior admite adopção de medidas’. Esta notícia, ao relatar o sucedido, cria um espaço de denuncia do machismo, através da visibilização dos piropos como um forma natuin Jornal de Notícias, 08/08/2012

ralizada de assédio sexual. No corpo da notícia perpassa a ideia de que este tipo

de assédio verbal é uma forma de opressão que conduz à adopção de uma conjunto de ‘estratégias para fugir à situação’ (sic), sendo que, para a realizadora, a única solução para este problema passa por ‘sair à rua acompanhada por um homem’ (sic). Neste sentido, a notícia acaba por reproduzir a ideia de que é necessária uma ‘tutela’ para as mulheres, reafirmando um conjunto de princípios conservadores sobre os papéis e os espaços de posicionamento e de negociação das identidades de género. Denota-se que apesar de haver um foco no piropo como agressão verbal e sexual impeditiva de efectivação da liberdade das mulheres no espaço público, as soluções apresentadas parecem sugerir mais uma solução possível a partir da alteração dos comportamentos das mulheres do que de mudança da ideologia patriarcal e machista dominantes. Finalmente, diga-se que a notícia termina com a citação de uma acusação feita por parte de um grupo denominado Sharia4Belgium (que remete para o imaginário islâmico, já que a ‘Sharia’ é a lei religiosa - código moral - do Islão). Esta acusação, que remete para a culpabilização da mulher, não só aparece descontextualizada, como enfatiza uma das grandes polémicas que o filme causou, uma vez que este foi filmado nas ruas de Anneesens-Lemonnier (um bairro com um elevado número de população imigrante, sobretudo de origem árabe), o que originou algumas acusações de xenofobia ao documentário. Esta questão deve ser lida na esteira das produções contemporâneas islamofóbicas, que constroem o homem ‘islâmico’ como o exemplo paradigmático do machismo, servindo tais argumentos para legitimar o progresso e a democracia ocidental, bem como, a invasão de espaços geográficos por parte de organizações internacionais e Estados-Nação. Continua na página seguinte...

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estereótipos Por sua vez, no Diário de Notícias é produzida uma notícia sobre o mesmo tema denominada ‘Quando são os homens a sofrer com os piropos. · Polémica. Vídeo de estudante reabriu debate sobre assédio, mas em Portugal especialistas dizem que sexo masculino também se queixa’. Embora o primeiro parágrafo da notícia se empenhe em resumir os eventos e as suas possíveis consequências em termos políticos, o segundo capítulo enuncia aquele que parece ser o tom inicialmente jocoso e relativista do artigo que, em conjunto com o título, pode conduzir à interrogação da pertinência do debate do artigo e do porquê desta escolha. Diz-se isto, no sentido em que o teor da notícia altera-se em relação ao facto ‘original’. Ao relativizar o uso do piropo, por homens e mulheres, pressupondo de alguma forma a sua universalidade, perpassa não só a ideia de que se pode falar numa pressuposta base de igualdade de género em que os homens são igualmente vítimas de comportamentos de assédio, estando consequentemente na posição de compreender e, inclusivamente, empatizar com as mulheres. Este argumento não deixa de ser arriscado, no sentido em que as agressões sexuais, numa sociedade de matriz masculina e patriarcal, não pode pressupor uma discussão sobre violência sexual contra homens e mulheres numa base de horizontalidade. Por outro lado, a notícia in Diário de Notícias, 16/08/2012

apresenta, através das palavras de um dos sexólogos entrevistados,

uma espécie de ‘justificação histórica do piropo’: ‘é necessário perceber a motivação do piropo, que historicamente está relacionado com desigualdades de género: ‘É pedido e esperado que o homem corteje toda a mulher que por ele passe, mesmo que não haja interesse nela – é uma forma de evidenciarem a sua pseudomasculinidade’ diz, salientando que, no entanto, ‘é importante diferenciar o galanteio do abuso sexual’’ (sic). Ora, esta ‘justificação histórica’ parece desculpabilizar a utilização do ‘piropo’ através de uma infantilização vitimização dos homens, constituídos como sujeitos passivos, incapazes de lutar contra as opressões inculcadas pela sociedade maioritária, o que vem simultaneamente questionar o pressuposto de igualdade que parece servir de base à produção desta notícia. Todo este discurso produz uma despolitização da questão, invertendo o sentido da notícia que, ao invés de tratar de questões de sexismo, machismo, assédio e cinema, trata de outra coisa. Destaque-se, ainda, a utilização de adjectivos de cariz paternalista como ‘capaz’ (sic) e ‘pró-activas’ (sic), que são utilizados para descrever as mulheres contemporâneas, constituídas como entes ameaçadores da masculinidade hegemónica. Embora se dê, simultaneamente, a ideia de que para a maioria dos homens um ‘piropo’ não é um problema, reequacionando, uma vez mais, a relação entre piropo e assédio, retirando-o da esfera da violência e da invasão, da liberdade e da agressão e banalizando-o. É como se a reciprocidade (mesmo que existisse) anulasse a agressão e as desigualdades de género nas sociedades contemporâneas.

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xenofobia O processo de demolição em curso no Bairro de Santa Filomena (Amadora) ameaça despejar todos os residentes que ali construíram as suas vidas (ou parte delas), independentemente de se encontrarem ou não abrangidos pelo Plano Especial de Realojamento (PER), correndo o risco iminente de serem despejados sem terem uma habitação. Esta controvérsia tem originado a produção de alguns artigos nos media, mas mais no sentido de reportar os acontecimentos, do que na tentativa de despoletar uma discussão pública consequente, sobre um processo que afronta os princípios da dignidade e respeito pelas pessoas, bem como um conjunto de cartas internacionais, designadamente, a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais. No sentido de lutar contra esta situação, a Associação de Moradores do bairro, a plataforma Habita e algumas pessoas têm promovido um conjunto de acções de protesto contra as demolições. Uma das acções que maior visibilidade obteve nos meios de comunicação foi um protesto realizado primeiro no interior (todas as pessoas tiraram uma senha de atendimento e foram expulsas) e posteriormente no exterior, em frente à Câmara Municipal da Amadora, após uma reunião com a Vereadora da Habitação, Clara Tavares, que afirmou, perentoriamente, a demolição do bairro. Ora, esta notícia, que postula que os moradores invadiram a Câmara Municipal (sic), ‘obrigando à intervenção da PSP’ (sic), não só não explica aquilo a que se refere com a palavra invasão - que se aproxima de um imaginário, por um lado de guerra ou, por outro, de ocupação - mas em qualquer das situações perpassa a ideia relacionada com uma carga violenta, de força. De forma complementar, a formulação ‘obrigando à intervenção da PSP’ legítima a acção da polícia, que aparece aqui como ‘forçada a agir’. Neste sentido, a tónica é colocada na acção e na culpabilização dos moradores. A notícia não se limita a descrever objectivamente os factos, mas sim a elaborar um juízo de valor sobre o sucedido. Acrescente-se, ainda, que a palavra final é a da autarquia, que funciona como uma espécie de reposta aos moradores supra-citados e que justifica a sua actuação: ‘vamos acabar com a miséria’ (sic). Um discurso caritativo que encapota situação de planeamento, de interesse e especulação imobiliária.

NOTA:

Esta

notícia foi publicada em Junho de

2012

mas,

perante a sua atualidade, decidimos incluir análise

a

sua nesta

edição.

in Primeiro de Janeiro, 20/06/2012

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estereótipos Em primeiro lugar, assinala-se que esta notícia causa alguma estranheza na medida em que parece constatar o óbvio: que pessoas com orientações sexuais distintas, vão reagir de forma distinta a coisas distintas. No entanto, a conclusão do texto é reveladora ao defender que as mulheres, e poucos homens, têm ‘um desejo sexual flexível’, veiculando a ideia de que as mulheres são ‘naturalmente’ bissexuais.

in Diário de Notícias, 08/08/2012

Considera-se que, além da reafirmação de um conjunto de ideias sobre a construção da sexualidade da mulher, que em grande parte pode considerar-se fetichista, é preocupante que um estudo procure naturalizar fisicamente e de alguma forma fixar biologicamente uma característica que se pensa social e identitária. Acrescente-se, ainda, que é sempre mencionado de que universidade e em que revista é publicado o estudo, como forma de legitimação e de poder, validando automaticamente os resultados provenientes deste tipo de estudos. No entanto, raramente, e este caso não é excepção, se menciona a especialidade, de forma a que possa ser percebido o enquadramento teórico e as perspectivas directoras deste tipo de investigação.

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UMAR A UMAR - União de Mulheres

gerações de mulheres, abrir espa-

então tem vindo a promover acções

Alternativa e Resposta - é uma

ços de intervenção para as mais

feministas comprometidas com os

associação de mulheres constituí-

jovens e actualizar a sua interven-

objectivos da UMAR.

da em 12 de Setembro de 1976.

ção com uma Agenda Feminista de Recentemente aderimos ao projec-

Como Organização Não Governa-

to “In Other Words”, no qual cola-

mental está representada no Conselho

Consultivo

da

boramos com outras associações,

CIDM

num compromisso de alertar para

(Comissão para a Igualdade e Direitos

das

Mulheres)

os estereótipos e discriminações

desde

que ainda continuam a ser difundi-

1977. Nasceu da participação acti-

dos pelos média, e com o objectivo

va das mulheres com o 25 de Abril

comum de contribuir para a cons-

de 1974 e da necessidade sentida, por muitas delas, de criarem uma

novas e "velhas" causas, como seja

associação que lutasse pelos seus

o direito à contracepção e ao abor-

direitos, naquele novo contexto

to, a luta contra a violência domés-

político.

tica, a Paridade nos órgãos de

A UMAR é hoje uma associação que se reclama de um feminismo comprometido socialmente, empenhada em despertar a consciência

homo-lesbo-bi-transfobia e outras formas de exclusão social.

internacional em iniciativas como a da Marcha Mundial de Mulheres. A UMAR conta com uma rede de

sa.

núcleos a nível nacional, de entre

a UMAR conseguiu unir várias

sem sexismo, racismo, xenofobia,

decisão política ou o envolvimento

feminista na sociedade portugue-

De um percurso de quase 30 anos,

trução de uma sociedade inclusiva

os quais o núcleo da UMAR Coim-

Saiba mais em: www.umarfeminismos.org

bra que surgiu em 2011 e desde

sugestões de leitura Feminismos - Percursos e Desafios (1947-2007) - de Manuela Tavares, Texto, 2011 O Livro Negro da Condição das Mulheres de Christine Ockrent, Temas e Debates, 2007 Novas Cartas Portuguesas de Maria Velho da Costa, Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Edição/reimpressão: 1998, Dom Quixote Mulheres de Armas - histórias das brigadas revolucionárias as acções armadas, os riscos, as motivações de Isabel Lindim, Prisa Edições, 2012

na internet Visite o website do projecto IN OTHER WORDS em: http://www.inotherwords-project.eu/ No Facebook, GOSTE de nossa página em: http://www.facebook.com/#!/PorOutrasPalavras Conheça a política e actividades da Comissão Europeia na área da Justiça em: http://ec.europa.eu/justice/index_en.htm

créditos Edição: IEBA Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais, Setembro 2012 Revisão: ULAI Unidade Local de Análise de Imprensa - APPACDM Coimbra, APAV, GRAAL, NÂO TE PRIVES, SOS RACISMO Contactos: IEBA Parque Industrial Manuel Lourenço Ferreira, Lote 12 - Apartado 38, 3450-232 Mortágua, ieba@ieba.org.pt N.º 8, Setembro 2012

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